Legionário, N.º 800, 7 de dezembro de 1947

7 Dias em Revista

A semana passada foi de grande importância política, pois que se prepararam ao longo dela acontecimentos decisivos para o mundo, em três planos distintos, mas todos de primeira grandeza na ordem dos problemas contemporâneos. Na França, a crise  social vai maturando lentamente, e chegando a um ponto em que a solução final se tornará inadiável. Em Londres, trabalha-se ativamente para decidir os destinos da Alemanha. Na ONU, reconheceu-se aos israelitas o direito a um lar nacional na Judéia. Cada um destes pontos é tão rico em significado e conseqüências, que merece ser tratado isoladamente.

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Primeiramente, a crise francesa. Falamos linhas acima, de crise social. A expressão, porém não contém toda a realidade. Na França, a crise social se está revelando em última análise muito suscetível de solução. Toda a dificuldade do problema está na crise internacional.

Expliquemo-nos. As últimas eleições demonstraram que o povo francês é fundamentalmente anticomunista. A bancada numerosa (e ainda assim francamente minoritária) de que o PC dispõe no Parlamento se deve exclusivamente a que a opinião pública, ainda galvanizada pelo ideal de Resistência, elegeu nos primeiros dias da vitória um bom número de deputados comunistas, principalmente porque eles tinham sido heróis no movimento subterrâneo. Se o Parlamento fosse dissolvido hoje, não há dúvida de que a bancada comunista seria bem menor. Assim, parlamentarmente falando, a situação dos comunistas é das mais precárias. Como na França a própria Constituição confere ao Presidente da República o direito de dissolver a Câmara, os comunistas estão expostos a perder de um momento para outro sua atual situação no Legislativo. O Executivo não está em suas mãos. O Judiciário também não. A administração municipal lhes escapou nas últimas eleições. Não parece que eles tenham influência no Exército ou na Marinha. Os comunistas estão, pois, no risco de ser atirados de um momento para outro ao ostracismo político, que eles quase não têm meios de evitar.

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Teriam um, e este meio eles também o estão perdendo gradualmente. Até certo ponto, poder-se-ia explicar que o Presidente Auriol ainda não tivesse dissolvido o Parlamento: como medida de reação contra a convocação de novas eleições, os comunistas poderiam facilmente desencadear uma greve geral, cujos efeitos sobre a economia francesa seriam ruinosos. É verdade que este procedimento seria da parte dos comunistas, sumamente antidemocrático, uma vez que não se compreende que os pretensos paladinos dos direitos do povo se oponham a que a opinião pública seja novamente consultada, através de eleições legais e livres, a respeito de suas preferências políticas. Mas os comunistas se importam muito pouco, no fundo, com a lógica e com os direitos do povo. E, assim, a ameaça de uma greve geral poderia pesar no ânimo do Presidente Auriol de modo não pequeno, levando-o a evitar a dissolução do Parlamento. Esta ameaça era a única arma de que os comunistas dispunham para manter sua atual situação parlamentar. Ora, esta arma, eles acabam precisamente de a destruir.

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O grande reduto do comunismo era a CGT, e de modo geral todo o sindicalismo francês. Era esta a máquina que os comunistas pretendiam manobrar para desencadear a greve geral. Manobraram-na com efeito, mas ela se partiu em suas mãos. De um lado, a Confederação Cristã dos Trabalhadores lutou contra a greve, não sem resultados. De outro lado, uma cisão na própria CGT veio mostrar que os comunistas não dispunham ali da unanimidade de que se gabavam. Por fim, o sistema do voto secreto, empregado com êxito para se decidir se os operários deviam entrar em greve, demonstrou que importantes correntes operárias eram contra a greve, não ousando manifestar-se apenas por temor da coação moral exercida sobre eles pelos agitadores comunistas. A tal ponto é isto verdade, que os comunistas lutaram energicamente contra o voto secreto. E isto provou ainda mais uma vez que os comunistas não são senhores e possuidores da massa operária, que não a dominam nem a manobram como um rebanho inconsciente. Por fim, a maior das desmoralizações consistiu em que um  pouco por toda parte os operários, percebendo que estavam servindo de mero joguete aos comunistas, começaram a “furar” a greve, de sorte que o movimento paredista foi murchando em toda a França a despeito da pressão vermelha. Tudo isto somado significa que em última análise a CGT foi inoperante, e que os comunistas não possuem o operariado. Em outros termos, se a situação internacional fosse normal, eles seriam fragorosamente derrotados pelos próprios franceses.

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De onde vem pois a gravidade do perigo? Exclusivamente da situação internacional. Se os comunistas constituem para a França uma ameaça, deve-se isto ao exclusivo fato de que eles têm a proteção de uma grande potência, a qual só os apoia por ver neles um instrumento para a realização dos objetivos que ela vem procurando alcançar no mundo inteiro. Em outros termos, isto se define assim: mais claramente do que nunca está demonstrado que os comunistas constituem uma 5ª coluna ativa e cheia de dolo, que opera em território estrangeiro por conta da URSS, a serviço desta, e segundo as diretrizes vindas de Moscou. Dar ao comunismo o golpe de misericórdia dentro da França, convocando novas eleições e impondo o voto secreto daqui por diante em todas as deliberações sindicais, não seria provocar uma interferência da Rússia, e a deflagração da guerra? Ou, em outras palavras, se a França quiser ser dona em sua própria casa, e consultar honestamente seus cidadãos sobre os destinos que querem dar à pátria, permiti-lo-á a Rússia?

É a isto, a se deter diante de problemas humilhantes como este, que está reduzida uma nação que foi, é, e continuará a ser uma das primeiras nações da Terra.

Meditem sobre isto as nações mais novas...

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Assim passamos, como que insensivelmente, do campo da política internacional para o agitado e escorregadio da política brasileira. A questão da cassação dos mandatos está na ordem do dia. Já temos declarado insistentemente que ela se impõe. Não tememos a ação do comunismo na livre luta eleitoral: está demonstrado que os brasileiros não lhe têm a menor simpatia. Mas o perigo consiste em deixar que uma verdadeira quinta-coluna continue instalada entre nós.  O que poderá fazer no Brasil a quinta-coluna comunista? Evidentemente, um desembarque soviético em terras brasileiras é perfeitamente quimérico. Mas, em toda a América Latina, o comunismo está organizado de sorte a poder, em caso de guerra mundial, prolongar indefinidamente o regime das sabotagens e das desordens, prejudicando assim gravemente, não só os serviços de mobilização militar dos nossos soldados eventualmente chamados a combate em outras terras, mas ainda o abastecimento do mercado norte-americano com as matérias primas que somos capazes de produzir. Tudo isto pode pesar de modo decisivo na luta. E, assim, é bem compreensível o empenho que tem Moscou em manter o comunismo ativo entre nós, e em proteger sua ação traiçoeira, sob a proteção das leis brasileiras, e das garantias que nossa ingenuidade se compraz em dispensar a essa perigosa quinta-coluna.

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Analisando a situação francesa devemos observar que as atividades comunistas destruíram a bem dizer a democracia naquele país. O próprio MRP – bando de sonhadores da main tendue – foi obrigado a empregar os métodos enérgicos preconizados pelo general De Gaulle. Assim, o grupo da main tendue não estende mais às feras a mão inerme e empunha hoje decididamente o fuzil de guerra. Certa imprensa brasileira tem insistido muito sobre esse ponto, e tem toda a razão. Não compreendemos, porém, como possa ela depois disto bater-se contra a cassação dos mandatos. Se o legislativo recusar a cassação, e os comunistas promoverem aqui desordens como as da França, que remédio haverá, senão chegar até lá? E que caminho haverá  para isto, senão um golpe contra o próprio Parlamento se este se obstinar em não defender o país contra a quinta-coluna?

Está atrás de nós uma longa tradição de lutas antifascistas, antinazistas, etc. Temos, pois, autoridade para perguntar aos sonhadores brasileiros se não percebem a contradição em que se enterram.

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A Conferência de Londres não tem interessado muito a opinião pública, não porque os assuntos ali tratados careçam de interesse, mas porque todos sentem a precariedade da própria Conferência. Estamos cansados destas tertúlias internacionais, em que as reuniões começam sempre com otimismo, acabam sempre com pessimismo, e os resultados em geral são nulos. Assim, pois, suspendemos nosso juízo a respeito da questão. Só quando conhecermos os resultados concretos da conferência, nos animaremos a comentá-la, tanto mais quanto receamos muito que ela seja simplesmente mais uma dessas parolagens internacionais ocas e desinteressantes, em que parece cifrar-se a diplomacia de nossos dias.

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Vamos agora à questão da Terra Santa. O mundo inteiro está cheio do rumor levantado por ela. Os povos islâmicos se estão movimentando. Os elementos radicais do judaísmo, descontentes, reivindicam a própria posse dos lugares sagrados. O problema de saber a quem deve pertencer a Palestina parece insolúvel. Aos árabes, aos judeus? Ninguém sabe. E como são poucos, neste mundo revolto, os que têm a coragem de enunciar a verdadeira decisão? Quem tem a coragem de afirmar o princípio verdadeiro de que Jerusalém e os Lugares Santos, por terem sido consagrados pela Vida, Paixão e Morte de Nosso Senhor Jesus Cristo, são o patrimônio comum da Cristandade, e, portanto, não podem estar sob domínio exclusivo nem de árabes, nem dos judeus?