Revista "Catolicismo", n° 429, setembro de 1986 (www.catolicismo.com.br)

A realidade sobre a situação sócio-econômica do Brasil: reverente comunicado da TFP à S.S. João Paulo II

São Paulo, 28 de junho de 1986

A Sua Santidade

João Paulo II

Cidade do Vaticano

Apresentando a Vossa Santidade os protestos de nossa profunda veneração, pedimos vênia para levar a seu conhecimento quanto segue:

TFP, entidade cívica de inspiração católica, cuja posição em matéria de Reforma Agrária é diametralmente oposta à da esquerda católica

I – Esta Sociedade é constituída por católicos praticantes, alguns deles intelectuais, e outros homens de ação. Reúne-os o propósito de – complementarmente ao esforço construtivo exercido por tantas obras católicas no sentido de aliviar a situação dos pobres e resolver em espírito de justiça e de caridade a questão social – esclarece a opinião pública, e especialmente os ambientes católicos, acerca dos erros e tramas do comunismo, o qual tem empenhado crescentes esforços, nas últimas décadas, a fim de se inculcar como doutrina aceitável e assimilável pelos católicos desta Nação.

Para isto, e com intuito específico de preservar na sociedade temporal o que resta de civilização cristã, esses católicos leigos se constituíram por própria iniciativa, e sob a autoridade de uma diretoria eleita por eles, em uma entidade que se inspira nos ensinamentos do Supremo Magistério. Ela se professa submissa à Sagrada Hierarquia em tudo quanto diz respeito à Fé e aos costumes.

II – A esse título, a Sociedade Brasileira de Defesa da Tradição, Família e Propriedade – TFP vem participando ativamente do presente debate agro-reformista, no qual assume posição diversa da dos católicos a justo título ditos de esquerda. Pois a entidade impugna como injusta a desapropriação de imóveis rurais grandes, médios ou pequenos, feita pelo Poder Público a preço vil, e até quando tais imóveis sejam ocupados e plantados devidamente, de acordo com a função social do direito de propriedade.

III – Nessa importante questão, as divergências resultam muito mais da diversidade do modo de ver os termos concretos do problema rural no Brasil, do que de divergências propriamente doutrinárias. A TFP acrescenta de passagem estar persuadida de que, do ponto de vista doutrinário, seu pensamento é o da imensa maioria dos católicos brasileiros, tanto trabalhadores manuais quanto proprietários. E também de ponderável número de veneráveis Srs. Bispos.

IV – Parece muito conveniente destacar este ponto – a importância dessas divergências sobre o "status quaestionis" da controvérsia agrária – para o que pedimos vênia de acrescentar aqui um exemplo concreto.

 

Desapropriações de terras particulares não se justificam no Brasil: o Poder Público é o maior latifundiário improdutivo do Mundo Livre

Estimativas baseadas em dados fornecidos pelas próprias fontes oficiais indicam que cerca de 50% do território nacional está ainda constituído de terras – em geral agricultáveis – pertencentes aos Poderes Públicos federal, estaduais e municipais do País. O montante das terras assim disponíveis equivale a duas vezes as áreas territoriais somadas da Alemanha, França, Espanha, Itália, Grã-Bretanha e Irlanda! Desse modo, os trabalhadores manuais desejosos de adquirirem terras devem ser atendidos gratuitamente (e até com auxílio estatal) por meio de áreas de domínio do Poder Público. O que torna inexcusável que este último mantenha incultas e inúteis as suas próprias terras, as quais formam o maior latifúndio inaproveitado do mundo atual, enquanto desapropria a preço vil e confiscatório as terras de particulares.

 

Os católicos de esquerda manipulam argumentos técnicos inconsistentes, ou de ordem meramente sentimental

Essa situação espantosa, cuja constatação pode pré-julgar a solução a ser dada a todo o problema agrário, não é contestada pelos agro-reformistas, os quais não ousam afirmar o caráter prioritário do aproveitmento das terras particulares sobre as terras públicas, para efeito de reforma agrária. Para explicar de algum modo sua posição, recorrem eles a argumentos de caráter técnico concernente às dificuldades dessa exploração, ou então sentimentais, como a tristeza dos que migrarem para zonas distantes e inocupadas, separando-se dos troncos familiares originários. E, assim, a questão agro-reformista se esvai em meandros concretos que pouco ou nada têm que ver com a doutrina do Supremo Magistério Eclesiástico.

A TFP lança obra que refuta a argumentação dos agro-reformistas

V – Até aqui, a TFP tem publicado obras nas quais trata, não só dos aspectos morais do problema agro-reformista, como ainda dos seus aspectos técnicos.

Mas, para o efeito de desentranhar do modo mais visível uns aspectos dos outros, tem ela no prelo – a sair nos próximos dias – importante trabalho intitulado Is Brazil Sliding Toward the Extreme Left? Notes On the Land Reform Program in South America's Largerst and Most Populous Country (O Brasil resvalando para a extrema esquerda? Notas sobre a Reforma Agrária na maior potência territorial e demográfica da América do Sul), de autoria do notável economista Carlos Patricio del Campos, Master of Science em Economia Agrária, pela Universidade de Berkeley (Califórnia, EUA).

A agricultura brasileira cumpre com passo firme o seu dever, crescendo, a cada ano, 2% mais que a população

VI – A título de exemplo, permita-nos Vossa Santidade mencionar aqui alguns dados – solidamente documentados na obra junto – os quais demonstram quanto é carente de objetividade a descrição da presente realidade sócio-econômica brasileira, traçada com tinta profundamente escura e pessimista pelos fautores da Reforma Agrária:

  1. A agropecuária brasileira tem contribuído significativamente para o progresso social e econômico do País. O citado trabalho de Carlos Patricio del Campo mostra que:

  1. Na última década, a produção agro-pecuária per capita aumentou a uma taxa média anual de 2%. Isto significa que essa produção superou sensivelmente o crescimento demográfico do País;
  2. 50% das exportações do Brasil são de origem agropecuária;
  3. A agropecuária brasileira transferiu 35 a 48% de sua renda para a indústria e o comércio.

 

O salário rural tem crescido, apesar da crise econômica, na qual cabe pesada responsabilidade à estatização industrial, levada a cabo, sobretudo, no Governo Geisel

  1. O salário real do trabalhador agrícola aumentou de 3,8% a 6,3% anualmente, durante a década de 70. Entre os anos 82 e 84, o salário real diminuiu, acompanhando a queda geral da renda do País causada pela crise da dívida externa. Crise esta, diga-se de passagem, que de nenhum modo se deve a qualquer retrocesso ou estagnação na agropecuária, mas a fatores outros, entre os quais os especialistas de todas as correntes atribuem pesada responsabilidade no fracasso da ampla estatalização industrial levada a cabo principalmente sob a presidência do General Ernesto Geisel (1974-1979).
  2. O forte crescimento da produção agrícola ocorrido no ano de 85 (8,0%) e as boas perspectivas para 1986 indicam uma provável recuperação dos salários na agricultura.

    Nas últimas décadas, espontâneo e significativo aumento na difusão da propriedade da terra no Brasil

  3. O número de proprietários rurais tem crescido a uma taxa de 2% ao ano, nas últimas décadas. No ano 80 (último censo agropecuário), 49% da população ativa agrícola masculina maior de 24 anos era proprietária de terras. Porcentagem que vem aumentando constantemente no decorrer dos anos.

 

Não existe no País o quadro desolador de miséria apregoado pela propaganda das esquerdas

4. O quadro desolador de miséria com que se descreve a situação social do Brasil não corresponde à realidade.

Sem negar a existência de certas situações que exigem urgente solução, cumpre ponderar, entretanto, que os dados disponíveis não confirmam este quadro desolador. O mencionado livro Is Brazil Sliding Toward the Extreme Left? Aponta, entre outros, os seguintes dados:

Franca diminuição da pobreza nas últimas décadas

a) O número de famílias pobres diminuiu significativamente. De 44% no fim da década de 60, eram no máximo 18%, no fim da década de 70;

Aumento do poder aquisitivo da população

b) Em 1960, 12% das famílias tinham geladeira; em 1980, 50%. Em 1960, 5% das famílias tinham televisão; em 1980, 54%. As residências com luz elétrica aumentaram, no mesmo período, de 39% para 67% do total de residências do País. O porcentual de famílias possuidoras de rádio aumentou de 35% para 76%, no período;

Vigorosa ascenção social

c) A Nação brasileira se caracteriza por uma vigorosa mobilidade social em sentido vertical. Entre 55% a 65% das famílias de classe baixa ascendem de posição social, de uma geração para outra. E entre 53% a 72% das pessoas pertencentes a essa mesma classe ascendem de categoria social;

Também não é real o quadro de desnutrição descrito pela esquerda católica

d) Carece de qualquer fundamento sério a afirmação de que a grande maioria da população brasileira é desnutrida. Tomando em consideração as necessidades recomendadas para o consumo de nutrientes, e de acordo com a mais completa pesquisa sobre nutrição realizada no Brasil, existe em média um superávit calórico no consumo alimentar da população.

Estudo realizado pelo Banco Mundial (baseado na mesma pesquisa) para averiguar as deficiências no consumo de nutrientes, com o objetivo de que a população brasileira atinja padrões de peso e altura análogos aos das faixas de renda mais altas do País, apurou que no máximo 17% da população estava com déficit em relação ao mencionado padrão de consumo. Por outro lado, os especialistas afirmam que esses dados avaliam o risco de desnutrição, e não a desnutrição propriamente dita. Ou seja, os referidos 17% não correspondem necssariamente à população desnutrida, mas à população em risco de desnutrição.

A causa da má alimentação de muitos se prende não tanto a problemas de renda, mas a hábitos alimentares e aspectos educacionais e culturais;

Os índices de mortalidade infantil diminuem, e sua causa não é a subnutrição

e) De acordo com as estatísticas disponíveis, os índices de mortalidade infantil têm diminuído significativamente. A principal causa da mortalidade são as doenças infecciosas, tendo a desnutrição participação insignificante no índice de óbitos.

A fome e a miséria apregoadas pelas hordas de agro-agitadores, mito publicitário posto a serviço da esquerdização do Brasil

VII – Mas, diria explicavelmente um observador colocado à distância, e contra-informado por tantas notícias difundidas pelos mass media: por mais dignas de nota que sejam as informações acima, não podem elas valer contra a evidência dos fatos. Ou seja, contra o bramido trágico dos trabalhadores rurais que se arrastam famintos ao longo das estradas, e invadem propriedades para extraírem da terra, com o trabalho de suas mãos, o nutrimento necessário ao sustento para a família e para si mesmos!

Quanto são tendenciosas essas – como outras – notícias difundidas no mundo pelo tufão das propagandas modernas!

Não podendo alongar ainda mais o presente telex, já demasiado extenso, não nos é dado provar ao Augusto Pontífice quanto há de exagerado, por vezes até ao delírio, nesse noticiário posto a serviço da esquerdização do Brasil.

Seja-nos entretanto lícito mencionar aqui uma circunstância que só por si deixa ver o exagero inconcebível dessas versões.

Na imprensa falada e escrita do Brasil, só há referências a trabalhadores manuais extrínsecos às fazendas, que penetram nelas ilegalmente. Nunca, ou como que nunca, há referências à apropriação de áreas ainda disponíveis na própria fazenda, feitas por trabalhadores manuais nela empregados, e necessitados de matar a forme por meio de seu próprio trabalho, apossando-se das mencionadas áreas disponíveis. Como igualmente não há referência a um só caso em que trabalhadores empregados numa terra confraternizem com os invasores no impor uma divisão ao proprietário. De onde se deduz que reina a inteira paz social nas incontáveis fazendas percorridas em suas andanças pelos invasores.

"…dado que Vossa Santidade receberá em breve a visita do Exmo. Sr. Dr. José Sarney, DD. Presidente da República brasileira…"

VIII – Não tendo conseguido que a impressão da obra do sr. Carlos Patricio del Campo ficasse concluída no prazo desejado, a TFP se permitirá de oferecer a Vossa Santidade assim que ela venha a lume. Entretanto, dado que Vossa Santidade receberá em breve a visita do Exmo. Sr. Dr. José Sarney, DD. Presidente da República brasileira, o qual parece impossível que não aborde com Vossa Santidade a questão agrária, de cujos debates a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil tem participado a fundo, a TFP ousa oferecer a Vossa Santidade, previamente a essa visita, o texto português datilografado da mesma obra, do qual todas as páginas vão rubricadas pelo Ufficio das TFPs em Roma, encarregado da respectiva entrega. E pede respeitosamente desculpas pela apresentação inerente às minutas, e portanto inadequada para subir à augusta apresença de Vossa Santidade. Serve-nos de desculpa o fato de não ter ficado pronto a tempo o trabalho gráfico, ora em execução em Nova York.

IX – Ao oferecer à Vossa Santidade o presente estudo, a TFP é movida pela esperança de que os subsídios técnicos nele contidos possam, nesta emergência, ser de algum proveito para Vossa Santidade, especialmente no que diz respeito à grande importância dos dados técnicos e temporais que servem de premissa para toda a controvérsia sobre a legitimidade moral da Reforma Agrária.

Nessa expectativa, a TFP apresenta a Vossa Santidade a filial homenagem de seu profundo respeito, e roga para seus dirigentes, seus sócios, cooperadores e correspondentes, as orações e preciosas bênçãos de Vossa Santidade.

Plinio Corrêa de Oliveira

Presidente do Conselho Nacional da

Sociedade Brasileira de Defesa da

Tradição, Família e Propriedade

Rua Maranhão 341

01240 – São Paulo

BRASIL