Plinio Corrêa de Oliveira

 

 

Minha

 

Vida Pública

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Parte XI

Livros e Campanhas de grande repercussão na década de 1980

 

Capítulo II

“Sou católico: posso ser contra a Reforma Agrária?” (1981)

[Clique sobre a foto para aceder ao texto do livro]

1. “Igreja e Problemas da Terra (IPT)”, uma bomba de nêutron agro-reformista

Um pouco antes dessa reunião de Taboão da Serra, havia sido lançada uma verdadeira bomba de nêutron: a CNBB publicou o documento Igreja e problemas da terra (IPT), que bafejava a divisão compulsória das grandes e médias propriedades. Cento e setenta e dois Bispos aprovaram o documento [13], o qual ecoou como um ribombo publicitário em todo o País* [14].

* Esta reunião do Episcopado nacional ocorreu em Itaici de 5 a 14 de fevereiro de 1980.

Os termos do documento foram tão categóricos que facilmente poderiam dar a leitores desavisados a impressão de que ser favorável à Reforma Agrária preconizada por Igreja e problemas da terra era condição de fidelidade de todo católico à Santa Igreja* [15].

* Essa visão deturpada do dever de fidelidade às opiniões errôneas dos Bispos agro-reformistas estava bastante disseminada entre conhecidos membros do Episcopado nacional. Basta ver a seguinte declaração de Dom Moacir Grechi, então Bispo-Prelado do Acre Purus: “O empresário cristão que investe contra a reforma agrária se coloca em confronto direto com a Igreja e está em contradição absoluta com a sua fé” (Folha de S. Paulo, 29/8/85).

2. Fatos não comprovados; doutrina sem fundamento nos ensinamentos da Igreja

Analisando acuradamente o documento Igreja e Problemas da Terra (IPT), como também os numerosos pronunciamentos episcopais sobre o problema fundiário no Brasil, eu me perguntei se toda essa massa de documentos estava em conformidade com os ensinamentos emanados de Roma. Pergunta legítima, pois a autoridade magisterial suprema pertence ao sucessor de Pedro. E ela se exerce diretamente sobre cada fiel.

Ora, procedendo a tal confrontação, cheguei a conclusões preocupantes.

Antes de tudo, em vários de seus tópicos, o documento Igreja e problemas da terra favorecia conclusões agro-reformistas que não encontravam fundamento nos ensinamentos tradicionais do Magistério supremo. Ou seja, nas definições impostas a todos os católicos pelo Supremo Magistério, bem como no ensinamento uniforme de seu Magistério ordinário e universal no decurso dos séculos (cfr. Henricus Denzinger, Enchiridion Symbolorum, Herder, Friburgi Brisgoviae, Editio 21-23, 1937, n°s 1683 e 1792).

Ademais, verifiquei discrepâncias da posição agro-reformista da CNBB e de numerosos Bispos brasileiros com relação aos ensinamentos dos documentos pontifícios.

Por fim, na apreciação das situações de fato, o documento se contentava com afirmações genéricas, apoiadas por vezes em documentação escassa, e o mais das vezes destituídas de documentação [16].

O documento fazia notória sua má disposição para com as propriedades de tamanho médio ou grande. E proclamava sua veemente opção em favor da pequena propriedade: isto é, da que pode ser integralmente aproveitada pelo trabalho de uma só família, sem a cooperação de qualquer assalariado.

3. Reformas de base

Indo além, o IPT anunciava para 1981 outro documento da CNBB reivindicando uma reforma urbana, a qual seria a aplicação dos princípios fundiários agro-reformistas — por analogia — ao solo urbano. Para data posterior entrevia-se que ficava uma reforma — também análoga — das empresas industriais e comerciais, a qual figuras altamente representativas da CNBB não têm deixado de preconizar [17].

Muito de passagem, notei que no documento, do ponto de vista doutrinário, havia vários traços de influência marxista. E implicitamente de desinformação (para dizer só isso) da doutrina católica [18].

4. Direito dos católicos de opor-se à Reforma Agrária

Entrementes, vinha eu elaborando, no silêncio de meu gabinete, o livro Sou católico: posso ser contra a Reforma Agrária?

Pensado e escrito nas minhas parcas horas de lazer, ao longo de vários meses de reflexão e de estudo, o trabalho se destinou a reivindicar, em face do IPT, meu direito de católico e de brasileiro de me opor à Reforma Agrária.

Não só meu direito, mas o de todos os intelectuais católicos analogamente discordes do IPT. Mais ainda, o direito de todos os proprietários rurais ou urbanos, grandes ou médios, de conservarem — tanto quanto os pequenos — na santa paz de suas consciências, suas legítimas propriedades.

Paralelamente comigo, trabalhou, na confecção de uma análise econômica do IPT, para ser publicada no mesmo livro, meu jovem amigo, o brilhante economista Carlos Patricio del Campo*.

* Engenheiro agrônomo pela Universidade Católica do Chile e formado em Economia Agrária (Master of Science) pela Universidade de Berkeley, Califórnia (EUA).

5. Em Itaici-81, uma rotação vertiginosa: saem de pauta as reformas

Ao contrário do que esperávamos de início, a elaboração de nossos estudos foi longa e complexa. Planejado para antes de Itaici-81, só saiu a lume em princípios de março de 1981*.

* A 19ª Assembléia Geral da CNBB havia se realizado em Itaici (Indaiatuba-SP) de 17 a 26 de fevereiro de 1981.

Quando deitamos mão à faina, supúnhamos que muito naturalmente ele levantasse — quando publicado — uma celeuma proporcionada ao categórico de suas teses, bem como, e principalmente, à amplitude de sua difusão* [19].

* Dr. Plinio havia anunciado com antecedência, em artigo para a Folha, que sobre o documento Igreja e Problemas da Terra estava acabando de “limar um estudo”.

Esse artigo tinha como título O cavalo, a bruxa e o filhinho, e foi publicado pela Folha de S. Paulo em 22 de maio de 1980.

Ele adiantou nesse artigo que, do ponto de vista doutrinário, havia notado vários traços de influência marxista no IPT. E que a desinformação sobre a realidade brasileira estava presente no documento de ponta a ponta. As parcas fontes mencionadas não cobriam a larga faixa das afirmações feitas e que o documento aprovado em Itaici fugia da realidade concreta e regurgitava de pressupostos gratuitos, como de generalizações vagas ou ambíguas.

*   *   *

Entretanto, impetuosa e açodadamente agro-reformista em seu comunicado de Itaici-80, a CNBB parecia recuar surpreendentemente no comunicado de Itaici-81 [20].

O grande tema abordado em 1981 foi o das vocações sacerdotais...

Nada mais próprio do que este último tema, para uma reunião de tão alto órgão eclesiástico. Contudo, sendo de notoriedade pública que os Srs. Bispos agro-reformistas continuavam exatamente nas mesmas posições doutrinárias de 1980, era impossível não sentir algum desconcerto à vista de que em 1981 tenham julgado

Stand de difusão do "Sou Católico" em feira agropecuária (Londrina)

sem importância nem urgência a cascata de reformas, as quais haviam proclamado indispensáveis e urgentes doze meses atrás.

Como explicar essa contradição? Que poder, que circunstância, que acontecimento sobreveio, bastante forte para determinar, de um ano para outro, tal diversificação de rumos? Não sei.

6. Grande difusão do livro “Sou católico: posso ser contra a Reforma Agrária?”

Sou Católico teve de Norte a Sul do País difusão digna de nota, graças ao zelo desinteressado e admirável dos jovens cooperadores da TFP. Honro-me em notar, de passagem, que foi na qualidade de presidente do Conselho Nacional da entidade que escrevi meu trabalho [21] Escoaram-se vinte e nove mil exemplares, em 4 edições. Excelente acolhida, portanto [22].

E aqui entra um ponto estranho: diante dessa grande difusão, não houve nos arraiais dos agro-reformistas católicos quem opusesse ao meu livro qualquer réplica. E assim continuou, escoando-se placidamente março, abril, maio e junho.

7. Nova reviravolta no Episcopado: Bispos incitando até à luta armada

De repente, a partir de julho de 1981 (isto é, cinco meses depois de Itaici-81 e quatro meses depois do Sou Católico), começou a se fazer ouvir uma rajada de declarações reformistas de procedência episcopal* [23].

* Transcrevemos três delas, a título de exemplo:

Dom Pedro Casaldáliga, Bispo de São Félix do Araguaia: “O ideal cristão equivale ao ideal do socialismo”. “Não canonizo o socialismo soviético ou cubano, mas existem aspectos positivos: Cuba deu lições de saúde e educação para todo seu povo [...]. O socialismo da Nicarágua é um bom caminho” (cfr. Jornal do Brasil, 17/6/81).

Dom Quirino Schmitz, Bispo de Teófilo Otoni: “Quando as famílias pobres estão cada vez mais pobres e os ricos afirmam [...] que está tudo bom, o povo deve utilizar meios agressivos de reivindicar seus direitos”. Pouco antes, o prelado havia sublinhado que “São Tomás de Aquino [...] fala nas perspectivas de conflitos civis armados, como estratégia para o restabelecimento da justiça e liberdade” (cfr. Jornal do Brasil, 6/7/81).

Dom Ivo Lorscheiter, Bispo de Santa Maria e presidente da CNBB: Em casos extremos, a única solução para a conquista de mudanças sociais [...] é a luta armada, e a Igreja deve aceitar esta situação como inevitável.” Disse ele também que o Clero “não pode ficar de braços cruzados [...] à espera de que as coisas aconteçam. Precisa ser combativo” (cfr. Jornal do Brasil, 5/7/81).

Quer dizer, a revolução comunista estava sendo impulsionada no Brasil pelos Bispos.

E ficava mais do que claro o alcance do livro e a oportunidade em que ele havia sido lançado. Pois, se na época de Jango, a CNBB era um apoio da esquerda, agora ela se tinha transformado na cabeça da esquerda.

Essa revolução era muito menos uma revolução violenta, do que uma revolução psy, quer dizer, uma operação de guerra psicológica revolucionária. E se dava através da chamada Teologia da Libertação, que João Paulo II havia condenado, mas que ia se acentuando apesar da condenação de Puebla. Nada diminuiu de intensidade, nada diminuiu de carga.

A perspectiva na qual nos encontrávamos era a de que, se o comunismo entrasse no Brasil, entraria pela mão da CNBB e pela porta da Reforma Agrária.

8. “Somos católicos, o IPT não é”

Em esgrima, quando o adversário puxa a espada, o outro apara o golpe.

No nosso caso concreto, o esforço para aparar o golpe agro-reformista foi representado por este nosso novo livro, Sou católico: posso ser contra a Reforma Agrária? Ele deixava muito claro que o documento de Itaici era socialista, e que a doutrina sustentada pelo IPT não era compatível com a doutrina católica.

Na realidade, o sentido de nosso livro era: “Somos católicos, vosso documento não é”.

Este era o fundo do livro, embora isto não estivesse dito formalmente [24]. E a nossa condição de católicos era tão notória, tão fora de qualquer dúvida, que foi a nossa melhor arma para avançar [25].

Em suma, era a Reforma Agrária que começava a erguer a cabeça de novo, depois das pancadas que recebera da TFP.

Imediatamente depois iniciou-se a nossa reação. Era o primeiro livro em que tocávamos na questão álgica, ou no ponto dolorido. A CNBB dava a entender que o católico não poderia ser contra a Reforma Agrária. Então, o título do livro levantava a questão: pode ou não pode? Resposta: o católico não só pode, mas deve ser contra a Reforma Agrária!

Nenhuma réplica [26]. Não foi refutado por ninguém nem condenado por ninguém [27].

 


NOTAS

[13] A guerra do hissope, Folha de S. Paulo, 5/10/81.

[14] Começa a rajada, Folha de S. Paulo, 20/7/81.

[18] O cavalo, a bruxa e o filhinho, Folha de S. Paulo, 22/5/80.

[20] Ziguezague, Folha de S. Paulo, 21/7/81.

[22] A guerra do hissope, Folha de S. Paulo, 5/10/81.

[24] SD 22/1/81.

[25] Reunião com os Srs. mais antigos do movimento 18/1/81.

[26] SD 15/2/91.

[27] Despachinho 30/6/86.

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