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O universo é uma catedral

 

 

  

Sétimo horizonte

 

Panoramas de conjunto

 

As coisas podem e devem ser vistas ponto por ponto, mas podem e devem ser vistas num todo. E as idéias, assim como os homens que as personificam, ou são vistos como um todo ou não são nem compreendidos, nem estimados, nem odiados.

 

As pessoas que têm a alma grande percebem esses todos e vivem em função deles, muito mais do que dos pormenores. Amam esses todos ou não os amam, odeiam ou não odeiam, mas são almas grandes.

 

Eu nunca tentei ser especialista a não ser numa coisa, e esta é tudo. Eu tenho uma visão global das coisas. Quem disser que eu não sou especialista em nada adivinhou, porque eu sou especialista em tudo, e não em nada.

 

Secção primeira -  estética do universo

 

Podemos nos perguntar por que Deus, tendo em si toda a plenitude, desejou criar a imensa quantidade de seres que compõem o universo.

Sendo Ele infinitamente perfeito, não precisava criá-los. E, se é verdade que não havia qualquer motivo que O impedisse de dar existência ao cosmos, de outra parte razão alguma existia que O obrigasse a fazê-lo.

Em sua bondade e sabedoria infinitas, Deus assim o quis. E então, como que de um jorro, uma quantidade incontável de seres foi por Ele produzida.

 

Deus Nosso Senhor, além de ter em Si todas as perfeições, vê também em Si todos os graus de perfeição possíveis.

Seu intuito, ao criar tão grande número de seres, foi de que esses seres não só espelhassem a Sua perfeição, mas a reproduzissem nos mais variados graus.

 

Poder-se-ia conceituá-la [a Causa católica] como sendo o ideal que visa a fazer com que a Criação – considerada em seu todo, e não somente em um ou outro de seus aspectos parciais – dê glória a Deus.

É o conjunto das famílias, das cidades, das nações, da humanidade e, em última análise, do Universo inteiro, que se trata de fazer com que dê glória a Deus.

De acordo com a Escolástica, a beleza consiste na unidade posta na variedade. Julgamos um objeto belo quando seus elementos variados formam um todo uno.

  

Os seres fragmentados, sem unidade, não têm nem beleza nem capacidade de atração. É a unidade que dá beleza aos seres, é ela que lhes dá valor, por seus elementos diversos e variados[58].

 

O princípio da unidade na variedade tem suas leis, que consubstanciam o que chamamos Estética do Universo.

 

Leis da Variedade

 

Primeira: Lei do típico, do característico

 

O característico é um sinal distintivo da variedade autêntica; é nele que a verdadeira variedade se realiza.

Tomemos uma sala com vários objetos: poltronas, quadros, lustres, tapete, cortinas. Essa variedade só será autêntica quando cada um dos objetos for muito tipicamente, muito caracteristicamente ele mesmo.

Digamos que todos esses objetos fossem feitos de uma única substância – a matéria plástica, por exemplo, tão ao gosto do mundo moderno – e que seus formatos não diferissem entre si como deveriam: não teríamos variedade.

É muito interessante, na sociedade medieval, a diferença nítida que havia entre as classes sociais. Um guerreiro era tipicamente guerreiro. Os monges, os comerciantes, os artesãos, os camponeses, eram marcadamente aquilo que eram.

Podemos imaginar uma rua de uma aldeia medieval: passa um nobre precedido de um cortejo, logo após um clérigo, depois um artesão, passa, por fim, um frade. O que torna esta cena interessante? É o fato de cada um desses elementos ser autenticamente ele mesmo.

A civilização moderna, pelo contrário, odeia a variedade e idolatra uma pseudo-unidade. Ela detesta tudo o que é típico e, em geral, ama o que é promíscuo e confuso.

Abolindo a variedade e colocando em seu lugar uma uniformidade sem o menor sentido, a Revolução destrói a semelhança da criatura com seu Criador.

 

Segunda: Lei do contraste

 

As diversas coisas devem manifestar certo contraste, certa oposição, para que sua beleza seja mais completa.

[Na Igreja Católica] há um magnífico contraste entre o Papa, que está no pináculo do poder, diante do qual todos se ajoelham, e um humilde irmão leigo, que protesta se alguém se ajoelha diante dele.

Esta oposição está cheia de harmonia. É precisamente neste contraste, neste extremo de aspectos antagônicos, que a variedade se reveste de toda a sua riqueza.

 

Terceira: Lei da gradação

 

Quis a Divina Providência criar todas as coisas hierarquizadas. Fazendo os minerais, os vegetais, os animais, os homens e os anjos, estabeleceu Ela, dentro de cada uma dessas categorias, uma imensa gama de graus intermediários.

Essa hierarquia, cheia de diversidade, é ao mesmo tempo inteiramente harmônica. Há uma infinidade de “nuances” entre os diversos graus para que neles não se vejam saltos bruscos.

 

Sem esses graus intermediários, o mundo seria agreste e inóspito.

 

Imaginemos que o homem vivesse num mundo em que só houvesse minerais, e que a Providência o fizesse tirar daí o alimento indispensável ao seu sustento. Ele se sentiria mal, pois há um abismo entre o homem e os minerais. Porém, quando junto a si ele tem vegetais e animais, estabelece-se uma escala natural que produz nele uma sensação de bem-estar.

A hierarquia orgânica e cheia de gradações é agradável ao espírito contra-revolucionário porque constitui uma unidade cheia de variedade. Esta lei da gradação, transposta para o campo político-social, produziu a sociedade medieval, em que as classes sociais formavam uma hierarquia suave, com uma infinidade de “status” intermediários entre o vilão[59] e o rei.

A Revolução, pelo contrário, odeia a existência de sociedades com esses entrosamentos cheios de graus orgânicos e articulados entre si. Quando muito ela chega a tolerar que “novos ricos” se arvorem em senhores do universo, considerando parias todos os outros, sobretudo as elites tradicionais.

A Revolução quer destruir os graus intermediários da pirâmide social.

 

Quarta: Lei do movimento

 

As variedades de movimento, postas por Deus no Universo, são graduais, harmônicas, a exemplo das gradações da hierarquia. Essa harmonia do movimento constitui um elemento de formosura na criação.

Consideremos o desenvolvimento da vida humana em um varão justo. O homem nasce, desabrocha com um movimento rico em harmonia na adolescência, e nobremente se torna maduro; envelhece em dignidade e, quando Deus chama a sua alma, é como a colheita de um fruto precioso, que vai ser levado para o Céu. É uma bela trajetória.

O que quer o espírito revolucionário? Ele pretende que o homem deva ser mocinho até cair morto. Arranjados ou pintados, todos devem parecer ter a mesma e jovem idade.

A Revolução não tolera o plano divino, que estabelece a desigualdade nas idades. Quando, entretanto, é forçada a reconhecer a sua existência – que não pode ser, aliás, objeto de contestação -, procura fazê-lo com uma brutalidade colossal, desconhecendo as gradações entre as idades, e desprezando a velhice que para nada serve, já que nada produz...

 

Leis da unidade

 

Primeira: Lei da continuidade e da coesão

 

A unidade supõe uma ausência de interrupção que se pode verificar de duas maneiras: pela continuidade ou pela coesão.

A continuidade é a simples ausência de vazios para que, no ser uno, não haja hiatos.

Muito mais profunda é a unidade que se verifica pela coesão: neste caso há uma articulação interna entre os elementos, de modo que eles ficam presos uns aos outros por vínculos íntimos e poderosos.

 

Entre as classes sociais, numa civilização, deve haver continuidade e coesão.

 

Embora numerosas, e profundamente diferentes entre si, o todo que elas constituem é contínuo e coeso.

É contínuo porque umas se explicam pelas outras, auxiliam-se mutuamente e formam um conjunto sem os hiatos que caracterizam a sociedade revolucionária.

E é coeso porque as classes, embora distintas, estimam-se, defendem-se umas às outras, não se consideram estranhas ou inimigas entre si, mas se amam com o verdadeiro espírito de Nosso Senhor, que foi Príncipe e, ao mesmo tempo, artesão.

Como tudo isso é diferente da luta de classes do mundo moderno!

 

Segunda: Lei da transição harmônica

 

Na hierarquia, a variedade se assegura pela multiplicidade dos graus intermediários, ao passo que a unidade se assegura pela suavidade da transição entre esses graus.

É o que acontece com o arco-íris: as cores que o compõem se ordenam em uma transição suave. Vemos nisso a sabedoria de Deus, que criou o Universo com uma magnífica unidade – expressão de uma grande força – e ao mesmo tempo com uma magnífica variedade – expressão de um grande poder.

Pensemos na coroação de um Imperador do Sacro Império Romano-Alemão.

No momento em que o Imperador recebia a coroa, bimbalhavam os sinos da capital do Império. Logo repicavam também os sinos das cidades mais próximas; a seguir, os das cidades mais longínquas. E por fim, os de todas as igrejas da Alemanha.

Durante dias e dias os sinos repicavam, anunciando, de campanário em campanário, que o Imperador havia sido coroado. Consideremos esse tocar de sinos que se estendia por todas as Alemanhas: a Alemanha da Baviera, da Saxônia, de Dresdem, de todos os tipos de alemães, desde o tipicamente militar, até o burguês bonachão da Baviera.

Essa amplitude de repercussões da notícia da coroação do Imperador por vários mundos dá a impressão de algo forte e suave ao mesmo tempo.

Que poder imenso é o do Imperador! Mas, ao mesmo tempo, quanta doçura há nesse Império!

Como a força e a suavidade nele coexistem harmonicamente!

 

Terceira: Lei da proporção

 

A Escritura nos diz que todas as coisas foram criadas por Deus com número, peso e medida. Vemos, com efeito, que em todos os corpos a natureza, o movimento e a massa são proporcionais.

A Igreja Católica, sendo uma organização imensa, riquíssima e belíssima, se personifica, por excelência, na pessoa do Papa. A pompa e a dignidade papais, a beleza de sua corte, enchem a todos de admiração.

Mas, ao mesmo tempo, achamos tocante que a Igreja Católica também se personifique num pequeno cura de aldeia. Essa personificação é a mais proporcionada aos camponeses, está bem ao nível de suas almas, não os intimida nem os constringe. A representação do Sacerdócio de Nosso Senhor tem, nesses curas de aldeia, como que uma edição pequena proporcionada àquela gente também pequena.

Até com relação às bebidas podemos contemplar a proporção. Ao lado de vinhos do mais alto requinte, existem boas bebidas populares, feitas exatamente para o pequeno povo.

 

Quarta: Lei da simetria

 

Imaginemos um edifício com uma fachada tão extensa que corra o risco de perder a unidade. Se, entretanto, ele tiver nos dois extremos duas torres iguais, sua unidade estará, pela simetria, reconstituída.

Quando os franceses querem descrever a atitude dominadora de um homem, dizem que ele tem o ar de um rei recebendo outro rei – “l’air d’un roi recevant un autre roi”.

Em que consiste a beleza de um soberano recebendo outro rei? É exatamente a beleza da simetria, em que dois princípios iguais se contemplam um ao outro e, de certo modo, se multiplicam um pelo outro.

 

Na Cristandade, a existência de muitos reis, iguais em força, glória e poder, era exatamente uma expressão do princípio da simetria.

  

Quinta: Lei da monarquia

 

Todas as coisas, para serem reduzidas à sua unidade, devem tender a se ordenar em torno de um elemento supremo que será um símbolo, uma como que personificação do conjunto. E é esta a personificação que dá perfeição à unidade.

 

A monarquia[60] não é, como poderia talvez parecer, o oposto da hierarquia, mas, pelo contrário, é a sua consumação. Nela, a beleza de todas as diversas perspectivas como que se concentra.

 

Sexta: Lei da sociedade

 

A lei da sociedade consiste em que as coisas, postas juntas, se completam e se embelezam mutuamente.

Sagrado

Majestoso

Nobre

Excelente

Decente

Tomemos as palavras: decente, excelente, nobre, majestoso, sagrado. Elas constituem uma gradação ascendente.

Tendo espírito contra-revolucionário, o homem desejará uma sociedade em que, ao lado de muitas coisas decentes, haja várias excelentes, nobres, majestosas e sagradas.

E então esse homem criará naturalmente uma sociedade que realiza, dentro dessa ordem de coisas quase fluida, uma admirável variedade e uma perfeita unidade.

 

 

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[58] “Omnis pulchritudinis forma est unitas” (A forma de toda beleza é a unidade), dizia Santo Agostinho (apud Pe. Ramière S. J., El Reino de Jesucristo em la Historia, mimeografado, p. 42).

[59] Que habita numa vila (aqui, sem conotação pejorativa).

[60] Como facilmente se percebe, a lei da monarquia deve aqui ser entendida no plano filosófico, e não com atinência a um regime político.