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O universo é uma catedral

 

 

 

Sexto horizonte

 

A cena famosa da aparição do Arcanjo São Gabriel a Nossa Senhora constitui para a humanidade uma hora de graça. Abriu-se o Céu que a culpa de Adão havia cerrado, e dele baixou um espírito de luz e pureza, trazendo consigo uma mensagem de reconciliação e paz.

Essa mensagem se dirigia à criatura mais formosa, mais nobre, mais cândida e mais benigna que nascera da estirpe de Adão. Postas em presença as duas Pessoas, o diálogo se estabelece.

A nobreza própria à natureza angélica, sua fortaleza leve e toda espiritual, sua inteligência e pureza, tudo enfim se espelha admiravelmente na figura altamente expressiva de São Gabriel.

Nossa Senhora é menos etérea, menos leve, menos impalpável, diríamos quase. E com razão, pois é criatura humana.

Entretanto, um quê de angélico se nota em toda a compostura da Rainha dos Anjos. E sua fisionomia excede em espiritualidade, nobreza e candura a do próprio emissário celeste.

Invisível, Deus entretanto manifesta Sua presença na luz sobrenatural que parece irradiar de ambos os personagens e comunicar o esplendor de uma alegria pura, tranqüila, virginal, a toda a natureza. Sente-se quase a temperatura suavíssima, a brisa levíssima e aromática, a alegria que perpassa toda a natureza.

 

Duas vias: utilizando as criaturas ou as desprezando

 

Deus Nosso Senhor deu-nos as criaturas a fim de que estas nos sirvam para chegarmos até Ele. Assim, cumpre que a cultura e a arte, inspiradas pela Fé, ponham em evidência todas as belezas da criação irracional e os esplendores de talento e virtude da alma humana. É o que se chama de Cultura e Civilização Cristã.

Com isto, os homens se formam na verdade e na beleza, no amor da sublimidade, da hierarquia e da ordem que no Universo espelham a perfeição dAquele que o fez. E assim as criaturas servem, de fato, para a nossa salvação e a glória divina.

Mas de outro lado, as criaturas são contingentes, passageiras, só Deus é absoluto e eterno. Cumpre lembrá-lo. E por isto é bom afastar-se dos seres criados, para no desprezo de todos eles pensar só no Senhor.

Do primeiro modo, considerando tudo o que as criaturas são, se sobe até Deus; e do outro modo se vai até Ele considerando o que elas não são.

 

A Igreja convida os seus filhos a irem por uma e outra via simultaneamente: pelo espetáculo sublime de suas pompas, e pela consideração das admiráveis renúncias que só Ela sabe inspirar.

 

Seguir a graça pelos montes e pelos desertos

 

O espírito religioso é o espírito metafísico visto em sua mais fina ponta, e animado pelo sobrenatural quando se trata de verdade de Fé.

Gratias agimus tibi propter magnam gloriam tuam[52]”: Eu amo tanto a Deus porque Ele é Deus, que agradeço a Ele de ser Deus, como se fosse um favor para mim.

O ponto de atração para onde eu inteiro me volto é Deus enquanto glorioso: a glória dEle, sinônimo de grandeza, resplandecendo como pináculo solar de todas as perfeições, e estas multiplicando-se umas pelas outras, e cantando-se umas às outras, e chegando a um auge inimaginável.

O influxo da graça é o mais vivo, mais profundo, mais subtil, mais envolvente, mais persuasivo, mais delicioso que se pode imaginar.

Oh! Graça,

nós vos seguiremos

custe o que custar,

pelos vales, pelos montes,

pelas ilhas, pelos desertos,

pelas torturas, pelos abandonos,

pelos olvidos, pelas perseguições,

pelas tentações, pelos infortúnios,

pelas alegrias, pelas glórias,

nós vos seguiremos de tal maneira

que, mesmo no fastígio da glória,

não nos incomodaremos com a glória,

porque só nos incomodaremos convosco.

A partir do momento em que se está em estado de graça, não se é um só, é-se dois. Existe a graça – Deus, portanto – que age, e existimos nós.

Seria mais ou menos como, na música religiosa, a soma do canto e do instrumento, assim também a música de nossa natureza e a música da Graça em nós formam uma harmonia perfeita[53].

 

A Sagrada Eucaristia

 

Nosso Senhor se dá a nós na Eucaristia como ninguém poderia inventar.

É um modo tão admirável que, se os Serafins pensassem no assunto por toda a eternidade, não poderiam excogitar esta idéia: de Deus Se dar ao homem pela espécie de pão e vinho.

Ele penetra no homem e é assimilado pelo homem.

 

Nunca seremos íntimos de alguém como podemos ser de Nosso Senhor na Sagrada Eucaristia.

 

Nossa Senhora é a flor e a pérola da criação

 

É uma Mãe que se define por uma palavra – o mar – o qual, por sua vez, dá origem a um nome. Nome que é um Céu: Maria.

Nossa Senhora poderia chamar-se: Mater Inimaginabilis.

Tudo quanto sabemos dEla é que, por mais que dEla saibamos algo, dEla jamais saberemos tudo, tal é o oceano incomensurável de perfeições e de graças que Ela contém.

Nossa Senhora é uma mãe indizivelmente grande, uma rainha inexprimivelmente doce e acessível, um arco-íris que reúne em uma síntese incomparável os dois aspectos da grandeza: a superioridade e a dadivosidade.

Há [em Nossa Senhora] culminâncias, há encantos, há perfeições, há excelências que escapam e sempre escaparão completamente ao nosso olhar, e que são somente por Deus contempladas.

NEla há essa nota de incognoscibilidade: paramos extasiados a seus pés, compreendendo, após ter compreendido muito, que o mais que se compreendeu, é que quase nada compreendemos.

Os dias dos homens estão nas mãos de Deus, mas as mãos de Deus dependem do Coração de Maria.

[O Padre Eterno enviou Nosso Senhor ao mundo] não só porque foi Ela quem o pediu – e se Ela não o tivesse pedido, Ele não teria vindo – mas Deus Padre O mandou a Ela, porque só Ela era digna de O receber[54].

 

Nossa Senhora é a flor e a pérola da Criação!

 

Nossa Senhora e os símbolos

 

Nossa Senhora é o símbolo perfeitíssimo de Nosso Senhor: Quem tiver muita devoção a Ela adquire uma especial aptidão para entrar nesta via simbólica.

Tendo havido a Ascensão de Nosso Senhor e a Assunção de Nossa Senhora, a graça, engendrando em nossas almas esta vida, através da qual conhecemos as coisas pelos símbolos, através da graça e do símbolo nos dá uma via para uma excelência de vida espiritual que é como se Eles estivessem presentes.

O Segredo de Maria, de que fala São Luís Grignion de Montfort, seria uma certa relação com Ela, por onde ela nos desse uma especial riqueza de símbolos, de modo que nós, como que a conhecêssemos melhor. E que Ela vivesse mais em nós e nós nEla.

 

 

Nosso sósia que ainda não conhecemos

 

Eu imagino que, de algum modo, cada um de nós é o sósia espiritual do próprio anjo da guarda.

 

Assim como é legítimo que um pai tenha uma preferência para com um filho que seja mais parecido com ele, assim também se compreende que um anjo tenha uma preferência pelo mortal mais parecido com ele. E que haja um intercâmbio que depois continuará no Céu: o anjo com seu sósia pelos séculos dos séculos.

A Igreja é o espelho de Deus

Se os senhores querem me conhecer, procurem ver de que maneira existe em minha alma a Igreja.

Em suas instituições, em sua doutrina, em suas leis, em sua unidade, em sua insuperável catolicidade, a Igreja é um verdadeiro espelho, no qual se reflete nosso Divino Salvador.

[A Santa Igreja Católica, Apostólica, Romana] não é apenas uma espécie no gênero “igrejas”. É a única Igreja viva e verdadeira do Deus vivo e verdadeiro, a única Esposa mística de Nosso Senhor Jesus Cristo, a qual não está para as outras igrejas como um brilhante maior e mais rútilo em relação a brilhantes menores e menos rútilos. Mas como o único brilhante verdadeiro em relação a “congêneres” feitos de vidro...

 

A palavra católico contém tudo quanto de bom e belo, de verdadeiro e de justo existe no vocabulário humano, de tal modo, que não se poderia dizer mais do que isso.

 

A alma da Santa Igreja é totalmente imutável e incontaminada.

No meio das confusões, Ela é como uma coluna de brilhantes no meio do incêndio.

Pode pegar fogo por onde for, pode acontecer o que for, Ela na sua essência está de pé.

E as chamas não fazem senão ilumina-la.

 

O Universo é um edifício simbólico imenso, em que a parte mais alta é o homem. No reino humano, a parte mais alta é a Santa Igreja Católica. Nesta, o Papado.

 

O Papa é de algum modo o centro [visível] da ordem e da beleza do Universo, o princípio máximo da reductio ad unum[55].

 

A Igreja é uma sociedade espiritual, que se esteia em uma ortodoxia, como um Estado se fixa sobre um território (...) É tão legitimo que a Igreja se defenda contra o heterodoxo quanto o Estado contra o invasor.

“Neste ato filial, dizemos ao Pastor dos Pastores: Nossa alma é vossa, nossa vida é vossa. Mandai-nos o que quiserdes. Só não mandeis que cruzemos os braços diante do lobo vermelho que investe. A isto nossa consciência se opõe”[56].

 

Nossos tronos nos esperam no Céu

 

O Céu é um fabuloso salão, porque é uma Corte – uma corte com Rainha inclusive. E também porque nele há muito de proclamação militar, de enunciado filosófico, de enunciado teológico, de gentileza, de ditos de espírito.

 

O Céu, lugar de paz, foi o maior campo de batalha da História.

 

Somos príncipes-herdeiros dos tronos que temos no Céu[57].

Devemos ser alpinistas de nós mesmos; devemos galgar, de virtude em virtude, até o trono do anjo decaído... e ali cantarmos a Deus por toda a eternidade.

Para a piedade deformada, o santo não é o símbolo do que está no catecismo.

Ele é um homem que cumpriu bem as coisas do catecismo, a duras penas, como quem bebe um remédio amargo com o qual não tem afinidade de alma.

Para a piedade deformada, o santo não é pleno. Não tem aquele fogo de alma, por onde ama a lei que cumpre, mas a lei é que é para um faquir um conjunto de facas em ponta sobre as quais ele se deita.

 

 

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[52] Do “Gloria in excelsis Deo”. Nós Vos damos graças por vossa grande glória.

[53] Cfr. Gal. II, 20. Ver também Ad. Tanquerey, “Compêndio de Teologia Ascética e Mística”, Livr. Apostolado da Imprensa, Porto, 1961, no. 125, 1291, 1292, 1308, 1309, 1310.

[54] Cfr. São Luís Maria Grignion de Montfort, op. cit., cap. I, art. I – primeiro princípio.

[55] Do latim. Redução à unidade.

[56] Declaração de Resistência da TFP, publicada no ano de 1974, face à chamada Ostpolitik do Vaticano (cfr. Serviço de documentação da TFP, Um homem, uma obra, uma gesta, Edições Brasil de Amanhã, São Paulo, 1988, p. 258).

[57] No sentido de que poderemos ocupar os tronos deixados vagos pelos demônios, quando foram precipitados no inferno.