"O Jornal", Rio de Janeiro, 15 de setembro de 1972

Os pais da contestação

O mundo está obviamente em franca revolução. De que quadrantes sopra ela? Segundo o mito geralmente aceito, a gênese da revolução está nos jovens e nos operários. E por isto, a revolução se afigura irresistível. Com efeito, nosso século, evolucionista e materialista, atribui à juventude o dom profético de anunciar o futuro, e às massas, o poder demiúrgico da força material.

Aceitar uma revolução como irresistível importa em capitular ante ela. Compreende-se, pois, de quanto proveito é – para a revolução – proclamar que ela brota dos anseios dos jovens e da vontade das massas.

Até que ponto, entretanto, esta tese é uma realidade ou um mito?

Quase todas as "batalhas" revolucionárias de nossos dias se processam através das seguintes etapas:

a) Um grupo minoritário de estudantes ou operários, fortemente organizado, lança uma reivindicação descabelada, e desde logo se põe a berrar, injuriar, ameaçar e quebrar. Em uma palavra, a contestar;

b) órgãos de grande publicidade noticiam as desordens de modo a criar no público a impressão de que a contestação não é senão o começo de uma convulsão apocalíptica, na qual está prestes a se engajar, a fundo, uma classe inteira – a dos estudantes, ou a dos operários, conforme o caso;

c) sobre as autoridades diretivas ou patronais, a contestação produz efeitos diversos. Desperta a reação indignada de uns poucos, deixa atônita e desconcertada a maioria, e induz uma minoria esquerdizante a sugerir concessões;

d) enquanto isto, a minoria contestatária, incapaz sempre de arrastar a respectiva classe, vai baixando o tônus. A propaganda, entretanto, vela o fracasso, insinuando que esse declínio é mero eclipse, dentro em breve, seguido por um surto ainda mais terrível;

e) nos setores diretivos ou patronais, o pânico vai ganhando a maioria. "Ceder para não perder", lhe sussurra a minoria esquerdizante. E a maioria resolve ceder;

f) aceito o alvitre, a liderança dos defensores da ordem de coisas "contestada" passa para os derrotistas e esquerdistas da classe. E estes, não raras vezes, vão muito além do que a própria contestação reclamara. Assim, acaba por vencer a contestação.

Isto posto, qual terá sido, em cada caso, o principal fator de vitória da contestação? Não os jovens, nem os operários, vistos como um todo. Estes, logo no início da contestação, se divertem um pouco com a novidade. Depois voltam enfastiados aos seus afazeres cotidianos. E deixam a panelinha contestatária a fazer barulho por própria conta.

Óbviamente, a vitória da contestação vem dos indivíduos bem instalados e com mais de quarenta anos (a grande faixa etária que pode chegar aos setenta, quiçá aos oitenta), que dispõe de meios de propaganda e postos de mando.

Na revolução dita dos jovens e dos operários, são "entas" burgueses, os grandes propulsores. Tal é a realidade.

Estas observações me vieram muitas vezes ao espírito. E mais recentemente com a leitura de duas notícias.

Uma procede do México. O secretário-geral da Confederação Nacional dos Trabalhadores, Fidel Velasquez, ao inaugurar, em presença do Chefe de Estado, o congresso anual da entidade, denunciou Mons. Mendez Arceo, o bispo ultracontestatário de Cuernavaca, como o líder de um plano subversivo que visa tomar o poder no país. Mons. Arceo e todos os que lhe fazem a propaganda, que são? Operários? Jovens? Não. Mas gente "enta" e bem instalada.

Outra notícia vem da Califórnia. Desde 1955, alguns professores fundaram as escolas 3 R (Reading, Riting & Rithmetic) nas quais se exige disciplina nas aulas, dão-se textos para decorar e se desenvolve a atenção dos alunos. A cartilha usada nas 3 R é a de McGuffey, editada em 1879. Diz um dos fundadores: "Nossos professores não psicanalisam. Não mimam, nem divertem. Eles ensinam a pensar". Segundo vários testes, enquanto o aproveitamento médio dos alunos do primário e secundário nos EUA, é de 50%, nas escolas 3R varia de 84,3% a 95%. Como se vê, os jovens que cursam as 3 R aceitam perfeitamente o regime "retrógrado". Tenho por certo que o mesmo se daria com incontáveis outros jovens de incontáveis outros lugares, se nestes existissem escolas 3 R.

Por que, então, a revolução educacional vai ganhando o mundo? É por causa dos jovens? Ou por causa de grupos de pressão "enta", de bem instalados que capitularam ante o mito de que os alunos não aceitam mais os métodos clássicos? São, pois, estes os verdadeiros artífices do êxito da contestação.