"O Jornal", Rio de Janeiro, 1° de dezembro de 1972

"Cursilhos de Cristandade"

Começo por uma pergunta: se N. S. Jesus Cristo lhe aparecesse em sua grandeza infinita, em sua serenidade e sua bondade inefáveis, qual seria, leitor, sua atitude? Pôr-se de joelhos, num ato de adoração ardente e de humildade profunda? Ou conservar-se de pé e dizer-lhe: "Chefão, bom dia"?

Não se arrepie com a pergunta. Tanto mais quanto lhe farei outra. Se, durante sua sesta, seus olhos ligeiramente entreabertos divisassem a sacratíssima figura do Redentor sentado ao pé de sua cama, com que olhos o leitor O veria? Quais seriam suas reflexões e sua prece? Que sente o leitor ao correr os olhos pelo texto a seguir?

"Hoje quero bater um papo com Cristo. Mas, um papo que não exija "cuca", que não exija esforço maior do que o descanso absoluto que espero encontrar, hoje e sempre, na minha própria fé NEle.

"Cristo está aqui ao meu lado, sentado na minha cama. Sua figura me agrada logo: ‘super pra frente’, calça lee azul marinho e túnica azul clara. Nos pés, um par de tênis também azul e, ao redor do pescoço, uma corrente dourada, onde vejo pendurada uma cruz. Da cabeça saltam, pacificamente, cabelos claros e lisos que vão até os ombros. Como o meu cristo é bárbaro! (...) Começo a falar.

"Olha, Cristo, fiz um montão de descobertas ultimamente, e a maior de todas foi esta: amo Você (...).

"Você precisa ver a minha alegria ao perceber que o meu ‘pecadão’ se torna um ‘pecadinho’ diante da potência de perdão que Você é. E o que eu acho mais fabuloso nisso é que Você não exige que a gente peça perdão: pelo arrependimento, basta a gente sentir que errou e já se sente também aceito por você".

Permita-me, leitor, que eu continue meu inquérito. Inquérito mudo, em certo sentido, já que a ele o Sr. não responderá senão para si.

Eu indago se o Sr. estaria de acordo com a seguinte afirmação: "As mudanças estruturais na América Latina devem ser rápidas, urgentes, totais." Ponho em relevo que uma mudança total equivale à substituição de tudo quanto existe por algo inteiramente novo e acarreta, portanto, a eliminação do regime de propriedade privada em benefício de outro regime que, a ser absolutamente diverso, só pode ser comunista ou anarquista.

Perdoe-me a impertinência, leitor, mas tenho ainda outra pergunta a fazer. O Sr. concorda em que o pensamento católico coincide com o marxista nestes quatro ponto?

– O fundamento de uma nova estrutura, de uma nova humanidade, é de ordem econômica; – a Paz exige essa nova ordem, e passa pela revolução; – esta poderá ser violenta, se não puder realizar-se pacificamente; – "O regime de propriedade deverá ser transformado por uma intervenção enérgica da autoridade pública, nacional e internacional". Uma transformação – comento – igualmente desejável pelos católicos e pelos comunistas.

Desculpe-me o leitor se – para não exceder os limites deste artigo – passo a ser esquemático.

Quem concorde com as diversas proposições que citei, deve ler a Carta Pastoral sobre Cursilhos de Cristandade (Editora Vera Cruz, São Paulo) que acaba de ser lançada por um dos mais destacados prelados de nossos dias, D. Antonio de Castro Mayer, Bispo de Campos. Pois, esse documento sustenta que tais teses são inconciliáveis com a doutrina católica. E a questão, assim levantada, não pode deixar indiferente um leitor católico, cioso de sua ortodoxia.

Se alguém – como é meu caso – discorda dessa teses, não pode deixar de sentir-se apreensivo diante do fato revelado pelo intrépido prelado na sua Pastoral. Aquelas e muitas outras proposições do gênero circulam em ponderáveis áreas do movimento intitulado "Cursilhos de Cristandade". A enorme extensão desse movimento no Brasil confere ao fato apontado por D. Mayer uma importância nacional. E a tal título não pode deixar de ser estudado pelos brasileiros zelosos do futuro da Igreja e do País. Para tal, não encontrarão melhor fonte do que a Pastoral sobre Cursilhos de Cristandade.

D. Antônio se funda, em seu trabalho, numa documentação farta, toda constituída de livros e revistas cursilhistas do Brasil e de outros países. É absolutamente impossível negar a autenticidade dos textos que ele aponta e analisa.

Os cursilhistas que não se engajaram em tais erros – e por certo são numerosos – devem àquele antístite real gratidão. Pois ele os alerta, assim, contra escolhos de encontro aos quais outros sucumbiram. Os cursilhistas que, pelo contrário, se engajaram em tais erros lhe deverão um agradecimento quiçá ainda mais caloroso. O maior benefício que se pode fazer a alguém que errou é ajudá-lo a reconquistar a verdade.

Aos cursilhistas que, engajados em tais doutrinas sustentarem que estas são a pura expressão da verdade cumpre, por um dever de imparcialidade, estudar acuradamente as razões do Bispo de Campos e pedir a este um diálogo. Os termos em que o egrégio prelado aborda todo o assunto são estritamente doutrinários e de um comedimento notável. Excluem eles, de todo em todo, o diz-que-diz, a invectiva, a detração pessoal. E, com isso, as condições para um diálogo estão postas por ele de modo ideal.

Só o que não é possível é manter-se alheio a esse grande problema, a esse grande livro, à voz desse grande Bispo.