Reforma Agrária - Questão de Consciência


Secção II

Opiniões socializantes que preparam o ambiente para a "Reforma Agrária": exposição e análise

Proposição 18

Impugnada

A família é uma instituição legítima. Mas só é compatível com o progresso na medida em que não dá origem a nenhum privilégio, nenhuma preeminência social, nenhuma vantagem economica imerecida, como seja, a herança e os auxílios para início de carreira.

O homem, com efeito, deve vencer exclusivamente pelo seu merecimento pessoal, e não pela família a que pertence.

Afirmada

A família é uma sociedade legítima. Mas isto é dizer pouco. Pois também uma sociedade de colecionadores de cachimbos ou de asas de borboleta, que tanto pode existir quanto não existir, é legítima.

A família é necessária, pois sem ela a sociedade jamais teria existido, e desapareceria imediatamente se a família desaparecesse.

Querida por Deus, elevada a uma dignidade supereminente pelo Sacramento do Matrimonio, ela é a célula da sociedade e a base do Estado.

Como vimos, por sua própria natureza, a família dá origem a vantagens morais, culturais e economicas para os filhos.

E essas vantagens, antecedentes muitas vezes ao nascimento (Napoleão disse que a educação de uma criança começa cem anos antes de ela nascer), não dependem, como tais, de mérito pessoal, mas do simples fato da consanguinidade.

Se a isto se chama privilégio, é preciso reconhecer então que há privilégios justos e até santos, que importa proteger, em lugar de destruir.

Pio XII, como já lembramos (202), declarou que Deus protege os berços, porém não os nivela.

Uma família que não desse aos filhos uma participação na formação religiosa e moral, na cultura e na abundância de seus pais, seria um simulacro, pior ainda, uma caricatura de família.

 

Comentário

 

A proposição impugnada poder-se-ia resumir assim: a família é uma instituição legítima, mas só tem direito de existir se não tiver a menor influência no que quer que seja.

Mais valeria dizer claramente: ela não deve existir.

* * *

Mas, abolida ou mutilada a propriedade particular, inexistente a família, ou pelo menos privada de toda influência na situação de seus membros, qual o apoio destes, maxime no campo economico? O Estado, evidentemente. O Estado frio, distante, anonimo, representado por institutos e sistemas de previdência inteiramente sujeitos a ele.

* * *

Objetar-se-á, quanto às vantagens proporcionadas pela família a seus membros, que elas têm o inconveniente de conservar, por vezes, em situações eminentes gerações sucessivas de pessoas incapazes de arcar com as responsabilidades economicas e sociais daí decorrentes. Na realidade, em grande número de casos, a ordem natural das coisas eliminará, como já dissemos, pelo empobrecimento e pela decadência, os elementos incapazes ou inidoneos. Em certas circunstâncias, entretanto, a situação anormal pode realmente durar. Mas isto não é argumento para a abolição da influência natural de uma instituição como a família. Da mesma forma que os abusos sempre possíveis – e, em certas épocas, não raros – do pátrio poder não poderiam justificar que este fosse reduzido a um âmbito inferior ao natural. Querer uma ordem de coisas em que os abusos sejam impossíveis é utopia socialista.

* * *

Falamos da família. A confusão de ideias de nossos dias pede que se esclareça que a família, instituição santíssima, se baseia, não em uma união qualquer, porém no Sacramento do Matrimonio.

A proposição afirmada se refere a um tipo de família que não conferisse a seus filhos nenhum "privilégio", como sendo uma caricatura de família.

Tal caricatura, sugerida pela proposição impugnada, corresponde ao que na URSS se chama família.

Dizendo que ali existe o amor livre, não se deve imaginar que ficam abertas as portas para uma libidinagem absolutamente sem freios. O regime comunista supõe uma espécie de "ascese", para que o indivíduo possa dedicar-se plenamente aos interesses da produção e da coletividade. Embora a dissolução do casamento seja sumamente fácil, de fato está no interesse coletivo que ela seja feita com certa parcimonia.

Como se vê, trata-se, em última análise, de uma união que não merece verdadeiramente a designação de casamento, e que dá origem a relações que também não chegam a constituir propriamente uma família. Compreende-se que, de tal união, não possa decorrer para os filhos qualquer privilégio.

 

Textos Pontifícios

 

Dignidade sobrenatural do matrimonio cristão

"... o matrimonio não foi instituído nem restaurado pelos homens, mas por Deus; não foi pelos homens, mas pelo restaurador da mesma natureza, Cristo Nosso Senhor, que o matrimonio foi resguardado por lei, confirmado e elevado" (203).

"A Igreja... nos ensina que o casamento, respeitável em tudo (Heb. 13,4), instituído pelo próprio Deus no princípio do mundo para a propagação e conservação do genero humano, e por Ele decretado indissolúvel, foi feito mais indissolúvel e mais santo ainda por Cristo, que lhe conferiu a dignidade de Sacramento, e dele fez a figura da sua união com a Igreja" (204).

Sem a família e a propriedade privada não há segurança

"A segurança! A aspiração mais viva dos homens de hoje! Eles a pedem à sociedade e às suas leis. Mas os pretensos realistas deste século demonstraram que não estavam em condições de proporcioná-la, precisamente porque querem substituir-se ao Criador e fazer-se árbitros da ordem da criação.

A religião, e a realidade do passado, ensinam, pelo contrário, que as estruturas sociais, como o casamento e a família, a comunidade e as corporações profissionais, a união social na propriedade pessoal, são células essenciais que asseguram a liberdade do homem, e... com isto, seu papel na história. Elas são, pois, intangíveis e sua substância não pode ser submetida a revisão arbitrária" (205).

Sem propriedade privada não há segurança nem civilização

"Estas reflexões (relativas à tendência de regular as relações entre os homens unicamente na base do direito público) valem acima de tudo nas questões de direito privado relativas à propriedade. Este é o ponto central, o foco ao redor do qual, por força das coisas, gravitam os vossos trabalhos. O reconhecimento deste direito está seguro ou desmorona com o reconhecimento dos direitos e dos deveres imprescritíveis, inseparavelmente inerentes à personalidade livre, recebida de Deus. Somente quem recusa ao homem esta dignidade de pessoa livre pode admitir a possibilidade de substituir o direito de propriedade privada (e, consequentemente, a propriedade privada em si mesma) por não se sabe que sistema de seguros ou garantias legais de direito público. Oxalá não pudéssemos ver surgir o dia em que, neste ponto, uma fratura definitiva viesse a separar os povos! De difícil que já é, tornar-se-ia radicalmente impossível o trabalho de unificação do direito privado. Com o mesmo golpe, uma das vigas-mestras que sustentaram durante tantos séculos o edifício de nossa civilização e de nossa unidade ocidental cederia e, de modo análogo às dos tempos antigos, ficaria soterrada sob as ruínas acumuladas por sua queda" (206).


Notas:

(202) Cfr. Proposição 15.

(203) Pio XI, Encíclica "Casti Connubii", de 31 de dezembro de 1930 – "Editora Vozes Ltda.", Petrópolis, pág. 5.

(204) Leão XIII, Encíclica "Quod Apostolici Muneris", de 28 de dezembro de 1878 – "Editora Vozes Ltda.", Petrópolis, págs. 10-11.

(205) Pio XII, Radiomensagem de Natal de 1956 – "Discorsi e Radiomessaggi", vol. XVIII, pág. 734.

(206) Pio XII, Discurso de 20 de maio de 1948, no Instituto Internacional para a Unificação do Direito Privado – "Discorsi e Radiomessaggi", vol. X, pág. 92.


Índice  Adiante Atrás Página principal