Reforma Agrária - Questão de Consciência


Secção II

Capítulo IV

Proposição 34

Impugnada

Embora haja alguma injustiça na "Reforma Agrária", a Igreja não é procuradora dos capitalistas e latifundiários.

Haveria para ela inconveniente em o ser, pois se tornaria odiosa às classes menos favorecidas e perderia assim muitas almas.

Afirmada

Se a Igreja exige condições de existência dignas e suficientes para os pobres, e afirma o direito de os ricos serem ricos, não o faz por cálculos oportunistas, nem por preferência por uma classe qualquer.

Ela lembra um princípio ensinado por Jesus Cristo, a cuja observância se devem conformar igualmente indivíduos, famílias, grupos sociais e o próprio Estado.

E, se ela não deve lutar por uma classe, deve fazê-lo por qualquer dos princípios cuja salvaguarda seu Divino Fundador lhe entregou.

 

Comentário

A idéia de que a Igreja possa entrar em luta parece incompatível com a missão de paz que Jesus Cristo lhe confiou. Contudo, não é assim. O verdadeiro responsável por uma guerra, disse Montesquieu, não é quem a declara, senão quem a torna necessária (246).

Jesus Cristo é o Príncipe da Paz. Mas se alguém toma a iniciativa de perturbar a paz, sofre a repulsa dEle, porque ninguém invade o Reino sem que, imediatamente, o Rei lhe mova guerra.

E foi por isto que Jesus Cristo, sem deixar de ser o Príncipe da Paz, declarou guerra ao erro e ao mal, dizendo: "Não vim trazer a paz, mas o gládio" (247).

Já dissemos (248) que Santo Agostinho definiu a verdadeira paz: "tranqüilidade da ordem" (249). A paz da consciência, por exemplo, é a tranqüilidade de uma consciência em ordem. Desta paz, Nosso Senhor é o Príncipe.

Mas há uma tranqüilidade resultante da desordem, da coabitação indolente e cínica do bem com o mal. É uma falsa paz, a paz dos pântanos. E desta Jesus Cristo é o inimigo invencível e glorioso, cognominado Leão de Judá pela Escritura (250).

Exatamente o mesmo se deve dizer da Igreja, Corpo Místico de Cristo.

* * *

Ademais, se a Igreja tem por missão pregar a concórdia entre as classes, cabe-lhe ensinar a cada uma seus deveres, e não silenciar sobre os de uma delas a fim de conquistá-la para si, desinteressando-se da outra.

Tal procedimento desleal deixaria aberto o campo para a demagogia socialista, da qual as forças católicas passariam a ser caudatárias, e não atrairia para a Igreja os pequenos, que essa manobra visaria conquistar.

 

Textos Pontifícios

Os deveres não são só para os grandes

"... pregai ousadamente os deveres aos grandes e aos pequenos" (251).

A Igreja prega a ricos e pobres seus deveres respectivos

A Igreja "... impõe como rigoroso dever aos ricos dar o supérfluo aos pobres e ameaça-os com o juízo de Deus que os condenará aos suplícios eternos, se não acudirem às necessidades dos indigentes. Enfim, alenta e consola o coração dos pobres, quer apresentando-lhes o exemplo de Jesus Cristo que, "sendo rico, quis fazer-Se pobre por nós"(2 Cor. 8, 9), quer lembrando-lhes as suas palavras, pelas quais declara felizes os pobres e ordena-lhes que esperem as recompensas da felicidade eterna.

Quem não verá, na verdade, que é este o melhor meio de apaziguar a antiga questão entre os pobres e os ricos? Porque, a própria evidência das coisas e dos fatos bem o demonstra, desprezado ou rejeitado este meio, terá de acontecer necessariamente uma de duas coisas: ou a maior parte do gênero humano será reduzida à ignominiosa condição de escravos, como o foi por muito tempo entre os pagãos, ou a sociedade será agitada por perturbações contínuas e desolada pelos roubos e assassínios, como muito recentemente ainda tivemos o desgosto de ver" (252).

A Igreja deve e só Ela pode promover a paz social

Só a Igreja pode "operar a reaproximação de todas as classes de cidadãos e unir os povos todos pelos mesmos sentimentos de uma profunda benevolência" (253).

Progride-se lutando, e não calando

"... esta covardia dos cristãos merece ainda maior censura, porque desfazer acusações caluniosas e refutar opiniões falsas, com pouco trabalho se conseguiria o mais das vezes e, com algum trabalho mais, conseguir-se-ia sempre. Em último caso, não há ninguém, absolutamente ninguém, que não possa fazer uso e mostra da fortaleza que tão própria é de cristãos e que só com assomar basta, não raras vezes, para derrotar os inimigos com todos os seus intentos. Acresce que os cristãos nasceram para o combate, e quanto mais bravo ele for, mais certa será com o auxílio de Deus a vitória: "Tende confiança, Eu venci o mundo"(Jo. 16, 33)" (254).

Contra o socialismo, resistência forte

"Parecem ... ignorar ou não ter na devida conta os gravíssimos e funestos perigos deste socialismo os que não tratam de lhe resistir forte e energicamente, como pede a gravidade das circunstâncias" (255).

Não venceremos nosso adversário atrelando-nos a ele

"Chamamos fé firme a uma fé absoluta, sem reservas nem reticências, a uma fé que não hesita diante das últimas conseqüências da verdade, que não recua diante de suas mais rigorosas aplicações. Não vos deixeis enganar, como tantos outros, depois de mil experiências desastrosas, pela ilusão de conquistar o adversário à força de caminhardes atrelados a ele e de vos modelardes por ele" (256).

Não é por silêncios astutos que se ganham os socialistas

"Quem quer ser apóstolo entre os socialistas, é preciso que professe franca e lealmente toda a verdade cristã, e que de nenhum modo feche os olhos ao erro" (257).

Não é aliando-se aos maus que se os conquista

"Desgraçadamente, nem todos os trabalhadores católicos estão convencidos desta força divina que têm a seu favor, e por sua tibieza e timidez não se aplicam à salvação de tantos de seus irmãos. Infelizmente, junto a alguns, é mantido um doloroso equívoco, como escrevíamos a Nossos filhos de Veneza, em agosto de 1956: "e o perigo está em que penetre nos espíritos o axioma capcioso segundo o qual, para realizar a justiça social, para socorrer os infelizes e todas as categorias e para impor respeito das leis fiscais, é necessário de modo absoluto associar-se aos negadores de Deus e opressores das liberdades humanas e até submeter-se ao seu capricho. O que é falso nas premissas e tristemente funesto nas aplicações"(Advertências e exortações ao Clero e ao laicato de Veneza)" (258).


Notas:

(246) Montesquieu, "L’esprit des Lois", liv. 10, Cap. 2 – "Editions Garnier", 1922, tomo I, pags. 133-134.

(247) Mt. 10, 34.

(248) Cfr. Comentário à Proposição 32.

(249) XIX de Civ. Dei, c. 13.

(250) Apoc. 5, 5.

(251) S. Pio X, Carta Apostólica "Notre Charge Apostolique", de 25 de agosto de 1910 – "Editora Vozes Ltda.", Petrópolis, pág. 26.

(252) Leão XIII, Encíclica "Quod Apostolici Muneris", de 28 de dezembro de 1878 – "Editora Vozes Ltda.", Petrópolis, pág. 13.

(253) Pio XI, Encíclica "Ubi Arcano", de 23 de dezembro de 1922 – "Editora Vozes Ltda.", Petrópolis, pág. 18.

(254) Leão XIII, Encíclica "Sapientiae Christianae", de 10 de janeiro de 1890 – "Editora Vozes Ltda.", Petrópolis, págs. 11-12.

(255) Pio XI, Encíclica "Quadragesimo Anno", 15 de maio de 1931 – "Editora Vozes Ltda.", Petrópolis, pág. 45.

(256) Pio XII, Discurso de 12 de setembro de 1947, à União Internacional das Ligas Femininas Católicas, "Discorsi e Radiomessaggi", Vol. IX, pág. 228.

(257) Pio XI, Encíclica "Quadragesimo Anno", de 15 de maio de 1931 – "Editora Vozes Ltda.", págs. 42-43.

(258) João XXIII, Discurso de 1º de maio de 1959, às Associações Cristãs de trabalhadores Italianos – AAS., Vol. LI, n. 7, pág. 358.


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