Plinio Corrêa de Oliveira
É de Luís XVIII a conhecida máxima de que a polidez dos reis consiste na pontualidade. Jules Renard, provavelmente inspirado na sentença do monarca francês, deu-se o trabalho de excogitar no que consistiria a forma típica da polidez do homem de letra, e concluiu que é a clareza. Parece-me que ele tem razão. Se alguém tem o desejo de ser lido, mostrar-se-á amável esmerando-se em ser claro. Penso, de minha parte, que a clareza também dever ser inerente à polidez de quantos atuam na vida pública. Pois, para atrair a consideração e a confiança das multidões como das elites, a primeira condição é uma contínua clareza no pensar e no agir.
Assim, julgo-me no caso de dar uma informação cabal aos meus leitores no tocante a dois telegramas publicados na imprensa diária, que relatavam uma estranha atitude do governo chileno, face a meu ensaio “Baldeação Ideológica Inadvertida e Diálogo“.
Publiquei esse estudo primeiramente no Brasil (em “Catolicismo”, n.º 178-179, de outubro-novembro de 1965, e quatro edições, num total de 30 mil exemplares, pela Editora Vera Cruz, São Paulo, 1966). Depois, foi ele editado em outra línguas (em espanhol, pelas editoras “Cruzada”, Buenos Aires, 1966; “Speiro”, Madrid, 1966; “Syllabus”, México, 1966; em alemão, pela “Editora Vera Cruz”, São Paulo, 1967). E por toda a parte circulou ele, criticado por uns e aplaudido por outros, sem qualquer impedimento de autoridades de qualquer natureza. Nada mais normal na vida de um livro, especialmente quando da natureza deste.
Com efeito, em essência, desenvolvo eu, neste trabalho, a tese de que o diálogo pode ser um bom meio para fazer o escâmbio de idéias entre pessoas de convicções opostas. Mas que, como todas as coisas nesta terra, pode ele ser desvirtuado para maus fins. Descrevo, depois, o mais corrente de tais desvirtuamentos, e termino demonstrando que este costuma ser utilizado pelos comunistas para “baldear” inadvertidamente muitos incautos, das suas convicções anticomunistas originárias, para a filosofia evolucionista e materialista de Marx. Ao longo do ensaio, não ataco um só governo e nem uma só pessoa. Nem o comportaria a natureza toda doutrinária do assunto.
Há dias atrás, a editora argentina “Cruzada” enviou, para serem colocados no Chile, por volta de duzentos exemplares desse meu estudo. E teve a surpresa de saber que a alfândega chilena apreendera os volumes. Passei, pois, ao presidente Eduardo Frei um telegrama de protesto contra a arbitrariedade dos prepostos aduaneiros de seu governo. E ele, com uma “grandeur” à de Gaulle (só permissível aliás aos pouquíssimos mortais que têm o passado do discutido ex-presidente francês) não se dignou responder-me… Publiquei então meu telegrama na imprensa brasileira.
Dias depois, um porta-voz do governo chileno declarou à Associated Press quais as razões da medida. Ao lê-las na imprensa brasileira, não pude deixar de sorrir, tais eram as suspicácias demonstradas pela Gestapo alfandegária montada pelo regime pedecista chileno. Julgue-as o leitor.
1 — Tenho — afirma o porta-voz — “ostensivo e estreito contato” com o Sr. Fábio Vidigal Xavier da Silveira, autor do livro “Frei, o Kerensky Chileno”. Ora, este livro fora considerado “insultante” a Frei e à democracia cristã chilena pelo governo daquele país. Logo, meu livro, creio que por osmose, poderia também ser “insultante” contra o melindroso Chefe de Estado e sua grei. A isto respondo ser bem verdade que conto, entre meus amigos, o jovem e brilhante autor de “Frei, o Kerensky Chileno”. Meus leitores conhecem esta obra, pois dela já dei conta nesta coluna (artigo de 8 de janeiro p.p.). E também porque o livro circula largamente em nosso meio. Eles sabem, portanto, que esse trabalho de crítica cerrada ao governo pedecista chileno, nada contém entretanto de “insultante”. Enfim, para provar isto aos que não tenham lido o trabalho do meu amigo, declaro aos leitores ter este recebido cartas de franco e rasgado apoio das seguintes personalidades: do cardeal Nicolás Fasolino, arcebispo de Santa Fé, Argentina; dos ministros almirante Augusto Hamman-Rademaker Grunewald, general Afonso Augusto de Albuquerque Lima e coronel Jarbas Passarinho; do governador Paulo Pimentel; de Mons. Alfonso Maria Buteler, arcebispo de Mendoza, Argentina; Mons. Antônio Corso, bispo de Maldonado — Punta del Este, Uruguai; de D. Antônio de Castro Mayer, bispo de Campos; de d. José Maurício da Rocha, bispo de Bragança Paulista, e de numerosas outras personalidades do mundo político e social.
Julga possível o leitor, que pessoas de tanta responsabilidade fossem capazes de aplaudir assim uma obra que faltasse com a cortesia devida a um Chefe de Estado estrangeiro, máxime de um país irmão?
Ver injúrias onde não existem, desconfiar de um livro só porque seu autor é amigo do autor de outro livro do qual não gosta: não cheiram a Gestapo esta susceptibilidade, esta desconfiança superexcitada, esta prontidão em adotar medidas policialescas?
2 — Sou presidente do Conselho Nacional da TFP brasileira. Ora — acrescenta o referido funcionário do governo do Chile — a TFP andina move “violenta” oposição ao governo desse país. E, em conseqüência, a alfândega chilena se julga no direito de prender meu livro. A palavra “violenta”, usada pelo porta-voz de Frei, merece um protesto. Pois ela parece insinuar que a TFP usa meios violentos em sua oposição ao führer pedecista chileno. Ora isto é rotundamente falso. A valorosa TFP chilena se tem oposto, isto sim, à reforma agrária socialista e confiscatória de Frei. Mas sempre dentro da lei, e empregando os métodos genuinamente pacíficos característicos de todas as TFPs. Por isto mesmo, existe ela à luz do sol, sem que o governo chileno tenha encontrado motivos para obstar o seu funcionamento. Então pergunto: se no Chile tem livre trânsito a TFP, com que lógica quer o governo andino cercear o passo a um livro, só por ser escrito pelo presidente do Conselho Nacional da TFP brasileira?
Enfim, pouco depois veio do Chile outro telegrama anunciando, gravemente, que meu livro fora analisado pelos poderes chilenos, e, comprovado seu caráter meramente ideológico, se lhe permitia circular…
Eis tudo explicado para os meus leitores, espero que com a clareza na qual Jules Renard viu a suprema polidez de quem escreve…