A devoção viva a Nossa Senhora começa, em geral, por um Seu auxílio que faz despontar em nossas almas uma aurora de confiança

Santo do Dia, 18 de maio de 1964

A D V E R T Ê N C I A

O presente texto é adaptação de transcrição de gravação de conferência do Prof. Plinio Corrêa de Oliveira a sócios e cooperadores da TFP, mantendo portanto o estilo verbal, e não foi revisto pelo autor.

Se o Prof. Plinio Corrêa de Oliveira estivesse entre nós, certamente pediria que se colocasse explícita menção a sua filial disposição de retificar qualquer discrepância em relação ao Magistério da Igreja. É o que fazemos aqui constar, com suas próprias palavras, como homenagem a tão belo e constante estado de espírito:

“Católico apostólico romano, o autor deste texto  se submete com filial ardor ao ensinamento tradicional da Santa Igreja. Se, no entanto,  por lapso, algo nele ocorra que não esteja conforme àquele ensinamento, desde já e categoricamente o rejeita”.

As palavras “Revolução” e “Contra-Revolução”, são aqui empregadas no sentido que lhes dá o Prof. Plínio Corrêa de Oliveira em seu livro “Revolução e Contra-Revolução“, cuja primeira edição foi publicada no Nº 100 de “Catolicismo”, em abril de 1959.

 

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Imagem de Nossa Senhora Auxiliadora no Santuário do Sagrado Coração de Jesus, na capital paulista

 

Hoje é dia de São Felix Cantalício, Confessor, da Ordem dos Frades Menores Capuchinhos. Sua relíquia se venera em nossa capela. Nós estamos também na novena da Bem-Aventurada Virgem Maria Auxílio dos Cristãos.
São tantos os pontos de vista sob os quais Nossa Senhora é o Auxílio dos Cristãos, que quase a gente poderia fazer uma enciclopédia sobre esse tema. Mas tenho a impressão de que  um aspecto que poderíamos muito bem considerar nisto e que a meu ver é a parte mais viva da devoção a Nossa Senhora é o seguinte:
* A devoção viva a Nossa Senhora começa, em geral, por um auxílio dEla que faz despontar em nossas almas uma aurora de confiança
Em geral, quando todo mundo que tenho visto ter uma verdadeira devoção viva a Nossa Senhora, a devoção começa numa espécie de bons ofícios de Nossa Senhora com a pessoa.
A pessoa se vê em apuros ── ora são apuros espirituais, ora são apuros temporais, ora uma coisa e outra ──, pede a Nossa Senhora para ser salvo deles.
E Nossa Senhora, ao mesmo tempo que salva a pessoa desses apuros, Ela opera algo na alma, na ordem imponderável e na ordem da graça, que a alma adquire como que uma vivência da condescendência maternal, risonha, afável, bondosa de Nossa Senhora e com isso fica com a esperança viva de que em outras circunstâncias difíceis vai ser atendida novamente.
Esse “pede-pede” de todas as graças ── sobretudo da graça do amor a Deus que é de todas as graças a que se deve mais pedir ── acaba vindo num crescendo de tal maneira que Nossa Senhora vai se tornando mais exorável, mais materna, de uma assistência mais meticulosa, à medida que a pessoa vai crescendo nessa espécie de vivência, desta espécie de providência risonha e afável dEla para cada um.
De tal maneira que as pessoas, às vezes, acabam pedindo a Nossa Senhora verdadeiras bagatelas, coisinhas que são insignificantes que Ela dá como a Mãe quer dar aos filhos coisas grandes e pequenas, e que tem um sorriso particularmente afetuoso para as coisas pequenas que se pedem.
Há aí uma espécie de aurora da confiança, uma espécie de aurora da verdadeira compreensão de quais são nossas relações com Nossa Senhora, e ainda que a alma passe por provações muito longas, muito duras, períodos de aridez, períodos de dificuldades, algo disso fica, e que é como uma luz que acompanha a pessoa a vida inteira, e acompanha até nos últimos e mais amargos transes da morte.
Recomendaria muito aos que estão aqui presentes que fizessem isso, que tentassem, que pedissem a Nossa Senhora pelo menos a graça de Ela, por meio de algumas concessões, os iniciar nesta via, que é uma via toda ela amorosa, toda ela especial, desses pequenos pedidos, dessas pequenas condescendências, dessa espécie de intimidade com Ela, em que Ela, às vezes, até faz conosco o seguinte: a gente pede uma coisa e aquilo não está nos desígnios dEla dar, porque é uma prova pela qual temos que passar e Ela quer que seja desse jeito. Nossa Senhora não dá o que a gente pede, mas nos concede uma força para suportar o que vem, que é muito maior do que se supunha e depois de tudo acaba dando alguma outra coisa melhor do que a gente pediu.
* As lendas medievais apresentam o verdadeiro aspecto de Nossa Senhora
Aqueles devocionários e lendas sobre a devoção a Nossa Senhora na Idade Média – algumas verazes e outras falsas – apresentam esta espécie de graça de Nossa Senhora, de Sua gentileza no trato das almas, com modos indizivelmente amenos, interessantes.
Não nos interessa saber se o fato é verdadeiro quanto aos homens que dele teriam participado, porque é verdadeiro quanto a Nossa Senhora, mostra um aspecto verdadeiro dEla, portanto, embora sejam lendas – como são teológicas e mariais – nos fazem sentir bem quem é Nossa Senhora.
Lembro, para estas considerações, de contar aqui um fato que creio que muitos já conhecem, que se não me engano está nas “Glórias de Maria“, de Santo Afonso de Ligório.
Um sujeito, na Idade Média tinha uma vontade enorme de ver Nossa Senhora e dava tudo para conseguir, ainda que tivesse de ficar cego. Então, ele, por uma inspiração, ou veio um Anjo, não sei como, soube que se aceitasse depois a cegueira para o resto a vida, ele alcançaria a graça de ver Nossa Senhora. Ele aceitou. Nossa Senhora lhe apareceu numa formosura resplandecente, imensamente bondosa, régia, condescendente etc. e ele se extasiou em vê-La. Quando a visão se dissipou, ele verificou que estava cego de um olho, não dos dois, portanto, só de um. Então, ficou com aquela nostalgia de Nossa Senhora etc., etc.
Novo pedido, e vem o problema: você então consente em ficar cego do outro olho? Ele ficou naquela dúvida…  “Consinto! Eu tenho tanta  vontade de vê-La mais uma vez, que consinto em ficar cego do outro olho!” Então Nossa Senhora apareceu etc., falou com ele, e quando a visão se dissipou, estava com os dois olhos bons…
Eu não me interesso em saber se o fato é verdadeiro, porque o que sei é que Nossa Senhora é assim, ou seja, Ela pode nos fazer passar por um certo apuro para provar o amor e, portanto, tirar uma vista, fazer passar por estas angústias etc., etc., mas em última análise Ela acaba sorrindo – passando embora pelas necessárias provações – e tudo se termina com um sorriso dEla.
Um caso muito mais conhecido, que todos se lembram, mas é apenas o prazer de falar dele: é o famoso jogral de Notre-Dame: um homem que sabia arte de jogos, e não sabia outra coisa senão, digamos, jogar com cinco bolas de madeira nas mãos, qualquer coisa desse tipo.
Ele não sabendo fazer outra coisa para Nossa Senhora, querendo agradá-La, numa igreja vazia, numa hora em que não havia ninguém, pôs se a fazer os seus jogos e Nossa Senhora apareceu sorrindo, demonstrando como aquilo Lhe havia agradado.
* O ponto de partida para uma devoção viva a Nossa Senhora é uma confiança filial nEla
Assim também nós, ao apresentarmos nossas oferendas a Nossa Senhora, por pequenas que sejam, devemos fazê-lo com inteira confiança de que Ela condescenda com isto.
Se não fizermos isso, vai acontecer que nossa devoção a Nossa Senhora nunca vai ser perfeitamente verdadeira. Precisamos de ter com Nossa Senhora uma espécie de “aisance”, uma espécie de desembaraço, de intimidade de filho que, embora saiba que as coisas postas como são, às vezes até quando contrista a Nossa Senhora, se apresenta a Ela com toda a confiança, certo de obter Seu auxílio e Seu sorriso.
É este o ponto de partida inefavelmente suave de uma devoção viva a Nossa Senhora.
Estou longe de dizer que isto basta. A pessoa, na medida em que seus recursos intelectuais permitam, deve estudar os fundamentos da devoção a Nossa Senhora, deve tê-los raciocinados, armados de maneira a representar uma convicção profunda, baseada no dogma etc., etc., não tem dúvida. Mas uma coisa é a formação intelectual, outra é a vida de devoção. As duas se completam. E, portanto, ter esses dois elementos juntas é magnífico, o que explica exatamente que um tão grande Doutor da Igreja, como Santo Afonso de Ligório, tenha escrito seu livro “Glórias de Maria“, ilustrando várias teses postas por ele em termos de doutrina, ilustrando com casos concretos.
De maneira que não é mal que nesta noite de preparação da Novena de Nossa Senhora Auxiliadora, nós que rezamos a Nossa Senhora Auxiliadora todas as noites e que temos a imagem dEla em nossa capela, nós nos lembremos disto para pedir a Ela que nos dê essa graça desta doçura especial na devoção, que é uma espécie de flor do Catolicismo de que, por exemplo, uma alma protestante não é capaz.
Vamos pedir a Ela, portanto, essa graça na noite de hoje.

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