Catolicismo n° 178-179, outubro-novembro de 1965, pág. 16

Teve o merecido destaque na imprensa nacional a intervenção do grande Bispo Diocesano de Campos, na Congregação Geral de 23 de setembro p.p. do Concílio, a respeito do esquema de Constituição pastoral sobre a Igreja no mundo contemporâneo.
A matéria tratada nessa intervenção é da maior relevância para o futuro da Santa Igreja e da civilização cristã. Abordou-a o Exmo. Revmo. Sr. D. Antonio de Castro Mayer com a profundidade e a lucidez características de sua grande inteligência.
É a seguinte a tradução integral das palavras pronunciadas por S. Excia. Revma. na Aula conciliar:
O esquema que nos foi proposto não mostra suficientemente a conexão íntima, que existe entre o ateísmo marxista — muito bem descrito na 1a parte, cap. 1°, n° 19 — e a estrutura da ordem econômica proposta por Karl Marx, aliás com razão reprovada no cap. 3° da 2ª parte.
Nos tempos atuais, muitos, especialmente entre a juventude, julgam que o ateísmo marxista deve ser separado de sua doutrina econômica, de maneira que os próprios cristãos possam e mesmo devam, como dizem, interessar-se pela organização coletiva da produção e pela destruição da propriedade privada, ou seja, do domínio pessoal das riquezas.
Para dissipar, portanto, a perplexidade de muitos, quer leigos, quer Padres, o esquema deve declarar explicitamente a doutrina da Igreja em semelhante assunto.
De fato, por que colocam muitos contemporâneos sua esperança no materialismo dialético, isto é, no comunismo, e dele esperam uma nova, melhor e mais racional distribuição das riquezas?
A essa pergunta, a resposta nos parece óbvia, a saber: os homens já não creem mais na eficácia da liberdade e na força da retidão moral para a justa distribuição dos bens temporais e, por isso, julgam mais acertado entregarem-se a uma organização econômica, que distribua tais bens à semelhança de uma máquina muito bem construída e ordenada. (O esquema tem uma alusão a esta concepção marxista no capitulo 2° da 1ª parte, n° 34).
Semelhante doutrina social, isto é, o comunismo, enquanto nega a responsabilidade do homem, o alicia com a ilusão de uma organização econômica sobremodo eficaz. Nesta organização, a pessoa humana já não é considerada como sujeito de toda a atividade econômica e social, mas apenas como um objeto da organização técnica. Objeto ao qual sem dúvida esta organização será útil, mas simples objeto.
Vê-se, pois, claramente, que toda a economia propugnada pelo materialismo dialético está em contradição com a concepção cristã do homem proposta neste esquema. Mais. A organização marxista do Estado tem que recusar a liberdade às atividades da pessoa para promover a ordem econômica — liberdade que é um direito transcendente; tem que negar também à pessoa humana sua índole de criatura espiritual e sua natureza íntima em que se reflete a imagem do Criador.
O socialismo dispõe a sociedade temporal de tal maneira que os cidadãos já não consideram o homem como uma natureza criada. De onde, necessariamente, são eles levados a admitir toda a teoria de Karl Marx, a saber: é a humanidade que se forma a si mesma e se aperfeiçoa como causa de si própria. Não há lugar para Deus, e a perfeição da justiça divina é atribuída à humanidade que, numa continua evolução, vai-se aperfeiçoando sempre.
A um mundo sôfrego de bem-estar terreno, a Igreja oferece a esperança teologal capaz de aperfeiçoar a sociedade na justiça e na caridade. Esperamos que o esquema exponha explícita e claramente tão eficaz e consoladora doutrina”.