A santidade: importante condição de vitória, mas não é um fator automático. Um Papa ou um Rei Santo

 Auditório São Miguel, 17 de fevereiro de 1989 – Santo do Dia  

 

A D V E R T Ê N C I A

O presente texto é adaptação de transcrição de gravação de conferência do Prof. Plinio Corrêa de Oliveira a sócios e cooperadores da TFP, mantendo portanto o estilo verbal, e não foi revisto pelo autor.

Se o Prof. Plinio Corrêa de Oliveira estivesse entre nós, certamente pediria que se colocasse explícita menção a sua filial disposição de retificar qualquer discrepância em relação ao Magistério da Igreja. É o que fazemos aqui constar, com suas próprias palavras, como homenagem a tão belo e constante estado de espírito:

“Católico apostólico romano, o autor deste texto  se submete com filial ardor ao ensinamento tradicional da Santa Igreja. Se, no entanto,  por lapso, algo nele ocorra que não esteja conforme àquele ensinamento, desde já e categoricamente o rejeita”.

As palavras “Revolução” e “Contra-Revolução”, são aqui empregadas no sentido que lhes dá o Prof. Plínio Corrêa de Oliveira em seu livro “Revolução e Contra-Revolução“, cuja primeira edição foi publicada no Nº 100 de Catolicismo, em abril de 1959.

 

 

Eu gostaria de dizer, ademais, o seguinte: em geral acontece que quando o povo não merece os dirigentes que tem, Deus por punição dá ao povo os dirigentes que ele merece. E pode acon­tecer que o povo tenha, por exemplo, um rei muito bom, mas que governe na indiferença e no ensabugamento geral. O rei se sacri­fica, ele ganha batalhas, ele vence, ele funda univer­si­dades, ele funda hospitais, ele funda coisas extraordinárias e… não ligam.
Os senhores não pensem o seguinte, que basta ser santo, que quaisquer que sejam as circunstâncias ele santifica o povo. Nisso aí existe uma espécie de automatismo que as coisas sobrenaturais não comportam.
* Exemplo de São Luís IX 
Um exemplo característico o senhor tem em São Luís, Rei de França.  Ele era Luís IX, Rei de França, por abreviação, diz-se São Luís.  O título dele seria, São Luís IX, o Rei de França.
São Luís foi avô de um monstro: Felipe o Belo, que foi um rei péssimo. Segundo muitos visos históricos esteve implicado no crime de Guillaume de Plaisance e de Luís de Nogaret, que em Agnani atentaram contra o Papa, esbofeteando-o, para obterem do papa uma capitulação diante do Rei da França. Questões internas de organização da Igreja na França etc. O Papa Bonifácio VIII não quis ceder. Estava no direito dele não fazer isso. Estava no dever! Segundo consta, um deles esbofeteou o Papa. O Papa continuou olhando para o crucifixo que ele tinha diante da mesa, não mudou de posição. Que é o que ele tinha que fazer. Ele podia morrer decapitado ali.
E o reino de Filipe Belo iniciou o absolutismo na França com o predomínio dos legistas e tudo mais que se lhe seguiu. Quer dizer, uma causa da Revolução Francesa foi o neto do rei santo!
* O caso de São Fernando de Castela 
O caso é mais frisante com São Fernando… Rei de Castela, ele foi o rei vitorioso contra os mouros etc., etc. A vitória que Fernando e Isabel, os Reis Católicos, conquistaram contra os mouros foi uma verdadeira vitória, mas era até certo ponto uma vitória de aparato, porque a batalha estava ganha. E parece que eles até trataram com Boabdil, o rei mouro de Granada, muito sensível a esse argumento ($), que o Boabdil depois de uns tiros de festim se retiraria. Eles entrariam gloriosamente dentro de Granada etc. Depois de um cerco que foi muito mais glorioso do que a batalha final. A batalha final parece que foi um aparato.
Afinal, São Fernando teve um filho, Afonso X, o Sábio, que foi o começo de todo o Humanismo e de toda a penetração pré-renascentista na Espanha. Contaram-me que ele antes de morrer chamou o filho e disse: “Se você não fizer tudo em favor da Igreja, etc., etc., desde já eu te amaldiçôo.”
Quer dizer, não basta a gente fazer assim: o santo é uma espécie de coringa que vence sempre. E o Santo dos santos não venceu sempre. Nosso Senhor Jesus Cristo na sua vida terrena foi esmagado, na sua vida depois de ressurrecto a coisa é diferente, foi a imensa vitória dEle. Mas na sua vida terrena Ele foi esmagado.
* São Gregório VII
O mesmo se dá com o Papa. Dizer: “O Papa, sendo um papa santo de fato, ele vence sempre”. São Gregório VII, para mim talvez o maior dos papas, o que obrigou Henrique IV, Imperador do Sacro Império a ficar 3 dias no gelo, na neve, na fome, e pedindo perdão, em Canossa.  São Gregório VII ao morrer disse aquelas palavras famosas: “justitiae dilecti, odivi iniquitatem, proterea morio in exilium – Eu amei a virtude e odiei o pecado e por isso morro no exílio”.  Quer dizer, não morreu vitorioso!
* A Santidade não é fator automático de vitória
Nós devemos, portanto, dizer que a santidade é uma importante condição de vitória, não é um fator automático da vitória.
* Hipóteses de um rei santo com um povo ruim
Mas vamos imaginar que apareça um rei santo.  Qual é o papel desse rei santo?
Se o mau estado do povo provém mais de um antecessor, ou de alguns antecessores dele, do que propriamente do povo, ele pode navegar num rumo oposto aos seus antecessores: dar o exemplo de todas as virtudes, trabalhar, lutar, sacrificar-se. Oferecer-se como vítima expiatória, que seja! por amor a Nosso Senhor Jesus Cristo, a Nossa Senhora, a Santa Igreja. Ele poderá então ir para o Céu.
Mas, como ele terá estancado o mal na sua causa, que é o mau exemplo da dinastia real, ele poderá vencer, porque cessada a causa, cessa o efeito.
A gente supõe então um povo que esteja se deixando arrastar mais ou menos perigosamente pela dinastia, mas que não está tomando a dianteira do pecado.
* Se o povo não tem fé…
Mas se nós imaginarmos um povo que já está muito corrupto e que arrasta a dinastia para o pecado, então é muito mais difícil um rei corrigir um povo inteiro. E pode ser que ele não seja bem sucedido.
Qual é o papel de um rei nesse caso?
Eu não vejo outra solução para isso do que um rei, capaci­tado das coisas como são, compenetrar-se do fato de que a Igreja Católica é o fundamento de todo bem que há na terra.  E que, se um determinado país não tem como fundamento aquele bem que irradia da Igreja Católica, esse país está perdido. Perdeu a Fé, perdeu tudo.  Pode levar tempo para perder, mas quanto mais ele se tornar grande, ou poderoso, ou rico, tanto mais ele se torna pecador.  E quanto mais ele se tornar pecador, mais acelera­da­mente ele caminha para a ruína.
* Como um povo influência outros
Vamos dizer, por exemplo, um povo que se torne ilustre – não é muito rico, nem muito poderoso como armas – mas se torne ilustre pela cultura, pela civilização etc.  Para ele se voltam as atenções do mundo inteiro.  Porque ele ficou assim ilustre, ele tem a possibilidade de levar muitos para o céu ou muitos para o inferno.  E se ele, na condição de povo ilustre, leva o povo para o mal, ele leva os povos para o mal.  E ao morrer ele vai ter que dar conta de muitas, ou de todas as nações, de sua área de civilização.  É uma coisa tremenda!  Quando esse povo portanto decair, Deus vai lhe pedir contas de todo mal que fez em todos os países que ele influenciou.
A mesma coisa com poder militar. Povo guerreiro. O poder militar, queiram ou não queiram, confere um prestígio extraordinário.  Quando se trata de exércitos que têm que enfrentar a guerra de fato e em cujas fileiras há habitualmente combatentes que derramaram sangue, a mancha de sangue impressiona mais os homens do que qualquer dourado, qualquer azul.  É inteiramente natural, não é outra coisa senão isso.  Então, um exército em cujas filas houve muitos combatentes que morreram cantando enquanto escalavam uma posição etc., etc.  Uma coisa extraordinária.
Por causa disso, em geral, os povos que vencem uma guerra, irradiam a sua cultura, a sua civilização e a sua mentalidade numa área de povos muito grande.  Resultado evidente: se esse povo anda nas vias do bem, ele presta a Deus serviços enormes; mas se ele anda nas vias do mal, ele perde.
E com o dinheiro nem preciso falar.
* Papel do rei santo ante o povo sem fé
Então, o povo quanto mais cresce, se ele anda nas vias do pecado, mais ele precipita a sua ruína.  E, portanto, se um rei vê que o seu povo está vivendo no pecado e que está decaindo, ele pode dizer: “Meu povo está perdido!  eEu não amo esse povo só, nem principalmente, por ser meu, eu amo porque, mais do que ser meu, esse povo é de Deus.  Aliás, eu mesmo, o que sou? Eu sou apenas uma propriedade de Deus. Mas Deus está perdendo esse povo e isso eu não posso tolerar.”
* Por que se perde um povo?
E agora nasce a questão:  o povo está se perdendo, por quê?
A gente vai examinar… e aí a coisa funciona, está no Evangelho:  quando o fermento está deteriorado, o pão não leveda.  Quando o sal está estragado, a carne não se conserva“.  E o resultado é que, quando o clero não é o que deve ser, é muito difícil que as coisas sejam como devem ser.
* Um rei santo conversando com um Papa indolente…
Então, um rei olha para as vastidões da Igreja.  E, ao subir ao trono recebe uma carta do Papa, de felicitações:  “Dilecti Filii, com muita alegria te mando minha bênção pastoral etc., eu que desejo para teu povo, célebre por sua fidelidade à Igreja, tais e tais e tais outras, e tais outras.  Teu povo é grande por isso, teu povo é grande por aquilo, teu povo é grande por aquilo outro.  E eu me alegro com isso e espero de ti que leves esse povo ao fastígio etc., e tal”.
Lê isso e diz:  “Esse Papa, ou é mal informado, ou é incapaz de ser bem informado.  Quer dizer, ou é um homem que não tem bons conselheiros, ou é um homem que tem bons conselheiros, mas é incapaz de atender os bons conselhos que lhe dão, porque é um otimista, um sossegadão que não toma a sério as coisas. Agora, se eu não contar com o Papa, meu reino afunda.  Eu farei o possível para que o pecado se espalhe o menos possível.  Eu combaterei palmo a palmo contra o pecado dentro do meu Reino. Mas eu sei que eu poderei muito menos do que se o Papa estiver informado.”
Resultado: pede audiência ao Papa. Mas manda dizer: “Eu peço a Sua Santidade – como vão saber que eu estou em Roma -, eu peço uma audiência oficial.  Faço a audiência de aparato, a conversinha, trocamos presentes, trocamos sorrisos e eu vou embora. Mas depois eu quero entrar pelo Vaticano, na noite que o Papa indicar, pela porta dos fundos, numa hora em que não passe ninguém, e quero eu mesmo entrar e falar com ele.”
E devo dizer a ele o seguinte: que eu como rei de tal país, peço a ele um número indeterminado de horas, mas que eu quero abrir a minha alma com ele.  E levo um relatório que deixo em cima da mesa dele. Tenho tais fatos, tenho tais documentos. Rapporto!  Relatório.
Tenho tais documentos, a situação é assim.  E, portanto, eu proponho dentro da Igreja tal coisa, tal coisa, tal coisa. Agora, se Vossa Santidade não aplicar esses remédios, ou melhores – que a graça de Deus que desce sobre um papa é muito mais abundante do que sobre um pobre rei – que a graça de Deus lhe indique.  Se vossa Santidade não aplicar uma coisa ou outra, eu tenho minhas mãos atadas pela obediência e eu vou afundar com meu reino. Mas, enquanto eu estiver com minha cabeça fora de água, eu vou olhar para Vossa Santidade e culpá-lo.  E quando Vossa Santidade morrer e nos encontrarmos diante do trono de Deus, a primeira palavra de vitupério vai ser a minha.  Na hora de seu julgamento, eu tenho o que dizer.
Depois continuar a combater palmo a palmo, medida a medida.
Ele vai sendo cada vez mais combatido, a dinastia dele vai sendo cada vez mais isolada, ele vai sendo empurrado para o glo­rio­so recanto de Nossa Senhora da Soledade.  Vão mafiá-lo, vão isolá-lo, vai fazer tudo com ele.  Ele deve, ele, tomar a cruz nas costas e levar a chibata.  Agüentar.  E Deus depois faça o que quiser.
* Punição dos povos, nesta vida ou na outra
[O Sr disse que um povo que tivesse um bom rei e não correspondesse, poderia ser punido por Deus]
Poderia, não. É punido! E é punido nesse mundo, porque os povos são punidos nesse mundo. Os homens podem ser punidos no outro. Os países morrem aqui, nessa terra, e diz Santo Agostinho que são punidos nesse mundo.
* Punição possível das ordens religiosas que deixam de corresponder ao seu Fundador
(Como seria punida uma Ordem religiosa que não fosse fiel ao seu Fundador?).
De vários modos. Os desígnios de Deus são muito enigmáticos, “incerta et oculta tua non manifestate mihi – Tu, ó Deus, não manifestaste a mim os teus desígnios incertos e ocultos”.
Mas a gente percebe, quando acompanha a história das Ordens Religiosas, como é que Deus as pune.  Às vezes pune porque aparece um inimigo poderoso que vem de encontro a Ordem e fecha.  E tranca.  Os Templários, por exemplo, ficaram fechados. Está acabado!
Outras vezes não é uma punição direta, mas é uma lenta decadência, ao longo da qual a Providência suscita santos para ver se reerguem, e a Ordem não aceita e continua a decair, decair. Em certo momento ela é um vestígio, uma caricatura, ou o contrário de si mesma.  Pode acontecer.
Pode acontecer que ela arraste pelos séculos de vida poca, de vida sem brilho.  Como nações, que arrastam séculos de vida poca e sem brilho, sem utilidade para a causa de Deus.
São as múltiplas punições de uma Ordem.
* Paralelismo entre uma Ordem religiosa e a TFP
Cada um tem responsabilidade por todos. Mas há certas situações, em que Deus cobra de um ou de outro, alguma coisa – pode ser um membro muito secundário de uma Ordem – mas Deus em certa situação crítica cobra dele uma determinada coisa que é ele que tem que fazer. E se ele não faz, a Ordem toda decai por causa dele.
A TFP não é uma Ordem, mas tem certa analogia, como nossos “Torreões” exprimem, com uma Ordem.  Na TFP, pode ser que um membro apagado, um membro zero da TFP, um pecador! Deus dê a ele numa certa hora a graça de se arrepender de seu pecado e de tomar uma atitude melhor.
Pouco depois ele vai encontrar um outro, que está nos bordos do pecado, e a quem ele, por uma boa palavra, vai dizer algo que evite que o outro caia.  Este está destinado a ser um luminar da TFP.  E aquele foi o responsável por aquele outro.
São coisas que são desígnios misteriosos da Providência.
Cada um de nós – não sou só eu – cada um de nós é responsável por alguma coisa que deva fazer. E que no jogo de xadrez de Deus representa uma peça insubstituível naquele lance. E a gente não sabe! É um estímulo para proceder sempre do melhor modo possível.

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