Artimanhas centristas em favor da esquerda – Folha de S. Paulo, 2 de julho de 1969

Plinio Corrêa de Oliveira

Há um centrismo esquerdizante, ao mesmo tempo radical e manhoso, que é a melhor “claque” da esquerda.

Se Nosso Senhor Jesus Cristo viesse em forma sensível ao Brasil, seria tachado de agitador… pelos centro-esquerdistas que aqui temos. Eles procurariam sem dúvida enquadrar o Homem-Deus no Ato Institucional e na Lei de Segurança Nacional, torcidamente interpretados, é claro. Foi esta a conclusão a que cheguei, depois de refletir sobre duas objeções algum tanto freqüentes – e nitidamente de centro-esquerda – que tenho ouvido, contra a mais recente campanha da TFP.

Antes de analisar essas objeções, quero – de passagem – notar a contradição singular em que cai a maior parte dos que as formulam. Destacam-se estes, com efeito, por uma violenta hostilidade ao Ato Institucional e à Lei de Segurança Nacional. A razão que alegam é que esses diplomas legais, restringindo a liberdade de pensamento dos comunistas, ferem ipso facto a liberdade humana, no que esta possui de mais essencial. Entretanto, quando se trata da TFP, esquecem-se gostosamente das máximas liberais que professam. E não há arrocho legal que lhes baste.

Registro a contradição para mostrar ao leitor os pensamentos ideológicos que lhes inspiram as atitudes. É bem evidente que todas as simpatias de tais contestadores vão para o campo comunista. E que suas antipatias vão para os arraiais onde se combate o comunismo. Isto redunda em afirmar que se os contendores centristas da TFP tomassem conta do Brasil, estaria vitorioso o comunismo. Quando não se quer que o touro comunista seja ferido nem cerceado em seus movimentos, e se deseja garrotear o toureiro, o resultado é que o touro toma conta da arena…

Mas, isto observado, vamos às duas objeções de certos centristas.

A TFP e o Partido Comunista – diz a primeira – são os dois extremos do horizonte ideológico brasileiro. De si, todo extremo é censurável. A verdade está sempre no meio. Logo, a lógica manda que, se se reprime um extremo, também se coíba o outro.

Ademais – acrescenta a segunda – a campanha de rua da TFP é subversiva. Pois ela irrita os comunistas e os induz a protestar por meio de arruaças e atentados. Por exemplo, a bomba lançada contra a TFP não teria explodido se esta não fosse tão radicalmente anticomunista. Assim, as campanhas da TFP criam o risco de suscitar arruaças comunistas por todo o Brasil. Caso tais arruaças ocorram, a provocadora, a autora da subversão terá sido a TFP.

Digo de ambas estas objeções, que são perfeitamente amorais. Isto é, ignoram qualquer conceito moral.

Vejamos a primeira objeção. O comunismo é ateu. A Religião Católica está no extremo oposto, pois afirma a existência de Deus. Segundo a estranha lógica de nossos contendores, a Religião Católica seria, pois, tão má, quanto o comunismo. O comunismo apregoa o amor livre. No extremo oposto está, mais uma vez, o Catolicismo, a ensinar a indissolubilidade do casamento: a Religião constituiria, assim, um mal tão grave quanto o comunismo.

Basta pensar nisto para compreender o que há de falso no primeiro argumento anti-TFP.

É amoral – com efeito – afirmar que, quando duas doutrinas discordam inteiramente uma da outra, nenhuma delas é boa. Boa é a que corresponde à verdade. Má é a que contém o erro. E quando a verdade e o erro entram em polêmica, é amoral condenar aquela e este simultaneamente. Dirá alguém que nesta injustiça está o único meio de abafar as contendas e implantar a paz. Respondo, com São Tomás, que a paz é a tranqüilidade da ordem e não a estagnação dos pântanos. E não há ordem onde a injustiça impera.

Mas o que é a verdade? perguntará alguém. Foi esta a pergunta de Pilatos, o juiz supremamente injusto, a Jesus Cristo…

Alguém poderia objetar ainda que, em matéria de propriedade privada, o extremo oposto do comunismo não é a Igreja mas a TFP.

Negamo-lo. Admitamos, entretanto, que assim fosse. Então, em se tratando da Igreja, é lícito ser o extremo oposto do comunismo, e em se tratando da TFP isto é ilícito? Por que dois pesos e duas medidas?

* * *

Passemos ao segundo argumento anti-TFP.

Se nada do que estimula as sanhas do comunismo tem o direito de existir, bom é que se fechem todos os Bancos, pois é evidente que os comunistas os odeiam. Ninguém acharia razoável esta conseqüência. Ora, os Bancos têm o direito de existir e agir, por que não a TFP?

Os que formulam a segunda objeção são, o mais das vezes – como já disse – contrários a toda lei anticomunista por entenderem que o Estado não pode coibir, em nenhum caso, a livre expressão do pensamento. Mostrei, logo de início, como eles se contradizem ao desejar, pari passu, o cerceamento da liberdade da TFP. Porém, não é disto que vou tratar agora. Interessa-me outro aspecto do assunto.

Se todo o pensamento capaz de excitar discussão, cólera, desordens, deve ser ipso facto proibido, o poder de coibir a liberdade de pensamento – que nossos contendores negam ao Poder Público – eles o conferem implicitamente a todo e qualquer grupo de arruaceiros.

Diz o provérbio antigo que bobo é cavalo do demônio. Os arruaceiros são habitualmente agentes a soldo de intrigantes. É na mão destes, que nossos hiperliberais colocam, em última análise, o poder de tapar a boca de qualquer um…

É fácil ver quanto isto é amoral. Houve certa vez um Homem que desagradou intrigantes da pior laia. Estes sopraram contra tal Homem a mais vil arruaça. O juiz, acovardado, O condenou então à morte. Se esse Homem e esse juiz vivessem no Brasil de hoje, por certo os esquerdistas do centro, baseados nos argumentos que acabo de refutar, distorceriam o Ato Institucional e a Lei de Segurança, para obter a condenação do Homem: pois não estava Ele irritando os arruaceiros?

Este Homem não era apenas um homem, mas o Homem-Deus, o Verbo de Deus encarnado.

A História velha de cerca de dois mil anos, alguns gostariam de a repetir, talvez, contra cristãos de hoje.

E não espanta. O cristão, enquanto tal, é um outro Cristo, disse Tertuliano…

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