As aparições de Nossa Senhora de Laus a Benoîte Rencurel, exemplo de como deve ser a devoção para com Maria Santíssima

Santo do Dia, 15 de agosto de 1970

A D V E R T Ê N C I A

O presente texto é adaptação de transcrição de gravação de conferência do Prof. Plinio Corrêa de Oliveira a sócios e cooperadores da TFP, mantendo portanto o estilo verbal, e não foi revisto pelo autor.

Se o Prof. Plinio Corrêa de Oliveira estivesse entre nós, certamente pediria que se colocasse explícita menção a sua filial disposição de retificar qualquer discrepância em relação ao Magistério da Igreja. É o que fazemos aqui constar, com suas próprias palavras, como homenagem a tão belo e constante estado de espírito:

“Católico apostólico romano, o autor deste texto  se submete com filial ardor ao ensinamento tradicional da Santa Igreja. Se, no entanto,  por lapso, algo nele ocorra que não esteja conforme àquele ensinamento, desde já e categoricamente o rejeita”.

As palavras “Revolução” e “Contra-Revolução”, são aqui empregadas no sentido que lhes dá o Prof. Plínio Corrêa de Oliveira em seu livro “Revolução e Contra-Revolução“, cuja primeira edição foi publicada no Nº 100 de “Catolicismo”, em abril de 1959.

 

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Quadro pintado em vida de Benoîte Rencurel (* 16-9-1647 + 28-12-1718), que se encontra na capela atrás do coro da Basílica de Laus (Wikipedia, CC BY-SA 4.0). Seu processo de beatificação e canonização está em curso. Em 2009 o Papa Bento XVI a declarou Venerável.

A ficha que me está sendo apresentada é sobre uma invocação de Nossa Senhora. Como Nossa Senhora – é inútil dizê-lo – é uma só, ainda que seja uma invocação que não se refere à data de hoje, é um modo de homenageá-la, de manifestar-Lhe nosso afeto e nossa veneração.
O texto é da obra de Pierre Molaine “Itinéraire de la Vierge”, que é um muito bonito livro sobre Nossa Senhora:
Nossa Senhora do Bom Encontro – As aparições de Nossa Senhora a uma pobre pastora, Benoîte Rencurel, são extraordinárias pela simplicidade da jovem e pela atitude da Santíssima Virgem com a virtude. Os fatos notáveis são tão numerosos, que se tornam difíceis enumerar todos.
“Muito criança ainda, Benoîte já revelava grande virtude e fatos fora do comum caracterizam sua infância. Um dia em que guardava seu rebanho, num lugar afastado, dois homens quiseram aproveitar-se disso para ultrajá-la. A menina procurou fugir correndo para o lado de um grande pântano; mas seus próprios perseguidores viram-na atravessar o lamaçal sem afundar e mesmo sem molhar os pés.
“Quando completou 17 anos, na primavera de 1664, Nossa Senhora apareceu-lhe pela primeira vez. Benoîte dirigiu-lhe a palavra, mas a Virgem somente falou com ela após numerosas aparições. Estabeleceu-se entre as duas como que uma amizade sobrenatural que durou até o fim da vida de Benoîte. É difícil saber-se exatamente o que queria a Santíssima Virgem com os diálogos que mantinha com a vidente. Apertava-lhe a mão com frequência e oferecia a borda do manto para que a jovem aí repousasse.”
Isso é uma graça extraordinária: apertar a mão de Nossa Senhora com frequência!… Os senhores já pensaram o que é Nossa Senhora estender a mão para alguém apertá-la?… Isto não é o Céu na terra, é o céu no Céu! Mais do que isso é só comungar…
“Benoîte nunca perdeu sua simplicidade. Certa ocasião, a Mãe de Deus pediu à pastora um belo carneiro e uma grande cabra: – O carneiro, bela Senhora, eu vos darei; eu o descontarei do meu ordenado. Mas a cabra, não; ela me faz falta. Mesmo que a Senhora me ofereça trinta escudos por ela, eu não a cederei.
“Outra vez, Nossa Senhora mandou Benoîte à Missa e, enquanto ela entrava na igreja, o seu rebanho foi para outro lugar. Ao regressar, procurou-o ansiosamente e começou a chorar, mas Nossa Senhora apareceu e lhe disse, devolvendo os carneiros: – Tu me agradaste porque não ficaste impaciente. Eu só quis provar tua paciência.
“Como as notícias destes fatos começassem a se espalhar e fossem iniciadas sindicâncias, Nossa Senhora disse a Benoîte que fosse para Laus onde o povo era muito piedoso e venerável. Venerava há anos, numa capela, Nossa Senhora do Bom Encontro. Nessa capela, Benoîte voltaria a vê-La.
“Na capela paupérrima, que Nossa Senhora prometeu que se tornaria uma grande igreja, Benoîte recebeu a ordem de rezar muito pelos pecadores. Milagres sem conta tiveram início; e, com eles, as peregrinações. E também a primeira perseguição a Benoîte. Os clérigos da Catedral de Dijon, centro de grandes romarias, enciumaram-se com o fervor de Laus, e levantaram objeções à devoção de Nossa Senhora do Bom Encontro. Moveram, assim, um inquérito sobre a vidente. Benoîte, cheia de medo, chamou a Santíssima Virgem em seu socorro. Esta lhe disse que respondesse a tudo que as pessoas da Igreja lhe perguntassem, mas não tivesse receio de nada; os padres, disse Ela, podem dar ordens a meu Filho, mas não a Mim.
“De fato, após um processo severíssimo, Benoîte foi considerada inocente. E a pequena capela de Laus foi crescendo de tal forma que, em 1891, Leão XIII a erigiu em basílica menor. Uma das graças a ela concedida pela Mãe de Deus foi o poder do óleo da lâmpada do sacrário de curar qualquer moléstia.
“Benoîte viveu 71 anos, inteiramente dedicada à Santíssima Virgem. Sua vida foi uma visão contínua. Rezava ininterruptamente. Suas penitências eram severíssimas. Possuindo o dom dos milagres e de ver nas consciências, converteu numerosas pessoas. Horrivelmente perseguida pelo demônio, chegou a derramar lágrimas de sangue.
“Além disso, quando os primeiros missionários de Laon morreram, foram substituídos pelos padres jansenistas que, por 20 anos, perseguiram a vidente e a devoção a Nossa Senhora. Mas Nossa Senhora consolava a sua filha em meio a tantos sofrimentos. Talvez poucas pessoas tenham tido contato tão sobrenatural que ela teve. Toda a corte celeste lhe fazia companhia: os santos e os Anjos; São Gervásio, Santa Bárbara, São José, Santa Catarina de Siena, a ela se dedicavam com toda a simplicidade. Os Anjos a ajudavam a limpar a capela e recitavam com ela o Rosário e lhe traduziam para o francês, trechos dos Salmos latinos”.
Há fichas tão maravilhosas que quase se diria que não podem ser comentadas…
“Gracejavam gentilmente com ela e a distraíam, evitando que exagerasse suas macerações. Uma vez que ocultaram sua disciplina, ela se queixou a Nossa Senhora: – Isso me custou 4 francos.
“Outra ocasião, um Anjo a repreendeu por um zelo impaciente e ela respondeu com toda segurança: – Se tivesses um corpo como nós, belo Anjo, veríamos o que farias…
“Nossa Senhora lhe apareceu em meio a numerosos Anjos que conversavam entre si. Benoîte não hesitou: – Calai-vos agora e deixar falar Vossa Mãe.
“Benoîte, que recebeu também as estimas da Paixão, morreu dias após o Natal de 1718. Quando ela expirou, todo o vale de Laus foi inundado de inimaginável perfume.”
Fica-se sem saber o que dizer, não é?…
Para dizer alguma coisa – porque isto diz mais do que tudo –, poder-se-ia fazer a ponderação de que nessa narração há uma imagem arquetípica, arqui-característica, arqui-definida, daquilo que é – de um modo ou de outro – a essência do estilo de relações que cada um deve ter com Nossa Senhora.
Em outras palavras, com Nossa Senhora, devemos ser como Benoîte foi: verdadeiros filhos. Mas, verdadeiros filhos transidos de veneração, de afeto e de confiança. E que, portanto, afetuosamente, dentro do respeito, têm certas liberdades para com Nossa Senhora e que Ela quer que se Lhe tenha.
Os senhores viram, com certeza várias vezes, mães que brincam com crianças no colo e que gostam que elas crianças tratem com elas. Não de modo impertinente, ou insolente, revolucionário, nunca isso. Mas, assim, com uma liberdade. Por exemplo, vamos dizer: a mãe tira a bola da mão da criança e esta pega a bola da mão da mãe. Um brinquedinho assim, em que a mãe, quando tira a bola da mão da criança, já é para que a criança recupere a bola.
Alguns dos lances da vida de Benoîte Rencurel parecem exatamente isso. Por exemplo, o episódio da cabra. É evidente que Nossa Senhora, quando lha pediu, queria que ela desse aquela resposta. E Nossa Senhora se compraz em ver uma alma inteiramente desapegada agir assim, como uma mãe que gosta que a criança lhe tire a bola da mão. Ela não tira para privar a criança, mas é para adestrá-la, para ver sua personalidade se expandir e se regalar com isso.
E, por causa disto, conforme sejam os movimentos de nossa alma, devemos também, para com Nossa Senhora, ser muito expansivos, muito livres, muito naturais. Exatamente, o agrado de Nossa Senhora é contemplar a personalidade de cada um. Ela se regozija, se deleita em que cada um seja bem daquele jeito, com aquele temperamento, com aquele feitio, contanto que caminhe nas linhas da virtude. E mesmo quando tal não ocorre, Ela gosta tanto de olhar aquela obra-prima de Deus que é cada homem, que Ela se compraz em ajudar aquele a entrar no caminho de virtude. Assim, Ela como que institui – como toda verdadeira mãe – um estilo de intimidade com um seu filho que é diferente do que tem com outros filhos.
Os senhores considerem uma boa mãe de uma família numerosa. Se ela for uma boa mãe, tem com cada filho um teor de relações que é próprio ao feitio daquele filho e o agrada, o trata, o estimula, conforme aquele filho é.
Assim também Nossa Senhora com cada um de nós, individualmente, tem um teor de relações. E se tomarmos a devoção a São Luís Grignion de Montfort bem a sério, compreenderemos esse teor e encontraremos quase que uma via individual para termos relações com Ela, que saberá desenvolvê-las.
A sagrada escravidão a Nossa Senhora comporta esta espécie de intimidade em que cada qual trata a seu modo com Ela e Ela aceita benignamente o modo de ser de cada um. Não se pode padronizar isto porque seria diminuir a beleza da obra dEla. Exatamente a beleza da obra de Nossa Senhora consiste em fazer algo incontavelmente diversificado e, em cada um, dar um certo matiz.
E com a vida da Benoîte, Ela quis dar um exemplo de tudo quanto dará se soubermos pedir, de um lado. E de outro, de toda abertura que Nossa Senhora tem com cada alma. É questão só de pedirmos e de pedirmos muito. Ela dará!
Quer dizer, a sagrada escravidão a Nossa Senhora tem um aspecto que poderia chamar-se: a sagrada intimidade com Nossa Senhora. Ou o sagrado e personalíssimo trato com Nossa Senhora em que Ela é, toda inteira, como se existisse só para cada um. Aqui está a beleza e o esplendor de Nossa Senhora que se patenteiam nesta ficha biográfica admirável.
Poderíamos dizer que quem é assim também – na multiplicidade dos seus aspectos – é a Santa Igreja Católica, a qual não é, evidentemente, a Igreja de dom Helder Câmara…
A Santa Igreja, para cada um dos que nela entra, abre um firmamento de beleza que não é propriamente o que um outro vê. Ela tem um modo próprio de encher a alma de cada um. De maneira que uma alma pequena ou uma alma enorme, Ela enche até os bordos e até mais do que isso. E, para cada um, é como um maná que tem, no paladar espiritual de cada pessoa, um sabor próprio que é feito completamente para aquele. De tal maneira que cada homem reto, e mais diferente dos outros, possa dizer: “a Igreja Católica é tal que, se fosse feita só para mim, seria exatamente como Ela é!”.
Esta é a obra de Deus. E é assim que devemos, em Nossa Senhora e na Igreja Católica, amar a Deus Nosso Senhor.

Nota: Para mais informações sobre a história de Nossa Senhora de Laus, seu reconhecimento pelas autoridades eclesiásticas, a vida de Benoîte Rencurel, visite o site (em francês) daquele Santuário.

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