Sábado, 31 de janeiro de 1976 — Santo do Dia
A D V E R T Ê N C I A
O presente texto é adaptação de transcrição de gravação de conferência do Prof. Plinio Corrêa de Oliveira a sócios e cooperadores da TFP, mantendo portanto o estilo verbal, e não foi revisto pelo autor.
Se o Prof. Plinio Corrêa de Oliveira estivesse entre nós, certamente pediria que se colocasse explícita menção a sua filial disposição de retificar qualquer discrepância em relação ao Magistério da Igreja. É o que fazemos aqui constar, com suas próprias palavras, como homenagem a tão belo e constante estado de espírito:
“Católico apostólico romano, o autor deste texto se submete com filial ardor ao ensinamento tradicional da Santa Igreja. Se, no entanto, por lapso, algo nele ocorra que não esteja conforme àquele ensinamento, desde já e categoricamente o rejeita”.
As palavras “Revolução” e “Contra-Revolução”, são aqui empregadas no sentido que lhes dá o Prof. Plínio Corrêa de Oliveira em seu livro “Revolução e Contra-Revolução“, cuja primeira edição foi publicada no Nº 100 de “Catolicismo”, em abril de 1959.
São Brás de Sebaste (viveu entre os séculos III e IV na Armênia) dá a benção à criança que havia engolido um espinho e estava se sufocando, e a salvou. Tornou-se, assim, o protetor contra os males da garganta
Os senhores sabem que a vela benta é um sacramental. Quer dizer, uma vez que ela recebe a benção, aos que a possuem, sobretudo aos que a têm na mão, ela é uma ocasião de transmissão de graças. É uma velha tradição da Igreja, por exemplo, que o agonizante deve segurar a vela na mão. Enquanto morre, alguma pessoa da família deve ajudá-lo a reter a vela na mão, até o momento em que ele expira, desde que as condições de saúde lhe permitam, não esteja se revolvendo etc.
E há uma tradição popular que, não me consta que tenha o menor fundamento na Escritura, e nem mesmo em nenhuma revelação especialmente autorizada, mas uma velha tradição popular de que quando vier a “Bagarre” vai haver três dias de trevas completas (*). E que nesses três dias de trevas, as pessoas verdadeiramente fiéis, que propugnarão pelo Reino de Maria, devem ter nas mãos velas bentas. Evidentemente não só ter luz, mas porque a vela benta afugentará os demônios. De maneira que há regiões inteiras da Europa onde a população – sobretudo do campo – tem velas bentas para acender nessas ocasiões.
Eu tenho vela benta em casa para esse caso. Porque a respeito dessas coisas eu relaciono da seguinte maneira: não me importa muito saber se essa revelação é verdadeira ou falsa. Ter vela benta, em si, é uma coisa boa. Logo, eu devo ter. Em 2º lugar, se eventualmente esse fato se der, eu estou prevenido. Se não se der, o que eu perdi? Apenas adquiri uma coisa boa que são essas velas bentas. Podem servir para o caso de eu morrer ou que Deus não permita, morrer alguém que está em casa. Então, eu tenho uma vela benta para pôr na minha mão, ou na mão dele. De maneira que de si é uma coisa boa.
A gente não deve dar uma atenção servil a essas revelações, sobretudo quando não se conhece a fonte – e, numa revelação particular, não se pode fazer uma análise, não se deve dar atenção absoluta — mas quando a revelação, ainda que não autêntica, propõe uma coisa boa, é louvável que a pessoa faça, porque é louvável fazer-se uma coisa boa.
Nos primeiros dias de fevereiro há a festa de São Brás, que era Bispo, a cuja intercessão a Providência ligou a graça especial de atender aos males da garganta. E o padre impõe a vela, encosta-a no pescoço pronunciando uma oração que diz, ou mais ou menos, pela intercessão de São Brás, Bispo, sejas protegido dos males de garganta, qualquer coisa.
Tem tanta importância assim a gente se defender de uma dor de garganta? Não é meio “nhonhô” [excesso de comodismo, n.d.c.] a gente ter medo de dor de garganta? Não é mais heroico a gente passar por cima disso?
Eu também não acho que isso seja heroísmo. Eu acho que o começo de todo heroísmo é o bom senso. Se uma dor de garganta incomoda, e se pedindo a Deus que não nos dê essa dor de garganta Ele manifesta para nós a Sua misericórdia, com isso se pode estabelecer, de nossa parte com relação a Ele, um teor de relações de carinho, de afeto filial, de confiança especial. É por isso que vemos tantas e tantas vezes orações pedindo coisas insignificantes, e que são atendidas. Deus quer nos mostrar que por meio dos rogos de Nossa Senhora, Ele é nosso Pai e até para as coisas pequenas; como é um pai para seu filho, dando ao filho uma coisa pequena, se ele precisar. E por essa forma também aumentar nossa confiança para obtermos as coisas grandes.
Sobretudo, a mais preciosa das confianças, que é a seguinte: Deus nos criou para irmos ao Céu, e darmos glória a Ele por toda a eternidade. Se Ele é tão bom que atende nossos pedidos materiais, quanto mais atenderá os pedidos para nossa alma. Então devemos, na bondade dEle em atender nossos pedidos materiais, encontra uma fonte de confiança de que Ele atenderá nossos pedidos espirituais.
Na vida espiritual, umas das coisas mais delicadas, mais nocivas, é a perda da confiança. Há pessoas que se habituam a certos pecados, e ficam atolados nesse pecado, que perdem a esperança de sarar desse pecado. Quando a gente diz: Por que você não pede a Nossa Senhora, você pode sarar desse pecado? A resposta: “Estou tão atolado nisso, que não tenho nem vontade de sarar desse pecado. De maneira que Nossa Senhora também nem me ouve e entre Ela e eu as barreiras estão de pé; de maneira que não temos contato nesse ponto. Posso pedir outras coisas, mas nisso nem eu peço, nem Ele me atende. Estou desanimado”.
Há gente que chega a esse extremo. E não quanto a defeitos gravíssimos, mas quanto a defeitos pequenos. A pessoa desanima de corrigir.
Aí está a Providência atendendo-nos em coisinhas para nos ensinar a não fazermos esse raciocínio, que é o mais errado dos raciocínios.
Eu devo dizer o seguinte: se eu tenho um defeito, e não tenho nem vontade de corrigir o meu defeito, devo pedir a Ela que me dê Vontade. Se eu não tenho vontade de ter vontade, eu devo pedir a Ela que me dê vontade de ter vontade, mas eu nunca devo deixar de pedir a Ela aquilo que me põe em rumo a Ele, que me põe em direção a Ela.
E Ela sempre atende. Pode demorar, mas sempre atende. E quanto mais Ela demora, mais é abundante, mais é rico, mais é generoso o atendimento.
Deus faz conosco o que, às vezes, certos pais fazem com as crianças. A criança pede uma coisa, o pai tem vontade de dar, mas finge que não dá importância ao pedido para a criança pedir várias vezes. Em receber vários pedidos, o pai se regala e no fim dá duas ou três vezes mais do que a criança pediu.
Assim faz Deus conosco: adia, atrasa. A gente pede muito tempo. Afinal, quando vem, vem algo muito melhor do que supúnhamos.
Os senhores sabem que várias tradições antigas do Oriente, várias revelações privadas, contam que São Joaquim e Santa Ana não tinham filhos e já estavam, numa idade avançada. E tinham um pesar muito grande de não ter filhos porque entre os judeus era uma vergonha não ter filhos, porque então não podia ser antepassado do Messias. Essa perspectiva de vir a ser antepassado do Messias era a glória do judeu. Apesar disso, eles sempre pediram que viesse um filho. Quando veio, veio Nossa Senhora.
Quer dizer, se São Joaquim e Santa Ana raciocinassem como algumas pessoas – Ah, estou pedindo isso há cinco anos!… Rezo todo dia meio minuto para isso! — porque quanto menos a pessoa reza, mais depressa ela quer ser atendida… — e não sou atendido! Ah, já desanimei… – podiam não ter sido pais de Nossa Senhora. A mãe do Salvador podia ter nascido de outro casal.
Assim é com as coisas que nós pedimos: devemos pedir muito, pedir muito, pedir muito. Afinal, quando Deus concede, Ele concede exuberantemente, esplendidamente, pelos rogos de Maria.
Então, fica aqui a oportunidade para eu insistir, a propósito dessa recomendação das velas de São Brás, eu insistir para que os senhores peçam essas coisas. Alguém tem incômodo de dor da garganta? Peça a Nossa Senhora que tire. Os senhores dirão: e se for vontade dEla que fique a dor de garganta? Aí é diferente. Se for vontade dEla, Ela faz demorar a dor de garganta. Então, nada de rabugice. Até agradeçam a Ela a dor de garganta que Ela mandou.
Depois do meu desastre de automóvel, rezo sempre três Ave–Marias quando o automóvel sai, para pedir Nossa Senhora que me proteja contra novo desastre. Mas no dia 2 ou 3 – não sei bem qual foi o dia do desastre -, quando se completar um ano de desastre, estou absolutamente resolvido a rezar o Magnificat e um Te Deum — particular, não sou padre, não posso rezar o Te Deum em nome da Igreja — para agradecer a Nossa Senhora o desastre que Ela permitiu que eu sofresse [Efetivamente o Prof. Plinio assistiu à Santa Missa no dia 3/2/76 e cantou o Magnificat, n.d.c.]. Não sei quais foram as razões. Mas se Ela permitiu é para meu bem, para o bem da Igreja, eu agradeço a Ela. Mas peço que não envie outro.
Se for da vontade dEla mandar outro, eu agradecerei, rezarei outro Magnificat e outro Te Deum, ainda que tenha que quebrar o outro lado da bacia ou tenha que morrer. Antes de morrer eu rezarei o Magnificat e o Te Deum.
Mas com essa liberdade filial minha, mais ou menos um contrato com Nossa Senhora, assim: peço o que quiser, e Vós mandareis o que quiserdes. Nós nos entendemos.
Não parece aos srs. que é muito filial, que é muito direito? Ela fica, como é bem, com a última palavra, mas eu exprimo o meu desejo. Francamente, vontade de passar pelo que passei, eu não tenho. Isso eu devo confessar aos senhores com toda franqueza. Os senhores não podem fazer ideia dos aborrecimentos e das contrariedades que o desastre traz na ordem física, com repercussão na ordem intelectual; na ordem moral, se quiserem.
Então, peço a Ela que não mande outro. Quem sabe se eu deveria ter pedido a Ela para não mandar e então eu não teria sofrido o desastre? É possível, eu não sei. Peçamos tudo o que quisermos, e aceitemos tudo o que Ela mandar.
Os senhores dirão: Mas como fica essa escrita? O senhor pede para Nossa Senhora para não ter um desastre. Vem Nossa Senhora e manda o desastre. O senhor não perdeu sua oração?
Não. Talvez pedindo para Ela não mandar o desastre, dado que era das intenções dEla que eu sofresse o desastre, talvez mandando o desastre Ela tenha atendido minha oração de não mandar, porque talvez o desastre seja para mim um bem maior do que não ter o desastre.
O que não impede que eu peça a Ela o que eu quiser.
Assim devem ser nossas relações com Nossa Senhora: inteiramente confiantes. E eu lhes garanto que Nossa Senhora atende muitas vezes.
Vou dizer mais: não está numa dependência tão absoluta quanto se supõe do grau de virtude da pessoa. Muitas vezes Nossa Senhora atende a oração do pecador que não merece, e por bondade.
Para terem uma ideia do que pode valer a oração do pecador, considerem o seguinte: um homem que está em estado de pecado mortal, e que tenha passado sua vida inteira em estado de pecado mortal, pesa sobre ele o mesmo Mandamento da Lei da Igreja que pesa sobre o homem que está em estado de graça, que é de assistir Missa nos Domingos e dias santos de guarda. Quer dizer, a oração dele é grata a Deus, apesar de ele estar em estado de pecador mortal. Grata a tal ponto que Deus manda que ele reze. Deus ouve essa oração, aceita essa oração.
Seria uma coisa eminentemente protestante imaginar que Deus só atende a oração de quem está em estado de graça. Eminentemente protestante! [esta ideia].
Os srs. compreendem, através disso, como devemos rezar.
Há coisa mais grave ainda. Não há situação mais miserável, mais infeliz do que a de um padre apóstata, que se tenha unido a uma “fassura” [mulher de má vida, n.d.c.] e que se diga marido dessa “fassura”. É o fim do caminho. Está bem, esse padre é obrigado a rezar o Breviário todos os dias. Se não rezar o Breviário, comete pecado mortal. Quer dizer, dos lábios impuros dele sai uma oração que Deus quer.
Isso nos dê ânimo para pedirmos apesar dos nossos pecados. Muita confiança em Nossa Senhora — muita veneração e muito respeito, é claro — mas muita confiança e muita liberdade de alma é o essencial para termos diante dEla a impostação que devemos ter. (…)
A atmosfera da Igreja Católica é toda feita da união desses dois elementos que a Revolução gosta de separar: é a autoridade que guia, que dirige, e que, conforme o caso, é severa; mas de outro lado, a bondade que sabe proteger, que sabe perdoar, que sabe acolher, que sabe atender, e que anima, que aproxima de si.
Aí fora os senhores notarão muita gente condescendente, mas sem autoridade; uma vez ou outra um tipo autoritário, mas sem condescendência. A união da condescendência com a autoridade, da bondade com autoridade é raríssimo encontramos. E isso os senhores devem encontrar na TFP: a união da bondade com autoridade.
(*) A respeito dos três dias trevas aqui mencionados pelo Prof. Plinio, consulte a matéria “”Os três dias de trevas segundo as Escrituras e autênticos depoimentos de santos“, do blog muito bem documentado de Luís Dufaur.