Plinio Corrêa de Oliveira: décadas de luta incansável pela Lituânia católica, exemplo também de seu amor à justiça e ao direito

Da obra “PLINIO CORRÊA DE OLIVEIRA dez anos depois…” (A.A. V.V.)

Antanas Račas – Nasceu em Jurbarkas (Lituânia), em 1940; foi deputado federal desde 1990, signatário da declaração de indepen­dência da Lituânia e membro da Comissão de Relações Exteriores do Parlamento; filólogo e professor de alemão; foi diretor da escola de segundo grau de Saukenai, cargo do qual foi deposto em 1976 por sua oposição ao regime soviético

Carlos Eduardo Schaffer – Nascido em Curitiba, em 1942; presidente do Conselho de Diretores da Krikscioniskosios Kultúros Gynimo Asociacija (Associação de Defesa da Cultura Lituana)

Desde muito jovem, Plinio Corrêa de Oliveira erigiu como ideal a realização na sociedade dos princípios que fizeram florescer a Civilização Cristã. Por amor a esse ideal, levantou-se contra os dois regimes totalitários do século XX — o nazismo e o comunismo — os quais a seu modo visavam implantar, sob a aparência de ordem, uma sociedade igua­litária, socialista, de natureza profundamente anticristã.

Insere-se aí sua atuação em favor da libertação da Lituânia, vítima desses dois totalitarismos, em particular do misterioso pacto Ribbentrop­-Molotov. No momento em que os dirigentes do império soviético tenta­vam levar a cabo uma grande manobra para fazer crer ao mundo que o comunismo se renovaria, assumindo uma nova figura de face mais humana, foi precisamente a reação da Lituânia que deu origem ao descontenta­mento que levou à ruína a União Soviética.

Uma breve incursão na história da Lituânia ajudará a compreender me­lhor o seu papel nos acontecimentos que se desenrolaram nas últimas déca­das e o interesse especial que a ela votou o pensador católico brasileiro, interesse vinculado sobretudo ao fato de se tratar de uma nação católica.

Das trevas do paganismo a um luminoso reino cristão

É bastante árduo o trabalho dos historiadores ao tentar estabelecer a  origem de povos no período em que ainda viviam num regime quase patriarcal, conturbado por guerras tribais e costumes pagãos. Caracteriza­do pela raça ariana e uma língua notavelmente arcaica aparentada com o sânscrito, o povo lituano deixou traços de sua existência a partir de tempos imemoriais, difíceis de estabelecer com exatidão.

Em todo caso, a Lituânia emerge efetivamente das brumas da Idade Média para as páginas da História desde o século XIII.

Nessa época, a Ordem Teutônica — constituída de guerreiros germâ­nicos que se estabeleceram ao norte da Polônia, onde criaram a Prússia Oriental — voltou-se para a conquista dos povos que viviam nas terras a leste do mar Báltico. Aí viviam os habitantes da Lituânia, organizados em principados ou grão-ducados.

Em 1251, quando Mindaugas dispôs-se a receber o batismo, o Papa Inocêncio IV viu nisso certamente uma ocasião propícia para a conversão dos lituanos. Após o batismo de Mindaugas e sua família, o soberano Pontí­fice determinou ao Bispo de Kulm que o coroasse rei da Lituânia. O dia do coroamento de Mindaugas, 6 de julho de 1253, é considerado hoje como a data de constituição do Estado lituano. Ele foi propriamente o fundador da Lituânia. Entretanto, parece que a conversão era pouco sincera. Ele renegou a fé, morreu assassinado e o povo continuou no paganismo.

Sob o governo de Gediminas, fundador de Vilnius e conquistador de vas­tas regiões abrangendo territórios da Rússia, atual Bielo-Rússia e Ucrânia, o reino da Lituânia alcançou grande importância política. Em 1323, escreveu Gediminas ao Papa manifestando o desejo de converter-se à Religião católi­ca. Convidou também missionários franciscanos e dominicanos.

Gediminas desenvolveu uma sagaz política de alianças com diversos soberanos vizinhos. A mais importante foi com a Polônia, cujo território era freqüentemente devastado pelos tártaros e pelos próprios lituanos. O rei Ladislau Lokietek (1306-1333) logrou restabelecer quase inteiramente a unidade polonesa, deixando a coroa a seu filho Casimiro III (1333-1370). Gediminas, que se aliara a Ladislau, deu a Casimiro a mão de sua filha Aldona, estreitando ainda mais as relações entre os dois reinos.

Dentre os sete filhos que Gediminas deixou ao morrer, em 1341, Algirdas e Gestutis foram os continuadores da dinastia. Sempre unidos, lutaram juntos no oeste contra os cavaleiros teutônicos, e no leste contra muitos inimigos, como os tártaros e os mongóis. Em 1377 faleceu Algirdas, sucedendo-lhe o segundo filho, Jogailas ou Jagellon (em português, Jaguelão). Ao contrário da amizade que unia seu pai a seu tio, envolveu-se em complicadas disputas pelos ducados de Trakai e Vilnius. Tendo feito um pacto com os cavaleiros teutônicos, Jaguelão acabou assassinando seu tio Gestutis e prendendo o filho deste, Vytautas.

Em 1392 os partidários de Gestutis libertaram Vytautas da prisão, e a nobreza do país o elegeu grão-duque da Lituânia. No mesmo ano, Vytautas, o Grande, converteu-se à Religião católica. Sob o seu governo a Lituânia co­nheceu o auge de sua força e sua influência. Em 1415 o Concílio de Constança escolheu-o para comandar as tropas aliadas contra a invasão dos turcos.

Em 1370, extinguira-se na Polônia a dinastia dos Piasts, com a morte de Casimiro, o Grande, e a coroa polonesa passou a seu genro Ladislau ou Luís, da casa da Hungria. Em 1386, este deu a Jaguelão a mão de sua filha Hedviges. O príncipe lituano converteu-se, foi batizado em Cracóvia e subiu ao trono da Polônia-Lituânia como Ladislau II, fundando a dinastia dos Jaguelões. A partir de então os dois países formaram um só Estado, mas continuaram sob governos independentes. A conversão de Jaguelão, que mais tarde se reconciliou com seu primo Vytautas, contribuiu possantemente para a conversão definitiva da Lituânia à Religião católica. Um neto de Jaguelão e Hedviges, Casimiro IV, foi elevado à honra dos altares. São Casimiro é patrono da Lituânia.

A dinastia dos Jaguelões reinou até 1572, enquanto a união lituano-polonesa, ratificada em diversas ocasiões, persistiu até 1795, quando a decadência sobreveio e a desmantelou, sendo a Lituânia quase inteira ane­xada à Rússia. Os lituanos uniram-se às insurreições polonesas de 1830 e de 1863 contra os russos e sofreram violenta perseguição religiosa. Em 1840 a Lituânia perdeu até mesmo o nome, substituído pelo de “Províncias do No­roeste”. Em 1863 sua população foi vítima de cruel extermínio por parte do governador Muriaev, chamado “o enforcador”.

Vítima do nazismo e do comunismo

O sentimento anti-russo que daí nasceu esteve momentaneamente ilu­dido com a revolução anti-czarista de 1905, na qual já agiam os fermentos precursores do comunismo. Em 1915, durante a I Guerra Mun­dial, a Lituânia inteira foi ocupada por tropas alemãs. Porém, essa ocupa­ção favoreceu o restabelecimento do Estado lituano independente. Num congresso de lituanos, autorizado pelas forças de ocupação, o Conselho Lituano então constituído anunciou em 11 de dezembro de 1917 o “restabelecimento de um Estado lituano independente, ligado ao império alemão por laços eternos, livres e fortes”. Uma formulação sugerida qua­se literalmente pelo Parlamento alemão.

Com o triunfo da revolução russa de 1917, a Dieta lituana havia prefe­rido um protetorado alemão. Em 1918, planejou a proclamação da inde­pendência sob regime monárquico, mas seus planos foram frustrados pela queda dos impérios centrais. Sob a proteção britânica e francesa, tornou-se república.

Em 1939, Hitler invadiu Klaipeda (a antiga Memel da Prússia Orien­tal), e logo em seguida o exército vermelho ocupou Vilnius. Era o resulta­do do execrável pacto Ribbentrop-Molotov, assinado pelos representantes do nazismo alemão e do comunismo russo em 23 de agosto daquele ano. Nesse acordo, Hitler prometia a Stalin não opor nenhum obstáculo à inva­são da Lituânia por tropas comunistas. Em 28 de setembro o acordo foi modificado, passando a Lituânia às mãos soviéticas, exceto uma faixa de terra na fronteira meridional. Em 1941, também esse território foi entre­gue aos russos, mediante indenização paga aos alemães. Pouco depois a Lituânia era oficialmente incorporada à chamada União Soviética. No mesmo dia em que as topas nazistas entravam em Paris, o exército ver­melho invadia a Lituânia.

As conseqüências das ocupações nazista e comunista foram sucessi­vas depurações dos lituanos “indesejáveis”: os alemães haviam extermi­nado cerca de 300.000 pessoas; os russos deportaram 145.000 em 1940. Incontáveis católicos foram martirizados nessas ocasiões. Na noite de 14 para 15 de junho os russos comprimiram cerca de 35 mil homens, mulhe­res e crianças em vagões de transporte de animais e os enviaram para os campos de concentração da Sibéria. Estima-se em 600 mil o número de lituanos deportados entre 1944 e 1953 (ano da morte de Stalin). A maioria jamais voltou à sua pátria.

“Vergonha de nosso tempo”

A história da opressão soviética em mais de meio século é por demais conhecida. Os títeres de Moscou mantiveram durante esse tempo, nas repúblicas soviéticas, um regime de tal miséria e tão pesada escravidão, que um documento da Congregação Vaticana para a Doutrina da Fé, presidida pelo então cardeal Ratzinger (hoje Papa Bento XVI) pôde, a justo título, chamá-lo de vergonha de nosso tempo: “Não se pode desconhecer esta vergonha de nosso tempo: pretendendo proporcionar-lhes liberdade, mantêm-se nações inteiras em condições de escravidão indignas do ho­mem” (Cfr. Instrução sobre alguns aspectos da “Teologia da Libertação”, de 6-8-1984, XI, 10).

Inúmeras obras e documentos testemunham a extensão e a crueldade dessa tirania. Contra ela Plinio Corrêa de Oliveira pronunciou-se em di­versas ocasiões, em discursos, conferências e artigos na imprensa, mor­mente no “Legionário” e “Catolicismo”, publicações que dirigia.

Congresso lituano em São Paulo

O fundador da TFP não ficou apenas em discursos e artigos de jornal. Entrou em contato com as lideranças dos refugiados das nações cati­vas estabelecidos em São Paulo, a fim de lhes dar estímulo na luta contra o comunismo opressor de suas pátrias. Nesse sentido, tentou uni-los em torno dos mesmos princípios, num órgão representativo das nações subjugadas pelo regime comunista. Essa organização, fundada nos anos 60, chamou-se Pro Libertate, e congregava representantes das principais “colônias” de refugiados existentes em São Paulo.

Quando se realizou nessa cidade o III Congresso Lituano Interamericano, Plinio Corrêa de Oliveira foi um dos oradores, e sua pro­posta foi justamente a de organizar um apelo ao Papa Paulo VI e ao presi­dente dos Estados Unidos da América a fim de que, em nome da autode­terminação dos povos, exigissem a restituição da independência aos paí­ses bálticos. A proposta não vingou na ocasião, pois o mundo estava então dominado por uma intensa propaganda em favor da distensão com os regi­mes comunistas. Mas a idéia veio a reflorescer mais tarde com a indepen­dência da Lituânia.

Para compreender melhor o processo que conduziu a esta última, é indispensável uma breve análise do que se passou no mundo comunista.

Descontentamentos que se acumulam

Na Rússia, como nos países satélites, a asfixia da liberdade, a miséria e a tirania das prisões e dos campos de concentração foram provocando um profundo e crescente mal-estar. Em um documento sobre o assunto, Plinio Corrêa de Oliveira chamou esse mal-estar de Descontentamento com D maiúsculo, porque para ele convergiam todos os descontentamentos regionais e nacionais, econômicos e culturais, acumulados ao longo de muitas décadas. Eis como ele o descreve:

“Era o descontentamento total, mas por assim dizer mudo e paralíti­co, de cada indivíduo na sua casa, no seu tugúrio ou na sua choça, onde a família não existe mais, tendo sido tantas vezes substituído o casamento pelo concubinato.

“Descontentamento porque os filhos foram subtraídos ao lar e entre­gues compulsoriamente ao Estado, só deste recebendo a totalidade da educação.

“Descontentamento nos locais de trabalho, em que a preguiça, a ina­ção e o tédio invadiram boa parte do horário, e os salários medíocres chegam apenas para a compra de gêneros e artigos insuficientes e de má qualidade, produtos típicos da indústria estatizada por força do regime de capitalismo de Estado. Ao longo das filas formadas junto aos estabele­cimentos comerciais, em cujas prateleiras quase vazias se deixa ver desa­vergonhadamente a miséria, o que se comenta aos sussurros é a completa carência qualitativa e quantitativa de tudo.

“Descontentamento principalmente porque, quase por toda parte, o culto religioso está proibido, as igrejas cerradas; e a pregação religiosa substituída, nas escolas, pelo ensino compulsório do materialismo, do ateís­mo, em uma palavra, da irreligião comunista” (Cf. Plinio Corrêa de Oli­veira, Comunismo e anticomunismo na orla da última década deste milê­nio, in “Folha de S. Paulo”, 14-2-1990).

Daí o anseio dos povos subjugados — na chamada União Soviética como nos países satélites — de se livrarem o quanto antes desse jugo insuportável. As rebeliões da Hungria em 1956 e da Checoslováquia em 1968 são exemplos nesse sentido.

Socialismo “de face humana”

O levante da Hungria, suscitado por patriotas e socialistas moderados, foi esmagado pela força. A “primavera de Praga”, entretanto, foi li­derada por defensores de um socialismo dito “de face humana”, igual­mente preconizado pelo Partido Socialista Francês, do presidente François Mitterrand, em seu programa para os anos 80.

Plinio Corrêa de Oliveira arrancou a máscara da autogestão socialista com “face humana”, na Mensagem que as associações TFP divulgaram nos mais importantes jornais do mundo, em dezenas de países, num total de 33 milhões de exemplares (Publicada inicialmente no Washington Post, da capital norte-americana, e no Frankfürter Allgemeine Zeitung, de Frankfurt, em 9 de dezembro de 1981, essa Mensagem foi sucessivamente divulgada em outros 46 dos mais importantes órgãos de imprensa do Oci­dente. Um resumo foi reproduzido pela revista Reader’s Digest em suas diversas edições internacionais e outras 23 publicações).

Em que consistia o “socialismo de face humana” de Mitterrand e de seu partido? Essencialmente, em implantar o regime da autogestão na fa­mília, na escola, na empresa. Longe de representar um recuo, isso corresponderia a um passo “além do comunismo”, de acordo com as teo­rias de Marx e Lenin, com vistas ao desmantelamento do Estado e de todas as instituições para dar lugar à autogestão anárquica (Cf. Plinio Corrêa de Oliveira, Les têtes tombent, TFP, Paris, 1981).

Ora, o império soviético, embora fosse apresentado pela mídia (e até certo ponto continua sendo) como um gigante inabalável — a outra “su­perpotência”, como se dizia de boca cheia —, na realidade não passava de um leproso cujas carnes putrefatas se decompunham. A “superpotência” tirava sua força sobretudo dos apoios e recursos obtidos no Ocidente.

Desmascarado este “socialismo de face humana”, capaz de conduzir o mundo ocidental diretamente às metas mais avançadas do comunismo, os mentores da revolução marxista encenaram nova comédia, fazendo en­trar no palco o novo mandatário soviético: Mikhail Gorbachev.

O grande engodo da perestroika

Apresentado mundialmente pelos meios de publicidade do macro-capi­talismo como homem de excepcionais qualidades e atrativos, Gorbachev involucrou numa palavra-talismã russa — perestroika — uma das manobras de difusão publicitária mais bem orquestradas pelo comu­nismo para envolver o mundo ocidental.

O que era a perestroika? Segundo seus propugnadores, uma rees­truturação interna dos países que compunham a União Soviética — entre eles a Lituânia, como vimos — e seus satélites do Pacto de Varsóvia, de modo a arrancá-los da miséria crônica a que estavam reduzidos. A perestroika viria com a glasnost, que significaria um novo estilo marcado pela transpa­rência nas relações entre os países comunistas e o mundo livre.

Gorbachev explicou a finalidade da sua reforma: seria a garantia da “tran­sição de um sistema de direção excessivamente centralizado e dependente de ordens superiores para um sistema democrático baseado na combinação de centralismo democrático e autogestão”. Segundo Gorbachev, “perestroika significa iniciativa de massa; é o total desenvolvimento da democracia, autogestão socialista, encorajamento da iniciativa e empenho criativo, disciplina e ordem melhoradas, mais glasnost [transparência], críticas e autocríticas em todos os campos de nossa sociedade” (Cf. M. Gorbachev, Perestroika, Ed. Best Seller, São Paulo, 1987, pp. 35 e 36).

Ao defender a autogestão socialista, Gorbachev não fazia senão re­tomar as idéias de Lenin, conforme explica largamente em seu livro. “A perestroika portanto não significa um recuo do comunismo, como mui­tos pensam, mas um passo avante na tentativa de realização da meta última da utopia marxista-leninista”, adverte Plinio Corrêa de Oliveira (Cf. Morto o comunismo. E o anticomunismo também?, in Catolicismo, outubro de 1989).

Não se tratava igualmente de transformar a economia marxista em economia de mercado. “A classe operária não apoiará quem falar em tornar capitalista a sociedade soviética”, afirmou Gorbachev (Cf. O Glo­bo, Rio de Janeiro, 18-11-1989). De que se tratava então?

Na realidade a perestroika, como igualmente a glasnost, embora pro­pondo a reforma do Estado e da sociedade, não passavam de mais uma manobra de guerra psicológica revolucionária destinada a desmobilizar as reações contra as idéias comunistas no Ocidente. Havendo tal desmobilização, não seria difícil promover uma convergência entre Leste e Oeste por meio de hábeis manejos de guerra psicológica revolucionária. Seria um meio eficaz de promover a expansão das idéias revolucionárias no mundo livre.

Por outro lado, os mentores do moloch comunista instalado na Rússia desde 1917 e nos países satélites desde a Segunda Guerra Mundial sabiam que, embora detivessem o poder sobre as massas, não lograram jamais convencê-las. Mais cedo ou mais tarde isso teria de provocar profunda crise no próprio regime. Para disfarçar e superar essa crise, Gorbachev ofereceu ao mundo sua perestroika.

Desaba o muro de Berlim, rui a cortina de ferro

Nada disso impedia, porém, que no próprio mundo comunista setores ditos “conservadores” ou stalinistas persistissem em ver com des­confiança as reformas de Gorbachev, e que nas repúblicas satélites cres­cesse o anseio por libertar-se do jugo soviético.

Em tais circunstâncias, interveio um acontecimento estrondoso: em 9 de novembro de 1989 o mundo viu ruir o muro de Berlim, que dividia a capital alemã em duas zonas — a ocidental, livre; a oriental, comunista.

À derrubada do muro de Berlim somaram-se as agitações causadas pela perestroika de Gorbachev, alimentando anseios de independência não só na Lituânia, como também na Estônia, Letônia, Polônia, Checoslováquia, Hungria, Romênia, Bulgária, Iugoslávia, Armênia e Azerbaijão.

A conseqüência parecia inevitável: a queda do muro de Berlim condu­ziria ao desmantelamento da chamada “cortina de ferro”, que separava os países comunistas do mundo livre. Estavam postas as condições para que nações decididas como a Lituânia se libertassem do jugo de Moscou.

A Lituânia proclama sua independência. Moscou pressiona

A independência da Lituânia, proclamada pelo Parlamento em 11 de março de 1990, foi acompanhada de lances que se deram no Ocidente com vistas a assegurá-la.

Assegurar, sim, porque uma Lituânia com pouco mais de três milhões de habitantes, com sua capital e seu território ocupados pelo exército ver­melho, absolutamente não teria condições de enfrentar o Moloch soviéti­co sem grande habilidade política e importantes apoios internacionais.

Com efeito, logo após a declaração de independência Moscou iniciou uma política de pressões sobre Vilnius. Em 15 de março de 1990, o Parla­mento da URSS considerou ilegal a ata parlamentar de independência. Uma semana depois, os edifícios públicos e os principais jornais da capi­tal lituana foram ocupados por tropas soviéticas. Os representantes do Kremlin impuseram ainda um bloqueio econômico à Lituânia e cortaram o fornecimento de petróleo e gás ao país. E propuseram cinicamente um “congelamento” da independência durante dois ou três anos, durante os quais esta ficaria sem efeito…

Mais tarde, em visita aos Estados Unidos, Gorbachev ampliou esse prazo para “cinco a sete anos”, provocando protestos de alguns represen­tantes do Congresso norte-americano. Era de toda evidência o ilusório dessa promessa, pois durante esse prazo o regime soviético poderia encher a Lituânia de tropas, oportunistas e “quintas-colunas” que tornariam im­possível a independência efetiva do país. Assim, o “congelamento” não era senão um termo enganoso com que Gorbachev procurava mascarar a continuidade do domínio russo.

Para não desagradar Gorbachev…

Os dirigentes do Kremlin atuaram também por vias diplomáticas, para que nações ocidentais dentre as mais influentes, como os Estados Unidos, a Alemanha e a França, pressionassem a Lituânia a aceitar as propostas soviéticas, com o pífio argumento de que, se Gorbachev não conseguisse recuperar o poder exercido pelos “duros” de Moscou sobre a Lituânia, isso aumentaria a oposição interna destes contra o homem da perestroika, acarretando conseqüências políticas e militares que poriam em risco a paz mundial.

Após a proclamação da independência, a primeira-ministra lituana Kazimiera Prunskiene foi a Washington em busca de apoio para a causa de seu povo. A conceituada revista Human Events, de 19 de maio de 1990, relata como a chefe de governo “foi vilmente tratada ao chegar para uma reunião no gabinete do Presidente Bush (pai do atual). Um encontro acei­to de modo relutante pela Casa Branca, quando esta reconheceu que uma desatenção seria politicamente danosa. Não a esperavam bandeiras lituanas, guardas de honra e sequer uma escolta. De fato, não permitiram que a Sra. Prunskiene entrasse com seu carro nos jardins da Casa Bran­ca. Exigiram que saísse do carro, mostrasse um passaporte soviético e não lituano, deixaram-na esperando em pé por dez minutos, e teve de caminhar desacompanhada até a Casa Branca para seu encontro com Bush. Tudo porque a Casa Branca não queria ofender Gorbachev”.

Em outra ocasião transpirou que o presidente estaria começando a irri­tar-se com a demora dos dirigentes lituanos em responder às ofertas de negociação feitas por Moscou. Na mesma ocasião, um alto funcionário do Departamento de Estado teria comentado com jornalistas: “Ao mostrar-se incapazes de tomar uma decisão conjunta, os lituanos estão ficando um pouco pedantes”.

Ao relatar esse fato, comenta a revista “Catolicismo”, de julho de 1990:

“Chegamos a esse auge: um país que era livre, injustamente subjugado durante 50 anos, torna-se `um pouco pedante’ porque não aceita, sem a concessão de `garantias internacionais’, a proposta de seu algoz, a qual representará o retorno à situação de cativeiro!”.

A TFP em campanha dá alento ao povo lituano

Essa era a situação quando Plinio Corrêa de Oliveira decidiu intervir com uma grande campanha pública das associações de defesa da Tra­dição, Família e Propriedade (TFP) para colher assinaturas em apoio a um abaixo-assinado a favor da independência da Lituânia. Pois só um levante moral de todos os inconformados com a ditadura comunista poderia livrar a Lituânia do risco de ser imolada em aras do regime soviético por escusas manobras diplomáticas ou cálculos políticos.

A campanha da TFP brasileira iniciou-se em l° de junho de 1990, se­guida por suas congêneres de outros 20 países. Ao cabo de 25 dias, cerca de um milhão de pessoas já haviam assinado suas listas no Brasil, e outro meio milhão nos demais países.

Desfraldando ao vento seus estandartes rubros com o leão dourado, militantes da TFP bradavam seus slogans de campanha:

“Agora já se ergue em teu favor, ó Lituânia,

um protesto nobre e altaneiro.

As 20 TFPs e bureaux recolhem assinaturas

dos homens que amam e admiram

o vigor indomável com que defendes

tua independência, ó nação cheia de fé,

que repeles o ateísmo!

Lituânia cristã, Lituânia livre, mantém-te

erguida com resolução e valentia.

Em todo o mundo, os corações de milhões

de homens palpitam por teu destino

e oram por tua independência”.

O abaixo-assinado tem a forma de carta dirigida ao Presidente da Lituânia, Sr. Vytautas Landsbergis, nos seguintes termos:

“Os abaixo-assinados têm acompanhado com viva emoção o drama pelo qual vai passando vossa nobre pátria.

“Com efeito, eles reconhecem nela uma das vítimas inocentes do si­nistro pacto de 23 de agosto de 1939, que lhe confiscou injusta e violenta­mente a independência. E participaram do frêmito de esperança que sa­cudiu a Lituânia quando, por efeito dos atuais acontecimentos, para ela se abriu a possibilidade de recuperar tal independência depois de 50 anos de cruel cativeiro.

“Quando as brumas da cambiante situação internacional vão cercean­do vossas esperanças há pouco renascidas, nosso brado de inconformidade e de protesto contra qualquer combinação política que se vos queira ofere­cer no sentido de que seja adiada a aplicação do glorioso decreto com o qual há pouco vos proclamastes um povo livre e independente, e reclamastes altaneiramente para vossa pátria um correspondente lugar no concerto das nações.

“Neste sentido, Sr. Presidente, a Lituânia sempre terá o apoio, o res­peito e a admiração dos abaixo-assinados, que timbram em vos fazer co­nhecer suas disposições precisamente neste momento em que a causa de vossa independência parece passar por um momento crítico.

Lituania terra Mariae é o nobre lema de vossa nação. Rogamos a vossa excelsa padroeira que vos ajude, e vos conduza valorosamente ao reconhecimento imediato de vossa independência por todos os povos livres”.

No dia 19 de junho o governo da Lituânia enviou ao diretor do Bureau das sociedades TFP de Roma a seguinte carta de agradecimento, assinada pelo seu Ministro de Relações Exteriores, Algirdas Saudargas:

“Recebemos com gratidão sua carta de apoio, em nome das organiza­ções TFP. Por favor, transmita especiais agradecimentos ao Prof. Plinio Corrêa de Oliveira, presidente do Conselho Nacional da TFP brasileira, em nome do Sr. V.  Landsbergis e no meu, pelo seu apoio à nossa luta pela independência da Lituânia. Seu trabalho nos é muito oportuno e alentador neste difícil momento para nossa pátria.

“Fui informado de que essas mesmas organizações estão promoven­do um abaixo-assinado em favor da independência da Lituânia, e que mais de um milhão de pessoas já o subscreveram. Esta é uma das mais importantes iniciativas de apoio moral que recebemos até o momento de nações ocidentais. Agradecemos-lhes também por esta ação”.

 

O Parlamento cede. O Kremlin tira a máscara

A 26 de junho Gorbachev intensificou suas pressões, exigindo do presi­dente Landsbergis a suspensão dos efeitos da declaração de indepen­dência. A chefe de governo, Kazimiera Prunskiene, viajou então à capital soviética, trazendo de volta a proposta de Moscou.

Votada pelo Parlamento, a proposta soviética foi aceita por 69 votos contra 35. Uma declaração do Legislativo estabelecia uma moratória de 100 dias, suspendendo os efeitos da independência, a qual passaria a vigo­rar quando fossem iniciadas as negociações com Moscou. A mesma decla­ração estabelecia que a moratória se tornaria inválida ipso facto se o Parla­mento ficasse impedido de exercer suas funções normalmente.

Em 1° de julho foi suspenso o bloqueio econômico imposto à Lituânia pelo regime de Moscou, mas dois dias depois uma declaração do primei­ro-ministro soviético Nicolai Rizhkov esfriou o otimismo de certas autori­dades lituanas. Segundo Rizhkov, a moratória de 100 dias seria “suficien­te apenas para resolver questões de princípio entre as duas partes”. No dia 7 de julho o primeiro-ministro da URSS foi mais explícito, ao respon­der a delegados presentes no 28° Congresso do PCUS: a independência da Lituânia, segundo ele, teria de “ajustar-se estritamente à lei soviética de secessão”. Segundo essa lei, era preciso: 1) que a Lituânia fizesse um plebiscito; ela só poderia abandonar a URSS com a aprovação de dois terços da população; 2) que também o Soviete Supremo da URSS apro­vasse a secessão; 3) que adotasse uma série de medidas para compensar a URSS; 4) que houvesse um prazo de transição de cinco anos.

Como se vê, são as condições do leão impostas ao cordeiro. Pelas vias “legais”, a independência lituana seria praticamente impossível.

maior abaixo-assinado da História. Duas vítimas em holocausto

Enquanto continuaram a desenvolver-se episódios nas negociações entre o governo lituano e o Kremlin, as TFPs prosseguiram em ritmo intensivo a coleta de firmas para o abaixo-assinado de apoio à indepen­dência da Lituânia. Ao cabo de 130 dias de campanha, as diversas associa­ções coirmãs haviam recolhido nada menos que 5.218.020 assinaturas em 26 países. Esse abaixo-assinado entrou para o Guinness Book of the Records como o maior da História.

Dos 5,2 milhões de assinaturas, mais da metade foram colhidas no Brasil, sendo um milhão em São Paulo, sede da TFP brasileira e onde se encontra também o maior núcleo de refugiados lituanos no Brasil. Mili­tantes da TFP brasileira percorreram 141 cidades de 18 Estados da Federa­ção nessa campanha.

A TFP norte-americana percorreu mais de 180 cidades de 33 Estados. Foram visitados 108 campus universitários e colhidas mais de 800 mil firmas em 127 dias. 41 membros do Congresso norte-americano aderiram à campanha, assinando a carta enviada ao Presidente Landsbergis.

Coube à TFP norte-americana a glória de oferecer pela causa da liber­tação da Lituânia o holocausto de duas preciosas vidas de seus militantes Fred Joseph Porfilio e Daryl Huang, falecidos em acidente com o carro que transportava os caravanistas da associação, percorrendo o vasto terri­tório dos Estados Unidos para a coleta de assinaturas de apoio à indepen­dência da Lituânia.

Em vários países aderiram à campanha dezenas de arcebispos e bispos católicos, sendo mais da metade das três Américas.

Uma comitiva da TFP em Moscou

A campanha terminou nos primeiros dias de outubro de 1990. Feita cuidadosa conferição e recontagem das assinaturas, uma delegação de 11  representantes das diversas TFPs reuniu-se no dia 2 de dezembro em Bruxelas, de onde partiu para Vilnius via Moscou.

Essa viagem, impensável nos tempos de Brejnev, por exemplo, era agora possível graças ao enfraquecimento do regime central e às oposições a Gorbachev, surgidas nas repúblicas soviéticas e até mesmo na Rússia. A co­mitiva das TFPs e os próprios lituanos corriam, portanto, certo risco. Mas, de outro lado, qualquer ação coercitiva por parte de Moscou poderia desacreditar totalmente aos olhos do mundo a propalada glasnost de Gorbachev.

O grupo viajou como convidado oficial do Parlamento da Lituânia. No aeroporto da capital soviética, aguardavam deputados, representantes do International Lithuanian Center e uma equipe da televisão lituana.

A situação na Lituânia era tensa, e providencial a presença da comiti­va. Na sala reservada para a Nomenklatura (altos funcionários do regime comunista), a delegação foi recebida pela primeira-ministra lituana Kazimiera Prunskiene, que acabava de chegar. Dirigiu ela, em português (recorde-se que o maior número de firmas coletadas vinha do Brasil), pa­lavras de boas-vindas, e em seguida pronunciou discurso em alemão sobre o delicado relacionamento político entre a Lituânia e o Kremlin. A comiti­va das TFPs se encontrava, pois, bem na boca do lobo…

Durante o jantar oferecido pela embaixada da Lituânia em Moscou, chegou o presidente da Comissão de Relações Exteriores da Lituânia, de­putado Emanuellis Zingeris, procedente de Vilnius, trazendo uma mensa­gem de boas-vindas do Presidente Vytautas Landsbergis. O deputado agra­deceu a presença da delegação num momento crucial para seu país.

No fim da noite, o Presidente Landsbergis chamou pelo telefone o chefe da comitiva das TFPs, Sr. Caio Vidigal Xavier da Silveira, para agra­decer pessoalmente a visita. E manifestou o desejo de receber a delegação em Vilnius, sede do seu governo. Na manhã do dia seguinte, o Chefe de Estado lituano voltou a telefonar ao Sr. Xavier da Silveira para informar que enviaria a Moscou o avião presidencial para trasladar a comitiva.

No dia seguinte a delegação visitou oficialmente a Câmara Municipal de Moscou. A seguir reuniu-se com um grupo de deputados de orientação oposta ao Partido Comunista. Em meio à reunião, chegou uma equipe da televisão lituana e outra da soviética. Os representantes das TFPs conce­deram várias entrevistas. À noite a comitiva viajou para Vilnius.

A entrega das listas em Vilnius. Manifestações de gratidão

No dia 4 de dezembro a delegação foi recebida pelo Presidente Landsbergis e entregou-lhe oficialmente o abaixo-assinado, em microfilmes, juntamente com um álbum de fotografias da campanha em 26 países. Na troca de presentes, a comitiva ofereceu ao Chefe de Estado um artístico pergaminho com o texto do abaixo-assinado contendo uma única assinatura: a do seu autor e propulsor, Plinio Corrêa de Oliveira. Ofereceu-lhe também uma linda árvore de topázios, obra do artesanato brasileiro.

Na festa da Imaculada Conceição, 8 de dezembro, a delegação visitou os dois principais santuários marianos do país: o de Nossa Senhora da Porta da Aurora, padroeira da região de Vilnius, e o santuário nacional de Šiluva. Os membros da comitiva foram recebidos festivamente pela popu­lação. No dia 9, visitaram em Kaunas o Cardeal-Primaz da Lituânia, D. Vincentas Sladkevicius, e no dia 10 foram homenageados por uma sessão do Parlamento, em Vilnius.

Na estação ferroviária a comitiva foi surpreendida por tocantes mani­festações de apreço da população, que lhes oferecia flores, lembranças, doces, álbuns etc. O secretário do partido Sajudis, um dos mais atuantes pela independência, entregou uma carta de agradecimento às TFPs em bela pasta de couro.

No último dia de visita à Lituânia, tanto o Presidente Landsbergis quanto membros do Parlamento insistiram para que a delegação das TFPs envias­se a Gorbachev unia carta na qual apresentasse os resultados da campanha pela independência daquele país.

A TFP no Kremlin; a KGB passa recibo

No Kremlin, ao saber que se tratava de uma comitiva das sociedades de defesa da Tradição, Família e Propriedade, a funcionária do pro­tocolo não recebeu sem antes consultar alguém, em russo. Apareceu então um agente abrutalhado e de ar sombrio, perguntando:

— O que querem, camaradas?

O guia lituano, deputado Antanas Račas, corrige:

—         Não são camaradas, mas sim senhores.

—         E o que são todas essas câmeras? É para documentar?

—         Sim, responde o guia.

—         Vocês não sabem que é proibido filmar em repartições públicas como esta?

— Não há nada escrito dizendo que é proibido; e o que não está proi­bido, está autorizado.

Nesse momento, em que o agente mal se continha, a funcionária, que durante todo o diálogo esteve ocupada em consultar alguém por telefone, tendo recebido autorização, assinou o recibo de entrega da carta a Gorbachev e colocou a hora de entrega: 11 de dezembro de 1990, 13h 01m. Estava encerrado um capítulo glorioso da história de Plinio Corrêa de Oliveira, das TFPs e da Lituânia.

No dia anterior, Vladimir Kriutchov, chefe da KGB (a temível polícia política soviética), havia declarado na televisão de Moscou que não toleraria “qualquer ingerência nos nossos assuntos internos [da URSS] … desses or­ganismos e grupúsculos que, no estrangeiro, … moveram durante décadas, e continuam a mover, uma guerra secreta contra o Estado soviético”. A decla­ração foi reproduzida pelo Figaro, de Paris, de 13-12-1990.

“Grupúsculos”? Realmente, se compararmos os recursos das TFPs com a imensa máquina do Estado soviético. Quanto à “guerra secreta”, ela foi travada nas ruas das principais cidades do Ocidente, aos olhos de todos.

A KGB “não tolerará”, disse Kriutchov. Mas teve de tolerar… Muda­ram os rumos da História!

glasnost dos tanques sepulta a perestroika

Os tanques soviéticos mostraram em Vilnius o que entendem por glasnost (transparência), quando a 12 de janeiro tomaram o prédio da televisão lituana e uma multidão desarmada acorreu para defendê-lo. Na manhã do dia 13 os tanques russos atacaram, matando 14 civis, dois deles esmagados pelos tanques; 240 pessoas ficaram feridas. Pouco de­pois a Letônia sofria tratamento semelhante.

No mesmo dia 13 a TFP norte-americana recebeu mensagem do go­verno lituano, relatando a agressão e suplicando: “A Lituânia corre peri­go; a ajuda do mundo é necessária. Transmitam isso a todas as organiza­ções TFP e Bureaux”. A mensagem era acompanhada de uma carta do Presidente Landsbergis, que advertia: “A responsabilidade por cada víti­ma recairá sobre Mikhail Gorbachev”.

Plinio Corrêa de Oliveira respondeu no mesmo dia, em nome de todas as associações e bureaux TFP, solidarizando-se com “a nobre resistência que seu governo e todo o povo lituano estão opondo à ofen­siva com características nitidamente stalinistas que Mikhail Gorbachev e seus agentes vão desenvolvendo de um modo implacável contra a independência da Lituânia”. E comunicou a Landsbergis as medidas que as TFPs tomariam para denunciar ao mundo a agressão soviética. Uma das mais eficazes foi levá-la ao conhecimento do Congresso dos Estados Unidos.

Gorbachev revivera, sim, os tempos de Stalin. Mas com isso confessa­ra ao mundo a falsidade da sua perestroika. Era a sua morte política.

O gemido de um povo e a defesa de um direito

Em 15 de fevereiro de 1991, Plinio Corrêa de Oliveira escreveu ao então presidente da República Federativa do Brasil, Fernando Collor, pedindo-lhe que o governo brasileiro reconhecesse a Lituânia livre. Essa carta mostra com clareza meridiana não só o desenrolar dos fatos, mas também como seu autor é movido pelo amor à justiça e ao direito. Por isso a transcrevemos na íntegra:

“Senhor Presidente

“O que me leva a escrever a V. Exa. é a sensibilidade de nossa alma ante o gemido de um povo e a defesa de um direito.

“1. A Lituânia, outrora cativa, e sujeita a toda a tirania do regime comunista, adversário irredutível da Religião, como da Família e da Propriedade, durante meio século sofreu fome, miséria e perseguições debaixo do tacão da bota soviética. Afinal viu ela, por um momento, raiar o sol da independência, e, conseqüentemente, sentiu aberto diante de si o caminho de retorno à civilização e à prosperidade de outrora, das quais o regime comunista a privara de modo inclemente.

“Ato contínuo, afirmou ela sua independência, constituiu seu governo e começou a reconstrução da pátria.

“Gorbachev, frustrando as vãs esperanças que sua política da “perestroika” fizera nascer no Ocidente, violou a soberania dessa nação que acabava apenas de renascer. E, sob o pretexto de que os filhos dela se recusavam a servir no exército – por eles tido como estrangeiro – da URSS, mandou esmagar as reações na Lituânia.

“2. Sr. Presidente, tanques comunistas se atiraram então contra um povo inteiramente indefeso, alentado tão-só por suas armas espirituais que são a Fé católica e a determinação inquebrantável de assegurar sua independência.

“Assim, as multidões desarmadas da Lituânia, entoando hinos de Fé e de patriotismo, se ergueram como barreiras vivas ante os tanques soviéticos, e não recuaram quando – com assombro para os agressores a mando do Kremlin, como para o mundo – verificaram que as primeiras vítimas se deixavam trucidar barbaramente, porém não desertavam do campo da honra.

“O que faria então o governo de Moscou? Compreendendo que o prosseguimento no ataque genocida levantaria contra Gorbachev a justa indignação de todos os povos livres, o Kremlin desautorou o ataque, atribuiu ao comandante das forças comunistas sediadas na Lituânia a responsabilidade pela agressão e mandou retirar desse país parte dos para-quedistas, que há pouco ainda enviara contra ele.

“Mas… há nisto um “mas”. Pouco depois, o ministro do Interior, coronel Boris Pugo, apontado como um dos instigadores da ação feroz das tropas russas na Lituânia, foi promovido a general. Assim, mal fora divulgada a repreensão daquele coronel por seu violento procedimento – com evidente vantagem publicitária para o sr. Gorbachev no Ocidente – sobreveio a promoção do “culpado” ao generalato. E assim ficava mostrada a evidente inconsistência da referida censura! À violência, se somava a duplicidade.

“3. Foi nessa atmosfera, entretanto tão desfavorável, que o Presidente Vytautas Landsbergis, Chefe de Estado lituano, convocou leal e corajosamente um plebiscito, para dar a cada lituano a ocasião de se pronunciar livremente sobre se queria continuar sob a dominação comunista do Kremlin ou prosseguir – quaisquer que fossem os riscos – na gloriosa via da independência nacional.

“Tal plebiscito, Sr. Presidente – V. Exa. o sabe, sabe-o o mundo inteiro – transcorreu do modo mais liso e ordeiro. E, feita a apuração dos respectivos resultados de forma igualmente exemplar, chegou-se ao que segue, diante de Deus e dos homens, diante do Presente em que se encontram e do Futuro que os aguarda:

“a) 90,47% dos votos se pronunciaram a favor da independência: da independência, sim, plena, total e imediata, como é óbvio;

“b) 6,56% dos votantes foram contrários à independência;

“c) compareceram às urnas 84,52% dos eleitores.

“4. Isto posto, isto proclamado, ou todas as nações livres da terra acorrerão solícitas em prol da independência da Lituânia, e com esta entabularão imediatamente relações diplomáticas, constituindo embaixadas em Vilnius e abrindo-se para que a Lituânia constitua embaixadas nas capitais delas; ou hesitarão, tergiversarão, e quiçá só algumas se animem a defender essa pequena nação coberta de glórias, contra o que a mídia insiste em apresentar como o “colosso” soviético.

“Mas as nações que vacilarem reconhecerão implicitamente que elas mesmas não têm o direito líquido e certo à sua liberdade. Pois quem hoje vacile em reconhecer os direitos incontestáveis do mais fraco torna automaticamente contestáveis os análogos direitos que tenha a defender amanhã contra o mesmo agressor mais forte.

“Quem nega direitos – não obstante líquidos e certos – de terceiros, só porque é poderoso o injusto contestador desses direitos, deixa ver que, quando amanhã esse contestador lançar sua sanha contra o país que de braços cruzados e lábios cerrados presenciou a agressão, este último nada terá a alegar em sua própria defesa.

“Por certo, Sr. Presidente, V. Exa. não consentirá em que nossa nobre e valorosa Pátria se veja eventualmente colocada nessa postura.

“Assim, representando a Sociedade Brasileira de Defesa da Tradição, Família e Propriedade – TFP, de cujo Conselho Nacional sou presidente, bem como – devidamente credenciado – as outras 14 TFPs coirmãs e autônomas da entidade brasileira, existentes respectivamente na África do Sul, Argentina, Bolívia, Canadá, Chile, Colômbia, Equador, Espanha, Estados Unidos, França, Peru, Portugal, Uruguai e Venezuela, peço a V. Exa. que entre urgentemente em contacto com o governo lituano sediado em Vilnius, a fim de estabelecer desde logo relações diplomáticas com essa heróica nação, e entabolar entendimentos para a abertura de embaixadas nas respectivas capitais.

“Pedido idêntico ao presente está sendo por mim enviado a todos os Chefes de Estado do mundo livre.

“5. A V. Exa., Sr. Presidente, tudo quanto acabo de afirmar se afigura por certo com cristalina evidência.

“E é por isto que estou seguro de caminhar ao encontro dos mais fundamentais imperativos de consciência de V. Exa., quando peço que faça sua a causa pleiteada nesta mensagem e que a tome como o que realmente é: um apelo em favor da causa da Lituânia, que é coidêntica com a causa da independência do Brasil e com a causa da própria civilização cristã.

“Nosso país passaria por uma terrível crise de identidade se visse que, em socorro da pequena e heróica Lituânia, não correm céleres, nas vias da diplomacia e da paz, as autoridades de nossa imensa nação, que a Providência destina a ser nação-chave do mundo novo. Deste mundo novo que se vai abrindo com o advento do terceiro milênio.

“Queira V. Exa. receber meus antecipados agradecimentos, Sr. Presidente, por tudo quanto nesta luminosa perspectiva nosso país ficar devendo a seu patriotismo e a seu espírito empreendedor. E me valho do ensejo para lhe apresentar as expressões de meu alto apreço e distinta consideração.”

O reconhecimento de uma nação

Um ano após a campanha de 1990, o presidente da Comissão de Rela­ções Exteriores do Parlamento da Lituânia, Sr. Emanuel Zingeris — acompanhado pelo Revmo. Pe. Pranas Gavenas, SDB, e pelo Sr. Henrique Valavicius —, visitou o Prof. Plinio Corrêa de Oliveira em sua residência, em São Paulo, entregando-lhe uma carta nos seguintes termos:

“Uma delegação representando o Parlamento lituano está sendo en­viada ao Brasil com vistas a estabelecer contatos e relações com essa importante nação sul-americana.

“O Vice-Presidente do nosso Parlamento, Sr. Bronius Kuznickas, e o Presidente da Comissão de Relações Exteriores, Sr. Emanuelis Zingeris, foram designados para esta missão.

“Aproveitei a oportunidade para pedir a eles que o visitassem, e lhe entregassem pessoalmente esta carta.

“De fato, Sr. Presidente, já era minha intenção, de algum tempo a esta parte, expressar-lhe minha gratidão pessoal e a de meu País, pela inesti­mável contribuição que as vinte TFPs nos cinco continentes deram à cau­sa da independência lituana.

“Todos os lituanos estão bem cientes do abaixo-assinado altamente meritório organizado pelas TFPs em favor de nossa independência, o qual recebeu o apoio de 5.200.000 assinaturas de pessoas de diversas nações, tornando-o um dos maiores abaixo-assinados da História.

“Exprimo-lhe portanto, uma vez mais, a gratidão de nosso Parlamen­to, que peço transmitir aos Presidentes das várias TFPs e, por meio deles, a cada um dos jovens que participaram assim de nossa grande vitória”.

A missiva é firmada por Liudvikas Sabutis, Secretário do Conselho Supremo da República da Lituânia.

Lituânia, Terra de Maria

No dia 10 de março de 1991 a comunidade lituana de São Paulo, em colaboração com a TFP, comemorou solenemente o primeiro aniver­sário da independência da Lituânia. Na ocasião, Plinio Corrêa de Oliveira foi saudado pelo Pe. Pranas Gavenas, à frente de descendentes de lituanos vestidos com trajes típicos. Durante a Missa, celebrada na igreja de São José da Vila Zelina (bairro onde se concentram os lituanos na capital paulista), o Coral Lituano cantou o belo e conhecido hino “Maria, Maria”.

Se Plinio Corrêa de Oliveira amou tanto a Lituânia, foi porque em certo momento ele ouviu dizer que ela era chamada “Terra de Maria”. Nada melhor que as belas palavras contidas nesse hino de louvor a Maria Santíssima, de quem Dr. Plinio era exímio filho e fiel batalhador, para encerrar este relato sobre a sua vinculação com a Lituânia.

Puríssimo Lírio,

Vós brilhais no alto do Céu,

Aliviai a escravidão,

Socorrei a humanidade,

Defendei-nos do terrível inimigo.

Nós, homens errantes,

Pedimo-vos vossa graça,

Ó Maria, não rejeiteis as nossas súplicas

Entre as tormentas deste mundo,

Fortalecei e guiai

Aqueles que sucumbem. (cfr. op. cit., São Paulo, 2005, pag. 291-311).

[Para assistir os vídeos da épica viagem da Comissão inter-TFPs a Moscou e Lituania para entregar os microfilmes do abaixo-assinado em favor da independência deste pais, ir à sessão MULTIMEDIA deste site]

 

 

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