Plinio Corrêa de Oliveira, a sacralidade da ordem temporal e a certeza da vitória

Da obra “PLINIO CORRÊA DE OLIVEIRA dez anos depois…” (A.A. V.V.), 2005, pags. 171-181

Mario Navarro da Costa

Nasceu em Berlin, em 1941; diretor do Bureau de Washington de Tradição, Família e Propriedade, desde 1981. Recentemente foi nomeado “Plinio Corrêa de Oliveira Fellow” da “Foundation for a Christian Civilization”, do Estado da Pennsilvânia

Considerações iniciais

         O tema que devo desenvolver neste espaço está de tal modo no cerne do que se poderia chamar a vocação e a vida de Plinio Corrêa de Oliveira, que só pode ser adequadamente explanado recorrendo às próprias explicitações feitas por ele ao longo de sua existência. É o trabalho a que alegremente aqui me entrego, utilizando-me, sempre que possível, das próprias palavras dele, recolhidas que foram por meio de gravador.

         Plinio Corrêa de Oliveira assim definiu a finalidade mais alta da TFP: ela existe para a maior glória de Deus. Como bom seguidor da espiritualidade de Santo Inácio de Loyola, fazia questão de acrescentar que não se tratava apenas da glória de Deus, mas da máxima glória de Deus, ou seja, na mais alta medida que seja possível realizá-la nesta Terra.

         Essa máxima glória de Deus se alcança do modo mais excelso, segundo Dr. Plinio, através da glória dada a Nossa Senhora, a Qual tudo atribui a Deus perfeitissimamente. De maneira que a maior glória de Nossa Senhora é então a forma mais radical de nós visarmos à maior glória de Deus.

         A questão portanto se desloca: no que consiste a maior glória de Maria na Terra? Ele assinalava dois aspectos: um positivo (fazer o bem) e um negativo (coibir o mal). Mas, de modo bem característico dele, preferia tratar primeiro do aspecto negativo, que consiste em glorificar a Nossa Senhora enquanto ela calca aos pés a cabeça da Serpente infernal, segundo a passagem bíblica que encontramos no Livro do Gênesis, largamente comentada por São Luís Maria Grignion de Montfort em seu magistral Tratado da Verdadeira Devoção à Santíssima Virgem.

         Porém, o que é calcar aos pés a cabeça da Serpente? É não só esmagar a Serpente, mas esmagá-la inteira no ponto estratégico: a cabeça. Quer dizer, há nessa figura a afirmação de uma estratégia pela qual, utilizando uma simples pressão, a Serpente é esmagada inteira. Trata-se de uma radicalidade no método, ligada à radicalidade do objetivo. Em qualquer ser vivo que tenha cabeça, mas sobretudo na serpente, isto é muito visível: a cabeça contém a vida de todo o resto.

         Para Dr. Plinio, não podia haver dúvida: a Revolução universal – processo que ele tão bem define em seu ensaio Revolução e Contra-Revolução – ademais de ser gnóstica e igualitária, representa simbolicamente a cabeça do demônio. Esmagada esta, as formas subsidiárias de mal, que constituem como que o exército secundário, auxiliar, do demônio, perdem muito de sua força e são fáceis de derrotar.

         Mas a TFP não tem em vista apenas essa luta contra-revolucionária, e aqui entra em cena o aspecto positivo: há um certo espírito que a TFP quer que vença. Trata-se de uma modalidade do espírito católico, de um modo de ser dentro da Igreja, de uma atitude perante a Fé e perante a prática das virtudes, que leva a desejar que a Santa Igreja vença com o brilho correspondente a todas as humilhações pelas quais passou, a todas as derrotas que sofreu. Um espírito estuante de vitalidade e de uma força primaveril de ressurreição, que não se pode adequadamente calcular.

         Para Dr. Plinio, foi esse espírito que levou São Luís Maria Grignion de Montfort a profetizar o Reino de Maria, período de plenitude de glória para Nossa Senhora, e portanto para seu Divino Filho. Ficamos então colocados ante a constatação de que a luta da TFP tem em vista a implantação do Reino de Maria.

TFP, instituição eclesiástica ou civil?

         Essas considerações iniciais levam a perguntar se a TFP é uma instituição eclesiástica ou civil. Se ela é uma instituição que visa por essa maneira trabalhar pelo Reino de Maria, dir-se-ia, antes de maior análise, que se trata de uma instituição eclesiástica. Dr. Plinio, porém, afirmava: quando nos consultamos a nós mesmos, o brado que sai de nossas almas é que, embora o estado eclesiástico constitua a primeira classe social e seja o sal da Terra e a luz do mundo, “nós não nos sentimos clero, nós nos sentimos da ordem civil”. Qual a razão profunda disso?

A Revolução não conseguiu destruir a Igreja com a Pseudo-Reforma…

         Assim posta a questão, a resposta exige uma explicação sobre o processo revolucionário a que acima aludimos. Como Dr. Plinio explica em Revolução e Contra-Revolução, as muitas crises que abalam o mundo hodierno não constituem senão múltiplos aspectos de uma só crise fundamental, a Revolução. Trata-se de um processo crítico multi-secular, um longo sistema de causas e efeitos que vem produzindo, desde o século XV até nossos dias, sucessivas convulsões. No século XVI a Revolução investiu às escâncaras contra a Igreja. A Pseudo-Reforma foi uma primeira revolução, que implantou o espírito de dúvida, o liberalismo religioso e o igualitarismo eclesiástico. O orgulho e a sensualidade, em cuja satisfação está o prazer da vida pagã, suscitaram o protestantismo.

…passou então a atuar no campo da sociedade civil

         Não tendo conseguido destruir a Igreja com essa primeira revolução, à qual se opôs a magnífica reação da Contra-Reforma, liderada por grandes santos como São Pio V, São Roberto Belarmino, São Pedro Canísio, as forças revolucionárias tiveram que mudar de estratégia. A ação revolucionária passou a ser desenvolvida com mais intensidade no terreno civil. No longo ziguezague da História, através do humanismo, cartesianismo, iluminismo, Revolução Francesa, romantismo, comunismo, socialismo, progressismo etc., evitando o quanto possível tocar direta e explicitamente no dogma católico, foram sendo modelados os espíritos pelos erros prevalentes na sociedade civil. A partir daí foi possível influenciá-los erroneamente a respeito da religião, criando as condições necessárias para um novo ataque frontal contra a Igreja. Ou seja, uma visão revolucionária na sociedade civil foi preparando uma mentalidade tal que, em determinado momento, foi possível começar a alteração da própria religião, segundo aquele modelo civil previamente concebido. A concepção revolucionária da sociedade civil passou a ser a matriz da nova transformação religiosa.

O conjunto de verdades fundamentais que a Revolução gnóstica e igualitária ataca é comum às ordens civil e eclesiástica, e delas a Mestra infalível é a Igreja Católica. Mas esses princípios revolucionários, hoje em dia, influenciam o homem muito mais em função dos assuntos civis do que dos eclesiásticos. É através da esfera civil, temporal, que os erros da Revolução acabam afetando a religião.

Ou a TFP atua no campo temporal, ou não realiza sua finalidade

         Do que ficou dito, Dr. Plinio concluía que, se a TFP não atua no campo civil, não realiza a sua finalidade, que é derrotar a Revolução. Daí a importância, para a formação religiosa e até para a santificação dos membros da TFP, de um pensamento bem ordenado em matéria temporal. Embora as verdades da Fé sejam mais augustas, mais indispensáveis à salvação do que os princípios que regem a ordem temporal, a nossa atenção enquanto lutadores deve estar sobretudo no campo temporal. Circunstancialmente, por causa do processo revolucionário, tudo o que diz respeito à ordem civil é o terreno-chave onde a cabeça da Serpente pode ser esmagada, e onde nós devemos colocar o melhor de nossa atenção e de nossa luta. Assim se serve à Igreja.

A Igreja é o corpo místico de Cristo

         A Igreja é uma sociedade sobrenatural. Ela é o corpo místico de Nosso Senhor Jesus Cristo. Foi instituída para a salvação dos homens, é infalível nos seus dogmas, e d’Ela emana, portanto, um ensinamento infalível em relação às coisas que dizem respeito à salvação eterna, aos Mandamentos e aos princípios que deles se deduzem para a ordenação da sociedade humana. Dela também emanam os Sacramentos, que são fontes de graça, de vida espiritual, pelos quais o homem se torna apto a seguir os Mandamentos que ele conhece. De maneira que a Igreja é o alfa e o ômega de tudo quanto se refere à vida do homem nesta Terra. Dr. Plinio disse certa vez que, se a Igreja não existisse, ele pediria a Deus que lhe tirasse a vida, porque nada na Terra teria importância.

O homem, no entanto, vive na sociedade civil

         Sem embargo disso, pela ordem natural das coisas a sociedade própria do homem, à qual ele pertence por sua natureza, e que está na estatura e proporção dele, é a sociedade temporal. O homem vive na sociedade temporal, pertence à sociedade temporal, e tudo quanto diz respeito à sociedade temporal é o tema normal de suas cogitações.

         Posto na sociedade temporal, por uma misericórdia inefável esse homem foi elevado por Deus à ordem espiritual, que supera o homem e o conduz a mais do que ele é. Há então aí uma espécie de sacrossanto hibridismo, onde o melhor de nós é o que nos conduz para sermos mais do que aquilo que somos na ordem natural. O que representa a nossa plenitude natural é algo menor do que aquilo para onde somos conduzidos.

         Essa espécie de bipolaridade nos faz compreender, apesar do caráter instrumental e secundário da sociedade temporal, quanto o homem foi feito para viver dentro dela, pensar dentro dela, a propósito dela, e o quanto ela é o habitat do homem. É nessas cogitações comuns da vida temporal que seu espírito encontra matéria-prima para elevar-se às coisas espirituais.

         Qual é então o papel do sacerdote? “Ele faz o leigo – dizia com admiração Dr. Plinio – ele batiza, ele ensina, ele forma, ele dá os princípios, ele confessa, ele dá a Comunhão, ele organiza associações que ajudem o leigo. Ele é a alma disso tudo. Se tirarem o sacerdote, os leigos morrem por inanição”. Mas as dificuldades que o leigo vai encontrar, na batalha para preservar, utilizar e tornar fecundo o que o sacerdote lhe deu, são dificuldades nascidas na sociedade temporal. O perigo para ele está portanto na sociedade temporal.

Nobreza da ordem temporal

         A sociedade temporal é a obra-prima da criação visível. Isso lhe vem, antes de tudo, da nobreza do homem. Relata o Gênesis que Deus, considerando o Universo que criara, viu que cada coisa era boa, e o conjunto era ainda melhor. O homem é o rei da criação; e a sociedade temporal, que se compõe desses reis, é mais excelente do que cada rei individualmente considerado. O conjunto dos homens, que vem a ser a sociedade temporal, é mais excelente do que cada homem individualmente considerado.

         Ora, seria surpreendente que uma criatura tão excelente quanto é a ordem temporal não tivesse uma relação com o mais alto fim da criação, que é a salvação das almas.

         Embora seja perfeita no seu âmbito, a sociedade temporal existe para o serviço de Deus, e portanto para o serviço da Igreja. E ela tem, subordinada à Igreja – quer dizer, sujeita ao poder que a Igreja tem de ensinar, governar e santificar na esfera espiritual – uma missão que concorre de modo positivo e eficiente para a salvação das almas. Nesse sentido, a sociedade civil bem ordenada é um símbolo de Deus e da ordem posta por Deus no Universo. Como tal, ela concorre para tornar as almas mais receptivas à virtude, e presta portanto um serviço que se poderia de algum modo chamar de apostólico.

A partir da reflexão sobre a realidade temporal o homem é convidado para a ordem metafísica, e depois para a religiosa

         O homem tem diante de si, na ordem imediata das coisas, uma realidade temporal com desigualdades: o grande e o pequeno, o rico e o pobre. Diante dessa constatação ele se faz uma pergunta: “O que isto significa?”. A partir dessa pergunta ele reflete sobre a desigualdade, e a partir dessa reflexão ele chega até Deus. A partir dessa reflexão sobre a realidade temporal, ele depois é convidado a subir a uma ordem metafísica mais alta, que depois o leva à ordem religiosa. Tudo o que nos cerca na ordem temporal, quando bem ordenado, é imagem de Deus; quando mal ordenado, é imagem do demônio, o ser desordenado por excelência. Admirando as imagens de Deus nesta Terra, o homem conforma sua alma a Deus; aceitando as imagens do demônio, conforma sua alma ao demônio.

         Nosso Senhor serve-se, nas próprias parábolas do Evangelho, de considerações estritamente temporais: “Olhai os lírios do campo…”. Afirmando a superioridade de uma simples flor sobre o luxo de um rei, introduz o princípio religioso de que se deve confiar mais em Deus, que veste tão magnificamente a planta, do que nas coisas do mundo. Serviu-se de exemplos da vida temporal para levar aqueles homens, postos nas coisas do mundo, para cogitações de ordem espiritual.

         A tese de Dr. Plinio é que a verdadeira formação religiosa não pode ser apenas sobre Religião, nem pode limitar-se a um curso de catecismo, por mais desenvolvido que seja. Ou é uma visualização reta de todas as coisas temporais, ou absolutamente não é suficiente. Quando o indivíduo não ordena sua visão temporal de acordo com sua visão espiritual, acaba colocando a visão espiritual de acordo com a temporal. De maneira que com uma narina ele respira ortodoxia na aula de catecismo, e com a outra narina respira heterodoxia vivendo na sociedade civil. A mistura de ar puro com ar envenenado produz veneno e liquida o indivíduo.

Vocação de leigos: sacralizar a ordem temporal

         O específico da TFP – insistia Dr. Plinio – é considerar a ordem temporal como um elemento fundamental para a formação das almas e lutar para que essa ordem, em todos os seus aspectos, seja profundamente católica. Daí o esforço continuado da TFP para que a cultura, a arte, os ambientes etc. ajudem a criar o clima propício para que as almas aproveitem as aulas de catecismo.

         Em outras palavras, a TFP gostaria que a ordem temporal fosse como uma vítima de agradável odor diante de Deus. Trata-se de vocação de leigos: “Nós não temos as mãos sagradas que tocam no Santíssimo. Temos as mãos que ordenam o turíbulo e fazem com que dele suba o aroma para envolver o ostensório, envolver o altar, encher de perfume a Igreja. Essa é a nossa tarefa. É por amor ao ostensório que nós temos o turíbulo e o manuseamos”.

Ao homem, enquanto imerso na sociedade temporal, ele impugna a ausência de contemplação, bem como o erro monstruoso pelo qual se afirma: ‘Contemplação é com a Igreja; comigo é produzir dinheiro e consumir’. É preciso dar ao homem da sociedade civil esta lição: ‘Você tem que ser antes de tudo um contemplativo’. E depois dizer respeitosamente ao eclesiástico: ‘Compreenda que não basta a sua esfera eclesiástica; forme os homens para entenderem bem a esfera civil, porque a esfera eclesiástica sozinha não é suficiente para formar o homem todo’.

Certo bispo brasileiro, outrora muito ligado ao Dr. Plinio, disse-lhe em conversa que, em ambientes de sua diocese, havia contra a TFP a objeção muito forte de que esta se preocupa demais com a ordem temporal, e a principal preocupação dos católicos não deveria ser a ordem temporal, e sim a espiritual. Mostrou ele então ao bispo uma carta de São João Bosco ao imperador da Áustria, Francisco José, contendo diretrizes de caráter nitidamente político para que a Áustria evitasse sua própria ruína. E afirmava – o santo salesiano — que Deus lhe ordenara comunicar tais orientações ao imperador.

Dr. Plinio considerava que, no presente momento histórico, a principal ofensiva contra a Igreja vem sendo desferida a partir da ordem temporal. Muitos setores eclesiásticos foram infectados nos últimos séculos por uma espécie de complexo de inferioridade em face da ordem temporal, dos progressos que a ordem temporal alcançava e do esplendor que ela ia tendo. E assim procuravam conformar e adaptar o mais possível a Igreja, seus modos de ser e de viver aos da ordem temporal. Ou seja, ao liberalismo que ia modelando a sociedade civil.

De maneira que o liberalismo, o principal veículo do espírito da Revolução na época, entrava na Igreja por meio de uma consideração falseada dos assuntos temporais e dos problemas da sociedade civil. Ora, é preciso que o remédio seja aplicado onde entrou o mal. É necessário, portanto, restaurar no espírito dos fiéis uma idéia exata do papel da sociedade temporal enquanto companheira de trajeto histórico – providencial companheira e serva – da sociedade espiritual.

Harmonia entre ordem espiritual e ordem temporal

         O exclusivismo, tanto por temas espirituais como pelos temporais, é uma posição de alma errada. Ambos devem colaborar na realização dos desígnios da Providência, cada qual no seu papel. Essa harmonia entre as duas ordens é essencial em toda a concepção católica verdadeira da Igreja e da Civilização Cristã.

         Afirmou certa vez Dr. Plinio: “Se alguém tivesse uma concepção assim: ‘eu vou salvar as almas de minha paróquia, e o resto pouco importa’, eu diria: ‘nisso não existe resto, porque todas as outras coisas existem para o bem das almas, e se as almas não se salvarem, não adianta nada; tudo tem que estar ordenado nessa linha’. Por outro lado, se transviaria deploravelmente um pastor de almas que procurasse ser sobretudo um ordenador das coisas desta Terra”. E acrescentava que este último desvio ocorrera com os setores do clero aderentes à Teologia da Libertação, por exemplo, que só se preocupam com o temporal, deixando os assuntos espirituais arrastarem-se pela rua como puderem. A recíproca influência entre as duas esferas leva a que os progressos obtidos em uma delas repercuta favoravelmente no dinamismo próprio à outra.

         Qualitativamente, entretanto, é bem verdade que, mesmo no âmbito próprio da sociedade temporal, os benefícios do espírito importam mais que os da matéria. E por isso, em que pese certa mentalidade moderna, importa mais a um país ter uma cultura própria, um estilo próprio, costumes, instituições, leis em consonância com o ambiente nacional, do que uma perfeita canalização de águas e esgotos: “A Atenas de Péricles brilhará sempre no firmamento da História. A de hoje, incomparavelmente superior à outra em comodidade material de vida, que lembrança deixará de si no futuro?” – interrogava o Dr. Plinio.

A sociedade civil exerce função ministerial a serviço da ordem sobrenatural

         Neste intertítulo e no seguinte, transcrevo trechos de um admirável estudo feito pelo Prof. Plinio Corrêa de Oliveira, publicado na revista “Catolicismo” de outubro/1998, sob o título “Cristandade – supremacia do espiritual e sacralidade”.

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Dada esta interpenetração profunda de campos, desejada pela Providência, seria absurdo supor que Deus não quisesse uma cooperação entre a sociedade temporal e a Igreja. E, mais, que nessa cooperação entre duas sociedades intrinsecamente desiguais, o temporal, natural, perecível não estivesse em posição ministerial em relação ao espiritual, sobrenatural, eterno; o fim próximo em relação ao fim último.

A sociedade temporal, tanto quanto a família a seu modo próprio, tem uma função de apostolado a exercer na própria esfera temporal, sob a inspiração e o magistério da Igreja.

A Providência quis que o ambiente de uma família, de uma sociedade cultural, profissional, recreativa ou qualquer outra, o ambiente de uma cidade, de uma província, de um país, exercessem sobre o homem uma influência natural profunda. Da qual, é certo, ele pode libertar-se com o auxílio da graça, caso tal influência seja má, mas que em todo caso atua em seu espírito poderosamente.

A prova disso está na evidência dos fatos. Onde as leis, as instituições, os costumes, a cultura, o estilo, a civilização constituem um ambiente profundamente católico, a ação específica da Hierarquia Eclesiástica logra habitualmente grandes frutos; e a ação dos Sacramentos, da pregação, a irradiação de santidade dos ministros de Deus move as multidões. Onde, pelo contrário, tudo se lhe opõe, as dificuldades para a ação da Hierarquia se tornam imensas. São vencíveis, é certo, pois para Deus nada é impossível, mas atuam de modo desfavorável.

Noção de sociedade temporal sacral

A sociedade temporal, querida por Deus e ordenada por Ele, realizando em si mesma uma obra que é de santificação, é uma sociedade santa que tem uma função sagrada. Ela permanece sociedade inteiramente natural, como a família, mas trabalhada a fundo pela vida sobrenatural que borbulha em seus membros. Uma sociedade santa e sagrada, como a família cristã, à qual convém tão bem a designação de santa, que até seu vínculo constitutivo é um Sacramento instituído pelo próprio Jesus Cristo.

Sacro Império, Santa Rússia, Filha Primogênita da Igreja (França), Sagrada Panônia (Hungria), eram antigamente designações correntes e perfeitamente legítimas. E ninguém estranhava que o óleo sagrado servisse como um sacramental para ungir os reis; que a sua investidura no poder temporal se desse durante a Missa, numa função essencialmente religiosa, com a participação do Clero; que a Cruz de Cristo brilhasse no alto do símbolo do poder temporal, que era a coroa; ou que o título mais honroso do detentor supremo do poder temporal fosse um título religioso: Sacra MajestasRex ApostolicusRex ChristianissimusRex CatholicusRex FidelissimusDefensor Fidei. E ninguém estranhava também que os duques da Lorena – que se presumiam reis de Jerusalém – cingissem uma coroa cujo diadema era feito de espinhos, ou que o rei da Lombardia tivesse em sua coroa de ferro um cravo da Paixão de Cristo. Todos esses fatos atestavam a sacralidade da sociedade temporal, e portanto do poder temporal, embora este fosse distinto da Hierarquia Eclesiástica.

Chegamos assim à noção da sociedade temporal ministra da Igreja, que abre amplas perspectivas para a noção da sociedade temporal sacral. Se todos os que se interessam pelo problema das relações entre a sociedade temporal e a Igreja tivessem bem claro no espírito que a palavra temporal inclui a título capital imensos valores espirituais, e quais sejam eles, parece-nos que mais fácil lhes seria compreender a ministerialidade do temporal.

TFP e opinião pública

A sociedade temporal resulta do equilíbrio de duas influências. Uma é a dos homens e de cada homem sobre o todo. Cada homem é ele mesmo um pequeno universo, e tem uma certa forma de autonomia, de privacidade, de privatum próprio, que é inesgotável e insondável. É da projeção desses mil fachos de luz individuais que se forma essa luz conjunta, que nós identificaríamos como a mentalidade da sociedade temporal. De outro lado, o homem não apenas influencia, mas vê as coisas e é influenciado por elas. Cada indivíduo vê essa luz somada, da projeção dos mil fachos individuais, e ela repercute sobre ele. Há assim uma circulação, um commercium.

Essa circulação faz com que a sociedade temporal, tomada no seu conjunto, impressione profundamente o homem. E faz também com que um dos melhores meios de atuar sobre o homem, para que ele ame a Deus e seja propenso à influência benéfica da Igreja, é agir sobre a opinião pública, ou seja, sobre o conjunto desses fachos de luz procedentes de baixo, para que projetem sobre o indivíduo uma imagem retamente orientada.

Por essa razão, Dr. Plinio dizia que está no feitio de nossos espíritos, está na inclinação de nossas almas, está na curiosidade de nossas inteligências, está em todos os movimentos dentro de nós, a tendência e propensão de atuar sobre a opinião pública, como método preferencial de apostolado da TFP.

A certeza da vitória

Plinio Corrêa de Oliveira tinha absoluta certeza da vitória, prometida por Nossa Senhora quando afirmou em Fátima: “Por fim, o meu Imaculado Coração triunfará”. Ao mesmo tempo ele se sentia movido por um pressentimento, suscitado profeticamente pela graça de Deus, de que a vitória viria em nossos dias, e de que ele e a TFP teriam um papel nos acontecimentos que levariam a essa vitória e à implantação do Reino de Maria profetizado por São Luís Maria Grignion de Montfort: “Isto vem da graça de Deus, e a graça de Deus não mente jamais!”

Como se pode provar que essa inspiração vem da graça de Deus? Ele se apressava em responder: “Ela vem da graça de Deus porque produz esse fruto na alma, que é o fruto do Espírito Santo. É um fruto de amor de Deus! É um fruto de entusiasmo! É um desejo de ser enérgico! É um desejo de calcar aos pés o respeito humano! É um desejo de se dar à Virgem inteiramente! Todos esses desejos santos florescem na alma, se a alma tem a esperança de que o apostolado da TFP vencerá. Mas se, pelo contrário, uma alma perder essa esperança ou só tremer ou hesitar nessa esperança, todos esses frutos começam a desaparecer. O amor de Deus decai, a pureza começa a ser irregular, a dedicação se torna fria, diminui, chega a desaparecer. É algo que, quando está presente na alma, produz os resultados do Espírito Santo; e quando está ausente, sua ausência produz os resultados do demônio. Que conclusão se pode tirar disso, senão a evidência de que esse pressentimento vem do Espírito Santo, e que a dúvida sobre esse pressentimento vem do demônio?”

Como Santa Joana d’Arc, Plinio Corrêa de Oliveira faleceu com a certeza de que “as vozes não mentiram”. A Providência é fiel. Nós, discípulos e filhos espirituais de Plinio Corrêa de Oliveira, participamos de sua beatitudo incomprehensibilitatis, certos de que os caminhos de Deus são mais belos do que qualquer coisa que o intelecto humano seja capaz de excogitar.

De nossa parte, continuamos a luta de Dr. Plinio na sociedade temporal. Onde entrar o demônio, ali estaremos nós para fazer-lhe oposição, com a ajuda de Nossa Senhora. Do contrário, teríamos degenerado. Porque, onde estiver a cabeça do demônio, ali está o calcanhar de Nossa Senhora para esmagá-la, e nós não temos outra ambição além de ser o calcanhar de Nossa Senhora. Onde o demônio estiver, nós não temos outro campo de luta a não ser combater contra ele. Porque o nosso campo de batalha é a cabeça dele, e onde ela estiver, aí nós estaremos, calcando-a.

 

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