In hoc signo vinces (“com este sinal vencerás”)

Conferência do Prof. Roberto de Mattei na Universidade de Verão das TFPs européias, realizada em Gaming, na Áustria, em agosto de 2007. O texto em italiano foi publicado pela revista “Tradizione, Famiglia, Proprietà”, Roma, ano 14, n. 1, março de 2008. A tradução para o português não foi revista pelo conferencista. Os subtítulos são do referido periódico italiano.

In hoc signo vinces

 É o dia 27 de outubro do ano 312 depois de Cristo. Dois exércitos se defrontam às portas de Roma. O primeiro sai dos Muros Aurelianos para posicionar-se ao longo das margens do Tibre, junto a Ponte Milvio. É comandado por Marcos Aurélio Valério Massêncio. O segundo, que desceu de Trier (na Alemanha) rumo a Roma, se coloca ao longo da via Flaminia. É guiado por Flávio Valério Constantino. Os dois contendores lutam pelo título de Augusto do Ocidente, um dos quatro cargos supremos, na Tetrarquia, o novo sistema de governo do Império, ideado por Diocleciano.

 Saxa Rubra: muda o destino do Império

blankO sol começa a se por quando as tropas de Constantino vêem repentinamente surgir no céu um grande sinal luminoso, com uma frase chamejante:  In hoc signo vinces (com este sinal vencerás). Eusébio de Cesaréia, o primeiro grande histórico da Igreja recorda o acontecimento com estas palavras: “Um sinal extraordinário aparece no céu. … quando o sol começava a declinar, Constantino vê com os próprios olhos, no céu, mais acima do sol, o troféu de uma cruz de luz sobre a qual estavam traçadas as palavras IN HOC SIGNO VINCES. Foi tomado por um grande estupor e, com ele, todo seu exército.” (1)

O efeito sobre as tropas é impressionante. No exército de Constantino há muitos cristãos. Estes viveram a última perseguição, a mais terrível, a de Diocleciano, iniciada em 297 com o expurgo de todos os fiéis de Cristo que faziam parte do exército. Os militares cristãos, que eram muito numerosos nas armadas imperiais, foram postos em face de uma alternativa radical: abandonar a sua religião ou o seu posto no exército. Houve quem escolhesse a triste via da apostasia, mas muitos perseveraram e, deixado o exército, emigraram para a Gália onde se arrolaram com Constâncio Cloro, o único dos quatro tetrarcas que não aderira às perseguições de Diocleciano. Isto significa que, no início do século IV, o número de cristãos que enchiam o exército de Constâncio, situado nas Gálias e na Britania, não era irrelevante. Quando em 305 Constâncio morreu, em York, em uma expedição contra os Picti e os Scoti, as tropas tinham aclamado imperador Constantino, filho ilegítimo de Constâncio e de Helena, futura imperatriz e futura santa, enquanto os pretorianos em Roma proclamavam Massêncio imperador. Este último tinha invocado os deus dos pagãos para lhes pedir a vitória. A Cruz aparecida no céu era, sem sombra de dúvida, o símbolo dos cristãos. Os dois exércitos que ora se defrontavam estavam conscientes que não eram forças meramente humanas que estavam envolvidas no terrível entrechoque. Na noite, conforme narra Lactâncio, Cristo aparece em sonho a Constantino, “exortando-o a colocar aquele símbolo nos escudos dos soldados com aqueles sinais celestes de Deus e a iniciar, pois, a batalha” (2).

blankHá momentos em que um homem pode mudar, com o seu “sim” ou com seu “não”, o curso da sua vida. E há momentos em que desta escolha deste homem pode depender a sorte de povos e de nações para os séculos vindouros. Aconteceu naquela noite de outubro ao filho de Constâncio e Helena, chamado a decidir qual seria o destino do Império de Roma.

Não sabemos o que se passou no coração de Constantino: se a sua decisão foi fulminante ou se teve dúvidas e hesitações. Sabemos, porém, que a manhã seguinte ele não só fez imprimir o monograma de Cristo nos estandartes de suas legiões, mas que instituiu o Labarum, o estandarte que teria substituído o da águia romana de Júpiter e que todos os soldados doravante deveriam honrar.

A batalha se desenvolve com fúria. Constantino conseguiu rechaçar o exército rival com as costas para o Tibre, onde Massêncio tentou salvar-se com a fuga. Foi arrastado pelas águas e a sua cabeça foi levada ao vencedor, que subiu ao sólio imperial.

Cristianismo e uso das armas

No dia 28 de outubro de 313 a Cruz triunfou vitoriosa sobre o sangue e sobre a poeira do grande campo de batalha de Saxa Rubra, onde o Tibre faz uma grande curva, antes de costear a via Flaminia. O lugar tomou o nome de Saxa rubra por causa da cor do sangue vertido sobre as pedras. Aquele sangue — por primeira vez na história — não foi apenas sangue cristão.

Constantino não era cristão e não se torna cristão naquela noite, mas responde afirmativamente ao convite de Cristo. Um ano depois, a 13 de junho de 313, ele promulgou o Edito de Milão com o qual todas as leis persecutórias emanadas em passado contra os cristãos ficavam abolidas e o Cristianismo se tornava religio licita no Império.

Constantino é célebre por este edito que punha fim à era das perseguições e abria uma nova época de liberdade para a Igreja. É graças tal edito que se fala de “virada constantiniana” na história da Igreja. E, entretanto, na vida de Constantino e na da Igreja, a hora decisiva foi outra: aquela em que por primeira vez a Cruz de Cristo, vexilla regis, aparece sobre o campo de batalha, defendida pelas espadas dos legionários, imposta pela força ao inimigo.

Houve heréticos, como os montanistas, que sustentaram a incompatibilidade do Cristianismo com as armas. não era este o ensinamento do Evangelho e não era esta  a atitude dos cristãos, nos três primeiros séculos. Apesar das opiniões em sentido contrário de Tertuliano, cujas posições refletem a sua evolução rumo à heresia montanista, nenhum ato do Magistério proibira o serviço militar no curso dos três primeiros séculos. Pelo contrário, é sabido que nesse período histórico muitos cristãos serviram como oficiais ou soldados nas legiões romanas, conciliando a dúplice característica de cristãos e de militares, sem que a Igreja lhes dirigisse qualquer reprovação por tal motivo: muitos destes foram, pelo contrário, canonizados.

Os oficiais e soldados cristãos que foram martirizados nessa época não foram ameaçados de morte por haver recusado, como cristãos, de servir no exército, mas por haver recusado de participar de cerimônias pagãs impostas pelos perseguidores, ou seja por haver recusado de praticar atos de idolatria e de apostasia. Tal é o exemplo de Santo Eustáquio, de São Sebastião, dos legionários da XII Fulminata sob Marcos Aurélio, e de São Maurício e da Legião Tebana, sob Diocleciano.

 Guerra justa

O Cristianismo ensinava que era possível ser bons cristãos e bons soldados: era possível servir com as armas uma autoridade que era reconhecida como legítima, mesmo quando perseguia a fé. Mas a aparição da Cruz a Constantino significava algo a mais: pela primeira vez na história, aparecia um exército cristão; um exército de homens não todos cristãos, mas dispostos a combater em nome de Cristo.

 Pela primeira vez a Cruz não somente o símbolo do sofrimento no martírio: tornava-se o símbolo do sofrimento na luta. Era o próprio Cristo que pedia a Constantino e às suas legiões de combater e pedia de combater em seu nome: pode-se combater, pois, em nome de Deus, quando a causa é justa, quando a guerra é santa, quando o próprio Deus o quer, como tantas vezes aconteceria ao longo da História.

A batalha de Saxa Rubra não demonstra apenas a legitimidade do combate cristão. O monograma de Cristo estampado no lábaro de Constantino exprimia a teologia política do Evangelho, resumia a máxima Non est potestas nisi a Deo – não há autoridade que não venha de Deus (Rom. 13, 1.) O monograma de Cristo imprimia um caráter sacro no estandarte imperial, continha em si toda a Civilização Cristã da Idade Média.

O monograma de Cristo estampado no lábaro imperial e as palavras in hoc signo vinces, que estimulava à luta, continha a história dos séculos futuros: o ideal de Santo Ambrósio e de Teodósio de construir um Império romano cristão; a realização do Santo Império, em 800 depois de Cristo, com a coroação de Carlos Magno, pai e fundador da Cristandade medieval. Nos cerimoniais de coroações imperiais e reais que sucederam a de Carlos Magno, o soberano recebe do consecrator não só a coroa mas também a espada: Accipe gladium de altare sumptum; a espada é santa como o altar da qual foi pega. O soberano deve brandi-la vigorosamente para demonstrar a própria decisão de defender a Igreja contra os inimigos externos e internos que a agridam.

Foi com este espírito que nasceram as Cruzadas, empreendidas para defender e reconquistar os Lugares Santos. O brado de Deus vult que ressoou no campo das cruzadas evoca o de Saxa rubra: in hoc signo vinces. “Ao lançar o apelo às Cruzadas  – escreve o cardeal Castillo Lara –, ao animar os soldados tomando-os sob a sua direção, os pontífices nunca se puseram o problema da incongruência da guerra com o espírito da Igreja, nem se perguntaram se tinham direito de organizar exércitos e lançá-los contra os infiéis […] Os Papas, conseqüentemente, não só não o consideravam ilícito, mas pelo contrário tinham consciência de exercer de tal modo um poder que lhes era próprio: o supremo poder de coação material”. (3)

 Nas cruzadas a Igreja exercita a potestas gladii ecclesiastica, o poder de coerção não só espiritual, mas também material, que emana da sua natureza jurídica de societas perfecta, independente de qualquer autoridade humana. Do caráter de sociedade perfeita que lhe é próprio deriva para a Igreja, pleno jure, o poder de coação, seja no plano espiritual como no material. As cruzadas constituem uma expressão histórica desse direito da Igreja de usar a força material para conseguir o seu fim sobrenatural.

 As cruzadas: um ato de amor

blankO professor Jonathan Riley-Smith, mestre do renovamento dos estudos sobre as cruzadas, em um ensaio publicado em 1979 sob o título de Crusading as an Act of Love (4), a “Cruzada como ato de amor”, recorda a bula Quantum praedecessores, de 1° de dezembro de 1145, com a qual o Papa Eugenio III, referindo-se àqueles que responderam ao apelo da primeira cruzada, afirma que estes estavam “inflamados pelo amor da caridade”, e à caridade, ao amor de Deus, faz remontar a motivação profunda desta empresa.

Oferecer a própria vida é a maior forma de amor e o mais perfeito ato de caridade, pois nos faz perfeitos imitadores de Jesus segundo as palavras do Evangelho, segundo as quais “ninguém tem amor maior do que quem dá sua vida por Ele e por seus irmãos” (Jo. 3, 16; 15, 13). Este testemunho é comum aos mártires e aos cruzados. Se o martírio é o ato com o qual o cristão está disposto a sacrificar a sua vida para preservar a própria fé, a cruzada se afigura, nas suas motivações mais profundas, como o ato com o qual cristão está disposto a oferecer a própria vida, para o bem sobrenatural do próximo, defendendo-o com o seu combate. Nos cruzados, a perspectiva do martírio é inerente ao signum super vestem: a Cruz vermelha sobre a veste branca. Aquela mesma Cruz, em outubro de 312, apareceu no céu para indicar aos legionários de Constantino a via da luta e da vitória.

Quando Marco Antonio Colonna, comandante da frota pontifícia na batalha de Lepanto, prestou juramento na capela papal, a 11 de junho de 1571, recebeu das mãos do Papa, além do bastão de comando, uma bandeira de seda vermelha. Sobre esta bandeira estava estampado Cristo crucificado entre os Príncipes dos Apóstolos Pedro e Paulo; sob eles havia o brasão de Pio V e como lema: In hoc signo vinces.

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Plinio Corrêa de Oliveira, “cruzado do século XX”

In hoc signo vinces. Sob este emblema pode colocar-se a vida de Plinio Corrêa de Oliveira,  entrado na História como “o cruzado do século XX” (5).

A personalidade de Plinio Corrêa de Oliveira foi sem dúvida multifacetada e qualquer definição, também a de “cruzado” pode ser considerada redutiva. Sem embargo a palavra “cruzado”, mais do que qualquer outra se adequa e, sob certo aspecto, resume a sua vocação. Procurarei de oferecer alguns elementos de reflexão sobre este ponto.

Plinio Corrêa de Oliveira quis um dia resumir o sentido da sua vida e da sua obra nestas poucas palavras escritas de próprio punho:

“Quando ainda muito jovem 

  considerei enlevado

  as ruínas da Cristandade

  a elas entreguei meu coração

  voltei as costas ao meu futuro

  e fiz daquele passado carregado de bênçãos

  o meu porvir”.

Para compreender estas palavras, para compreender a grandeza da vocação de Plinio Corrêa de Oliveira, pode-se meditar sobre um ponto que o Concílio Vaticano I definiu artigo de nossa fé: a possibilidade, através da razão humana, de atingir a certeza da existência de Deus e de acreditar nEle, seguindo um itinerário que ascende a Deus através das coisas criadas (6), porque, segundo as palavras de São Paulo,  “as perfeições invisíveis de Deus, desde a criação do mundo, se tornaram visíveis à inteligência dos homens, por meio dos seres que Ele mesmo fez” (Rom. I, 20).

Poder-se-ia afirmar, por analogia, que existe a possibilidade, para a alma humana, de conhecer e amar a Igreja, através de suas obras e, in primis, através das perfeições da Civilização Cristã da qual Ela é Mãe. A contemplação de uma catedral, a audição de uma melodia gregoriana ou polifônica, a leitura de uma obra-prima como a Divina Comédia ou os Lusíadas, infunde, na nossa alma a possibilidade de compreender que todo belo, o bem e o verdadeiro produto do homem na história, tem sua fonte sobrenatural na Igreja, definida por Pio XII “princípio vital da sociedade humana” (7).

Nos anos em que o jovem Plinio entrava na liça da vida, a Primeira Guerra Mundial arrastava os pilares da sociedade cristã, mas quanto desta sobrevivia era suficiente para revelar ao seu coração toda a sua grandeza. Esta grandeza era antes de tudo espiritual e se alimentava na fonte da Graça, da qual a Igreja era Mãe e custodia.

Contemplando as ruínas da Cristandade Plinio Corrêa de Oliveira conheceu e amou profundamente a Igreja e decidiu de servi-La. Do seu amor pela Igreja nasce a decisão de defender a Civilização Cristã, combatendo com viseira erguida contra os seus inimigos. “A combatividade cristã – escreveu – tem o sentido exclusivo de legítima defesa. Não há para ela outra possibilidade de ser legítima. É sempre o amor de alguma coisa ofendida que move o cristão ao combate. Todo combate é tanto mais vigoroso quanto mais alto for o amor com que se combate. E, por isso mesmo, não há, no católico, combatividade maior do que aquela com que ele luta pela defesa da Igreja ultrajada, negada, calcada aos pés” (8).

Assim aconteceu com as cruzadas que foram empresas defensivas, não agressivas, nascidas do amor para com a Igreja e a Civilização Cristã. A Cristandade medieval viveu sempre em guerra de legítima defesa contra os bárbaros que ameaçavam a Europa de norte a leste, e contra os muçulmanos que a agrediam ao sul. Se uns e outros não tivessem violado as suas fronteiras, se tivessem permitido a obra de evangelização dos missionários, se tivessem respeitado os Lugares Santos, não teriam havido as cruzadas. Um novo inimigo ameaça ora a Civilização Cristã: um processo destrutivo que remontava suas raízes no humanismo renascentista e que se desenvolvera através das etapas históricas do Protestantismo, da Revolução Francesa e do comunismo. Plinio Corrêa de Oliveira engajou então uma guerra mortal contra a Revolução anticristã que, depois da Primeira Guerra Mundial, tomava a forma de dois “irmãos inimigos”: o comunismo e o nacional-socialismo.

A voz da Cristandade, que ecoava com lamentações do passado, ressoou profundamente no coração do jovem estudante de Direito da Universidade de São Paulo, do jovem Presidente da Ação Católica paulista, do jovem deputado da Assembléia Constituinte, do jovem diretor do “Legionário”. Plinio Corrêa de Oliveira voltou as costas ao seu futuro e  “daquele passado carregado de bênçãos” fez o seu porvir.

Em que sentido “o seu porvir” pode ser equiparado ao de um “cruzado”? No fundo, poder-se-ia objetar, nenhuma cruzada foi pregada pelos Papas no século XX e Plinio Corrêa de Oliveira lutou, mas nunca empunhou as armas. Usou a pena, a palavra, o exemplo, mais simples, sob certos aspectos, a um grande apologeta, a um grande polemista, a um doutor da Igreja, mais bem que um cruzado.

A resposta a esta objeção é simples. Santo Agostinho afirma que martyres non facit poena, sed causa (o que faz os mártires não é a pena, mas a causa) (9). Esta sentença significa que o que torna o mártir tal não é a morte violenta, a dor sofrida, mas a razão última do sofrimento e da morte: o fato que a morte seja infringida em ódio à verdade cristã. Os mártires foram tais não pelos seus sofrimentos, mas porque ofereceram a sua vida pela Igreja. Analogamente se poderia dizer que o que torna a cruzada tal não é o uso das armas, não é o sofrimento da luta armada, mas o próprio fim da empresa: o serviço da Civilização Cristã e, através desta, da Igreja. A luta do cruzado é diretamente orientada à defesa da Civilização Cristã, assim como o sofrimento do mártir está diretamente orientado ao testemunho da verdade da Igreja.

Ninguém melhor do que Plinio Corrêa de Oliveira instituiu, no século XX, o nexo íntimo e profundo que liga a Civilização Cristã à Igreja. Ele compreendeu que a Revolução não é um processo que, através da destruição da ordem temporal cristã, visa golpear a Igreja até à morte, Ela que é o “Corpo Místico de Cristo, mestra infalível da Verdade, tutora da lei natural e, deste modo, fundamento último da própria ordem temporal” (10) . A Revolução visa impedir à Igreja a sua missão de salvação das almas; missão que ela exercita não só com seu poder espiritual direto, mas também no seu poder temporal indireto. A Contra-Revolução que surge em defesa da Igreja “não está destinada a salvar a Esposa de Cristo” que “não tem necessidade dos homens para sobreviver. Pelo contrário, é a Igreja a dar vida à Contra-Revolução, que, sem ela, nem seria exeqüível, nem sequer concebível” (11). “A Igreja é, pois, a própria alma da Contra-Revolução” (12).

A Igreja é a alma da Contra-Revolução

A Igreja é, pois, uma força fundamentalmente contra-revolucionária, mas não se identifica com a Contra-Revolução: a sua verdadeira força está no ser o Corpo Místico de Nosso Senhor Jesus Cristo. Sem embargo, o âmbito da Contra-Revolução ultrapassa, em um certo sentido, o eclesiástico, porque comporta uma reorganização de toda a sociedade temporal a partir dos fundamentos. “Se a Revolução é a desordem — afirma o pensador brasileiro — a Contra-Revolução é a restauração da ordem. E por ordem entendemos a paz de Cristo no reino de Cristo. Ou seja, a civilização cristã, austera e hierárquica, fundamentalmente sacral, antiigualitária e antiliberal” (13).

Quem combate, afirma Santo Agostinho, não combate pela guerra, combate pela paz (14), e a paz de quem combate por Cristo é a paz de Cristo, realizada por uma sociedade integralmente cristã. Esta meta é expressa pelo ideal da Realeza social de Jesus Cristo, cujo Reino não é deste mundo (Jo, 18, 36), mas a este mundo se estende, e neste mundo inicia a realizar-se, porque somente a Cristo foi dado todo poder no Céu e na Terra (Mt, 18, 28) (15).

Combater pela Civilização cristã significa combater pela instauração de todas as coisas em Cristo (Ef. 1, 10). Restaurar em Cristo, segundo as palavras de São Pio  X, “não só isto pertence à divina missão da Igreja de conduzir as almas a Deus, mas também o que […] daquela divina missão espontaneamente deriva: a civilização cristã no complexo de todos os elementos individuais que a constituem” (16).

O que faz o cruzado tal é o fim, não os meios da luta. não é o uso das armas, mas o propósito de combater para o Reino de Cristo a formar um coração cruzado. Plinio Corrêa de Oliveira foi o cruzado do século XX, porque toda a sua vida foi dedicada em defesa da Civilização Cristã. Foi esta a sua especificidade, a sua essência, a causa da sua santidade, porque foi neste serviço que as suas virtudes brilharam com particular heroísmo. Foi este o fim que consagrou à sua última grande obra, coroação de todas as outras, a fundação das TFP, em julho de 1960.

O bem-aventurado Urbano II não combateu em primeira pessoa diante as muralhas de Jerusalém, mas pregou e infundiu o espírito daquela Primeira Cruzada que foi o modelo de empresas análogas e sucessivas. São Bernardo de Claraval não empunhou a espada, mas transmitiu aos templários, mais do que a Regra de uma Ordem, o espírito das ordens religiosas e militares que floresceriam na Cristandade. Plinio Corrêa de Oliveira não defendeu com as armas a Civilização Cristã, mas infundiu o espírito de luta a todos os contra-revolucionários que deveriam defendê-la, também após a sua morte, dentro e fora das TFPs.

Ele mesmo em maio de 1944 traçou, nas páginas de “O Legionário” um primeiro balanço da sua vida, que figura quase como um “testamento”, e ao mesmo tempo o programa de uma cruzada:

“Antes de tudo, amamos sempre o Pontífice Romano. Não houve uma palavra do Papa que não publicássemos, que não explicitássemos, que não defendêssemos. Não houve um interesse da Santa Sé, que não reivindicássemos com o maior ardor de que uma criatura humana seja capaz. Em nossas palavras, graças a Deus, nenhum conceito, nenhum matiz que destoasse do Magistério de Pedro em uma só virgula, em uma só linha sequer. Fomos em toda a linha os homens da Hierarquia, cujas prerrogativas defendemos com ardor extremo, contra as doutrinas que pretendem arrancar ao episcopado e ao clero a direção do laicato católico. Não houve equívocos, nem confusões, nem tempestades que conseguissem deixar em nosso estandarte a mais leve mácula neste ponto. Defendemos em toda linha o espírito de seleção, de formação interior, de mortificação e de ruptura com as ignomínias do século. Lutamos pela doutrina da Igreja contra os excessos torvos do nacionalismo estatolátrico que dominou a Europa; contra o nazismo, o fascismo e todas as suas variantes; contra o liberalismo, o socialismo, o comunismo, e a famosa ‘politique de la main tendue’. Ninguém se ergueu em nenhuma parte do mundo contra a Igreja de Deus, [sem] que o LEGIONÁRIO — dentro do âmbito evidentemente limitado de suas possibilidades — não protestasse. Ao mesmo tempo, nunca perdemos de vista a obrigação de alimentar de todos os modos a devoção a Nossa Senhora, e ao Santíssimo Sacramento. Não houve uma só iniciativa católica genuína, que não tivesse todo o nosso entusiástico apoio. Nunca a estas portas bateu quem tivesse em mira apenas a maior glória de Deus, sem encontrar colunas amigas e acolhedoras. Há nessa vida um bom combate a combater. Estamos extenuados, sangramos por todos os membros. Foi nesse combate que nos cansamos, que nos ferimos. Em compensação, não ousamos pedir como prêmio senão o perdão de tudo quanto inevitavelmente tenha havido de falível e de humano nesta obra que deveria ser toda para Deus, só para Deus ” (17).

Foi em perfeita coerência com este espírito que em janeiro de 1951 Plinio Corrêa de Oliveira inaugura o primeiro número da revista “Catolicismo”, com um seu artigo não assinado, A cruzada do século XX, destinado a se tornar um manifesto da Contra-Revolução católica (18). É necessário reler estas páginas com atenção, meditando-as, como se lêem os textos inspirados pela Graça, que não perdem a sua atualidade no curso do tempo.

“E é esta nossa finalidade – escreveu -, o nosso grande ideal. Caminhamos para a civilização católica que poderá nascer dos escombros do mundo de hoje, como dos escombros do mundo romano nasceu a civilização medieval. Caminhamos para a conquista deste ideal, com a coragem, a perseverança, a resolução de enfrentar e vencer todos os obstáculos, com que os cruzados marcharam para Jerusalém.” (19)

Estes palavras exprimem antes de tudo uma teologia e uma filosofia da História. Quando Plinio Corrêa de Oliveira escreveu, logo após a Segunda Guerra mundial, o mito dominante era ainda o do progresso. A idéia de progresso, depois de haver constituído a alma das principais correntes de pensamento europeu do século XIX — do liberalismo ao socialismo — havia penetrado dentro da Igreja com o  modernismo, cujas idéias fermentavam já surdamente sob o pontificado de Pio XII. Após a morte deste Pontífice, o pensamento católico seria dominado pelas teses progressistas de autores como Jacques Maritain. Em seu livro Humanismo integral, publicado em 1936, o filósofo francês afirmava a sua fé na irreversibilidade do mundo moderno e do papel histórico que nele jogaria o marxismo. Naqueles mesmos anos Plinio Corrêa de Oliveira previa o desabar do mundo moderno e o fim do comunismo, ou melhor, a sua metamorfose, a tentativa da Revolução de passar da hipertrofia do Estado à dissolução do Estado, do Estado comunista ao comunismo sem Estado, da utopia do progresso ao reino do caos: um processo por ele definido “Quarta Revolução”.

A Revolução, porém, não teria vencido. Sob as ruínas do mundo moderno sairia a Civilização Cristã do século XXI: “Caminhamos para a conquista deste ideal, com a coragem, a perseverança, a resolução de enfrentar e vencer todos os obstáculos, com que os cruzados marcharam para Jerusalém.” Com palavras análogas, em seu último livro, publicado em 1993, dois anos antes de seu falecimento, Plinio Corrêa de Oliveira dirige aos nobres e às elites tradicionais, um apelo extremo à cruzada.

“Se o nobre do século XX se conservar cônscio dessa missão — escreveu ele — e se, animado pela Fé e pelo amor a uma tradição bem entendida, tudo fizer para se desempenhar dela, alcançará uma vitória de grandeza não menor do que a dos seus antepassados quando contiveram os bárbaros, repeliram para além Mediterrâneo o Islã, e sob o mando de Godofredo de Bulhão derrubaram as portas de Jerusalém” (20). Também estas devem ser meditadas. Nelas encontramos o espírito de todos os combatentes cristãos que, a partir de Saxa Rubra, no curso dos séculos enfrentaram face-a-face o inimigo: colocaram toda a própria confiança em Deus, combateram e venceram.

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In hoc signo vinces. É este e não outro o espírito da Mensagem de Fátima, que se conclui, no Terceiro segredo, com uma visão no centro da qual campeia “uma grande Cruz de troncos toscos como se fora de sobreiro com a casca”, aos pés da qual o Santo  Padre “foi morto por um grupo de soldados que lhe dispararam vários tiros e setas, e assim mesmo foram morrendo uns trás outros os Bispos, sacerdotes, religiosos e religiosas e varias pessoas seculares, cavalheiros e senhoras de várias classes e posições”. Uma cena que evoca terríveis perseguições, mas também lutas cruentas, tendo ao fundo uma cidade devastada que recorda as ruínas do mundo moderno das quais, segundo Plinio Corrêa de Oliveira, nasceria a Civilização Cristã, como das ruínas do mundo romano nascera a Civilização medieval.

A confiança nesta vitória recebeu um sigilo sobrenatural pela mensagem de Fátima.  Plinio Corrêa de Oliveira não tinha ainda nove anos quando, no extremo daquela Europa onde surgia o comunismo, a Santíssima Virgem, confiou aos três pastorinhos da Cova da Iria esta mensagem dramática, iluminada pelas palavras plenas de esperança: “Por fim o meu Coração Imaculado triunfará”.

As palavras de Nossa Senhora, como aquelas de Cristo a Constantino, são hoje um sinal que se levanta no horizonte. A mensagem de Fátima, como aquela de Saxa Rubra, é um apelo à luta e ao triunfo da Civilização cristã, que Saxa Rubra inaugurou na História e que Fátima promete de realizar no seu esplendor.

Entre as condições requeridas por Nossa Senhora em Fátima para a instauração de seu Reino encontra-se a consagração da Rússia ao Seu Coração Imaculado. Consagrar significar ordenar e subordinar a Deus o homem e a sociedade (21). A promessa do triunfo do Coração Imaculado exprime o ideal da sacralização da ordem temporal, representado pela Civilização Cristã que se submete inteiramente a Deus e reconhece a suprema realeza de Jesus Cristo e de Maria.

A realização deste ideal se projeta em nosso futuro, mas ao termo de uma luta cujo eco chega aos nossos corações proveniente de séculos longínquos e que nos leva a afrontar duras provas, espirituais e morais, mais do que físicas e materiais. “A vida da Igreja e a vida espiritual de cada fiel — escreveu Plinio Corrêa de Oliveira referindo-se a Santa Teresinha do Menino Jesus — são uma luta incessante. Deus dá por vezes à sua Esposa dias de uma grandeza esplêndida, visível, palpável. Ele dá às almas momentos de consolação interior ou exterior admiráveis. Mas a verdadeira glória da Igreja e do fiel resulta do sofrimento e da luta. Luta árida, sem beleza sensível, nem poesia definível. Luta em que se avança por vezes na noite do anonimato, na lama do desinteresse ou da incompreensão, sob as tempestades e o bombardeio desencadeado pelas forças conjugadas do demônio, do mundo e da carne. Mas luta que enche de admiração os Anjos do Céu e atrai as bênçãos de Deus.” (22)

É esta a nossa luta hoje em curso e devemos compreender o seu alcance, significado e meta. Somos os herdeiros daqueles que um dia levaram com entusiasmo os escudos em Saxa Rubra. Somos os herdeiros dos que desfraldaram a bandeira da Igreja nos campos das cruzadas e nas águas de Lepanto. Somos e queremos ser herdeiros do cruzado por excelência do século XX: Plinio Corrêa de Oliveira. Queremos fazer nossa a sua batalha contra a Revolução. Queremos fazer nossa a sua certeza sobrenatural na vitória final da Contra-Revolução.

Como ele, nós não empunhamos armas materiais. A nossa luta não é armada, mas pacífica, o nosso espírito de luta é mais intenso, mais radical e mais determinado.

Nós somos os herdeiros de Plinio Corrêa de Oliveira e em seu nome repetimos:

In hoc signo vinces.

 

Notas:

  1. EUSEBIO,  Vita Constantini, 37-40.
  2. LATTANZIO, De mortibus persecutorum, 16-17
  3. CARD. ROSALIO CASTILLO LARA,Coacción eclesiastica y Sacro Romano Imperio, Pontificio Ateneo Salesiano, Augustae Taurinorum 1956, p. 115.
  4. JONATHAN RILEY-SMITHCrusading as an act of love,“History. The Journal of Historical Association”, vol. 65, n. 213 (february 1980), pp. 177-191. A obra foi reproduzida em 2002 na antologia The Crusades sob a direção de THOMAS MADDEN (Blackwell, Malden MA 2002).
  5. ROBERTO DE MATTEI, Il crociato del secolo XX – Plinio Corrêa de Oliveira, Piemme, Casale Monferrato 1996
  6. DENZ-H, nn. 3004-3006.
  7. PIO XII, Discorso La elevatezza ai nuovi cardinali del 20 febbraio 1946.
  8. PLINIO CORRÊA DE OLIVEIRA, Passio Christi, conforta me, in “O Legionario” n. 637 (22 de outubro de 1944).
  9. SANT’AGOSTINO Enarrationes in Psalmos, 34, 13, col. 331.
  10. P. CORRÊA DE OLIVEIRA,Rivoluzione e Contro-Rivoluzione, Cristianità, Piacenza 1977, p. 161.
  11. Ivi, p. 162.
  12. Ivi, p. 163.
  13. Ivi, p. 125.
  14. SANT’AGOSTINO, DeCivitate Dei, lib. 19, c. 12, 1.
  15. Cfr. PIO XI ,Enciclica Quas Primas de 11-12-1925
  16. S. PIO X,Enciclica Il fermo proposito de 11-6-1905.
  17. P. CORRÊA DE OLIVEIRA, 17 anos, in “O Legionário”, n. 616 (28-5-1944).
  18. P. CORRÊA DE OLIVEIRA, A cruzada do século XX, in “Catolicismo” n. 1 (janeiro de 1951)
  19. Ivi.
  20. P. CORRÊA DE OLIVEIRA,Nobiltà ed élites tradizionali analoghe nelle allocuzioni di Pio XII, Marzorati, Milano 1993, p. 123.
  21. S. AGOSTINO, DeCivitate Dei, lib. 10, c. 6.
  22. P. CORRÊA DE OLIVEIRA, A verdadeira gloria só nasce da dor, in “Catolicismo”, n. 78 (junho 1957).

 

 

 

 

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