Porto, conferência do prof Roberto de Mattei: O CRUZADO DO SÉCULO XX – Plinio Corrêa de Oliveira

Hotel Ipanema, Porto, 30 de junho de 1998

  Alteza Imperial,

          Senhoras e Senhores,

          O encontro desta tarde é para mim motivo de grande honra, de sincera emoção e de profundo júbilo.

          Grande honra devido à presença de Sua Alteza Imperial dom Luiz de Orléans e Bragança e de um público tão qualificado e tão ilustre.

          Sincera emoção porque este nosso encontro se realiza numa terra predilecta do Céu, escolhida da Nossa Senhora a Fátima para a missão de manter e propagar a Fé no mundo.

          Profundo jubilo pela possibilidade de prestar homenagem a um grande protagonista do nosso século que eu tive o privilégio de conhecer pessoalmente e de quem me considero discípulo.

          Porem, esta conferência não pretende ser unicamente um acto de homenagem a uma personalidade do passado, mas também uma reflexão que nos ajude a melhor compreender o presente para melhor enfrentar o futuro.

          Com efeito, a vida de Plinio Corrêa de Oliveira constitui um modelo de pensamento e de acção, que nos revela um caminho, uma via, para nós, para as nossas familhas, para as nossas nações e para a Europa do futuro.

          Na minha intervenção, procurarei ilustrar a natureza deste itinerário, resumido no título da biografia da qual sou autor, O cruzado do século vinte. Plinio Corrêa de Oliveira.

          Em que sentido Plinio Corrêa de Oliveira foi um cruzado, e que significa para nós uma cruzada, a cruzada do século vinte?

          São estas as interrogações às quais vou tentar responder, pedindo desde já desculpa pela minha incapacidade em dominar a vossa bela língua.

          A idéia e o espírito da cruzada

          Hoje, a palavra cruzada tornou-se sinónimo de uma atitude psicológica agressiva e intolerante.

          Agressividade e cruzada são, na realidade, termos incompatíveis. A cruzada foi um empreendimento de defesa contra uma agressão e seria um grave erro confundir a violência com a força, a agressão injusta com a legítima defesa.

          A Igreja, desde os primeiros séculos, elaborou — sobretudo com Santo Agostinho — a doutrina da guerra justa.

          Uma guerra pode ser justa ou injusta segundo o seu fim e as circunstâncias. Guerra injusta é toda a guerra agressiva. Guerra justa é toda a guerra que visa defesa contra uma agressão ou recuperação de um bem do qual se foi injustamente privado.

          Entre os diferentes géneros de guerra justa, a mais perfeita, se assim pode ser definida, é a que tem como objetivo repelir uma agressão feita não contra bens materiais, mas contra bens espirituais como a fé, ou a identidade cristã do povo. Neste caso a guerra justa pode-se tornar, segundo a doutrina da Igreja, guerra santa e pode, ou deve, ser promovida pela própria Igreja antes mesmo que pelos soberanos ou pelos Estados.

          Guerra santa foi a cruzada prégada por Urbano II para libertar o Santo Sepulcro e recuperar a Terra Santa. Guerras santas, no sentido mais amplo do termo, foram as grandes batalhas empreendidas pela Cristandade contra os turcos em Lepánto e em Viena. Guerra santa, cruzada, foi a reconquista de Portugal, invadido pelos Mouros em 1139, que consagrou a independencia do País sob o primeiro rey D. Afonso Henriques.

          Hoje ouvimos dizer que, no fundo, a perspectiva dos cruzados não era diversa da dos seus inimigos muçulmanos: ambos promoviam uma “guerra santa” para impor a propria religião.

          Esta formulação do problema revela uma profunda incomprensão da nossa religião e do islamismo.

          A religião islâmica é uma religião meramente exterior. Para a “conversão ao Islão” não se requer nada mais do que a profissão monoteística e uma série de atos formais: a peregrinação à Meca, o jejum no Ramadam, a esmola e a oração ritual. Além de tais prescrições formais não se requer, no Islão, uma transformação da alma, uma conversão interior. A Jihad, a guerra santa islâmica, contrariamente à guerra santa cristã, é uma guerra ofensiva, é uma guerra de agressão, precisamente porque o Islão não conhece a dimensão interior característica do Cristianismo.

          Com efeito, a nossa religião é uma religião interior que se alimenta na vida sobrenatural da alma. O Baptismo é o sacramento que insere esta vida sobrenatural, a vida da Graça, em nossas almas: com isso o homem é objecto de uma transformação interior, torna-se um homem novo que tem o fundamento da sua nova vida em Jesus Cristo, que diz: “Eu sou a vida, vós as videiras” (Jo, 15, 5).

          Esta religião interior, exatamente porque é interior, é capaz de transformar profundamente a civilização, os costumes, as mentalidades, plasmando a sociedade a partir do interior, como fez o cristianismo com o mundo bárbaro e pagão.

          A cristianisação da sociedade da qual os Apóstolos e os discípulos foram iniciadores, não é fruto da força mas da conquista pacifica das almas. Mas a sociedade pacificamente conquistada, a sociedade que se tornou cristã, a cristiandade, pode e deve ser defendida, mesmo com a força, da agressão de quem quer destruir o fruto da Paixão de Nosso Senhor.

          As cruzadas nasceram para defender, de um ataque armado, a civilização cristã que não nasceu das armas, mas da pacífica conquista dos corações realizada pelos missionários. Por isso existe uma analogia, não uma identidade, mas uma intima analogia, entre a Cruz levada pelos missionários e a cruz empunhada pelos cruzados.

          O povo português, que, segundo as palavras de Pio XII, foi “cruzado e missionário“(1) exprime, numa admirável síntese, estes dois aspectos de uma mesma vocação.

          A cruzada apresenta-se como uma resposta ao apelo do Senhor que o autor da Histoire anonyme de la Première croisade recorda no início da sua obra: “Se alguém quiser vir a mim, renegue-se a si mesmo, tome a sua cruz e siga-me” (Mt 16, 24; Mc 8, 35).

          Nesta perspectiva, para além das cruzadas históricas, existe um “espírito de cruzada” que é a disposição de ânimo do cristão pronto para sofrer, para combater até à morte, para defender ou recuperar bens espirituais mais elevados que a própria vida porque, como diz o Evangelho, quem procura a própria vida perdê-la-á.

          O espírito da cruzada é uma disposição permanente da alma humana, um amor à Cruz no amor à luta; uma procura de perfeição espiritual na luta que não é outra coisa senão uma radicalização do amor ao Bem e do ódio ao mal.

          O cruzado do século XX

          Nos primórdios do nosso século esta disposição de alma tão intimamente cristã, européia e lusitana, floresceu de maneira misteriosa, no outro hemisfério, no coração de um jovem brasileiro nascido em São Paulo, a 13 de dezembro de 1908.

          O nome e a viagem do “Titanic” parecia simbolizar a história deste século e o seu naufrágio.

          Tudo é “titânico” na civilização das máquinas que abrem o século: as metrópoles que alongam os tentáculos, as fábricas com chaminés fumegantes, os arranha-céus de vidro e de aço; os transatlânticos que sulcam o Oceano e os aviões que começam a acumular recordes. E depois os grandes movimentos de massa que prometem a paz, a democracia, que anunciam a “cidade nova”, a “cidade do homem” definitivamente libertada dos vínculos dos princípios e das instituições tradicionais.

          Titânicas porque imensas, planificadas, serão também as guerras, os massacres, os genocídios que acompanharão o século e o conduzirão ao seu dramático naufrágio. “Uma vista de olhos retrospectiva — afirma Stéphane Courtois, na introdução do recente “Livre noir du communisme” — impõe uma conclusão deprimente: foi o século das grandes catástrofes humanas“(2).

          Um dia se dirá com horror: foi o século do comunismo!

          O século do horror abriu-se em um clima de euforía e de optimismo.

          As adulações e as seduções da nova época pareciam, entretanto, não terem tornado o coração do menino que foi Plinio Corrêa de Oliveira. Os seus olhos contemplam horizontes diversos daqueles que o século parece revelar.

          Quem fala ao seu coraçâo é a velha Europa, que ele começou a conhecer e a amar na figura encantadora da mãe, Lucilia Ribeiro dos Santos, uma dama aristocrática da São Paulo de outrora.

          Face ao fragor do século da construção, está o silêncio dolorido das ruínas da cristandade que Plinio, ainda criança, encontrou em 1912, ano do naufrágio do Titanic, por ocasião da sua primeira viagem à Europa, uma viagem de muitos meses com toda a família, segundo os hábitos da época. No curso dessa viagem memorável, nas vésperas da primeira guerra mundial, o jovem Plinio descobre no velho continente alguma coisa que se adéqua perfeitamente com o modo de ser e de pensar em que fora formado no seu ambiente familiar.

          “Quando ainda muito jovem — ele recorda — considerei enlevado as ruínas da Cristandade. A elas entreguei o meu coração. Voltei as costas ao meu futuro e fiz daquele passado carregado de bênçãos, o meu porvir…“.

          “Considerei enlevado as ruínas da Cristandade”. Os esplendores visíveis do passado remetem a uma realidade invisível, a uma concepção do mundo ordenada e proporcionada.

          Os vitrais luminosos das catedrais, os perfis austeros dos castelos, os espaços ordenados dos palácios e dos jardins, revelam à inteligência e ao coração de Plinio a existência de um mundo imaterial pelo qual vale a pena viver e morrer: as cascadas de luzes das verdades teológicas e filosóficas que se concatenam entre si; a linguagem polifônica do mundo dos símbolos; a profundidade silenciosa da vida interior; o perfume sobrenatural da graça; os sonhos de heroísmo generoso e de luta desinteressada; o amor a Deus, à sua hierarquia, à sua criação, tudo isto se irradía das ruínas.

          “A elas entreguei o meu coração”. Estas ruínas exprimem uma civilização que se configurou harmonicamente com a ordem natural disposta por Deus no crear o universo e com a ordem sobrenatural inspirada pela Igreja e que, por isso, pode ser definida Civilização cristã. Uma civilização, afirma ele, que “está para a Igreja como a água para a fonte ou a luz para o fogo que a irradía“.

          Plinio Corrêa de Oliveira escuta a longínqua voz, uma voz proveniente de homens que o haviam precedido nos séculos, e tinham no fundo da alma o mesmo amor ao sublime aquele amor natural e cristão que reflete na terra a perfeição dAquele que está nos céus: uma ordem natural e cristã que nos mesmos anos é definida pelo Papa São Pio X como Civilização cristã.

          “Voltei as costas ao meu futuro”. Plinio volta as costas a um futuro ambicioso, a uma vida rica em promessas que o seu berço e os seus talentos naturais lhe garantiam. Será parlamentar, professor universitário, escritor, jornalista, advogado, dirigente de associações católicas, mas sempre e unicamente ao serviço da causa católica e daquela cruzada pela restauração da civilização cristã que ele decidiu levar adiante até o fim dos seus dias.

          “Fiz daquele passado carregado de bênçãos, o meu porvir“.

          A cristandade, o passado, é rico em bênçãos. Rico em bênçãos porque fecundo, fecundo porque o bem é “diffusivum sui”, destinado a propagar-se. Esta difusão do bem é a bênção de Deus sobre o universo, o acto essencial e mais doce da criação(3).

          Este passado é também um porvir porque traz consigo a fecundidade do eterno, porque é perene e verdadeiro. Este porvir é o porvir da Europa e do mundo.

          A decadência da Europa não é uma fatalidade. O que parece desmoronar-se, o que parece ruir, é uma civilização, ou seja uma sociedade humana, composta por homens, por seres dotados de razão e livres, capazes de fazer cessar a decadência, de mudar o curso da História.

          A ruína, a decadência, é o resultado de um processo histórico que vem de longe, é o produto de uma agressão sistemática que pressupõe um inimigo decidido e organizado. O ataque do inimigo exige a defesa, leva à luta. Esta defesa é legítima, esta guerra é justa e santa. Esta guerra é uma cruzada.

          Cruzada e Contra-Revolução

          Quem são os agressores da Civilização cristã que Plinio Corrêa de Oliveira enfrentou no começo de sua vida pública, quando inicia sua colaboração no “Legionário”, órgão da arquidiocese de São Paulo do qual se tornará director?

          Em primeiro lugar o comunismo, o inimigo mortal, mas também as falsas alternativas ao comunismo, o nazismo e o fascismo, o liberalismo, a hedonística “way of life” americana, o progressismo laico e católico.

          Por detrás dessas diversas manifestações do erro, ele entrevê um único inimigo multiforme que através de fases e metamorfoses sucessivas visa a destruição total da Igreja e da Civilização cristã.

          Este inimigo constituirá o objecto específico do estudo de Plinio Corrêa de Oliveira, que, após haver desvendado a natureza e as modalidades de acção do adversário, proporá as linhas de uma eficaz reação para o aniquilar e restaurar a Civilização cristã.

          A este inimigo, a este processo de dissolução Plinio dá, segundo o Magistério da Igreja, o nome de Revolução: “Este inimigo terrível tem um nome: chama-se Revolução. A sua causa profunda é uma explosão de orgulho e de sensualidade que inspirou, não diríamos um sistema, mas toda uma cadeia de sistemas ideológicos. Da larga aceitação dada a estes sistemas no mundo inteiro, decorreram as três grandes revoluções da História do Ocidente: a Pseudo-Reforma, a Revolução Francesa e o Comunismo“(4).

          Estas poucas palavras trocam uma grandiosa teologia da história que nos dá a chave para interpretar a história do mundo moderno, desde a decadência da Idade Média até nossos dias.

          Esta teologia da história é aquela própria da linha contra-revolucionária, uma escola de pensamento cujos autores mais conhecidos são Joseph de Maistre e Louis de Bonald na França, Juan Donoso Cortês na Espanha, Karl Ludwig von Haller nos países de língua germânica. Mas é também uma explicitação da meditação inaciana das duas bandeiras: “uma de Cristo, sumo Capitão e Senhor nosso, a outra de Lúcifer, mortal inimigo da nossa natureza humana“(5).

          É, antes de todo, a visão agostiniana e católica das duas Cidades, a Cidade de Satanás e a Cidade de Deus, que se defrontam na História.

          Nessa visão, o professor de Oliveira não se limita a uma denúncia implacável do mal: ele procura também delinear a única terapía que o pode derrotar: uma reação de defensa que é uma cruzada.

          A Contra-Revolução não é um regresso ao passado, nem uma reação genérica, mas uma acção directa contra a Revolução, assim como ela existe hoje em concreto não somente no plano das idéias mas também no mais profundo das tendências da alma.

          Para conduzir esta batalha Plinio Corrêa de Oliveira fundará não só um movimento, a TFP, porém mas algo de mais amplo e profundo: uma escola espiritual e intelectual.

          Para que a Contra-Revolução vença deve alcançar a opinião pública com todos os meios de propaganda, desde as grandes campanhas públicas nas ruas até às modernas técnicas de “mailing”.

          Mas, si a mais potente força propulsora da Revolução está nas paixões humanas desencadeadas por um ódio metafísico contra a Verdade e contra o Bem, o dinamismo mais profundo da Contra-Revolução está no vigor espiritual da alma gerado no homem pelo facto de Deus governar nele a razão e a vontade.

          Com efeito, as grandes vitórias da história são o fruto do encontro entre a graça divina e a vontade humana: é a conversão do Império romano, é a formação da Idade Média, é a reconquista da Espanha a partir de Covadonga. E’ a cruzada do século XX para à qual apela o prof. de Oliveira num artigo-manifesto do ano de 1951 para instaurar, sobre as ruínas do mundo moderno, aquele Reino de Maria no Reino de Cristo que será a Civilização cristã do século XXI.

          Um reino de Maria do qual Plinio Corrêa de Oliveira fala freqüentemente e que coincide com o triunfo do Coração Imaculado de Maria prometido pela Virgem Santíssima em Fátima naquele mesmo ano de 1917 que vira o surgimento do comunismo no cenário europeu.

          Os olhos de Plinio Corrêa de Oliveira se cerraram no Brasil, mais especificamente em São Paulo, no dia 3 de outubro de 1995 sem ter visto tal triunfo.

          O que hoje os nossos olhos, bem abertos, contemplam é, porém, a amplitude e a profundidade de uma crise que investe e disagrega não o edifício da cristandade, mas a construção titânica do mundo moderno.

          Princípio de não-contradição e fidelidade

          O século que se abriu sob o signo do optimismo e da esperança de construção de um mundo novo, termína com pessimismo, desconfiança, incerteza.

          O “sonho de construção” de um novo mundo que entra em ocaso, é seguido hoje por um “sonho de destruição” que investe contra o edifício da modernidade, para abatê-lo a partir dos alicerces(6). Neste horizonte de turbulência, de confusão e de caos, um inimigo se delineia como o mais perigoso.

          Um inimigo dentro da Civilização Cristã, ou no que dela resta, e inclusive no interior da própria Igreja.

          Este inimigo é in primeiro lugar uma mentalidade, uma disposição psicológica, um estado de alma.

          Este inimigo é a atitude mental de quem considera que não existem dogmas, nem certezas absolutas, além de um absoluto e dogmático relativismo ao qual seria necessário conformar a vida dos homens e da sociedade.

          E’ este o relativismo denunciado por João Paulo II quando nas suas recentes encíclicas “Splendor Veritatis” e “Evangelium Vitae” denuncía aquela “confusão do bem e do mal, que torna impossível construir e conservar a ordem moral dos particulares e da comunidade” (Splendor Veritatis, n. 93).

          Este relativismo opõe-se directamente ao princípio de identidade e de não-contradição, aquele primeiro princípio da realidade e da lógica que constitui o fundamento doutrinário da idéia e do espírito de cruzada.

          O espírito de cruzada não é um impulso sentimental, não é paixão cega mas possui um fundamento doutrinário e este fundamento é precisamente uma visão do mundo metafisicamente fundada sobre o princípio de não-contradição: o julgamento mais simples e universal de todos, que se traduz na seguinte verdade: é impossível que uma coisa seja e não seja ao mesmo tempo. São Tomás, seguindo Aristóteles, define-o como o princípio primeiro e supremo do pensamento (7).

          Assim como o conhecimento humano tem o seu fundamento no princípio de contradição, também a atuação do homem tem um primeiro princípio que se expressa nestes termos: se deve fazer o bem e evitar o mal; bonum est faciendum et malum evitandum. Este princípio afirma a existência do bem e do mal no plano operativo, bem como o princípio de não-contradição afirma a existência da verdade e do erro no plano especulativo.

          O espírito e a idéia de cruzada tem seu fundamento na existência e na incompatibilidade absoluta entre o bem e o mal, a verdade e o erro.

          A cruzada foi a expressão histórica do princípio de não-contradição.

          O princípio de não-contradição foi a pedra angular da vida e da obra de Plinio Corrêa de Oliveira. A sua vida encarna o princípio de não-contradição e por isto encarna o espírito de cruzada.

          O princípio de não-contradição na vida de um homem chama-se coerência. A coerência à própria fé e aos próprios princípios, chama-se fidelidade. Nesta fidelidade, “nesta coêrencia simples e absoluta – escrevi ao concluir meu livro – está todo o heroísmo e a grandeza de Plinio Corrêa de Oliveira”(8).

          Plinio Corrêa de Oliveira chamou bem ao bem e mal ao mal. A sua longa vida, entre 1908 e 1995, na sua retidão, na sua coerência, na generosidade do seu idealismo, foi uma contínua cruzada em defesa da verdade e do bem.

          “A combatividade cristã — escreve — tem significado exclusivo de legítima defesa. Não existe para ela outra possibilidade de legitimidade. E’ sempre o amor por uma coisa ofendida que leva o cristão à luta. Toda luta é tanto mais vigorosa quanto mais é elevado o amor com o qual se combate“.

          Este amor nascia do espírito cruzado e missionário, do espírito católico e apostólico de Plinio Corrêa de Oliveira.

          Vir totus catholicus et apostolicus plene romanus está escrito em seu epitáfio. “Vir plene portugues”, podemos acrescentar. E’ Vieira, o príncipe dos oradores portugueses, que exclama: “Os outros homens têm obrigação de ser católicos; os portugueses têm obrigação de ser católicos e de ser apostólicos“(9).

          Vir fidelissimus d’uma fidelidade que reflete aquela fidelidade inabalável do povo português na sua história.

          Portugal, afirma Pio XII, manteve-se “constantemente fiel através dos séculos, como o demonstrava ‘o Desejado` pouco antes de dar a vida pela dilatação da Fé, quando à Sua Santidade Pio V, que lhe oferecia escolher um título, respondeu que não queria nem para si nem para o seu povo outro título senão o de filho dedicado da Sé Apostólica (cf. Vieira, Sermões, v. 7 (1908), p. 71, v. 7), e como atesta o título efectivamente outorgado, um século mais tarde, de Fidelíssimo“(10).

          Existem nações, maiores que Portugal, que conheceram epopeias grandiosas, mas também grandes traições, grandes apostasias. O que caracteriza a Nação Portuguesa é a sua fidelidade na Historia. A grandeza de Portugal não deve ser medida através do tamanho do seu Império colonial, mas sim através da dimensão e da profundidade da sua Fidelidade.

          Fidelidade à Igreja de Roma, jurada pelo seu primeiro Rei, D. Afonso Henriques, o fundador de Portugal. Fidelidade à Virgem Santíssima, escolhida pelo novo Rei Conquistador, como Padroeira da sua Pátria e da Nova Dinastia (11).

          Em Portugal se conservará sempre o dogma da Fé

          Foi a Virgem mesma que prometeu: Em Portugal, se conservará sempre o dogma da Fé…. O dogma da Fé revelada não se pode conservar num país infiel. A fidelidade é a Fé, que plasma os costumes e as Leis de um povo. A Fé deve dilatar-se, mas para se dilatar, deve ser protegida e defendida. Para defender e proteger a Fé, não basta só a Fé, é necessário também o espírito de Cruzada. A fundação de Portugal como nação foi um acto de cruzada. A história de Portugal é a história de um espírito de cruzada, de um espírito de missão, de um espírito de defesa e de propagação da Fé que nunca se extinguiu no decurso dos séculos.

          O povo português, “Portugal fidelíssimo” — como o define Pio XII (12) — é chamado hoje para continuar a combater — como nos dias em que na “pequena casa lusitana não faltavam Cristãos atrevimentos” para “a lei da vida Eterna dilatar“(13).

          Que Portugal, com a ajuda de Nossa Senhora de Fátima, realize a sua vocação e leve a cabo sua missão são os meus votos mais profundos e sinceros.

          No final desta intervenção, permitam-me, apesar de ser estrangeiro que faça minhas as palavras do cântico popular português Salvé nobre Padroeira entoado pelas vozes puras e singelas dos três pastorinhos de Fátima:

Salve Nobre Padroeira

do povo teu protegido

entre todos escolhido

para povo do Senhor.

Ó glória da nossa terra

que tens salvado mil vezes,

enquanto houver portugueses

Tu serás o seu amor. O seu amor.

Notas:

1) Pio XII, Radio-mensagem a Portugal do dia 31 de outubro de 1942, in DR, vol. IV, p. 256.

2) Livre noir du communisme, Robert Laffont, Paris 1997, p. 11.

3) São Tomás de Aquino, Summa Theologica, I, q. 83, ad 3.

4) Plinio Corrêa de Oliveira, Revolução e Contra-Revolução, p. 12.

5) Santo Inácio de Loyola, Ejercicios Espirituales, in Obras completas, BAC, Madrid, 1963, n. 136.

6) R. de Mattei, 1900-2000. Due sogni si succedono: la costruzione, la distruzione, Fiducia, Roma, 1990, pp. 11-28.

7) São Tomás de Aquino, Summa Theologica, I-IIae, qa. 94, a. 2.

8) O Cruzado, p. 371.

9) P. Antonio Vieira, Sermões, v. 7, (1908), p. 58.

10) Pio XII, Discurso ao novo embaixador de Portugal, 23 de novembro de 1950, in DR, vol. XII, p. 329.

11) Em 20 de Outubro de 1646, o duque de Brangança que foi proclamado Rei com o nome de D. João IV, com toda a Nação reunida nás cortes, consagrou Portugal a Nossa Senhora da Conceição, depondo a sua Corôa aos pés da Virgem.

12) Pio XII, Radiomensagem a Portugal do dia 31 de outubro de 1942, in DR, vol. IV, p. 256.

13) Camões, Lusíadas, canto VII, oitavas 3 e 14.

 

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