Plinio Corrêa de Oliveira
Os ditadores de Moscou e Pequim hão de estar fazendo, naturalmente, o balanço do trabalho realizado em 1968. E com júbilo triunfal que bem se pode imaginar, estarão afirmando, de si para si, que desde os catastróficos acordos de Ialta não houve ano em que tivessem auferido maiores vantagens.
Com efeito, estas foram espetaculares. Tão espetaculares, que o comunismo internacional – receoso de desencadear uma reação de opinião pública nos países do mundo livre – se abstém, muito sintomaticamente, de as trombetear. E é precisamente com o intuito de, quanto está em nós, despertar essa reação sadia e salvadora, que convido o leitor a fazer aqui, comigo, o cômputo dos progressos que o comunismo alcançou no ano que está a findar.
No Extremo Oriente, o imenso poderio norte-americano vergou ante um adversário incontestavelmente menos forte. O Vietnã do Sul está sendo arrastado pelo governo Johnson à mesa das negociações de Paris, como uma ovelha para o matadouro. Tudo faz recear que, a fim de obter a cessação das hostilidades, Johnson acabe por exigir que Saigon aceite uma participação de comunistas no governo. E que, isto obtido, as tropas americanas voltem para seu país. O que, tudo, importará em deixar os gloriosos lutadores anticomunistas do Vietnã na boca do lobo.
Só eles?
Diante da flexão americana, que resistência poderão opôr, a novas investidas do imperialismo comunista, o Laos, a Tailândia e outras nações da mesma região? Não tenhamos dúvida: se a catástrofe vietnamita se consumar, os governos de todas as nações vizinhas começarão a se sentir pressionados, pelos PCs locais, para aceitar uma “colaboração”. E a fim de prolongar um pouco a agonia, esses governos irão acolhendo, bom grado, mau grado, comunistas em ministérios “apolíticos” como os da Educação, Trabalho etc. Com o que acabarão por ruir, como o Vietnã, mais algumas nações. A simples perspectiva desses fatos vale por um verdadeiro terremoto político-social a abalar desde já tudo quanto no Extremo Oriente ainda não é comunista. Os efeitos desse sismo vão caminhando pela Oceania afora, a ponto de afetar, e a fundo, a própria Austrália.
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Há um otimismo demo-“cristão” todo feito de sentimentalidade e falsa esperteza. Ao escrever estas linhas, estou a ver muito otimista do gênero PDC, a sorrir, com sua compaixão caracteristicamente azeda, do meu “pessimismo”. O Dr. Plinio não compreende – parece-me ouvir, do meu otimista – que Johnson está jogando no Oriente um jogo finíssimo. Entregando às feras o Vietnã do Sul, ele ceva o apetite expansionista do comunismo. E com isto, ele obtém a paz para o mundo por muito tempo.
Seria fácil retrucar com o exemplo de Chamberlain e Daladier: permitindo que Hitler se cevasse na infeliz Tchecoslováquia, o que conseguiram eles senão uns rápidos dias de paz?
Na realidade, as presentes concessões no Extremo Oriente não alcançarão produzir nem sequer uns minguados e fugidios dias de paz. É o que o caso da Coréia torna evidente.
Com efeito, nos mesmos dias em que vai agonizando tragicamente o Vietnã, a Coréia do Norte promove a infiltração de sucessivas levas de guerrilheiros na Coréia do Sul. Assim, uma conquista ainda não está consumada, e já os comunistas abrem outra frente de luta. E é só para resignar os americanos a novas concessões, que a Coréia do Norte fala, enfim, na libertação dos marujos do “Pueblo”.
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Ao mesmo tempo que estes fatos se desenrolam no Extremo Oriente, na Europa Central os últimos estertores da resistência tcheca vão cessando. Tito, que no primeiro momento da invasão soviética na terra de São Venceslau se mostrara combativo, vai, segundo as últimas notícias, tratando de fazer declarações “cautelosas” à vista das ameaças soviéticas que rondam agora em torno da Romênia. Em suma, tudo está sob o jugo russo na Europa detrás da cortina de ferro.
Seria supérfluo lembrar que a retração britânica deixou no Oceano Índico um vácuo que a Rússia poderá preencher a qualquer momento. É que o Mediterrâneo, esse antigo “Mare Nostrum” do mundo livre, está mais ameaçado hoje pelo poderio soviético do que outrora pelo de Mafoma. Assim, o quadro das venturas comunistas parece completo, no plano temporal.
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Parece indispensável completar esse quadro doloroso com o que se passa em um mar incomparavelmente mais importante e mais nobre do que o Índico, o Mediterrâneo, ou qualquer outro. É o oceano imenso, espiritual, sacratíssimo, da Santa Igreja Católica, Apostólica, Romana.
Neste terreno, o ano de 1968 foi o do estouro. Mil germes de confusão e de deterioração – que de nossa parte vínhamos combatendo desde os dias borrascosos de 1943, em que publicamos “Em defesa da Ação Católica” – chegaram a furo. A crise saiu dos bastidores para soprar nas sacristias e nos templos, e daí ganhar as praças públicas. Sem dó nem piedade, ela vai penetrando até nos menores recantos, e quem hoje repetisse as frases outrora tão verdadeiras e tão gloriosas sobre a opinião católica, como dique inquebrantável diante do comunismo, provocaria risotas ou compaixão. Esse o fato mais trágico do ano trágico de 1968.
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Artigo de um pessimista, este? Quem é o pessimista autêntico? É a sentinela que brada alertando sobre o perigo, na esperança de que a gravidade da hora galvanize energias ainda capazes de vencer? Ou é quem, de dentro da cidadela, responde ao brado de alarma: “Não há perigo… – aliás o inimigo não é assim tão detestável… – e, principalmente, nada há que fazer; deixe-me dormir até que ele entre, pois tudo está perdido…”