Santo do Dia, 1º. de março de 1986
A D V E R T Ê N C I A
O presente texto é adaptação de transcrição de gravação de conferência do Prof. Plinio Corrêa de Oliveira a sócios e cooperadores da TFP, mantendo portanto o estilo verbal, e não foi revisto pelo autor.
Se o Prof. Plinio Corrêa de Oliveira estivesse entre nós, certamente pediria que se colocasse explícita menção a sua filial disposição de retificar qualquer discrepância em relação ao Magistério tradicional da Igreja. É o que fazemos aqui constar, com suas próprias palavras, como homenagem a tão belo e constante estado de espírito:
“Católico apostólico romano, o autor deste texto se submete com filial ardor ao ensinamento tradicional da Santa Igreja. Se, no entanto, por lapso, algo nele ocorra que não esteja conforme àquele ensinamento, desde já e categoricamente o rejeita”.
As palavras “Revolução” e “Contra-Revolução”, são aqui empregadas no sentido que lhes dá o Prof. Plínio Corrêa de Oliveira em seu livro “Revolução e Contra-Revolução“, cuja primeira edição foi publicada no Nº 100 de “Catolicismo”, em abril de 1959.
Me chamou a atenção como, mesmo para os mais novos, e para os menos habituados a admirar as coisas do passado, o choque do contato com esse passado, propriamente causa maravilhamento.
Há pouco foi mostrado, por exemplo, um retábulo de uma Igreja, não sei de que igreja é, mas era um paredão – para me exprimir em termos de geração- novíssima – um alto muito cheio de pequenas esculturas de madeira que representavam, provavelmente, cenas das vida de Nosso Senhor e cenas da vida dos santos. Pequenas esculturas que – ao menos eu – via, mas não via com todos os detalhes. Os senhores talvez vissem com mais detalhes, mas todas não era possível ver, porque a representação era muito pequena. No entanto os senhores olharam para aquilo e exclamaram: fenomenal!
Apareceu depois a flecha da Sainte Chapelle, entre outros monumentos, os senhores exclamaram de novo: fenomenal!
O que faz com que os senhores, sem terem tido um guia, sem terem tido uma pessoa que desse uma explicação, olhando, os senhores bradaram fenomenal!
O que faz com que os senhores olhando para aquela espécie de tubo retorcido, de monstro do largo da Sé, os senhores se mantiveram num silencio de reprovação, de quem não gostou, que achou aquilo horroroso?
O que faz com que os senhores colocados diante de outros quadros de horror contemporâneo, os senhores também tenham mantido silêncio ou tido exclamação de desagrado? Como é que se explica isso?
Se os senhores tivessem tido um professor especialista em arte, que tivesse descrito “tem isso, tem aquilo, etc.”, e os senhores então tivessem entendido a coisa, era natural que, tendo entendido, dissessem isso. Mas, vendo assim, os senhores tiveram a mesma reação que um rapaz, vamos dizer, um rapaz mais jovem do que vós. Quando se é mais jovem do que vós não se é rapaz, é-se menino… (risos) Um menino mais jovem do que vós, colocado diante de um bolo gostoso e se dá para ele um pedaço do bolo, não precisa explicar para ele o que o bolo tem de gostoso. Ele come o bolo e fiz: fenomenal! Dá uma bebida muito boa, ele toma um gole da bebida e diz: fenomenal! Por que é fenomenal?
Quer dizer, qual é a explicação do fato pelo qual, vistas essas coisas, a natureza humana – ou saboreadas essas coisas – a natureza humana se encanta?
É, evidentemente, porque há uma relação entre a natureza humana e essas coisas. Uma relação de harmonia. O homem, pondo um pedaço do bolo na língua, ele sente um sabor agradável. No contato com aquele esfarelamento do bolo – estou imaginando um bolo de farinha – esfarelamento do bolo sobre a língua, aquele sabor se acentua, aquele farelo é agradável, o estômago pede ardentemente um pedaço, come, vem a impressão de saciedade. Tudo isso é de acordo com a natureza humana. E a natureza humana é de acordo com suas regras, saciedade ela declara: fenomenal!
Um jovem educado, vamos dizer, na mais extrema pobreza, de repente é convidado para ir dormir no palácio de um rei, e lhe apresentam uma cama com um desses colchões que descem com vários andares assim; a roupa de cama é de seda, o travesseiro é de plumas, o colchão é de plumas, ele se move naquilo, é um leito de delícias. Ele, antes de dormir, com sono já, ainda murmura: fenomenal! E a última confidência que ele faz ao seu próprio travesseiro antes de dormir é: fenomenal!
Por quê? Porque está de acordo com a natureza humana, está de acordo com a natureza humana cansada. O homem está cansado e aquilo produz uma completa distensão que o cansaço pede. E, uma vez que ele se distende inteiramente, ele encontra aí o seu bem estar, a sua ordem, a ordem que lhe é própria. E, porque ele encontra essa ordem, ele diz: fenomenal!
Por quê? Porque a ordem dá o bem estar, o bem estar dá o que é agradável. É como o bolo: aquilo está ordenado à nutrição, farinha faz bem, o chocolate – não sei porque estou imaginando um bolo de chocolate, vejo que não seria do desagrado dos senhores… (Risos) Meu gosto seria oferecer aos senhores. um monumental bolo de chocolate depois da reunião…
Mas, enfim, o chocolate, a farinha, o açúcar etc., são convenientes ao estômago. O estômago como que pressente isso, mas o sabor da língua tem uma certa afinidade com as conveniências do estômago, de maneira que a língua habitualmente acha gostoso o que convém para a saúde. Então o homem come as coisas saudáveis achando-as deliciosas. Nesse vale de lágrimas não é assim, no paraíso, era. Nesse vale de lágrimas às vezes é assim, às vezes não é. Mas, no Paraíso era.
E assim, a pessoa encontrando o que convém para sua natureza, sente a ordem. E o sentir a ordem dá uma felicidade. Essa felicidade é o bem imediato que a pessoa procura.
Essa felicidade que a pessoa procura é também um bem mais alto, porque todas as coisas que são conformes à ordem da natureza são conformes à virtude. E as coisas que são conformes à virtude, são símbolos de Deus. De maneira que, ao deliciar-nos com as coisas terrenas, nós temos elementos para prevermos, para antegozarmos aquilo que esses deleites simbolizam: Deus Nosso Senhor.
Deus no Céu Empíreo, quer dizer, Deus fazendo-se conhecer a nós com nosso corpo no Céu Empíreo e, ao mesmo tempo, porque nossa alma não se separa de nosso corpo no Céu, estão unidos, nossa alma no Céu Celeste, quer dizer, vendo a Deus eternamente. E tudo se compõe, e tido é delicioso, é supremamente conforme nossa ordem, nós somos criados para Deus, nós O contemplamos.
E as coisas do Céu Empíreo falam aos nossos sentidos provocando impressões deiformes, que nos ajudam a subir com a alma até Deus. E, por esta forma toda, nós estamos em ordem. Esta ordem é conforme à razão, é conforme à fé e ela nos enche de felicidade.
Não sei se então essas ideias de fé, razão, de ordem estão conexas com a ideia de felicidade. O homem quando tem essas coisas, ele encontra a verdadeira felicidade.
Eu compreendo que se possa fazer contra isso objeções: o cumprimento do dever é, às vezes, árduo. Por exemplo, me é desagradável mandar desligar o ar que continua soprando. Mas, é dever, porque eu devo cuidar de minha saúde. Então faço uma coisa desagradável. Eu quereria dar os senhores uma atmosfera fresca, dou-lhes uma atmosfera abafada. Os senhores quereriam poder dizer: é isto mesmo! Mas por educação dizem: fenomenal! São as limitações que a vida impõe por causa desse vale de lágrimas.
Mas, normalmente, normalmente, aquilo que está de acordo com a fé, de acordo com a razão, de acordo com a natureza é ordem, o convívio disso e ordem e a ordem produz um bem estar.
Agora, se subimos daí para uma consideração mais alta, então perguntamos: no contato das pessoas com seus semelhantes – não são mais as coisas materiais, não é o bolo para comer, não é a roupa de cama de seda, não é o colchão, não é mais nada, mas é o amigo, é o primo, é o irmão, é o colega – no contato com eles existe também uma tal ordenação? Existe também uma tal possibilidade de felicidade, de bem estar? Como é essa relação? Isso existe só nas coisas da matéria, ou na relação entre seres espirituais, intelectuais como é o homem também existe a possibilidade de uma ordenação assim? no que consiste essa ordenação? Para depois estudarmos, numa exposição muito resumida, como é a desordem. E aí entrarmos pelo orgulho e pela sensualidade.
Estamos, portanto, fazendo uma preparação um pouco longa para podermos correr mais no próprio âmago da matéria. Então vamos entrar na questão.
Há companhias que nos são agradáveis. Os senhores podem ter, portanto, colegas, companheiros de turma, sobretudo amigos dentro da TFP cuja presença lhes é agradável. Aqueles dos senhores que já andaram fazendo campanha pela cidade ou pelo interior, já devem ter sentido o efeito de, quando acaba a campanha, e voltam para o Eremo e voltam para o convívio da TFP, se não são eremitas ou camaldulenses, é uma coisa tão diferente, o convívio aqui dentro é tão mais agradável, tão mais deleitável, é um alívio!
Como no espírito humano há uma contínua evaporação de tolices, quando a pessoa fica muito tempo dentro do Eremo ou da Camáldula, acontece que começa a subir no espírito a ideia de que o mundo aí fora é agradável. Vá passear um pouquinho lá dentro para ver… A coisa é outra. Porque isso combate a evaporação das tolices, combate a evaporação as asneiras, a gente vê como a coisa é, e a gente diz: eu estava louco. Ah! aqui, oh! oh! a galeria do São Bento! Oh! a Imagem de Nossa Senhora das Graças na entrada do Praesto Sum! Oh! oh! quanta coisa fenomenal!…
Donde é que resulta o agrado desse convívio? Resulta no fundo dos mesmos princípios. Há uma ordenação entre os senhores, proveniente dos princípios da Fé, da identidade da mesma Fé etc., que cria numa superior região da alma uma harmonia profunda que lhes dá o bem estar, dá alegria.
Há, além disso, o fato de procedem conforme a razão. Por exemplo, eu percebo, nenhum enjolras me falou disso, mas eu percebo perfeitamente que há na reunião assim uma espécie de empurra-empurra para ficar mais na frente. E percebo que, se não fosse a razão indicar a necessidade da obediência e que, portanto, diz “fica aqui”, fica. “Vai para lá”, vai, acabava saindo em briga, muito frequentemente. Não, não vou para trás, você vai, é meu direito, não, não é, bumba, lá vai.
Mas a razão indica que a gente deve obedecer aos superiores, e que os superiores normalmente mandam agir de acordo com a razão. E como a gente sabe que deve obedecer a razão, a gente recebe uma ordem, e a gente executa.
Resultado: isso que poderia dar em briga, ressentimentos – “olha, da próxima vez você vai ver…” etc., etc. –, dá nesse convívio cordial que eu estou vendo aqui diante dos olhos. É agradável.
Por quê? Porque é de acordo com a razão, mas o agir de acordo com a razão é de acordo com a natureza. E obter esta concórdia, obter esse relacionamento fraterno vale muito mais do que o empurra-empurra e o lugarzinho na frente. Então, por esse efeito, se obtém aqui o bem estar que eu noto com todos aqui reunidos.
É de acordo com a fé, é de acordo com a razão, por isso mesmo é de acordo com a natureza.
A nossa natureza pede um convívio interessante, um convívio variado, mas um convívio no qual possa haver o elemento fundamental de todo convívio bom. Os senhores sabem qual é? É a confiança.
A gente estar ao lado de um em quem não confia é, no fundo, um inferno. Porque à toda hora a gente tem que estar prestando atenção se aquele tipo não vai fazer alguma coisa. Mas se todos sabem que são filhos do mesmo Pai que é Deus, filhos de Nossa Senhora que é a Mãe de todos nós. Por outro lado, sabem que obedecem a mesma lei de Deus, e que, por causa disso, podem confiar um outro, não fazer mal um ao outro, o resultado é que vem daí uma distensão, um agrado de convívio que fora não se encontra.
Pede a confiança! Não há uma coisa mais agradável, do que um ambiente no qual se pode confiar. E o resultado é que, por causa disso, nós encontramos deleite, encontramos a felicidade.
Assim nós poderíamos multiplicar os exemplos ao infinito, porque quase por toda parte, ou por toda parte nós encontramos fatos concretos que confirmam isso.
Entretanto, também é verdade que nós encontramos no convívio humano, ao lado desse deleite, nós encontramos no convívio humano, ocasiões de desprazer.
Os senhores dirão que essas ocasiões de desprazer são causados pelo defeito dos outros. Seria muito bom de fosse isso. Mas, de fato, infelizmente, muitas vezes, a ocasião de desprazer é resultante do contrário disso. Ela é resultante do fato dos outros terem qualidades.
Quer dizer, alguns colegas… Infelizmente isso pode dar-se dentro da própria TFP, se a pessoa não reage. Com a ajuda da graça pode evitar, mas se não reage pode dar isso, ou melhor se não reage está isto:
Dois colegas, um tem, por exemplo, uma facilidade de expressão enorme. E a gente vai ver ele contar um caso, ele conta o caso rapidamente, em duas palavras, e tira o suco do caso e conta. Por outro lado, a gente vai contar o caso, a gente não encontra palavras, as palavras não dizem bem o que a gente queria dizer, a gente não encontra bem a palavra que exprime o pensamento que tinha no espírito. Quando, afinal, chega a contar, desencalhar o negócio e começar contar, a gente não tem bem claro que é que o fato que a gente vai contar é interessante. O resultado é que o interessante fica esmagado no meio de pormenores e de exclamações que não tem interesse nenhum.
Resultado: chegam dois que viram juntos um fato, não sei, estavam indo para o São Bento ou para o Praesto Sum, passaram pelo Campo de Marte e viram um avião cair. Os dois chegam e os dois contam, numa mesma roda, que viram o avião cair. Todos já se voltam para um e o outro fica meio de lado, ainda que ele queira contar também… (Risos)
Os senhores devem ter passado por coisas dessas. É um horror, mas é assim, é a vida, é a vida!
Bem, o que sabe contar já é mais expansivo e vai falando, de longe ele conta: “Não sabem o que aconteceu.” Mas já diz o “não sabe o que aconteceu” de tal maneira que, quem ouve intui o que aconteceu, e fica com vontade de saber. E começa contar, forma um bolo em torno dele.
A gente que não sabe contar assim, pega um que está meio de lado … “para esse eu vou contar!” (Risos) Agarra aquela pobre vítima e diz: “Você não sabe o que aconteceu”… A gente até usa as mesmas palavras que o outro para ver se dá o… É terrível! Eu sei, inclusive, que eu deverei estar fazendo sofrer algum. Mas é a vida, é a vida…
A gente começa contar, percebe que o outro já terminou e que estavam na roda dele querem ver se pegam migalha de um pormenor qualquer conosco, porque ainda estamos na introdução. A gente fica contente: “Agora vou contar uma coisa que ele não contou, e ganho, dou um quinau nele, ganho um ponto sobre ele”…
Mas a gente vai ver, os outros passam, ouvem um pouco e vão embora… Saem comentando o que já tinham ouvido.
Quando afinal nosso caso termina, nós mesmos não achamos graça do que nós contamos.
Resultado: nós notamos no outro uma qualidade, e essa qualidade no outro, em vez de nos dar prazer, nos deu desprazer.
Eu não vou perguntar se está claro, porque isso é uma coisa tão clara, tão miseravelmente clara, tão dolorosamente clara que eu nem tenho o que dizer.
Uma outra situação.
A gente vai, não sei, falar… mandam-nos receber um visitante. Vem outro que sabe muito bem receber visitantes. Ele já recebe o visitante de um modo amável: ”Ah! como vai o senhor? Está bem? Quanto gosto em ver o senhor vir visitar aqui o Praesto Sum, tenha bondade! aqui o jardim é muito agradável. O senhor prefere ir de automóvel mesmo ou prefere ir a pé?”
Se ele diz que prefere ir de automóvel, diz: “Olha, vou supor que o senhor está dispondo de um pouco de tempo e vou mandar o automóvel andar bem devagar para o senhor ver tal ou tal aspecto como é bonito etc., etc.” , e tornando-se agradável à pessoa que vai sorrindo, vai entretida etc.
A gente está ao lado, e faz parte da comissão que está recebendo (e pensa) “Eu não sei fazer isso. Eu não sei dizer isso. E se plantarem um homem sentado ao meu lado, que eu devo explicar essas coisas do jardim, eu não sei dizer essas coisas que o outro imaginou assim, foi improvisando etc.”
Resultado: “Eu faço papel de fardo e o outro faz papel de asas. O visitante, com ele, voa. Comigo se arrasta.”
Existe isso. Resultado: pode acontecer que, em vez da gente dizer: “Eu vos glorifico, ó Deus, porque para meu irmão tal Vós destes essa capacidade de receber bem, de maneira que os que visitam a Vossa casa encontram no dom natural que Vós lhe destes o meio de glorificarem a Vossa obra…” Como essa oração é grata à Nossa Senhora! como ela é grata a Deus!
Pelo contrário (a pessoa pensa) “hummmm! Esse sujeito é mega! O que ele está pensando?! Ele pensa que com esses sorrisinhos dele ele capta os outros? Eu – agora segundo passo – eu não tenho esse hábito, mas se eu quisesse adquiria, porque não tive ocasião, porque não me ensinaram. Se me ensinassem, eu saberia fazer muito melhor do que ele…”
Cinco dias depois a gente olha para esse que não soube receber bem, ele está assim [desenxabido]… Por quê? Porque ele está estudando um modo de ser mais amável para a próxima visita. Mas como não está no temperamento dele ser amável, porque há gente que não tem temperamento amável, é pesadona, não tem remédio! Cortês todos podem ser. Amáveis, depende do temperamento. É um dom que Nossa Senhora deu para um e não deu para outro. Está acabado. A gente saberá ser correto, o outro é encantador, nós não somos, está acabado. Então tenho que engolir com farinha…
Não. O mega começa imaginar um jeito de ser mais encantador do que aquele e inventa um processo, mega: o próximo visitante que ele tem que acompanhar, o visitante, não compreende as cortesias dele; são tão embrulhadas, tão atrapalhadas, tão sem-graça que o próprio visitante fica com pressa. “Olha, estou com pressa, corra um pouco depressa com esse jardim que eu já conheço muito jardim, vamos chegar logo na casa central e lá nós vamos conversar”. Quer dizer, fracassou. O fracasso dá baixa, e o queixo vem aqui para baixo… (risos)
Então, em vez de nós dizermos o seguinte: “Oh! Deus que criaste entre os homens uma admirável pluralidade de dons!” Aliás, para dizer bem dito: “Oh! Deus que criaste entre os homens uma admirável diversidade de dons…”, não. É pluralidade de dons, tantos dons, tantos dons. “E fizestes esses dons tão diversos entre si para que Sua obra no conjunto vos desse graças, vos desse glória, eu vos agradeço pelo papel que destes ao meu irmão tal, que é tão mais dotado do que eu no terreno da amabilidade. Haverá, meu Deus, alguma coisa em que eu seja mais dotado que ele? Provavelmente não, porque eu me conheço e sei que até lá eu não vou. Mas, meu Deus, eu sei que os menores têm um papel na hierarquia que Vós estabelecestes, e que ainda que meu papel seja pequeno, ele é único e inconfundível, Vós me criastes a mim para aquele papel. Meu Deus, como eu amo executar o papel que Vós me mandastes executar! Que é talvez apenas o modesto papel de ajudar meu irmão encantador a ser mais encantador ainda, acendendo para ele as luzes do salão onde ele penetra com o visitante, vendo se está tudo em ordem para que o ambiente esteja agradável e ele não tenha que tomar esse trabalho e possa brilhar melhor. Pela minha solicitude ele brilhou melhor e aquele alma saiu amando mais a Deus”:
“No dia do Juízo eu vou ver que aquele meu irmão vai receber um prêmio por essa visita bem sucedida. Mas meu Anjo da Guarda e o dele se voltarão para mim e vão dizer: ‘nesse sucesso, ó filho, uma parte é tua, é uma parte menor que a dele, mas tu fizeste a tua parte com mais mérito do que ele porque aconteceu no fato concreto que ele fez isto com naturalidade. Tu fizeste com humildade, e a humildade te deu um prêmio maior perante Deus. Suba mais alto do que ele”.
Pode acontecer, pode acontecer, e é lindo que aconteça…
Bem, o que é que se chama INVEJA?
É o sentimento que um homem tem, errado, de que a desigualdade é legítima, que os outros não tem o direito de ser mais do que nós, e que quando eles são mais, nos lesam. Então temos ódio. Isso é inveja. E a inveja é sempre um pecado venial a facilmente se torna um pecado mortal. Esta é a inveja.
A inveja tem no menor esse desejo de desbancar o maior. Tem no maior um outro desejo que é uma forma singular, é o seguinte: o que é maior deve ser generoso, ele deve participar, deve fazer participar os menores do que ele tem. Não. recolhe-se, encolhe-se e diz: “para você não tenho que dar explicações, não tenho que ensinar nada, entre nós há um abismo, você fica lá e eu fico aqui”. É uma espécie de inveja de cabeça para baixo e é uma coisa igualmente infame.
Eu vou lhes fazer uma pergunta tonta: esse sentimento é frequente? Ouvi alguém exclamar aqui: “meu Deus!” Esse exclamou a verdadeira coisa que tinha que exclamar. É tão frequente que a gente não sabe o que dizer.
Ele é frequente em nós?
Acontece que, em virtude do pecado original, todos nós temos tendência à inveja. Não tem por onde escapar! Todos nós temos tendência à inveja. E se um homem, um indivíduo não toma muita conta de si, se ele não preta atenção em si, a inveja sobe dos porões mefíticos de sua alma e vai até em cima, tem o consentimento.
Enquanto a inveja é apenas um impulso, ela é um perigo e é um semi-consentimento. Mas se esse impulso é rechaçado… sentimento vil, sentimento indigno, sentimento de satanás quando se revoltou contra Deus… Eu te detesto e calco aos pés; eu estou com inveja daquele, vou elogiá-lo diante dos outros! Mais ainda, vou elogiá-lo para ele: ”como admirei de ver como você recebeu bem aquele visita! Que gentileza magnífica a sua!” E acrescenta: “Infelizmente eu não tenho essa gentileza, mas vejo que você tem. Olha, eu felicito”. Calcou aos pés a inveja!
E não basta à inveja a gente pensar que a calcou internamente. Ou a gente faz bem para o indivíduo para o qual a gente está tentado de ter inveja, ou a gente o elogia, o engrandece, ou a gente de fato não combateu a inveja como deveria combater.
Não é fácil! Os senhores sabem que não é fácil. Muitos dos senhores são tão jovens, mas já sabem “ad nauseam”, estão nauseados de saber que é difícil. Mas é bonito. Que glória! Que glória!
O indivíduo que assim combate a inveja, não dá um revolucionário. Porque ele, colocado diante de pessoas que tem uma situação maior do que a dele, eles são levados a louvar e a servir.
Pelo contrário, o indivíduo que não combate a inveja, colocado diante de homens que tem situações superiores, ficam com ódio. Não devia ser. E a canção do Inferno lhes parece encantadora aos ouvidos: “Todos deveriam ser iguais:” “Essas diferenças não deveriam existir, não deveria haver nem ricos, nem riquíssimos, nem fortunas médias, nem fortunas… já não é fortuna, nem situações econômicas abastadas, nem sequer gente que apenas tem para viver, não deveria haver isso, deveriam ser todos com a mesma fortuna”. É o cântico de sereia do comunismo.
Eu vejo uma pessoa que tem direito, por essas ou aquelas razões, a uma atenção especial. Na geração dos senhores, os valores históricos estão tão apagados que não sei até que ponto esse exemplo lhes falará. Mas muitos dos senhores estiveram hoje na Reunião de Recortes, e ouviram ler o nome de um duque espanhol, abatido pelo terrorismo, duas vezes [com o título de] grande de Espanha, adelantado mayor das Índias… (Vira a fita)
…tanta coisa assim, 19º neto em linha reta de varonia de Cristóvão Colombo, o descobridor da América.
O que esse homem fez para ser 19º neto do descobridor da América? Ele nasceu, não fez outra coisa. Qual é o mérito dele? O mesmo mérito meu em não ser descendente de Colombo é o dele ser. Nós dois nascemos. E porque ele nasceu da estirpe de Colombo, ele é o 19º, o duque de Veráguas, duque não sei o que, marques não sei o que. Como eu não descendi dessas, descendi de portugueses que vieram para cá, de uma condição mais modesta, se estabeleceram em Pernambuco e em São Paulo etc., etc., eu não sou nada disso.
Mas, devo ter a alma aberta de admiração por aquele que é. Devo alegrar-me de ver que há gente como ele. E deve contentar-me dizer: “Olha que bonito! A tal ponto que vou tomar essa titulatura e vou fazê-la admirar por todos na Reunião de Recortes”. Esse é o Contra-Revolução!
Eu creio ter contado aos senhores, pelo que entendi, é o pai desse que foi morto pelos terroristas. Será o pai? talvez não tenha ouvido bem: foi preso e foi condenado à morte pelos comunistas, na guerra civil espanhola de 1935.
Todos os governos dos países da América – considerem que a América, tirando o Canadá, só tem repúblicas, portanto, não há títulos de nobreza oficialmente reconhecidos na América, só os há no Canadá. Todos os países da América mandaram uma mensagem às autoridades comunistas pedindo que ele não fosse morto, para que sobre a Terra não se extinguisse a decadência daquele que descobriu nosso continente.
É uma linda coisa, é uma gratidão que tal seria que não tivesse, para com o descobridor de nosso continente. Esse homem que mérito tinha para merecer isso? Descendia do outro. Transbordante de méritos. Ele descobriu a América, uma coisa enorme! Ao menos quantitativamente muito grande.
Bem, resultado: ele foi homenageado. É claro que se um de nós for ameaçado de morte, não tem razão para as 21 repúblicas da América escreverem pedindo para não matar…
Nós devemos achar bonito o que aconteceu com ele e não ter inveja! Pelo contrário, contar, comentar: Olhe que bonito! isso assim se faz!
Apareceu um castelo aqui. Creio – mas não tenho certeza que era um aspecto do castelo do Lorde, pertencente a uma tia de Dom Luís e Dom Bertrand, na França, em todo caso é um castelo que se vê que é francês por uma qualquer harmonia que os telhados do castelo destilam e que se espalham pelo céu; que até as pontas das torres destilam perfume…
Bem, eu estava pensando naquele castelo, na beleza daquele castelo. E me veio assim ao pensamento – em todos nós os pensamentos vem assim, a questão é de a gente saber tourear no começo, prestar atenção no começo – me veio assim à ideia, rapidamente assim: se o Aleijadinho visse isso, o que é que ele diria? (…)
Bem, categoricamente, radicalmente é isso.
Eu creio que não há, se os há, há muito poucos, há um, talvez dois, três descendentes de franceses aqui. Os outros descendem de todos os povos da Terra, inclusive de Portugal. Vendo esse elogio da França, dá um… “como é esse negócio? esse perfume que sai do teto?… Eu nunca ouvi dizer que teto nenhum evolasse perfume, isso é fantasia do Doutor, é entusiasmo incondicional, um pouco maníaco, pela França. Em todo caso eu desconfio que ele não sabe apreciar bem tal coisa do país do qual eu descendo…” E sempre há um lado por onde se pode achar isso. O que é? Inveja. A gente não deve ser assim.
Então, a Revolução Protestante: fiéis que não querem mais obedecer aos padres, padres que não querem obedecer mais aos bispos, bispos que não querem mais obedecer ao papa. Por quê? Porque não gostam dos superiores… Gente que extingue todas as ordens religiosas porque detestam o voto de obediência, o voto de pobreza, o voto de castidade, que faz com que tais vivam a vida inteira na dependência de uns tais outros. Revolta! Revolução de onde? Inveja. Por que aquele manda e eu tenho que obedecer? Não posso suportar! A Revolução Protestante foi filha da inveja.
“Ça ira!…” canção maldita da Revolução Francesa. “Ah! Isso irá, isso irá! Irá! Os aristocratas na lanterna, a gente os suspenderá!” Quer dizer, enforcará. E todos os horrores da Revolução Francesa por quê? “Porque não deve mais haver reis, não deve haver nobres, isso é contra a justiça. Todos os homens devem ser iguais”… Inveja!
É a mesma inveja que passou do campo religioso para o campo político.
1917 desaba um enorme edifício: o Império Russo.
E é transformado na União das Repúblicas Socialistas Soviéticas. O que é esse negócio? É acabar com a diferença das fortunas. Eles proclamam completa igualdade política, mas também igualdade econômica completa, “não há razão para um ser mais nobre e outro ser mais plebeu. Não há razão para uns serem mais ricos e outros serem mais pobres, tudo é igual, e o que não for igualdade é injustiça; eu odeio, eu não suporto as desigualdades.”
Começa a propaganda comunista no mundo. O que é? Só pode ser uma coisa: a vitória da inveja.
Há tanta coisa para dizer sobre a inveja que uma reunião mal basta para dar os traços gerais. A sensualidade fica de lado, para outro dia, outra ocasião.
Eu vou apenas indicar qual é o fim último da inveja.
Quando o indivíduo detesta toda superioridade, fica revoltado contra toda superioridade, há um extremo no qual ele fica revoltado com o fato de ele ser superior em relação aos outros.
E aí os senhores encontram sacerdotes que gostam de agir como se fossem leigos, não gostam de ser reverenciados como sacerdotes, mas gostam de ser tratados como se trata qualquer leigo.
Encontram pais de família que gostam de ser tratados pelos filhos com a camaradagem com que um irmão trata outro e do não com a veneração com que o filho deve tratar seu pai.
Os senhores encontram pessoas de muita educação, de muita fortuna que gostam de ser tratados como um qualquer e se metem com a ralé, vão bebericar nos botequins e misturaram-se com os homens mais vulgares, os senhores encontram isso.
Por quê? Porque eles ficam com um ódio não só de todo indivíduo que é superior a eles, mas de toda coisa que tem uma forma qualquer, um grau qualquer de maior beleza do que outra.
Os Senhores sabem no que é que dá?
Dá que o homem, por igualitarismo, pela pressão da inveja, para que não haja possibilidade de alguém ter inveja de outrem, eles querem que tudo se nivele no nível mais baixo. Nível mais baixo não é apenas do simples plebeu, nem é simplesmente do digno operário. O nível mais baixo é o monstro, e eles querem que as coisas todas fiquem monstruosas para não ficarem melhores do que aquilo que não é monstruoso.
E daí a adoção da feiura como padrão das coisas; aí a adoção de obras monstruosas, como aquela coisa torcida ali na saída da Catedral. Catedral alta, com suas torres, com seus sinos. E ali perto da catedral aquela espécie de tubo monstruoso que nem como tubo serve, porque é todo torto e não serve adequadamente para transmitir nada. O papel do tubo é isso.
Aquilo por que é?
Porque ficaram com ódio daquilo que é direito, as coisas devem ser tortas, devem ser estropiadas, devem ser feias, devem ser erradas etc.
E os Senhores viram a manifestação disso naquela seita japonesa, de que eu dei notícia hoje à tarde na Reunião de Recortes, e que é de gente que se maquia de modo horroroso e se arrastam no chão até ficarem em carne viva, que cheira mal, que tudo o mais, querem! Eles querem meter-se no fundo do poço de todos os horrores para dizerem: ali não há desigualdade!
Em última análise, esta gente se encontrar aberta a boca do Inferno, entra por lá. E merece!
Com isso, meus caros, uma parte da reunião eu encerrei. A outra parte fica para um outro dia que Nossa Senhora nos dê.
(Aparte: Dona Lucília reconhecia muito o valor dos outros).
Era uma segunda natureza!
(Aparte: De outro lado tinha noção dos valores que Deus tinha dado a ela e respeitava isso).
Tinha, e queria que fossem respeitados!
(Aparte: Fatinho contando isso.)
Bom, no tempo dela e na geração dela, na São Paulo antiga, a sociedade era muito mais desigual do que hoje. E, mesmo na categoria das pessoas que eram de um mesmo ambiente, de um mesmo nível, e que se frequentavam, e que tinham intimidade etc., etc., havia desigualdades.
Assim, por exemplo, entre as relações dela, da mãe dela e tal, ainda havia senhoras que tinham títulos da nobreza do tempo do Império e que usavam apesar da República. A República proibia, mas fechava os olhos, e elas usavam. Composição bem brasileira: é proibido; mas vá usando que… Nós aqui entre nós nos entendemos na boa camaradagem…
De outro lado também havia certas pessoas… naquele tempo os papas ainda davam títulos de nobreza para pessoas que favoreciam uma grande obra de caridade, uma doação grande para uma universidade católica, qualquer coisa, obra de caridade católica, eram beneméritos da Igreja. Então a Igreja dava títulos de nobreza. Uma pessoa que passava uma vida inteira de apostolado etc., insigne, a Igreja dava título de Conde, por exemplo. E, naturalmente, as pessoas que tinham esses títulos, usavam.
Ela costumava, exceto o caso de um parentesco, ou uma relação muito íntima, aí ela chamava a pessoa pelo nome, mas senão ela usava o título da pessoa, dirigindo-se para a pessoa. Ela tinha, por exemplo, uma amiga com quem se dava bastante e que era viscondessa, mas não era uma amizade íntima. Davam-se há muitos anos com uma certa cerimônia. Ela a vida inteira, até morrer, tratou essa senhora de Viscondessa.
Uma velha baronesa do tempo do Império, ela tratava de baronesa, e assim por diante.
E várias vezes eu a vi receber o seguinte conselho: “Não faça assim, isso hoje está acabando. Nós conhecemos tanto a eles; trate a eles pelo nome: Dona Leonora, Dona não sei o que, Dona não sei o que, simplesmente Leonora, fulana ou sicrana, porque isso se está mais usando.“
Ela foi inflexível! Enquanto ela viveu…
Agora, de outro lado, eu nunca vi, mas absolutamente nunca vi que ela permitisse alguma coisa da parte dos filhos – da minha parte nunca haveria uma iniciativa neste sentido, que eu não sou moderno, mas da parte de quem quer que seja dos mais íntimos dela, que fizesse brincadeira com ela. Brincadeira assim igualitária, troçando dela, brincando etc. nunca! Embora no meio dela isso fosse muito frequente, com ela, não! Na maior suavidade, na maior amabilidade de trato, com ela não, não se fazia isso. Ela tomava um ar de dignidade tal que a pessoa compreendia que era para não fazer com ela. E só conhecendo-a que a gente tem ideia do que era isso.
O Sr. conheceu pessoalmente; não ocorria de fazer, não é? Excluído, não passava pela cabeça…
Bom, aí são os casos.
Eu ia falar uma coisa… ah! É uma coisa que se prende à mudança de horário. As minhas horas estão galopando, de maneira que eu estou almoçando às 3 e meia, horas malucas, 4, 4 e meia, e vou deitar às 4 da manhã. Não é natural. Isso se prende ao excesso de ocupações. Se eu fizer mais aquilo, se eu fizer mais aquilo, se eu fizer mais aquilo outro antes de almoçar, antes de jantar, antes de dormir, deixo mais tal coisa feita, e é tão bom fazer tal coisa que eu vou fazer. Atraso. Mas, no total, estou chegando num atraso muito grande.
Então eu quero ver se eu aproveito a mudança de horário para conservar as coisas do horário atual. E, portanto, o argumento que o Senhor ia dar [relativo à mudança de horário em diversos Estados do Brasil, atrasando uma hora o relógio, n.d.c.]… ah! Ah! Ah!
Meus caros, está terminada nossa noite.