Como uma elite se forma e se torna tradicional até em países sem passado monárquico ou aristocrático

Auditório Nossa Senhora Auxiliadora, quarta-feira, 18 de novembro de 1992

 

A D V E R T Ê N C I A

O presente texto é adaptação de transcrição de gravação de conferência do Prof. Plinio Corrêa de Oliveira a sócios e cooperadores da TFP, mantendo portanto o estilo verbal, e não foi revisto pelo autor.

Se o Prof. Plinio Corrêa de Oliveira estivesse entre nós, certamente pediria que se colocasse explícita menção a sua filial disposição de retificar qualquer discrepância em relação ao Magistério da Igreja. É o que fazemos aqui constar, com suas próprias palavras, como homenagem a tão belo e constante estado de espírito:

“Católico apostólico romano, o autor deste texto  se submete com filial ardor ao ensinamento tradicional da Santa Igreja. Se, no entanto,  por lapso, algo nele ocorra que não esteja conforme àquele ensinamento, desde já e categoricamente o rejeita”.

As palavras “Revolução” e “Contra-Revolução”, são aqui empregadas no sentido que lhes dá o Prof. Plínio Corrêa de Oliveira em seu livro “Revolução e Contra-Revolução“, cuja primeira edição foi publicada no Nº 100 de “Catolicismo”, em abril de 1959.

 

 

Continuação da leitura de “Nobreza e elites tradicionais análogas nas alocuções de Pio XII ao Patriciado e à Nobreza romana”, a pedido do auditório da TFP, a fim de que Dr. Plinio o comentasse.
Capítulo V: Elites, ordem natural, família e tradição – Instituições aristocráticas nas democracias – O ensinamento de Pio XII
No capítulo anterior considerou-se o ensinamento de Pio XII a respeito da missão da nobreza nos dias atuais. Cabe agora analisar a doutrina do Pontífice sobre o papel que toca às elites tradicionais – e entre elas, principalmente, à nobreza – no sentido de preservar a tradição e, deste modo, ser fator de progresso; e sobre a perenidade dessas mesmas elites, inclusive a sua perfeita compatibilidade com uma democracia verdadeira.
  1. Formação de elites até em países sem passado monárquico ou aristocrático
 
Eu chamo a atenção dos Srs. nesse capítulo porque interessa especialmente ao continente americano.
No continente americano houve três países com algum passado monárquico. Dois tiveram [no] passado, hoje ainda um tem [no] presente.
O passado monárquico foi do Brasil, os Srs. todos sabem, mais o do México, que teve muito temporariamente como imperador Maximiliano de Habsburg, que foi executado pelos revolucionários em Querétaro. Quer dizer, não teve tempo de fixar instituições monárquicas no México.
Depois há no Canadá, onde a rainha da Inglaterra é rainha do Canadá. Onde também as instituições monárquicas se firmaram pouco, porque não se estabeleceu uma Câmara dos Lordes, nem todo o cerimonial, toda pompa e toda etiqueta da corte inglesa, mas, enfim, um certo perfume da monarquia por lá ficou.
Então, se pode dizer de modo geral que o passado monárquico nosso foi o passado colonial. Tanto da América do Norte, quanto da América Central e da América do Sul.
Isto vai ser objeto, como os Srs. verão depois, de um estudo em cada grupo de países sul-americanos. Quer dizer, há no livro na edição de língua portuguesa uma nota sobre as elites tradicionais no passado brasileiro, depois no passado das nações hispano-americanas, depois no passado da Inglaterra e alguma coisa do Canadá. De maneira que se deve ter uma informação opulenta a respeito deste ponto que é de uma importância capital: é como é que uma elite se forma e se torna tradicional. Porque essa é exatamente a matéria-prima de que se faz uma nobreza verdadeira e não uma nobreza de nouveau-riche, de parvenu, de aventureiros, mas uma nobreza verdadeira. Isto é um fenômeno natural.
Como é que esse fenômeno se desenvolve nas sua autenticidade? Este ponto interessa maximamente para quem deseja que haja elites e que, portanto, não quer fabricá-las, mas quer que elas nasçam espontaneamente, como, por exemplo, dentro de uma ostra nasce a pérola.
 
A formação de elites tradicionais, com um tônus aristocrático, é fato tão profundamente natural, que se manifesta mesmo em países sem passado monárquico ou aristocrático:
“Também nas democracias de recente data, e que não têm atrás de si qualquer vestígio de um passado feudal, foi-se formando, pela própria força das coisas, uma espécie de nova nobreza ou aristocracia. Tal é a comunidade das famílias que, por tradição, põem todas as suas energias ao serviço do Estado, do seu governo, da administração, e com cuja fidelidade ele pode contar a qualquer momento”.
 
Os Srs. notam, portanto, que permanece no que diz respeito às elites tradicionais o pensamento que existe quanto à nobreza. É uma classe que existe para o serviço do país, e que dedica todo o seu esforço a isto. Mas não faz isso artificialmente, é o jogo natural das circunstâncias.
Quer dizer, essas famílias têm interesses que são interesse] comuns ao bem do país, comuns à toda a nação, e por causa deste interesse a família se joga, se atira, na promoção dos interesses coletivos do país. Mas esta tarefa alarga o espírito da família e ela toma um amor, ela toma uma identidade, uma conaturalidade, pela qual ela passa a representar o país, a ser como que uma face do país. Aí a elite tradicional está constituída.
Como isto é muito importante, eu pergunto se alguém, sobre esse ponto, quer me fazer uma pergunta.
Magnífica definição do que seja a essência da nobreza, que faz lembrar as grandes estirpes de colonizadores, desbravadores e plantadores, que durante séculos fizeram o progresso das Américas, e que, mantendo-se fiéis às suas tradições, constituem preciosa riqueza moral da sociedade em que vivem.
  1. A hereditariedade nas elites tradicionais
Há antes de tudo um fato natural, ligado à existência das elites tradicionais, que cumpre lembrar: é a hereditariedade.
“Desta grande e misteriosa coisa que é a hereditariedade – quer dizer, o passar através de uma estirpe, perpetuando-se de geração em geração um rico acervo de bens materiais e espirituais, a continuidade de um mesmo tipo físico e moral, conservando-se de pai para filho, a tradição que une através dos séculos os membros de uma mesma família – desta hereditariedade, dizemos, pode-se sem dúvida distorcer a verdadeira natureza com teorias materialistas. Mas pode-se também, e deve-se, considerar esta realidade de tão grande importância na plenitude da sua verdade humana e sobrenatural.
Os Srs. vêem aí que quase palavra por palavra desse texto deve ser meditado. Eu pediria de retomar [a leitura].
“Desta grande e misteriosa coisa que é a hereditariedade…”
Vejam a coisa, ele começa por mostrar que a hereditariedade é uma coisa misteriosa. Quer dizer é um fato, mas esse fato que é complexo, que tem uma porção de aspectos, esse fato pelo fato de ser misterioso nem por isso deixa de existir, ele existe. E nós temos que tomar o fato como ele é, e não conseguindo explicá-lo em todo, devemos, entretanto, saber como é que naturalmente falando ele se exprime, ele se expande, e respeitá-lo em suas manifestações.
É mais ou menos como um médico que faz com um órgão do corpo humano. Pode a medicina não saber tal órgão do corpo humano para que é que existe, o que é que faz. Mas o médico cuidadoso registra algumas coisas que a medicina conseguiu apanhar disto, e toma em consideração esses dados para ajudar o corpo quando esse órgão se encontra ameaçado. O fato do órgão ser misterioso não leva a cortar. “Se é misterioso vou cortar” – seria o papel de um doido, o contrário da ciência.
É assim também com a hereditariedade. O fato dela ser misteriosa não nos leva a não tomar em consideração. Pelo contrário, como ela existe, é preciso tomar em consideração. Porque se a gente não tomar em consideração ela, por assim dizer, se vinga produzindo efeitos nocivos em vez de produzir efeitos benfazejos. Então é preciso tomar em consideração.
Tanto mais que Pio XII diz que é uma grande e misteriosa coisa. Portanto, uma coisa que, se ela for tratada errada, poderá produzir grandes e misteriosos inconvenientes.
Os Srs. têm aí em consideração a imagem da sociedade contemporânea, que não toma a hereditariedade em consideração para quase nada, ou para nada. Quer dizer, existe um resto de hereditariedade que as legislações contemporâneas estão procurando reduzir cada vez mais. Esse resto de hereditariedade consiste no seguinte:
É que, em última análise, as fortunas ainda são hereditárias. Quer dizer, os patrimônios, não precisam ser fortunas, ainda são hereditários. Fora disso não se toma em consideração a hereditariedade para nada. E mesmo a hereditariedade das fortunas vai sendo cada vez mais combatida, porque existe um imposto chamado de transmissão de propriedade mortis causa e outro imposto de transmissão de propriedade inter vivos. Quando alguém transmite a propriedade, vende, o comprador ou o vendedor, conforme a lei, paga um imposto pesadíssimo e cada vez mais pesado.
Ainda num número recente a revista “Point de Vue” francesa, que se ocupa com certa aplicação a assuntos nobiliárquicos, trazia o seguinte fato:
Morreu um dos magnatas do mundo financeiro alemão, o príncipe de Thurn-und-Taxis. Era um homem riquíssimo, que tinha, aliás, propriedades no Mato Grosso e em outros lugares do mundo, e tinha também jóias magníficas herdadas de seus antepassados. Essa família, aliás, não era, para a Europa, muito antiga, datava do século XV ou XVI, mas a família enriqueceu logo e foi constituindo um tesouro de jóias muito grande.
Agora morreu recentemente o mais recente Príncipe de Thurn-und-Taxis, deixando viúva e filhos menores. Ela foi obrigada a vender grande parte das jóias da família no mercado internacional de jóias para poder pagar o imposto de transmissão de propriedade, porque ela, acertadamente, não quis vender bens que rendem, porque então seria uma diminuição do patrimônio da família. Então teve que vender bens que ornam, mas que não rendem, que são as jóias. Então são jóias magníficas.
Mas os Srs. compreendem que ao cabo de duas ou três gerações isso tudo foi-se embora. Quer dizer, a legislação trabalha para que a hereditariedade desapareça, a sucessão hereditária desapareça.
A transmissão de propriedade inter vivos já tem alguma coisa disso. Cada vez que se vende uma propriedade imóvel é preciso pagar imposto. Quem compra ou quem vende, depende da lei do país. Às vezes um e outro. De maneira que quem mexe na propriedade, cada vez que mexe tem uma diminuição de substância.
Ora, o bem hereditário por excelência é a propriedade imóvel. Por essa forma os Srs. compreendem como as leis modernas, levadas pela Revolução, combatem a hereditariedade. Debaixo de todos os pontos de vista.
Ora, Pio XII mostra, pelo contrário, que não adianta combater porque ela existe, essa transmissão de caracteres de pai para filho existe. Existe uma coisa chamada família – a menos que se caia no amor livre, e não se está tão longe disso, nem de longe! –, existe essa sucessão hereditária, de hereditariedade de talento, hereditariedade de feitio pessoal, hereditariedade de agilidade, de aptidões, que faz, por exemplo, com que uma determinada família dê para o país uma série de diplomatas, outra família dê uma série de almirantes e de homens da marinha, e outra pode dar uma série de administradores etc.
Dirão: “Todos são iguais perante a lei”.
Se isto for tomado ao pé-da-letra ninguém que tenha um talento especial pode suceder ao seu pai no ofício que representou, porque o outro que não tem talento para isso, que não tem a hereditariedade, vai ocupar o cargo. É ignorar um manancial de tesouros muito grandes, de capacidades muito grandes. O país expia por isso.
Não sei se está claro isso?
Aí os Srs. vêem como esse caos em que nós estamos se explica inteiramente, ele é organizado contrariamente à lei natural.
“Desta grande e misteriosa coisa que é a hereditariedade – quer dizer, o passar através de uma estirpe, perpetuando-se de geração em geração um rico acervo de bens materiais e espirituais…”
Bem, vejam só.
Portanto, que haja um rico acervo de bens materiais que passam de geração em geração é um bem. De bens espirituais, quer dizer, talento e esses dotes todos que acabo de falar, recursos artísticos etc., isto é a hereditariedade e é um bem.
“… a continuidade de um mesmo tipo físico e moral, conservando-se de pai para filho, a tradição que une através dos séculos os membros de uma mesma família”.
Aqui vem outra afirmação importante.
A família não é apenas aquele grupo de pessoas que em determinada época está reunido, mas a família tem uma continuidade histórica, pelo fato de que ela se perpetua de pai para filho. E é preciso que esta continuidade da família, no tempo e não apenas no espaço, se manifeste e produza seus efeitos.
“Desta hereditariedade, dizemos, pode-se sem dúvida distorcer a verdadeira natureza com teorias materialistas.”
São os que veem com puras leis de genética. Genética tem sua parte nisso, não é tudo.
 
“Mas pode-se também, e deve-se, considerar esta realidade de tão grande importância na plenitude da sua verdade humana e sobrenatural.”
Há, portanto, também uma verdade sobrenatural e a bíblia está cheia de exemplos disso: famílias que carregam consigo uma bênção ou uma maldição. Alguém nessa família praticou um ato eminente de virtude, e os filhos recebem essas bênçãos que se prolongam por algumas gerações. Maldição também.
“Por certo, não se negará à transmissão dos caracteres hereditários um substrato material; considerar tal fato surpreendente, seria esquecer a união íntima da nossa alma com o nosso corpo, e em quão larga medida as nossas próprias atividades mais espirituais dependem do nosso temperamento físico.
Por isso a moral cristã não deixa de lembrar aos pais as grandes responsabilidades que lhes cabem a esse respeito.
“Porém o que mais vale é a herança espiritual, transmitida não tanto por esses misteriosos liames da geração material, quanto pela ação permanente daquele ambiente privilegiado que constitui a família; com a lenta e profunda formação das almas, na atmosfera de um lar rico de altas tradições intelectuais, morais e sobretudo cristãs; com a mútua influência existente entre os que moram numa mesma casa, influência esta cujos benéficos efeitos se prolongam para muito além dos anos da infância e da juventude, até alcançar o termo de uma longa vida naquelas almas eleitas que sabem fundir em si mesmas os tesouros de uma preciosa hereditariedade com o contributo das suas próprias qualidades e experiências.
O papa deixa aí entrever várias coisas.
Em primeiro lugar, ele mostra muito claramente que o homem não é um autômato da hereditariedade, que ele não é um boneco, um robô, que carrega dentro de si uma certa hereditariedade e que age automaticamente em virtude disso. Ele mostra bem que o homem – mesmo quando vive longamente, e até sobretudo quando vive longamente – tem condições para realizar muito bem a fusão desta hereditariedade com caracteres, com dotes pessoais dele. Esta fusão é um trabalho harmônico que a pessoa, instintivamente, sobre o sopro da moral católica e da graça de Deus, instintivamente opera muito bem, e que faz uma riqueza a mais da família. Porque o indivíduo que tenha feito isto e que tenha filhos, transmite aos seus filhos o legado de seus pais aumentado, engrandecido ainda mais. É assim que uma família, ao longo dos séculos, pode ir crescendo.
Está claro isso ou não?
Agora, uma pessoa poderia objetar contra isso: “Mas o papa é meio sonhador, porque ele só trata do caso em que a família anda bem, e não trata do caso em que a família anda mal.”
Quando a família anda mal, a família pode ser um fator de perdição. Se nós conhecemos uma determinada época em que as famílias profundamente impregnadas de espírito revolucionário a cada geração que passa transmite para a geração seguinte uma carga revolucionária ainda maior, a família não faz isto que Pio XII disse, a família faz o contrário, ela faz a Revolução. Ela quase que tem uma contra-tradição que se opõe a todas as tradições, que faz com que ela esteja continuamente obedecendo à moda, se modernizando e escravizando-se à tirania dos que fazem a moda.
Vamos dizer, por exemplo, senhoras. Muito elegantes, isso e aquilo, mas estão completamente escravizadas à moda. Então elas não procuram aumentar, com o decurso das gerações, a nota distintiva da elegância daquela família, mas, pelo contrário, elas vão seguindo a moda nova e vão, portanto, aumentando o caos.
O papa não fala disso, ele fala só das famílias que vão bem. Quando uma organização vai bem, um organismo vai bem, a família vai bem, por exemplo, ali dentro da família tudo vai bem. Mas e quando a família vai mal?
É preciso ver o ponto de vista em que o papa se coloca. Ele mostra qual é a missão da família se ela cumpre o fim para o qual Deus a criou, que é a família que vai bem.
Qual é então o desejo de Deus a respeito das famílias? Quando as famílias vão bem se produzem estes fatos. Se não produzirem o que é que acontece? A sociedade entra em degringolada.
Não é possível que haja um só dos Srs., nessa sala, que ignore que a instituição da família, em nossos dias, está numa profunda crise. O resultado é essa crise geral que os Srs. observam e que… enfim, que nem tem palavras para qualificar. Porque a família anda mal então é um fator para que todas as coisas andem mal.
Mas o estudo exato da sociologia e das disciplinas que dizem respeito à sociedade, o estudo é assim: tal coisa foi feita para o quê? Se funcionar bem deve produzir que vantagens?
Como com um órgão humano. Um médico abre um organismo humano e tem ali aquela complexidade toda. A pergunta que ele se põe é:
– “Esse tecido esponjoso que está aqui – que são os pulmões – para que é que serve?
– “Para respirar.”
– “E aquele serve para o quê?”
O médico vai procurar saber cada coisa para que serve, para ajudar a coisa a servir aquilo para que ela existe.
É o papel da Igreja. Ela estuda a sociedade e vê em cada coisa da sociedade no que é que se cumpre a lei de Deus, e com a vontade de Deus a boa ordem das coisas, e ajuda a sociedade a cumprir a lei de Deus.
Então, para que a família seja capaz de cumprir bem a sua missão, é preciso começar por ensinar essa missão no que consiste. Ele está ensinando a missão no que consiste.
Todo mundo sabe que há nobres que extrapolam, que degeneram, que dão em tarados. Todo mundo sabe que há nobres, como há plebeus, com os quais acontece isso. Como todo mundo sabe que há pais de família que se extraviam, ou mães de família que se extraviam etc.
Mas qual é o resultado disso? Por que há nobres que se extraviam é eliminar a nobreza? Seria a mesma coisa que dizer: “Há muito pai de família que se extravia, vamos eliminar o pátrio poder”. Quer dizer, compreende-se que é uma solução maluca, é uma solução antinatural.
Se há muitos pais que se extraviam, é preciso fazer com que esses pais extraviados, desde que os extravios cheguem a um determinado extremo, sejam afastados. Como também, quando há nobres que chegam a um excesso de delinqüência, eles devem ser afastados das fileiras da nobreza. Os filhos que nasçam deles não serão nobres. Mas são situações excepcionais. É preciso ajudar a sociedade à que a família funcione bem, e que compreenda o bom funcionamento da família para que é que é.
Daí este modo dele de se preocupar sobretudo em mostrar como é que funcionam as coisas quando andam bem.
Exatamente a propaganda revolucionária faz o contrário. Arregala os nossos olhos sobre as coisas que andam mal. Então como é que andam, como não andam etc.
Eu dou em exemplo aos Srs. que está ao alcance de nossas mãos.
Os Srs. devem ter visto nos jornais que o Príncipe Charles, herdeiro do trono da Inglaterra, tem um matrimônio muito convulsionado, muito perturbado, com sua esposa, a Princesa Diana. Disso se escreve a mais não poder e todo mundo sabe, se faz verdadeira propaganda desse fato.
Ninguém presta atenção no fato de que, em linhas gerais, e essencialmente falando, o casal do rei e da rainha anda muito melhor, é um casal do qual não se houve falar nada. “Não, é tão natural, para quê comentar?” Resultado, por esse processo se acaba sendo inimigo da família, como inimigo da realeza, porque só se vê o que anda mal, só se publica o que anda mal, não se procura consertar, mas se dá a idéia que esse mal é irremediável. É a propaganda revolucionária!
“Tal é o patrimônio, mais do que todos precioso, que, iluminado por firme Fé, vivificado por forte e fiel prática da vida cristã em todas as suas exigências, elevará, aprimorará, enriquecerá as almas dos vossos filhos”.
Em outros termos, se não houver uma Fé católica firme e uma prática robusta da religião na família nobre, isto não se conserva. Esta condição da família nobre é um fruto da Fé. E, portanto, não tenhamos a ilusão de que se pode não ter Fé, “mas a família tem tão boas tradições”. Não duram uma geração!
(*) Tal é a importância do texto que acaba de ser citado, que mereceria ser salientado de princípio a fim com o uso de caracteres gráficos especiais. O que só não é feito para não sobrecarregar visualmente o aspecto destas páginas. [Fim da nota]
3. As elites, propulsoras do verdadeiro progresso e guardiãs da tradição
Existe um nexo entre nobreza e tradição. Aquela é a guardiã natural desta. Ela é, na sociedade civil, a classe incumbida, mais do que qualquer outra, de manter vivo o nexo pelo qual a sabedoria do passado governa o presente, sem contudo imobilizá-lo.
Os Srs. vêem a frase magnífica: “Com que a sabedoria do passado governa o presente sem imobilizá-lo”. O presente é uma coisa móvel, é uma coisa viva.
A idéia que se tem em geral é do passado imobilizante. Se o sujeito é muito ligado ao passado, ele passa por um indivíduo mofado e incapaz de impulsionar o progresso, e a tradição fica sendo o contrário do progresso. É um erro, ele vai mostrar como é que é o progresso, como é a tradição.
a) Elites: inimigas do progresso?
Os espíritos revolucionários costumam fazer, contra a nobreza e as elites tradicionais, a seguinte objeção: sendo elas tradicionais, estariam voltadas constantemente para o passado, dando as costas ao futuro que é onde se encontra o verdadeiro progresso. Constituiriam portanto um obstáculo para que este fosse alcançado pela sociedade.
Entretanto, ensina-nos Pio XII, que progresso autêntico só o há na linha da tradição, só é real se ele constitui, não necessariamente uma volta ao passado, mas um harmônico desenvolvimento deste. Pois, rompida a tradição, a sociedade fica exposta a terríveis riscos:
“As coisas terrenas fluem como um rio no sulco do tempo. O passado cede necessariamente o lugar e o caminho ao porvir, e o presente não é senão um instante fugaz que vincula um ao outro. É um fato, um movimento, uma lei; não é um mal em si. O mal seria se este presente, que deveria ser uma onda tranqüila na continuidade da corrente, se tornasse um vagalhão marinho, que convulsionasse todas as coisas como um tufão ou ciclone no seu avançar, cavando com fúria destruidora e voraz um abismo entre aquilo que passou e o que está por vir. Tais saltos desordenados, que a História faz no seu curso, constituem então e determinam o que se chama uma crise, ou seja, uma passagem perigosa que pode conduzir à salvação ou à ruína irreparável, mas cuja solução ainda está envolta em mistério, dentro das nuvens negras das forças em choque”
A tradição evita às sociedades a estagnação, como também o caos e a revolta. A tutela da tradição, a que alude Pio XII nesta passagem, é a missão específica da nobreza e das elites análogas.
Rompem com esta missão, não só as elites que se ausentam da vida concreta, mas outras que pecam pelo excesso oposto. Ignorando a sua missão, deixam absorver-se pelo presente, renegando todo o passado.
Pela força da hereditariedade, os nobres prolongam na terra a existência dos grandes homens do passado (PALAVRAS DE PIO XII): “Recordando os vossos antepassados, vós como que os reviveis. E os vossos antepassados revivem nos vossos nomes e nos títulos que vos deixaram pelos seus méritos e grandezas”.
A esse propósito, Rivarol, o brilhante polemista francês oposto à Revolução de 1789, da qual foi contemporâneo, afirmou: “Os nobres são moedas mais ou menos antigas que o tempo tornou medalhas.
É uma linda expressão. E depois que se torna realidade.
Mais ou menos pelo mundo inteiro há mercados de moedas antigas, que é uma curiosidade que muitas pessoas procuram colecionar. Então no mercado de moedas antigas na França, as moedas mais baratas são as do tempo de São Luís. Agora, por que por causa do tempo de São Luís?
As moedas do tempo dele tinham a efígie dele, tinham o rosto dele. Quando ele morreu, todo mundo já tinha a convicção que ele já era santo, e as pessoas guardaram as moedas para serem usadas como medalhas. Furavam as moedas e suspendiam ao pescoço. Eram medalhas venerando o santo. O que se tornou ainda mais freqüente quando o rei foi canonizado. Então, ao pé-da-letra, isso que parece uma figura literária – e o é, é uma bonita figura literária –, isto se deu no caso concreto de São Luís.
Quer dizer, a transformação de uma coisa corrente, da memória deixada por um homem corrente com quem a gente tem trato de todos os dias, esse homem morre e de repente se verifica que – pela ausência dele e pela figura dele vista fora do contexto banal da vida cotidiana – se destacam melhor os seus traços. E ele deixa de ser uma moeda, ele passa a ser uma medalha.
Isso acontece com muitos homens. É o modo pelo qual a tradição vai se fixando.
Está muito bem expresso, muito bonito!
Eu tenho precisamente a esse respeito um texto mimeografado, que vai ser distribuído aos Srs., a respeito do qual os Srs. vão ver a força e o valor da tradição.
Se pudessem providenciar a distribuição, eu acho que estaria excelente.
(Pergunta: pode-se herdar uma graça dada por Deus?)
Pode, exatamente. Quando eu falei há pouco da hereditariedade de bênçãos, eu mostrei que essas bênçãos são graças que se herdam pela benevolência. Pelo amor que Deus tem aos pais, as graças que Ele deu aos pais Ele estende aos filhos.
O exemplo mais característico disso é o povo judaico. Exatamente Abraão, e depois as promessas a Abraão que os seus filhos serão mais numerosos do que as areias do mar, mais numerosos que as estrelas do céu, e faz a promessa do Messias etc. Tudo isso em atenção a Abraão, amado por Deus de um modo especial.
Agora, vem o povo judaico e faz logo este povo o deicídio. Está bem, mas está na Escritura que no fim dos tempos o povo judaico vai se converter, Deus vai reconciliar o coração dos filhos com o coração dos pais – quer dizer, os judeus do fim dos tempos com os judeus do tempo em que os judeus eram fiéis – em atenção à promessa feita a Abraão. Quer dizer, através até dos vales profundos do deicídio, não se pode descer mais baixo… do deicídio de um descendente de David, é um deicídio agravado por um regicídio. Na medida em que um pecado tão horrível quanto o deicídio possa ser agravado por algo, isto ainda agrava o deicídio.
Pois bem, passam-se séculos e séculos, é feito a conjuração anticristã, é feita a Revolução, perdem-se as almas em quantidade, e esse povo que é o povo eleito de Deus passa a ser o povo vil na Terra. Mas Deus não se esquece e fica ali uma raiz. Em certo momento, se não me engano é quando Elias vier, virá a conversão do povo judaico e a nobreza do povo judaico como povo renascerá.
Aí o Sr. vê como é a seqüência das coisas. Está claro, meu Andreas?
Bem, os Srs. têm aqui uma descrição que eu vou pedir aos dois…
(Sr. Paulo Roberto: Sr. Dr. Plinio, antes do Sr. entrar nesse ponto. Não sei se o Sr. já explicou, mas o Sr. disse que quando não se toma em consideração a hereditariedade, ela se vinga. Não sei se o Sr. poderia explicar esse ponto, ou se o Sr. já teria explicado e que eu não entendi.)
Com muito gosto. Não, eu não expliquei, eu estive na dúvida de explicar ou não, mas achei que [era] melhor passar adiante. Mas trato com muito gosto.
Quer dizer, o seguinte:
Quando um família que tem um encargo de que ela deve desempenhar corretamente segundo as leis da hereditariedade e ela não toma em consideração isto, e em vez de educar os seus filhos para a hereditariedade santa, ela educa mal, a própria hereditariedade se vinga.
A gente vê que nessas famílias – como o Sr. Andreas falava há pouco se dá frisantemente em certas dinastias ou famílias nobres – certas taras e certos vícios se tornam hereditários. Porque quando os pais não quiseram dar a Deus os seus filhos para serem transmissores de bênçãos e de promessas, Deus retrai certas graças e os filhos ficam… embora com culpa, porque eles também têm uma parcela de responsabilidade pessoal, graça suficiente todo mundo tem. As graças extraordinárias e exuberantes dadas àquela hereditariedade Deus retira, e hereditariedade prolonga os defeitos nocivos. Vinga-se, portanto, a hereditariedade pelo fato de não ser atendida.
Eu falei aqui da estirpe do Duque de Caxias. Não sei se os Srs. se lembram aqui. Lembrei quem era, a guerra do Paraguai etc.
O fato concreto é o seguinte: é que a família do Duque de Caxias caiu na pobreza. E não me consta que tenha sido por nenhuma razão desonrosa, nem nada, ficaram pobres e chegou a ponto da família ter que viver da caridade. A República, contra as suas regras constitutivas, mas sentindo a aberração que havia em que um homem que salvou o país tivesse sua descendência na miséria, decretou para uma das filhas do Caxias, que estava particularmente na pobreza, uma pensão de tanto.
Se o fato da hereditariedade nessa senhora não fosse tomado em consideração pela República e ela morresse num hospital de mendigos, a vingança estava sob a forma de uma vergonha para o Brasil.
Nota: Para mais matérias do Prof. Plinio relativas à Nobreza, clique aqui.

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