Consagração a Nossa Senhora – seu significado, sua doçura e sua gravidade

Legionário, Nº 675, 15 de julho de 1945

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Escrevo na véspera de nossa grande concentração no Largo da Sé. Entretanto, não preciso ser profeta para predizer que, nessa noite de tantas e tão intensas emoções religiosas, sem dúvida o momento culminante será quando a Arquidiocese de São Paulo, pelos lábios de seu Arcebispo, for consagrada ao Coração de Maria.

Reservando para nossa próxima edição uma completa reportagem sobre tudo quanto tiver ocorrido nessa grandiosa manifestação, queremos dizer desde já algumas palavras sobre o modo por que a Igreja considera atos como essa consagração.

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Até 1789, o mundo não conheceu a aberração que se chama o agnosticismo de Estado. Nos povos pagãos como nos cristãos era convicção, que não sofria controvérsia, o caráter religioso de que se deveriam revestir todas as manifestações da vida pública. Nas grandes monarquias, nas repúblicas aristocráticas ou burguesas, todos os acontecimentos de relevo da vida civil eram comemorados de modo religioso: investidura de chefes de Estados, celebração de heróis nacionais, glorificação de feitos de armas notáveis, expressão dos grandes lutos nacionais, tudo se fazia em cerimônias de culto, como a sagração, as missas de ação de graças ou de requiem, os “Te Deum”, etc. Esses atos, como é bem de ver, não tinham um caráter exclusivamente simbólico ou alegórico. Se bem que servissem também para manifestar de modo oficial o louvor, a alegria ou a tristeza nacional, eles tinham também um conteúdo muito real, que era o ato religioso pelo qual a coletividade nacional, como tal, referia ao Criador suas alegrias e suas dores, sua glória e seu infortúnio, adorando, agradecendo, expiando ou suplicando graças, oficialmente reunida aos pés do Deus três vezes Santo.

Com a Revolução Francesa começaram os atos públicos de caráter meramente leigo. Esses atos procuravam copiar as manifestações públicas de fundo religioso do “Ancien régime” – “ersatz” que não raras vezes foi simiesco, como a adoração de uma atriz seminua, que representava a Deusa Razão. Despidas forçosamente essas manifestações de seu conteúdo real, que era religioso, ficaram elas reduzidas à condição de fórmulas ocas, sem nenhum outro valor que o de uma fria alegoria.

Nestes 150 anos de laicismo, a composição de alegorias cívicas evoluiu sem dúvida, e aos poucos se encontraram, nesse terreno, fórmulas tocantes, expressões de grande formosura literária ou cênica, perfeitamente capazes de impressionar uma grande multidão. Mas, no fundo de todas elas, fica sempre a impressão das alegoria que não são senão uma figura fugitiva e impalpável da realidade, de alegorias que se desvanecem logo depois da cerimônia, e que passam como passam todas as coisas da terra.

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Infelizmente, a ignorância religiosa das massas, aí como em tudo, teve efeito nefasto. À força de sentir um conteúdo meramente alegórico e convencional nas manifestações laicas do Estado, as massas transpuseram erradamente essa impressão para as cerimonias da Igreja. Tendência perigosíssima, como facilmente se vê, que no caso concreto da consagração ao Coração Imaculado de Maria tem um efeito danoso.

Para compreendermos bem o ato com que a manifestação abriga o seu ápice, devemos antes de tudo varrer do espírito qualquer idéia de cerimonia meramente simbólica e figurativa. A consagração da Arquidiocese à Nossa Senhora não foi apenas uma expressão empolgante da devoção mariana de nosso povo. Nem foi só uma atitude da Autoridade Eclesiástica com o fim de impregnar na massa mais piedade para com a Santíssima Mãe de Deus. Houve algo de real naquele ato, e é isto que nos importa conhecer. Esse “quid” de real é tão autêntico, tão profundo, tão vivo, que, ainda que não se tivesse passado na escadaria da Catedral mas, em uma modesta capela; ainda que não se tivesse dado aos olhos de dezenas de milhares de fiéis, mas em qualquer cubículo de catacumba; ainda que não fosse feita em presença da imagem da Senhora Aparecida mas diante de um modesto e obscuro quadrinho, conservaria toda a sua realidade, íntegra e intacta.

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Quando uma Arquidiocese se consagra a Nossa Senhora, ou, mais especialmente a seu Imaculado Coração, seu ato pressupõe várias disposições internas, das quais queremos focalizar:

1 – renuncia formalmente a tudo quanto a incompatibilizava com a Virgem Santíssima, isto é a todos os pecados, a todas as heresias, a todo o desleixo na prática da Religião;

2 – propósito de honrar, servir, glorificar de modo muito especial a Nossa Senhora;

3 – e suplica que ela aceite essas disposições, e cubra com Sua especial assistência a pessoa que assim a ela Se consagra.

Na consagração, poremos, pois, um propósito negativo: nada fazer contra Aquela a quem nos consagramos. Um propósito positivo: fazer tudo por Ela. E uma súplica: que Ela aceite essa oferenda e por sua vez nos cubra com sua especial tutela.

Ora, nada disto é simbólico. Quando seriamente pensado, querido, executado, é de uma realidade e de uma gravidade transcendental. E nem estas coisas podem ser feitas sem maturidade e ponderação: pois que fazê-las levianamente seria, ao pé da letra, tomar em vão o Santo Nome de Deus.

De nossa parte, a consagração é muitíssimo séria. Mais ainda, ela o é da parte de Nossa Senhora.

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Com efeito, aparecendo aos pastores de Fátima, a Virgem Santíssima prometeu as maiores graças, como fruto da consagração a seu Imaculado Coração. Inútil insistir sobre a importância de uma promessa dAquela a quem a Igreja chama de “Virgo Fidelis”. Em rigor, porém, por mais confortadora que essa promessa seja, ela não é indispensável. Com efeito Nossa Senhora é Mãe. Qual a mãe zelosa que ouviria distraidamente, negligentemente as carícias de seus filhos? Qual a Mãe que diante de sua família, toda reunida para lhe tributar homenagem, houvesse de desviar indiferente o pensamento, e houvesse de retribuir, com a máxima frieza interior, a todo o carinho de que estivesse sendo objeto? Tendo diante de si uma Arquidiocese inteira, Maria Santíssima haveria de se mostrar indiferente a essa consagração? Haveria de fechar os olhos a nossos propósitos e recusar nossa súplica?

Evidentemente, jamais. E por mais profunda que fosse a excelência de disposições do melhor e do mais santo dos povos, em se consagrar a Maria Santíssima, ainda muito mais profunda é a Sua deliberação em aceitar e corresponder a nossa consagração.

De onde se deduz, tudo bem pesado, que o fruto da consagração é o estabelecimento de um vínculo real e especial, entre o Coração de Maria e nós, e que esse vínculo, pondo-nos em posição privilegiada perante a Rainha do Céu, influirá de modo feliz em toda a economia espiritual do Arcebispado.

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Mas, dir-se-á, se os frutos dessa consagração são de tal maneira condicionados a nossas disposições interiores, que eficácia podemos dela esperar? Quem de nós confia a tal ponto em si mesmo, que possa ter a certeza de que seu oferecimento agradou?

Evidentemente, um firme propósito comum é suficiente para que a consagração produza todos os seus frutos. Mas há mais. E aí tocamos em um dos pontos nevrálgicos da questão. Desde que a consagração seja feita por quem tem autoridade para falar oficialmente em nome da Arquidiocese, tem uma eficácia intrínseca que é indiscutível.

Ora, o Exmo. Revmo. Sr. Arcebispo Metropolitano é o Chefe da grei espiritual paulopolitana, e tem todos os poderes para falar em nome do Arcebispado. O ato oficialmente praticado por ele, como Arcebispo, tem aos olhos de Maria Santíssima uma eficácia que nossos pecados não conseguiriam delir.

No momento pois, em que a fórmula oficial da consagração for recitada por S. Excia. Revma., é certo que algo de objetivo e de real se passou: Nossa Senhora acolheu a consagração, e aceitou a especial tutela sobre todo o Arcebispado.

Nesta verdade sólida, singela, imensamente real, está uma beleza tão grande, que é desnecessário ser profeta para prever que o momento da consagração será o mais belo daquela grande noite.

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Juramento do povo paulista à Senhora Aparecida

“Ó meu Deus!

Na Vossa presença e diante da Imagem da Virgem Aparecida, neste momento solene, juro fidelidade â minha fé até a morte.

Juro defender a minha Igreja contra os assalto dos seus inimigos, sejam eles quais forem. Prometo obediência aos Bispos, ministros da Igreja e responsáveis pelas almas diante de Deus.

E porque Vos amo e à minha Igreja, repudio, detesto, abomino a doutrina comunista, por ser contrária à minha fé católica. Nunca darei meu nome a seitas condenadas pela minha Igreja.

Deposito este juramento e esta promessa nas mãos sagradas da Virgem Aparecida, Padroeira do Brasil, a quem amo e consagro o meu coração”.

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