Auditório São Miguel, 22 de julho de 1989 – Santo do Dia
A D V E R T Ê N C I A
O presente texto é adaptação de transcrição de gravação de conferência do Prof. Plinio Corrêa de Oliveira a sócios e cooperadores da TFP, mantendo portanto o estilo verbal, e não foi revisto pelo autor.
Se o Prof. Plinio Corrêa de Oliveira estivesse entre nós, certamente pediria que se colocasse explícita menção a sua filial disposição de retificar qualquer discrepância em relação ao Magistério da Igreja. É o que fazemos aqui constar, com suas próprias palavras, como homenagem a tão belo e constante estado de espírito:
“Católico apostólico romano, o autor deste texto se submete com filial ardor ao ensinamento tradicional da Santa Igreja. Se, no entanto, por lapso, algo nele ocorra que não esteja conforme àquele ensinamento, desde já e categoricamente o rejeita”.
As palavras “Revolução” e “Contra-Revolução”, são aqui empregadas no sentido que lhes dá o Prof. Plínio Corrêa de Oliveira em seu livro “Revolução e Contra-Revolução“, cuja primeira edição foi publicada no Nº 100 de “Catolicismo”, em abril de 1959.
Foto ilustrativa: Dr. Plinio, no segundo semestre de 1970, comenta um quadro na então sede do Conselho Nacional da TFP, à Rua Maranhão 341, em Higienópolis (SP).
Pediram-me que conversasse um pouco com os senhores, nesta noite, a respeito de uma matéria que não é fácil de se tratar nem de entender. Mas, enfim, vamos tratar dela: a arte de conversar.
* Definição do que é conversar
O que é propriamente conversar? É o trato que têm duas pessoas entre si, quando estão tendo algum lazer, alguma distração ou qualquer coisa assim.
Por exemplo, dois amigos estão viajando de avião. Estão conversando, porque, em geral, num avião, não se trabalha. Fica-se com tempo livre, vendo através daquelas janelinhas o que aparece… Um está lendo um livro ou outra coisa do gênero, um jornal… É natural que, quando são dois amigos, em certo momento, se a viagem não é muito longa, conversem um com o outro. Se é muito longa, dorme-se também: é uma parte agradável do percurso. Há intervalos longos em que ambos ficam quietos. Depois, a propósito de qualquer coisinha, ao ser servido um lanche ou qualquer comida, um comenta que está bom ou ruim… E daí nasce uma conversa…
Assim, nessa alternação agradável entre silêncio e troca de idéias, de impressões, recordações, de repente entra um assunto especialmente útil. Passeia-se através de vários assuntos como se pode passear por um jardim, onde se encontram flores, ora de um jeito, ora de outro; animais interessantes: um pavão, um cisne… se o jardim for bem cuidado e cultivado. É assim que se desenrola uma conversa.
* Haverá arte de conversar? Conversa espontânea ou refletida previamente?
Poder-se-ia perguntar se existe uma arte de conversar ou se deve ser uma coisa inteiramente espontânea, como nos der na cabeça, assim se faz a arte de conversar.
A resposta é a seguinte:
É preciso, na conversa, entrar qualquer coisa de espontâneo. Mas, também, qualquer coisa de muito refletido e muito bem pesado. De maneira que o espontâneo e o refletido se liguem um ao outro e, assim, se forme uma combinação, uma harmonia que é a propriamente a arte de conversar.
Esta arte de conversar é necessária, por quê? Tudo o que o homem faz de modo inteiramente espontâneo sai besteira. É preciso saber entender o que diz, o que vai falar, aonde quer chegar com o outro etc. De outro lado, tudo o que o homem faz completamente sem espontaneidade sai de uma artificialidade miserável.
É preciso saber compor bem o espontâneo com o dirigido, para se ter a conversação perfeita. É um pouquinho como quem faz uma salada de folhas de alface, por exemplo. A alface deve estar bem fresca, bem espontânea, como se fosse colhida naquele momento.
Porém, depois, faz falta, antes de se pôr a salada na mesa, lavá-la bem, misturar sal, vinagre, um pouco de mostarda, azeite nas folhas. Só aí ela fica boa! É comida na sua espontaneidade, na sua vida, mas com certas regras que a fazem aceitável.
* Conselho: não acreditem nas coisas “espontâneas”
É um conselho que dou aos senhores: não acreditem nas coisas espontâneas como sendo inteiramente boas. Depois que o homem caiu no pecado original, a espontaneidade inteira tornou-se-lhe impossível. Também, nunca acreditem numa coisa inteiramente artificial, porque sai torta. E à força de se querer ajeitar, ainda fica pior. Em todas as coisas, é preciso saber compor, fazer entrar em harmonia algo de natural e algo de artificial. Com isso, compor verdadeiramente a obra bem feita.
Os senhores tomem a coisa mais elementar. Um homem está tocando violino. Há que entrar qualquer coisa de espontâneo no modo pelo qual ele toca o seu violino, alguma coisa que sente naquela partitura que vai executar, deve-lhe tocar por algum lado. Então, toca bem. Mas, se se deixar levar exclusivamente pelo sentimento e não conhecer as regras da arte de tocar bem, vai fazer uma baralhada que não tem nenhum valor. Precisa de saber compor o sentimento espontâneo dele com a arte de traduzi-lo em sons, de acordo com a partitura e com uma regra, só assim se terá verdadeiramente a boa música.
Assim é tudo, assim é a conversa.
* A Revolução gosta de conversa à toa, sem regras
Já por aí entramos em desacordo sobre um ponto fundamental que a Revolução tem procurado desvirtuar de todos os modos possíveis: a idéia de que a conversa deve ser de acordo com o que der na cabeça; que não se deve fazer nenhum esforço; não deve ter nenhuma diretriz; e deve estender-se sobre o assunto mais fácil possível, de maneira que a conversa seja sinônimo de repouso. Um sujeito que converse para repousar, quando atinge essa finalidade é sinal de que está conversando bem.
Repousar é contar piada, contar besteira, fazer dar risada. Contar imoralidade às torrentes, isso é conversar. Para criaturas humanas, não é conversar, mas sim dizer besteira. Dizer besteira não é conversar. Conversar é dizer uma coisa elevada. E dizer besteira é o modo pelo qual conversam as bestas, o que é uma outra coisa.
Assim, como há para o homem a linguagem, para certos pássaros o canto, para outras aves apenas um sinal de bico… O papagaio conversa como pode. Ele repete o que ouviu dizer, é a sua interlocução. É o mais tonto de todos [os pássaros]. Cantar vale a pena. Repetir e dizer besteira, não vale a pena.
Nessas condições, podemos perguntar-nos como é a arte de conversar.
* Por que é importante conversar bem?
Antes, porém, podia pôr uma outra pergunta, que não é menos importante: Por que é importante conversar bem? Qual é a vantagem que se tira em se conversar bem?
A resposta é: Tudo o que o homem faz, deve procurar fazer bem feito.
Eu, por exemplo, estou sentado aqui. Estou com naturalidade, não estou numa ocasião de grande protocolo, de grande solenidade. Se estivesse numa reunião de grande solenidade, não me sentaria como estou sentado. Porém, é um auditório cheio de gente, de filhos a quem quero muito…
Nessas condições, eu tenho que saber o que fazer: não posso fazer de minhas pernas e de minhas mãos qualquer uso. Por exemplo, de repente começar a conversar assim… Ou então começar a conversar passando a mão pelo queixo. Não tem propósito! As atitudes, a expressão, as palavras escolhidas, o próprio olhar faz parte da conversa, e não é das partes menos importantes da conversa. É das partes importantes da conversa.
Por quê? Porque tudo quanto o homem faz deve ser bem feito, e, portanto, conversar também.
* Conversa sem imoralidade
Há uma razão, para nós, mais importante do que esta, e que é a seguinte:
Por vocação, por fidelidade aos Mandamentos da Lei de Deus, na nossa conversa não fazemos entrar matéria que é a de 90% das conversas de hoje em dia, pelo menos: não fazemos entrar a imoralidade! Não fazendo entrá-la, piadas sem ela são muito raras. Praticamente não sai.
Sobretudo, se um indivíduo sabe que não pode comprar um livro que conte piadas que não são imorais, e contá-las na sua conversas com outros. Porque a piada, ou tem uma relação quente e próxima com alguma coisa que se passou, com coisas que se conhece, ou é raro que seja interessante, que realmente atraia a atenção dos outros.
Não podendo conversar sobre assuntos, dos quais 90% das pessoas conversa, em razão da decadência em que está o mundo de hoje – porque isso é decadência – nós, ou sabemos conversar bem, ou nos condenamos a uma monotonia, a uma caceteação sem fim. É uma coisa evidente.
* Importância da conversa para praticar a virtude
Temos, portanto, interesse e vantagem, para a prática da virtude, em aprender a conversar bem. Conversando bem, tornamos nosso convívio agradável. Tornando nosso convívio agradável, tornamos atraente o ambiente no qual devemos nos santificar, e evitamos uma porção de tentações que o homem tem, quando está imerso na monotonia. É, portanto, uma arte, na qual nossa fidelidade está posta à prova.
* Conversa: o grande meio de apostolado
Além desta razão, que é uma razão de preservação de nossas almas, há uma outra razão: queremos que a TFP aumente. Queremos que o número de servidores, de filhos e guerreiros de Nossa Senhora cresça ainda muito mais. O modo de o conseguir é conversar. A ação pela qual se tira alguém do mal e passa para o bem, ou pela qual se confirma alguém no bem, esta ação, é fundamentalmente através de uma conversa. Portanto, saber conversar bem é uma condição para atrair gente. É uma condição para fixar as pessoas no apostolado.
Faz-se uma conversa boa, atrai-se um rapaz para a sede. Depois, na próxima conversa, está-se com preguiça de conversar com ele, e deixa-se-o sentado numa cadeira, de lado. Não procura fixá-lo, dando-lhe o hábito de freqüentar a sede. O resultado é que não freqüenta e a TFP não cresce. Para nós a atração e a fixação dependem da boa conversa. As armas por excelência de um cooperador da TFP para o apostolado, são: antes de tudo, a oração; e, logo depois, a conversa. Devemos, portanto, saber conversar.
* No que consiste saber conversar bem?
No que consiste saber conversar?
Eu conheço uma senhora que tinha uma filha mocinha. Quando esta começou a freqüentar a sociedade – bailes e festas – disse-lhe uma coisa que vai deixar os senhores espantados. Levou-a a ver um baile. O baile não era, naquele tempo, o pula-pula que se tornou hoje, dançava-se… Ela viu… E a mãe segredou-lhe:
– “Você está percebendo que as moças que são convidadas para dançar não são sempre as mais bonitas, mas que há umas feiarronas que dançam muito, e que outras muito mais bonitas ficam sentadas de lado?”
– “É…”
– “Quando chegarmos a casa, lembre-me, pois vou-te contar porque se dá isso…”
Chegando à casa, a moça perguntou à mãe:
– “Afinal, por que é isso?”
– “As que têm realce são aquelas que não vão à sociedade para se divertir, vão lá para fazer a vida delas. Vão procurar agradar, atrair, sobressair entre suas próprias amigas, conversar bem com os rapazes com que há propósito que se converse e, por isso, vão se tornar agradáveis. Para elas, a festa não é uma diversão, mas um trabalho, uma carreira!”
É verdade! E podia-se completar…
Tomem um banquete, por exemplo. Todos os homens estão sentados ali, comendo… Há duas espécies de tipos: uns que lá vão para comer; outros para fazer relações. Estes últimos são os que sabem viver.
Para se fazer relações, como se procede? É saber conversar.
Sem saber conversar, não há possibilidade de se ser alguma coisas ou de fazer alguma coisa. É uma das artes mais importantes da vida humana: saber conversar.
* A arte de conversar varia com as idades, sexo e condição social
A arte de saber conversar aprende-se ao longo da vida. Não se aprende assim numa reunião como esta que estamos fazendo. Aprende-se vivendo, e compreendendo como ela é, como se deve fazer, como deve ser. É assim que se aprende. Portanto, há uma arte de conversar para a idade dos senhores, mas também outra para a idade do Pe. Antônio. E há uma outra ainda para a minha idade. Até morrer, pratica-se a arte de conversar.
Na idade dos senhores, como eu imagino que sejam as coisas hoje – não as conheço de perto; fe-liz-mente!… – no que consiste essa arte?
* Regra: saber com quem se vai conversar e o que se vai dizer
Consiste em dois ou três princípios que vou dar. O primeiro é muito comum e extraído da vida quotidiana. Um indivíduo que quer vender alguma coisa, deve saber a que tipo de gente interessa o que ele está vendendo. Deve saber oferecer, e dar o preço. Esta é uma operação de venda.
Se está vendendo um número de Catolicismo deve saber a quem vai oferecê-lo na rua. Se oferece a um tonto qualquer, receberá uma negativa na certa. Deve saber qual é o gênero de gente que gosta dessa leitura. E olhando, na rua, perceber: “Este gosta; aquele não gosta” Deve oferecer pelo lado por onde imagina que ele pode gostar de tal leitura.
Não vai chegar a uma velha senhora, e dizer:
– “A senhora quer pôr-se ao corrente de todos os mistérios da diplomacia russa, em confronto com a norte-americana? Veja a página tanto…” A velha desmaia. Mistérios de diplomacia, é uma coisa a que ela tem horror. Nem entende nem quer saber disso. Dirá:
– “Não quero!”
Deve olhar para a velha, e lembrar-se que dentro há uma vida de santo, interessantemente contada. Então, diz:
– “A senhora já ouviu falar do admirável São Tal, ou da Santa Tal? É uma vida muito interessante, muito boa. A senhora não quer comprar este número? Essa vida está aqui na página tanto… Olhe lá!” E mostra a fotografia ou a gravura do santo. A velha comprará o Catolicismo.
Agora, passa um homem que tem a cara de um diplomata. Não lhe vai dizer, assim, logo de cara:
– “Aqui neste número de Catolicismo há alguma coisa a respeito dos sermões de Santo Ambrósio, pronunciados na cidade tal.” Ele está longe dos sermões de Santo Ambrósio. Nem sabe bem quem foi ele, nada. Ele é um diplomata. Mas, deve-se dizer-lhe:
– “Quer saber dos mistérios da política russa?” Ele é um diplomata.
Assim também é com a conversa. Dirigindo-nos a uma pessoa, devemos saber entender como é a pessoa, e conversar de modo a que pessoa esteja desejosa de falar sobre isso. Então, temos que destruir, logo de cara, um erro: “Eu vou conversar com aquele homem ou aquele rapaz sobre o tema que eu quiser ou que acho agradável. Se ele não quiser conversar sobre isso comigo, não conversarei com ele. Vai cada um para seu lado.” Esta é a morte da conversa. Esse é um modo egoísta de conceber a conversa: só para minha vantagem.
O membro da TFP conversa para a glória de Deus e de Nossa Senhora. Conversa para conquistar terreno, para fazer avançar a Contra-Revolução, e recuar a Revolução. Por isso, não fala sobre aquilo de que gosta, mas vai discernir na cara do outro que gênero de coisa ele mais gosta de conversar.
Os senhores objetarão:
– “Mas eu não sei de que gênero de coisas ele gosta de conversar. Como faço para saber?”
Há que entender que o temperamento da pessoa é muito variável. E devemo-nos esforçar por ver qual é o temperamento, para escolher o tema sobre o qual a pessoa gostaria de conversar.
* Proveito para o apostolado
Qual é a vantagem disso para o apostolado?
Eu repito, porque é bom marcar bem: só atrai para uma sede da TFP alguém que sabe conversar. Querer trazer gente para a nossa sede, sem ter um pouco de arte de conversação, é a mesma coisa que querer pescar sem isca: tem só o anzol, não há peixe que se aproxime. E, por esta forma, se não houver algo que o atraia na conversa de quem o está convidando, não vai, simplesmente. É, portanto, para nós uma obrigação praticar-se a arte de conversar.
A conversa, porém, não é só esse comecinho… Ela vai-se desenvolvendo, desenrolando… Não se deve forçar o outro a tratar do tema que se quer. Se ele se sentir forçado, dizendo nós, por exemplo:
– “Disso eu não quero tratar. Vamos ver outra coisa…” Está quebrada a conversa. É preciso os senhores deixarem, no começo da conversa, ele tratar do que quiser. E depois os senhores precisam ter uma arte de fazer a conversa mudar para o tema que os senhores desejam.
Mas, se os senhores notarem que ele está muito longe de querer falar de um tema desses, os senhores vão mudando de assunto. E aí, de repente, ele aborda um tema que os senhores abordem com facilidade. Então, é preciso saber ir variando de tema.
De que jeito?
Nunca aos pulos. Nunca se passa de um tema a outro como pula um canguru. Não é assim. Deve-se ver sempre um tema parecido com aquele que ele introduziu, um tema próximo. Depois, passa para outro mais próximo de nosso objetivo. E, assim, de tema em tema, tentando chegar aonde se quer. É preciso fazer isso com muito jeito. Quando, afinal, se chega a um tema que se quer, então aborda-se o tema, mas sempre de um modo agradável. De contrário, o sujeito não entra.
* A conversa deve ser agradável
Qual é o modo agradável?
Há que ter a facilidade de, à medida que se vai conversando com um indivíduo, perceber logo qual será o lado do tema que ele achará agradável. Senão, não se consegue abordá-lo. Vamos dizer que o sujeito se interesse pelo II Centenário da Revolução francesa, por mais raro que seja encontrar-se alguém assim. Deve-se olhar para a cara do indivíduo, e não se deve dizer logo:
– “Eu acho que a Revolução francesa foi um mal, porque a pompa da corte era uma coisa tão bonita e tão civilizada, que foi pena ter acabado.” A maior parte das pessoas já foi envenenada contra a pompa da corte. Resultado: se os senhores vão dizer isso, o sujeito fica implicado. Devem procurar uma coisa com a qual ele não implique. Podem dizer:
– “A Revolução francesa destruiu uma ordem de coisas que tinha muitos aspectos bonitos. Por exemplo, não sei se Você ouviu falar no lindo complemento que havia depois que o rei era coroado. Depois da cerimônia cheia de pompa dentro da catedral, havia uma fila, que chegava a ter dois mil ou mais de certos doentes, que se admitia que se o rei tocasse, no dia da coroação, ficariam curados. Então, o rei passava daquela pompa enorme para o contato pessoal com cada doente. Ele tocava na parte enferma do indivíduo, e dizia: ‘O rei toca-te, que Deus te cure!’ Ia dizendo isso a cada um, acompanhado de uma palavra de bondade. O povo vendo aquela cena de bondade, ao lado de tanta majestade, ficava encantado.”
Aqui os senhores vêem que está focalizado um lado da cerimônia da coroação, que é agradável, atraindo a simpatia de muita gente. Está-se, assim, propiciando mais o momento de um dia vir a fazer uma carga contra a Revolução francesa, do que logo de cara tratar de um tema que venha à nossa cabeça. Sobretudo, deve-se evitar os temas que são impopulares. A brutalidade de hoje em dia é tal, que se se for elogiar certas coisas do ancien régime muito bonitas, também não compreenderão. Por exemplo, dizer:
– “Olha aquelas carruagens douradas, com vidros de cristal bombeado, com plumas nos quatro cantos, com uma coroa no centro, dirigida por postilhões vestidos deste e daquele modo… Era um verdadeiro décor para um homem e uma mulher se apresentarem.”
A mentalidade chula de hoje faz com as pessoas não gostem disso. Evitem e tratem de outra questão.
* Temas cacetes: como se comportar
Um tema muito mais fácil é tratar de motocicletas. São incontáveis hoje os rapazes que as têm. E gostam de conversar sobre elas. Eu acho um dos temas mais cacetes que pode haver no mundo, diga-se entre parênteses. Contar que ela parou, mas que ele depois descobriu a pane, mexendo numa pecinha… É de chorar de cacete. Mas, por apostolado:
– “Ah, aconteceu com sua motocicleta? Não me diga… Onde foi que aconteceu?” Como se fossemos tomados de interesse. É preciso que lhe dêem a impressão de que ele é interessante. Em geral, quando um homem sente ou tem a impressão de que está sendo interessante, ele quererá continuar a conversa. Quando, pelo contrário, tem a sensação de que não está sendo interessante, cessará logo a conversa. Devemos ser macios, e saber dar a impressão de que está interessante o tema. Aí a conversa pega, porque o homem começa a falar. Se ele sente que nós achamos que não é interessante, a conversa não pegará.
Um jovem francês contou-me isto: Na embaixada da França na Áustria davam regularmente recepções. Distribuíam os convidados de acordo com os funcionários da embaixada. Cada um tinha que estar presente, devendo conversar com tais e tais pessoas, de maneira que nenhum convidado ficasse sem conversa.
Havia uma senhora que era o desespero da embaixada, porque era casada com um homem a quem interessava muito a França agradar. Então, a embaixada convidava sempre o marido. Este ia levando sua mulher. O marido conversava normalmente, e a mulher, por mais esforços que se fizesse, não se conseguia conversar com ela. Mal se lhe dizia qual coisa, ela rematava secamente: “É… Não é…”
Apareceu um jovem candidato à diplomacia, um francês, que, olhando para ela, sentou-se ao seu lado, dizendo:
– “Madame, a senhora permite-me conversar um pouquinho?”
– “Pode!” Daí a pouco, para espanto dos outros, estavam numa conversa solta. Qual era o tema da conversa? A qualidade dos alimentos para bem se engordar as galinhas caseiras. Conversaram horas sobre isso. A mulher saiu encantada. O marido ficou bem influenciado para fazer um belo negócio com a embaixada.
Como se deu isso? O tempo inteiro ele conversou sobre criação de frangos. Era uma mulher que tinha como hobby a criação de frangos. Naquele ambiente seleto de uma embaixada não encontrava ninguém que soubesse criar frangos, nem conversava sobre rações. Encontrou um jovem que tinha a coragem heróica de falar sobre isso com ela, desatou-se-lhe a língua.
Esse jovem divertiu-se? Foi uma noite cacetíssima para ele. Mas, aconteceu uma coisa: deu um passo na carreira, porque ficou com a fama de saber como conversar com pessoas secas. E, com isso, animar uma reunião. Ele começou a ir para a frente na carreira dele.
* Qual o sinal de que se encontrou o tema a gosto do interlocutor?
Nossa carreira junto a Deus e a Nossa Senhora – que é junto a Quem nós queremos fazer carreira, o resto não nos interessa – consiste em trazer gente, fazendo conversar as pessoas sobre assuntos de que gostam. Quando é um esquisitão que conversa pouco, os senhores tenham a certeza de que é um maníaco. Ele tem um ou dois temas, que, quando entram na conversa, ele desanda. Então, é preciso ir tateando os assuntos, até encontrar-se o tema. Qual é o sinal de que se encontrou o seu tema? Ele acende-se, muda de posição na cadeira, e começa a falar às torrentes. Eu ganhei a minha partida, hoje à noite.
A mesma coisa com o apostolado. Encontram um rapaz que gosta muito de conversar sobre motocicleta. Percebem que é bom, preservado etc. Levem-no para a sede para continuar a conversar sobre seu tema. Em certo momento, os senhores mudam de assunto… Há um mural qualquer onde se vê uma linda paisagem do Brasil ou de algum país do Exterior. Dizemos:
– “Gostoso seria tocar de motocicleta por ali, hem?! Como aquela paisagem é bonita!” Qualquer coisa assim que a vá atraindo para outros pontos, para onde se quer, ou seja, para o Céu!
Os senhores dir-me-ão:
– “Dr. Plínio, esta é apenas a primeira parte. Depois como conversar? Uma vez que o rapaz está dentro da TFP, como conversar sobre nossos temas?”
* Conhecer bem as três vertentes
Ainda sobre os temas da TFP há uma variedade enorme de matérias. Nós fazemos habitual distinção entre três vertentes, segundo o tema de interesse de uma pessoa.
Há certas pessoas que têm interesse por assuntos especificamente religiosos. Então, trata-se desses assuntos com eles: vidas de santos, doutrina católica etc. Tudo quanto diz respeito, de perto, à Religião.
Há outras pessoas que têm interesse especial por assuntos socioeconômicos e políticos. É que chamamos a vertente política. Então, conversa-se com eles sobre esses assuntos.
Outros têm interesse especial por vertente psicológica: como é a psicologia das pessoas, como é a psicologia dele. Enquanto há pessoas que não gostam de falar de sua própria psicologia, há outras que estão loucas por falar sobre isso, com qualquer um. Esses têm vertente psicológica. Fala-se, então, com eles sobre essa matéria.
Há outras vertentes: a cultural, artística… Com cada um fala-se desses respectivos temas.
* O tema da conversa deve conduzir sempre ao amor de Deus
Mas, como transformar isso em matéria de apostolado? Mais uma vez, não estamos para perder nosso tempo para conversar sobre um desses assuntos que não conduza ao amor de Deus, de Nossa Senhora, à prática dos Mandamentos e ao combate à Revolução.
A resposta também não é complicada. Na conversa, devemos, primeiro, tratar do assunto em si. Mas, depois, fazer a elevação do assunto até um tema superior. Não vou ter a indiscrição de perguntar a um ou outro dos senhores quem foi José Bonifácio de Andrada e Silva, pois seria o contrário da arte de fazer uma reunião. Esta não pode dar-nos medo de, de repente, ser interpelado e não se saber. Vamos deixar isso de lado…
O tema consiste em falar bem ou mal do Sarney. Conversar sobre ele, não leva ninguém para o Céu. Nem se se tratar de falar contra ou a favor dele. Mas, estamos tratando com uma pessoa de um ambiente onde se fala de políticos o tempo inteiro. Ele quer falar disso. Deve-se entrar na conversa. Se a conversa cair sobre o Sarney, fala-se também. Mas, o que se deve fazer? Toma-se dali pretexto para falar sobre uma coisa diferente.
Vamos dizer que ele esteja elogiando muito o Sarney: É um homem formidável! Fez isto, arranjou aquilo…” Quando não se está de acordo, não vale a pena dizer que se está em desacordo, mas:
– “Ah, é? é?… Ahn Ahn…” Em Portugal, há um modo muito interessante de se fazer isso, quando se fala de uma assunto com o qual um português não se quer comprometer, dizem:
– “Pois… Pois…” Não é “pois não!” nem nada. “Pois…” O que equivale a dizer: “Estou de neutro nesse negócio… Você não me empurre para dentro do assunto, que eu não quero. Estou neutro”. Eles dizem um pouquinho à la carioca: “Poisj…” Com um “j” no fim do “s”: Poisj… poisj…
Os senhores dizem “pois, pois” no nosso ambiente. Em certo momento, dizem:
– “Ah, mas o Sarney tem todas essas qualidades? Os jornais não dizem isso. Estou sabendo por você… Veja, todos os talentos que está dizendo que ele tem, como seriam mais bem aproveitados, se ele fosse um católico praticante. E se ele, por causa disso, desse um bom exemplo da boa vida, da vida honesta, correta… Você já ouviu falar das virtudes cardeais? São as virtudes que um presidente República precisa ter para governar bem. É uma fórmula que se aplica a qualquer chefe de Estado. Precisa ter as virtudes da: Temperança, Fortaleza, Prudência, Justiça.” O sujeito fica admirado. Então se explica o que é. “De fato essas quatro virtudes servem até para guiar uma motocicleta”. Mas, apliquem ao caso do Sarney, que é o que lhe está interessando:
– “Um homem que está governando o Brasil precisa governar com jeito, evitando uma oposição muito forte. Ele tem uma oposição muito forte. Se ele fosse católico, teria mais este e aquele jeito de fazer… E daria numa coisa excelente!” Os senhores estão puxando para outro tema, e esse homem vai, pela primeira vez, sentir qual é o efeito da compreensão e da prática da doutrina católica na mentalidade de um homem. Assim, fizeram apostolado.
* Vários níveis de conversa
Deste modo, se aplica a arte de conversar numa escala maior, numa escala que não é simples para um rapaz que vai ao nosso lado no ônibus ou no metrô, é uma coisa mais elevada.
Os senhores perguntarão:
– “Qual é o auge ou o teto de elevação de uma conversa?”
Devemos saber sempre distinguir o que é Revolução do que é Contra-Revolução, em todo o tema que se tratar. Partir para a diferenciação desses dois campos. Se se derem ao trabalho de ler o livro “Revolução e Contra-Revolução”, ou se tiverem uma conferência ou exposição sobre esse livro, verão que, em tudo no mundo, cabe Revolução e Contra-Revolução. Não há uma coisa que não seja Revolução ou Contra-Revolução.
* Tema R-CR nas conversas: lustres e holofotes do Auditório São Miguel
Tenho aqui diante de mim objetos que os senhores só poderão ver se se voltarem para trás, não lhes quero dar esse incômodo… Olhem um momento para esse lustre que está ali: são dois lustres iguais. É um lustre revolucionário ou contra-revolucionário?
Poderão objetar-me:
– “Mas isso não é um homem vivo, é um objeto de metal, e, portanto, não tem nada que ver com a Revolução ou com a Contra-Revolução.”
É o contrário, tem que ver! Tudo tem que ver com a Revolução e com a Contra-Revolução! Olhando para ele, notarão que é um lustre que agrada aos temperamentos fortes. Um lustre assim não estaria adequado para um clube de senhoras. Por quê? Porque é de ferro batido, material preto e bruto. O temperamento gosta disso. O temperamento feminino é mais delicado, vai se pôr um lustrão junto, elas se sentem mal… Nós, homens, que gostamos da luta, das coisas fortes, olhamos e nos atrai. É contra-revolucionário gostar das coisas fortes.
O lustre, por outro lado, é forte e tem ornato. Notam que ele tem umas flores de lis. É circular e tem dentro de cada anel do lustre um desenho vazado, que é para evitar tomar o aspecto de uma algema… Algema de gigante que prendesse aquilo. É delicado, aliviando um pouco o que o lustre pode ter de muito bruto. A flor-de-lis que se ergue delicada, graciosa, altiva, também dá um elemento de distinção ao lustre. É uma luz, uma flor de lis. Entre luzes e lises, o lustre faz seu circuito. Ele é preso, por sua vez, ao teto, por correntes fortes. No alto, termina por uma coroinha: um fecho engraçadinho par uma coisa tão bruta. Há um contraste agradável. Este contraste é contra-revolucionário.
Por exemplo, estes focozinhos de luz aqui já são revolucionários. Foram postos aqui por uma necessidade de iluminação, necessidade técnica. No que são revolucionários? Toda a coisa que não tem nenhum ornato está na linha da Revolução. Esta quer acabar com os ornatos no mundo, quer um mundo feio, pobre e sujo, porque é do que o demônio gosta.
Ver uns focos de luz, assim, que estão apenas embutidos no teto sem mais nada, é um passo… Antigamente, os lustres eram de cristal, maravilhosos… Depois foram caindo, caindo… até o lustre de papelão. Agora, têm um tipo de lustre que está enfiado no teto como se alguém o tivesse empurrado com o dedo e grudasse. É uma coisa que não tem ornato.
Ora, Santo Tomás de Aquino diz que a reta ordem das coisas, é ter gravidade com ornato. As coisas devem ser sérias. Não podem ser coisas levianas, fúteis, mas devem ter um ornato. Aqueles lustres têm gravidade e ornato. Aqui, nem gravidade nem ornato. Aquele olho de luz que olha para baixo, e mais nada! Coisa revolucionária.
* O leão do estandarte
Aqui não há nada de revolucionário, graças a Deus… Há uma barreira alfandegária psicológica, a toda a prova. Realmente não há.
Olhem para este leão aqui. É um símbolo da Contra-Revolução! Por que ele é um símbolo da Contra-Revolução? Por que um comunista olhando para ele o odeia?
Em primeiro lugar, porque o leão é dourado. A coisa dourada significa categoria, superioridade. O comunista detesta toda a desigualdade. Portanto, um leão dourado não poderá suportar.
Esse leão, por outro lado, é altivo. Está com um ar, assim, entre passeando e agredindo. O porte dele: como a cabeça está posta; a língua que vai para fora e que vitupera; o olhar segura, olhando de frente; o passo – grande e forte – é próprio, no campo leonino, do que é o passo do homem de consciência reta, e que está seguro de suas convicções e disposto a sustentá-las; é o homem de fé; o homem contra-revolucionário está disposto a enfrentar o revolucionário assim. É pela garra – ou seja, o karatê –, ou pela língua – a polêmica.
Sabe argumentar, empurrar o outro na parede, se exprimir com facilidade. E, por isso, lá vai… Está seguro de que ele ganha a batalha. Há nele uma espécie de sensação de direito de fazer isso. Ele está ao serviço do direito, do bem, da fé. Por isso, o peito dele está marcado com uma cruz, um thau. Thau que tem toda uma história bonita no Antigo Testamento.
Olhem para a sua cauda. É uma cauda como nenhum leão tem. Tem-se impressão de um arabesco bonito. É uma cauda altaneira que se ergue quase como um chafariz, para indicar como ele sente a beleza de sua posição. Assim, ele vai para a frente.
Nada disto um comunista quer!
* A regra suprema da arte de conversar
Tomem o comunista mais moderno de nossos dias: Gorbatchev. Dizem que ele tem muita atração. A atração dele consiste em sorrir. Não é a atração do homem. Esta consiste em afirmar, em proclamar, em ser, em propor um diálogo ou uma polêmica séria sobre o que estão fazendo. É sim ou não! Nosso Senhor disse no Evangelho: “Seja vossa linguagem sim-sim, não-não” – regra suprema da arte de conversar. Um homem assim interessa, ainda que se esteja em desacordo com ele.
Uma pessoa que seja à maneira de como a Revolução quer, isto é, sem convicções, sem segurança de si, sem ideais e sem maneiras, que anda como um “Zé bôbo” qualquer pela rua, é o homem anônimo da rua que é a pobre vítima da Revolução…
O leão é uma Contra-Revolução! Tem que se saber ver.
Poder-se-ia exprimir isto ainda por muito mais tempo, mas o que está aqui já basta para os senhores pensarem e darem aproveitamento a muita coisa.
* Importância da graça no apostolado
Seria preciso acrescentar o seguinte:
Em matéria de apostolado não se consegue nenhum resultado sem uma ajuda especial da graça. E, por causa disso, enquanto o homem vai conversando para fazer apostolado, não conversa só com aquele com quem está, no momento, a fazer apostolado, ele conversa com Deus. Dirige rápidas jaculatórias a Deus, por meio de Nossa Senhora, por meio deste e daquele santo, anjo, para a graça iluminar a mente daquele com quem se está falando, tornando-a sensível para o que se estiver dizendo. Para a graça iluminar o próprio apóstolo de modo que ele saiba o que está dizendo, que empregue as palavras adequadas etc.
Não me lembro quem a proferiu, mas está na Sagrada Escritura a seguinte frase muito bonita: “Quando vos forem arrastar diante das autoridades civis, para vos julgar, não vos preocupeis com o que tereis que dizer, porque o Espírito Santo dir-vos-á.”
Isso tem uma certa aplicação para o nosso apostolado. Quer dizer, quando se tem um caroço difícil no apostolado não nos preocupemos e vamos falar diretamente, pedindo a Nossa Senhora, durante a conversa, que Ela, que é a Rainha dos Apóstolos e de cuja ação sobre as almas, pela graça de Deus, depende toda a decisão, tenha a condescendência de olhar-nos e inspirar-nos no que devemos dizer; Que Ela tenha condescendência de olhar para aquele pobre coitado e inspirar-lhe também o que tem que pensar.
Nota: Dr. Plinio fez outras exposições dedicadas a este vasto assunto e que completam a presente reunião:
* Santo do Dia, 5 de maio de 1979 – A arte de bem conversar
* 5 de dezembro de 1986 – A conversa, obra-prima da Civilização
* Santo do Dia, 4 de março de 1989, sábado (parte final) A arte de bem conversar: utilidade para bem escrever