Eremo do Amparo de Nossa Senhora, Jantar, 28 de abril de 1987
A D V E R T Ê N C I A
O presente texto é adaptação de transcrição de gravação de conferência do Prof. Plinio Corrêa de Oliveira a sócios e cooperadores da TFP, mantendo portanto o estilo verbal, e não foi revisto pelo autor.
Se o Prof. Plinio Corrêa de Oliveira estivesse entre nós, certamente pediria que se colocasse explícita menção a sua filial disposição de retificar qualquer discrepância em relação ao Magistério da Igreja. É o que fazemos aqui constar, com suas próprias palavras, como homenagem a tão belo e constante estado de espírito:
“Católico apostólico romano, o autor deste texto se submete com filial ardor ao ensinamento tradicional da Santa Igreja. Se, no entanto, por lapso, algo nele ocorra que não esteja conforme àquele ensinamento, desde já e categoricamente o rejeita”.
As palavras “Revolução” e “Contra-Revolução”, são aqui empregadas no sentido que lhes dá o Prof. Plínio Corrêa de Oliveira em seu livro “Revolução e Contra-Revolução“, cuja primeira edição foi publicada no Nº 100 de “Catolicismo”, em abril de 1959.
(…) sobre o acréscimo de devoção à Nossa Senhora, nós poderíamos considerar dois aspectos. Nossa Senhora na posição oficial da Igreja, da doutrina da Igreja, do magistério da Igreja etc., etc. Depois Nossa Senhora na piedade dos fiéis, na piedade privada, tanto dos dignatários da Igreja quanto do comum dos fiéis.
Nossa Senhora na posição oficial da Igreja realizou com o tempo, quer dizer, em relação a Ela foram feitos, com o tempo grandes progressos pela Igreja. O século XIX foi um século de expansão de piedade Mariana muito mais considerável do que o século XVIII. Isto se deve a que a Revolução Francesa produziu o caos e a desordem que todo o mundo sabe, mas ela teve depois um movimento que seria contra-revolucionário se os chefes desse movimento não tivessem, na sua maior parte, apostatado, errado de qualquer forma. Mas alguns, assim mesmo, perseveraram muito bem e fizeram grandes coisas.
Sob os auspícios de grande número de teólogos, de bispos, e cardeais etc., e por fim de Pio IX – cujo processo de beatificação já vai adiantado, as virtudes heróicas dele já foram reconhecidas pela Congregação que promove as canonizações dos Santos – sob a influência dele preparou-se o clima para a definição do Dogma da Imaculada Conceição. Esse dogma que afirma que Nossa Senhora foi concebida sem pecado original desde o primeiro instante de seu ser, esse dogma foi objeto de discussão durante séculos anteriormente, entre os católicos.
A nossa querida Espanha tomou a dianteira em favor da Imaculada Conceição. Nas universidades, certas universidades da Espanha, das maiores, só colava grau quem na hora de colar o grau jurasse fé em que Nossa Senhora foi concebida sem pecado original, embora o dogma ainda não tivesse sido definido pela Igreja.
Citaram-me – quem sabe algum se espanhol aqui sabe disso – citaram-me uma frase que havia na soleira de certas casas espanholas especialmente devotas à Imaculada Conceição, na soleira não, no alto da porta tinha uma coisa escrita assim: (o sentido era esse) “quem quiser transpor o limiar dessa casa, mas não professar que Maria Santíssima foi concebida sem pecado original, tenha a bondade de não entrar, vá embora!”
Mas a Imaculada Conceição encontrou oposição muito definida em outros países. E notavelmente em teólogos alemães. Teólogos alemães católicos, mas influenciados pela atmosfera protestante, que é majoritária na Alemanha. Um terço dos alemães, mais ou menos, era a mesma era católico; dois terços protestantes.
Apesar de todas as oposições, Pio IX definiu o dogma da Imaculada Conceição numa atmosfera de alegria de toda a Igreja, foi celebrado o dogma por toda parte, com novenas, com Missas solenes, com “Magnificats” e com “Te Deum” etc., alegria da Igreja inteira. Isso aumentou muito a devoção à Nossa Senhora.
Mas também, a devoção à Nossa Senhora, que antes da Revolução Francesa estava mais nos manuais ou nos Tratados do que na piedade do comum dos fiéis, expandiu-se muito entre os fiéis. E o número de Congregações religiosas que apareceu, dedicadas à Nossa Senhora de um modo ou de outro, o número de igrejas que se construiu em louvor de Nossa Senhora, o número de aparições de Nossa Senhora – entre as quais Lourdes e La Salette se destacaram enormemente, sobretudo Lourdes se destacou de modo enorme. Mas mais ou menos por toda a Europa, em vários lugares das três Américas apareceram Santuários nacionais erguidos em louvor de Nossa Senhora, Nossa Senhora foi coroada Rainha em vários países com aprovação da Santa Sé etc., etc.
Tudo isso teve uma expansão tal que se originou daí uma espécie de movimento reacionário mal, no começo do movimento liturgico. E que se chamava o “movimento cristocêntrico”. A idéia que movia esse cristocentrismo era de que Nosso Senhor Jesus Cristo é o centro da verdadeira piedade católica. Isto é tão evidente que fazer um movimento para sustentar o óbvio… Bem, era evidente que o movimento tinha outra coisa. Sob pretexto de Cristocentrismo, arrancar o maior número possível de imagens de Nossa Senhora que pudessem, empurrar Nossa Senhora de lado. Quer dizer, era começar esse modernismo, esse progressismo que está por aí, e que está levando o mundo onde os srs. estão vendo.
Agora, a devoção, se nós vamos ver – isto é uma opinião pessoal, nem sei se será a do padre Olavo [que estava presente] – mas se nós vamos ver o nível de devoção à Nossa Senhora que havia no fim do século XIX, e mesmo nas primeiras décadas desse século, com a devoção católica boa, direita… Ou por outra, a devoção à Nossa Senhora nos ambientes católicos bons e direitos da era imediatamente pré-conciliar, nota-se uma diferença. É que Nossa Senhora sendo Mãe de Deus e Mãe dos homens, está na condição de Mãe que a simples evocação da pessoa dela traga consigo a evocação de misericórdia, de bondade etc. É uma coisa evidente.
As orações mais insignes da Igreja à Nossa Senhora, evocam essa idéia da bondade dela: a “Salve Regina”, o “Memorare” etc., são orações da piedade privada, mas que nasceram dentro da Igreja e sob o bafejo da Igreja. São Bernardo o compositor etc., etc., e que são referências de uma eloquência magnífica à misericórdia de Nossa Senhora.
Mas Nossa Senhora não era considerada apenas assim. Ela era considerada também como Rainha, batalhadora etc., etc. Mais uma vez uma remissão à Espanha – não me queiram mal os meus espanhóis -, não à Espanha de hoje, mas à Espanha de algum tempo atrás. Mostraram-me uma fotografia de uma Imagem de Nossa Senhora [que esteve na batalha] em Lepanto [1571] e que é venerada assim numa igreja espanhola – não me lembro qual é, talvez os srs. saibam [igreja de São Domingos, em Granada, n.d.c.] – Nossa Senhora com couraça de guerreiro! Seria Nossa Senhora exterminadora! Mas que tem todo, e até todíssimo fundamento, se nós considerarmos que Ela em Lepanto apareceu terrível aos maometanos. Há fontes muçulmanas daquele tempo contando isto. Ela apareceu terrível aos maometanos, nisto auxiliando os católicos que eles iam matar e que eles iam reduzir à condição de escravos os que sobrevivessem. Então Ela foi auxiliadora verdadeiramente, foi auxiliadora dos bons contra os maus!
E nessa piedade privada pré-conciliar, é precisamente o que não se encontrava esta distinção entre bons e maus: Nossa Senhora é auxiliadora de todos… quer bem igualmente a todos… ama igualmente a todos… e, portanto, só pode ser apresentada como distribuindo graças e bens para todos…
Isto em um certo sentido é verdade. Nossa Senhora ama também os infiéis e até os piores dentre os infiéis, no sentido de que quer que eles deixem de ficar infiéis; no sentido em que quer a salvação deles. Mas não no sentido de que enquanto eles espalham a infidelidade Ela os ama. Nem no sentido de que Ela quer a impunidade para eles, e o risco que eles trazem para a verdadeira fé e para as almas, porque tem pena deles e não quer que eles sejam atingidos em nada… Seria “Nossa Senhora da cumplicidade”, um título blasfemo! [Nota: vide trecho de comentário de Santo Afonso Maria de Ligório à “Salve Regina”, na descrição deste vídeo]
Mas a devoção marial do período imediatamente pré-conciliar era assim. Comportava uma certa forma de adocicamento que dava exatamente nisso. E nessas condições me parece que a devoção à Nossa Senhora sofreu um certo envesgamento, um certo retrocesso.
Bom, fui muito pior quando com a onda criada pelo Concílio, o movimento progressista tomou conta de tudo quanto os srs. sabem, e a devoção à Nossa Senhora foi caindo até o ponto em que os srs. veem. Seria muito resumidamente a resposta à sua pergunta.
Notas: Santo Afonso Maria de Ligório escreveu em seu famoso livro “Glórias de Maria”: “Suponhamos que uma mãe soubesse que dois filhos seus eram inimigos mortais, intentando um tirar a vida do outro. Em tal conjuntura não seria dever de uma boa mãe procurar encarecidamente como pacificá-los? Assim pergunta Conrado de Saxônia. Ora, Maria é Mãe de Jesus e Mãe dos homens. Aflige-se quando vê um pecador inimizado com Jesus e tudo faz por reconciliá-lo com seu divino Filho. Do pecador só exige a benigníssima Rainha que se recomende a ela e tenha o propósito de emendar-se. Em o vendo a seus pés a implorar-lhe perdão, não olha para o peso de seus pecados, mas para a intenção com que se apresenta. Se esta é boa, mesmo que o pobre haja cometido todos os pecados do mundo, abraça-o e como terna Mãe não desdenha curar-lhe as chagas que na alma traz. Pois é Mãe de Misericórdia, não só de nome, senão de fato, e em verdade tal se mostra pela ternura e pelo amor com que nos socorre. (…) “É Maria a Mãe dos pecadores que se querem converter. Como tal não pode deixar de compadecer-se deles. Parece até que sente como próprios os males de seus pobres filhos. (…) Oh! prouvesse a Deus que todos os pecadores recorressem a esta doce Mãe, porque todos certamente receberiam do Senhor o perdão! − Ó Maria, exclama admirado Conrado de Saxônia, tu acolhes maternalmente o pecador desprezado por todo mundo, nem o abandonas antes que o hajas reconciliado com o juiz. Quer ele dizer: Enquanto o pecador perseverar no seu pecado, é aborrecido e desprezado de todos; até as criaturas insensíveis, o fogo, o ar, a terra, quereriam castigá-lo em desafronta à honra do seu Criador ultrajado. Porém, se este pecador miserável recorrer a Maria, expulsa-o Maria? Não; se vem com intenção de que o ajude a fim de emendar-se, ela o acolhe com maternal afeto. Não o deixa, sem primeiro, com a sua poderosa intercessão, reconciliá-lo com Deus e o reconduzir à sua graça” (cfr. op. cit. CAPÍTULO I – SALVE, RAINHA, MÃE DE MISERICÓRDIA, ítem IV. Maria também é Mãe dos pecadores arrependidos) https://jovensdacruz.com.br/wp-content/uploads/2019/12/glorias-de-Maria-jovens-da-cruz.pdf
Montagem fotográfica com: 1) imagem de Nossa Senhora do Rosário Coroada (Granada) – por Pablo H Realejo – Trabajo propio, CC BY-SA 4.0, https://commons.wikimedia.org/w/index.php?curid=70635418 2) a foto acima está sobreposta à do altar donde se venera Nuestra Señora del Rosario de la Iglesia de Santo Domingo de Granada. Por Pablo H Realejo – Trabajo propio, CC BY-SA 4.0, https://commons.wikimedia.org/w/index.php?curid=70786258
Não deixe de consultar o ESPECIAL – MARIOLOGIA, onde encontrará numerosas exposições de Dr. Plinio a respeito da devoção à Nossa Senhora.