“Santo do Dia”, 7 de outubro de 1964
A D V E R T Ê N C I A
O presente texto é adaptação de transcrição de gravação de conferência do Prof. Plinio Corrêa de Oliveira a sócios e cooperadores da TFP, mantendo portanto o estilo verbal, e não foi revisto pelo autor.
Se o Prof. Plinio Corrêa de Oliveira estivesse entre nós, certamente pediria que se colocasse explícita menção a sua filial disposição de retificar qualquer discrepância em relação ao Magistério da Igreja. É o que fazemos aqui constar, com suas próprias palavras, como homenagem a tão belo e constante estado de espírito: “Católico apostólico romano, o autor deste texto se submete com filial ardor ao ensinamento tradicional da Santa Igreja. Se, no entanto, por lapso, algo nele ocorra que não esteja conforme àquele ensinamento, desde já e categoricamente o rejeita”. As palavras “Revolução” e “Contra-Revolução”, são aqui empregadas no sentido que lhes dá o Prof. Plínio Corrêa de Oliveira em seu livro “Revolução e Contra-Revolução“, cuja primeira edição foi publicada no Nº 100 de “Catolicismo”, em abril de 1959. |
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Hoje é a Festa de Nossa Senhora do Rosário, festa instituída em comemoração da vitória de Lepanto (1571), alcançada neste dia contra os turcos que ameaçavam a Europa; estendida à Igreja universal em ação de graças. E estamos também na novena de Nossa Senhora da Imaculada Conceição Aparecida.
Sobre a devoção ao Santo Rosário, tanta coisa já se tem dito entre nós, e é uma devoção de tal maneira inculcada entre nós, que eu me sinto quase embaraçado em encontrar alguma coisa para dizer. Talvez fosse interessante tomarmos o espírito dessa devoção em alguns de seus aspetos, para compreendermos o valor da devoção ao Rosário. Em primeiro lugar, esta devoção tem como mérito muito grande ter sido revelada por Nossa Senhora a São Domingos, e nascer, portanto, de uma das revelações particulares que os inimigos da Igreja tanto abominam. É uma revelação particular que deu origem a esta devoção e, entretanto, esta devoção se estendeu por toda a Igreja Católica; ficou sendo considerada por São Luiz Grignion de Montfort a devoção característica dos predestinados; passou a ser o distintivo de muitas ordens religiosas, que em seu hábito traziam o Rosário à cintura e, a bem dizer, passou a ser o objeto de piedade de todo verdadeiro católico. De maneira que, assim como acontece conosco, tempo houve em que todo verdadeiro católico levava normalmente o Rosário consigo o dia inteiro. Não o considerava apenas como instrumento para contar Ave-Marias, mas como instrumento bento que era quase como uma espécie de corrente de ligação com Nossa Senhora e cuja presença, cuja posse física, tinha o condão de afugentar o demônio, de atrair a graça de Nossa Senhora, etc. Há episódios de lutas contra o demônio em que exorcistas e outras pessoas atiram o Rosário sobre o demônio e o demônio foge correndo, de tal maneira o Rosário passou a ser uma espécie de elemento de luta permanente contra o demônio. Ora, o que vem a ser o Rosário? Em síntese, como os senhores sabem bem, o Rosário se compõe da meditação dos Mistérios da vida de Nossa Senhora e de Nosso Senhor. Estes Mistérios são de tal maneira que pronunciamos as orações vocalmente mas, ao mesmo tempo em que as pronunciamos vocalmente, meditamos a respeito do Mistério. Esta conjunção da oração [vocal] com a meditação é uma coisa esplêndida, porque enquanto os lábios proferem uma súplica, o espírito se concentra num ponto. E, por esta dupla atividade, o homem faz, a bem dizer, tudo o que pode fazer na ordem sobrenatural. Porque ele se une, por suas intenções, àquilo que seus lábios pronunciam. E ele se entrega, por sua mente, àquilo que seu espírito medita. E por esta forma ele se liga intimamente a Deus durante essa oração; ligação tanto mais acentuada e definida quanto, sendo Nossa Senhora a Medianeira de todas as Graças, e sendo o grosso das orações do Rosário Ave-Marias, é por meio da Medianeira de todas as Graças que a pessoa se dirige a Deus. Há, portanto, uma espécie de pequeno tesouro de elementos de teologia dentro do Rosário, que fazem do Rosário uma verdadeira obra prima de espiritualidade; e uma obra prima de Doutrina Católica, da Doutrina como deve ser entendida. Não feita de emoções, mas séria, sólida, pensada, com uma porção de razões de ser, firmes que, então, nos explicam que o Rosário, realmente, é uma devoção suculenta, substanciosa e de grande valor. E que explica as inúmeras graças que Nossa Senhora, por meio dessa devoção, tem concedido a todos. De outro lado, é muito bonito meditar cada uma das dezenas do Rosário. Porque cada uma dessas dezenas tem um Mistério que confere graças próprias. Umas, são as graças que nós podemos obter por causa do Mistério da Anunciação; outras, as que podemos obter pelo Mistério da Visitação; outras, as que podemos obter pelo Mistério da Ascensão. Cada um desses Mistérios traz graças próprias. E nós, rezando e meditando sobre esses Mistérios, atraímos sobre nossas almas, a bem dizer de um modo global, todas as graças da Vida de Nosso Senhor Jesus Cristo. É, portanto, de circunavegação, é um périplo dentro desse mundo, que enche a nossa alma. E é este mais um título, pelo qual nós compreendemos a ação benfazeja do Rosário. Eu atraio a atenção dos senhores para o seguinte: como isto é profundamente raciocinado, como isto é profundamente pensado e ponderado, [e sirva] para os senhores terem bem em vista como é a vida espiritual do católico e, sobretudo, do varão católico. A vida espiritual do varão católico é feita de pensamento, de reflexão com base na Fé, de conclusões que se arquitetam, que se travam umas nas outras, e que constituem sistema. E os senhores vêem aí que, analisando ponto por ponto essa devoção, encontramos uma porção de razões – e razões sérias – que nos convencem, que nos incutem confiança nessa devoção. Em todas essas devoções há algo mais, que não é só a devoção. [Ela] é muito boa. Mas Deus, no modo pelo qual governa o Universo, faz tudo com conta, peso e medida. Ele, por assim dizer, usa de Sua soberana liberdade fazendo, por um ato que é de [Seu] santíssimo e sapientíssimo arbítrio, algo que vem, que se acrescenta a isto e que, vamos dizer, não tem outra razão de ser a não ser a simples vontade de Deus. Quer dizer, o Rosário é uma devoção excelente por todos esses motivos. Mas vê-se, por todas as graças que ele tem alcançado para a humanidade, que Nossa Senhora quis, nesta devoção, de um modo especial e por um ato de sua liberalidade pura, super acrescentar graças. Então, entre muitas outras devoções que também são excelentes, que também se fundam em razões teológicas magníficas, Ela resolveu realçar esta, e conceder a propósito dela, graças muito especiais. Além de todos esses motivos, há um motivo histórico que se acrescenta a eles. É que, se nós consideramos essa devoção, nós vemos que ela tem sido, ao longo da história da Igreja, uma oportunidade enorme para graças que Nossa Senhora concede porque Ela quer, e em que se afirma este caráter próprio da soberana, que é um certo livre arbítrio que paira acima das contingências, que não é o contrário da sabedoria, mas é o supra-sumo da sabedoria; é o livre arbítrio, alvedrio da soberana, fazendo por um ato próprio e gratuito de Sua liberalidade, algo a que, em rigor, a natureza das coisas não A obrigava. E nisso nós temos uma espécie de super-excelência do Rosário.
Os senhores têm, entre outras graças insignes alcançadas pelo Rosário, a graça da vitória de Lepanto. Os senhores sabem que tal vitória foi alcançada enquanto São Pio V tinha a visão do triunfo das tropas católicas. Ele estava muito aflito, numa reunião de cardeais, e saiu um pouco junto à janela, preocupado com o destino da esquadra que tinha mandado para conter os turcos no Mediterrâneo Oriental, quando teve a visão. Sabe-se que a derrocada da Cristandade estava iminente nesse momento e que o Papa era quase o único a se preocupar com isso. São Pio V ordenou que a 7 de outubro de todos os anos se comemorasse uma festa em honra de Nossa Senhora das Vitórias, título alterado posteriormente em Nossa Senhora do Rosário, pelo Papa Gregório XIII. Outra vitória assinalada, no mesmo gênero e contra o mesmo inimigo – o Crescente – foi em 1716, na Hungria. Se os antecedentes são esses, e se Nossa Senhora quis obter para a Cristandade duas grandes vitórias contra o grande inimigo da Igreja no tempo, como hoje é o Comunismo, nós podemos muito legitimamente concluir que, pela devoção do Rosário, que deverá durar certamente até o fim dos tempos, a Igreja poderá alcançar, na luta contra o Comunismo, vitórias também espetaculares. E nós podemos concluir uma outra coisa. Provavelmente a recitação assídua do Rosário por aqueles que lutarem pelo Reino de Maria, conforme as profecias de Fátima, será uma das grandes ocasiões de vitória e, talvez, marcará o momento culminante da plena realização dos acontecimentos ali profetizados. O Santo Rosário, em virtude de seus antecedentes – antecedentes históricos constituídos livremente por Nossa Senhora -, o Santo Rosário é um penhor de vitórias futuras. Eu acrescentaria, que ele é um penhor de vitórias futuras, por outra razão. Sempre me impressionei muito com um fato que li numa biografia de Santo Afonso de Ligório, que até já narrei aqui. O santo, bispo, fundador de uma ordem religiosa [os redentoristas], já muito velho, andando de cadeira de rodas pelo convento, levado por um irmão, ia rezando junto com ele. Andava pelo convento para espairecer um pouco, para não estar sempre no quarto. Uma vez perguntou ao irmão – ou mais de uma vez, não me lembro bem – se já tinham rezado o Rosário inteiro. O irmão disse a ele: “- Nem um.” (não me lembro bem). “-Rezemos, então” respondeu. “- Mas o senhor está cansado, que diferença faz, num dia, não rezar o Rosário?” Disse ele: “- Se um dia se passar sem que eu reze o Rosário, eu tenho medo pela minha salvação eterna.” Gostei desse trecho porque eu sinto… eu acho que todos nós devemos sentir exatamente o mesmo. O Rosário cotidiano é a grande garantia da perseverança final. Se diminuísse no Grupo (*) a devoção ao Rosário, tenho a impressão que ele se desintegraria. E que o mau espírito pulularia dentro dele, as discórdias, as desconfianças, as desavenças, tudo pulularia dentro dele e, de um momento para outro, ele desapareceria. E o Rosário bem rezado, pausadamente rezado, é um elemento magnífico exatamente para nos alcançar esse progresso, essa perseverança que deve nos levar à fidelidade suprema. Quer dizer, desde já, nesta espécie de prolongado Lepanto que é a vida do Grupo, o Rosário tem um papel primordial, um papel verdadeiramente capital. Eu até louvei muito a largueza de vistas de Frei Jerônimo (**) que, como diretor da Ordem Terceira (***), compreendeu bem isto, e dispensou a muitíssimos de nós – ou a todos – de rezarmos o Ofício para rezarmos o Rosário, compreendendo a relação especialíssima do Rosário conosco. Alguém dirá: “- Mas, o Ofício ou o Rosário, não dá mais ou menos na mesma?” Eu volto àquela minha idéia de uma espécie de ato arbitrário de Nossa Senhora – mas santamente arbitrário – pelo qual Ela cumulou o Ofício de indulgências, e é muito louvável rezá-lo mas, do Rosário, fez uma devoção verdadeiramente incomparável. De maneira que a minha indicação na noite de hoje é de um veemente esforço para rezarmos o Rosário inteiro todos os dias. Mais ainda, pedirmos a Nossa Senhora, como graça de hoje, que todos rezem o Rosário todos os dias, superando alguma fraqueza, algum cansaço que possa apresentar-se a respeito disso. E para tornar o Rosário útil e mais fácil de rezar, eu creio que o processo indicado por São Luiz Maria Grignion, que faz do Rosário um estupendo elogio, [é o indicado]. É um processo muito bom: decompor o Mistério em dez pontos e, segundo cada conta, meditar um ponto, de maneira que haja uma certa variedade de considerações e o espírito possa mais facilmente se concentrar. Há vários processos assim. A recomendação é esta: do Rosário diário compreendendo que, por um ato de liberalidade de Nossa Senhora, desde já, a Lepanto da vida de cada um de nós, está ligada à recitação diária do Rosário. E volto a dizer, não adianta vir com essa coisa: “Mas afinal, essa devoção ou outra, não é igual?” Nossa Senhora tem o direito de estabelecer as suas preferências! Há alguns autores que acham, a respeito do fruto proibido do Paraíso, que ele não tinha nada de intrinsecamente mau, mas que era uma coisa puramente arbitrária de Deus, ligada àquilo; não se podia comer porque Ele não queria, mais nada; por um ato de obediência a Ele; e era preciso obedecer. Há um ato de humildade em rezar o Rosário entre tantas devoções tão excelentes; rezar o Rosário porque Nossa Senhora tem indicado que Ela prefere essa devoção; e que a prefere, talvez, apenas por um ato de obediência que se tem de prestar rezando isso porque Ela declarou que prefere. E [também] devemos nos apegar ao Santo Rosário com todas as forças de nossa alma, [porque essa devoção] é a mais combatida, evidentemente. Gostaria de concluir dizendo que, em muitos lugares, havia antigamente, e ainda continua, a tradição de sepultar os mortos levando na mão um pequeno crucifixo; e que se completou naturalmente entrelaçando nas mãos do morto um Rosário. E a idéia é essa: o morto se apresenta ao Céu com a Cruz e o Rosário; exatamente com a Cruz e o Rosário porque o Rosário passou a ser, vamos dizer, o elemento inseparável da verdadeira piedade cristã. Se uma contra-prova devesse haver da predileção de Nossa senhora Pelo Rosário, essa contra-prova seria o ódio que os inimigos dEla têm contra o Rosário; um ódio marcadíssimo. Os senhores não verão os inimigos da Igreja – internos ou externos – atacarem nenhuma devoção a Nossa Senhora tanto quanto atacam o Rosário. Naturalmente, porque o demônio sente e sabe que Ela quis, por meio do Rosário, dispensar muitas graças. Com essas considerações, eu creio que nos cabe aqui formar um propósito e pedir a Nossa Senhora que abençoe esse nosso propósito e que nos dê as graças para o cumprirmos adequadamente. (*) Grupo: O “grupo” que se reunia em torno ao “Legionário” e, posteriormente, ao “Catolicismo”, deu origem à TFP. Daí manter-se a denominação de “Grupo” para referir-se a si mesmos. (**) Frei Jerônimo van Hintem, Carmelita e amigo de longa data do grupo de Catolicismo e depois da TFP. (***) Tanto o Prof. Plinio como a maioria dos membros do então “Grupo de Catolicismo” pertenciam à Ordem Terceira do Carmo. |