Nossa Senhora das Neves (na Basílica de Santa Maria Maior, em Roma – festa 5/8): a importância da tradição

Plinio Corrêa de Oliveira

 

Nossa Senhora das Neves

e a importância da tradição

 

 

 

 

Santo do Dia, 5 de agosto de 1965

 

A D V E R T Ê N C I A

O presente texto é adaptação de transcrição de gravação de conferência do Prof. Plinio Corrêa de Oliveira a sócios e cooperadores da TFP, mantendo portanto o estilo verbal, e não foi revisto pelo autor.

Se o Prof. Plinio Corrêa de Oliveira estivesse entre nós, certamente pediria que se colocasse explícita menção a sua filial disposição de retificar qualquer discrepância em relação ao Magistério tradicional da Igreja. É o que fazemos aqui constar, com suas próprias palavras, como homenagem a tão belo e constante estado de espírito:

“Católico apostólico romano, o autor deste texto  se submete com filial ardor ao ensinamento tradicional da Santa Igreja. Se, no entanto,  por lapso, algo nele ocorra que não esteja conforme àquele ensinamento, desde já e categoricamente o rejeita”.

As palavras “Revolução” e “Contra-Revolução”, são aqui empregadas no sentido que lhes dá o Prof. Plínio Corrêa de Oliveira em seu livro “Revolução e Contra-Revolução“, cuja primeira edição foi publicada no Nº 100 de “Catolicismo”, em abril de 1959.

Na Basílica de Santa Maria Maior, em Roma, conservam-se os restos do Presépio de Nosso Senhor Jesus Cristo. Esta Basílica foi consagrada no ano de 432. Seu teto é coberto com o primeiro ouro vindo da América. Foi nela que os rosários rezados por São Pio V alcançaram a vitória de Lepanto.

Gostaria de mostrar aos senhores, antes de tudo, o que é um ambiente saturado de história. Numa mesma Basílica, quantas coisas magníficas: pedaços da manjedoura onde Nosso Senhor Jesus Cristo esteve; depois, uma idéia lindíssima: tirar as primícias do ouro de um continente e em vez de aplicá-lo em transações bancárias, utilitárias, destina “inutilmente” ao teto de uma igreja, e de uma igreja dedicada a Nossa Senhora, reconhecendo assim Nossa Senhora como Medianeira de todas as graças.

Depois vemos a recordação esplêndida do rosário rezado por São Pio V, por ocasião da batalha de Lepanto (a 7 de outubro de 1571). Os senhores vêem, então, grandes fatos históricos – um deles divino, que é a Encarnação de Verbo – todos eles deixando seus traços no mesmo monumento. Isto é o esplendor de uma civilização tradicional! Compreende-se porque no nome da TFPantes mesmo das palavras Família e Propriedade, colocamos Tradição.

* * *

Passo, agora, às considerações sobre Nossa Senhora das Neves feitas por Dom Guéranger, em sua obra “L’Année Liturgique”. Outra tradição magnífica é que essa igreja foi a primeira, em Roma, a ser consagrada a Nossa Senhora.

“Foi na metade do IV século que o Papa Libério acrescentou uma abside à vasta sala chamada “Sicininum” e a consagrou ao culto. É  por isso que às vezes se dá a esta Basílica o nome de basílica liberiana. Sixto III a reconstruiu quase inteiramente e depois a dedicou, por volta do ano 435, à Virgem da qual o Concílio de Éfeso tinha, em 431, definido a Maternidade Divina e consagrado no nome de Teotokos, que quer dizer Mãe de Deus. Foi então que a Basílica recebeu e conservou seu nome de Santa Maria Maior”.

Quer dizer, esta igreja data do meio do IV século enquanto igreja, mas a sala que foi tomada como seu núcleo e à qual se acrescentou uma parte do edifício, tem um tempo indeterminado. Vejam, então, que tem 1600 anos: é o esplendor da tradição!

“Uma linda lenda nascida na Idade Média relata que Nossa Senhora apareceu em sonho ao papa Libério, mandando que construísse uma basílica sobre o monte Esquilino (onde se acha Santa Maria Maior, em Roma), no lugar em que ele encontraria, no dia seguinte, tudo coberto de neve. Com efeito, no dia seguinte, embora se estivesse em plena canícula, uma neve miraculosa indica a colocação da basílica desejada por Nossa Senhora. É por isso que se teria podido chamar essa Igreja de Nossa Senhora das Neves. A lenda não deixa de ter relação com o uso de se espalharem, nesse dia, flores brancas na basílica.

“Esse costume simbólico, exprimindo a pureza virginal de Nossa Senhora, esteve, talvez, na origem da lenda ou, pelo contrário, a lenda deu origem ao costume? Não se sabe. O certo é que Santa Maria Maior merece bem o seu nome. É a Basílica de Nossa Senhora por excelência. E se muitas vezes a transcendental pureza das catedrais de Nossa Senhora de Chartres ou de Amiens fez jorrar do coração do peregrino brados de alegria e de louvor, é a confiança tranquila e a indulgência infinita da Mãe que convida a harmonia de Nossa Senhora de Roma”.

Os senhores vêem aqui um lindo papel das lendas. Os espíritos geométricos e sinárquicos não gostam das lendas, porque não está demonstrado que foi verdade… Não compreendem que a lenda existe para demonstrar uma verdade superior: a própria verdade histórica. Aqui há uma série de coisas que estão demonstradas de Nossa Senhora.

Quer dizer, se a neve não caiu na basílica (talvez tenha caído), Nossa Senhora é tal que Ela se mostraria bem como é, tendo agido assim. Então, por aí se tem uma idéia de como é Nossa Senhora. Nesse sentido, a lenda dá uma verdade de caráter superior. Como é próprio de Nossa Senhora violar todas as regras de distância que há entre o Céu e a terra e aparecer para um Papa; como também é próprio de Nossa Senhora indicar o lugar para algo maravilhoso; como lhe é próprio ter escolhido a neve na canícula para indicar um lugar para Si, uma vez que a neve representa o refrigério no meio do calor.

No calor horroroso de Roma, aparece um lugar coberto de uma neve maravilhosa: isto é bem o que Nossa Senhora é para nós em nossa vida. É a neve no meio do calor de nossas batalhas sempre dentro da lei de Deus e dos homens, de nossas provações, dos nossos sofrimentos, no meio da poeirada dessa vida… é a neve alvíssima, branquíssima, imaculada, refrigerante, que nos dá um ante-gosto do Céu! De maneira que o fato, podendo não ser verdadeiro, é inteiramente verdadeiro o que ele nos diz de Nossa Senhora e, portanto, enunciando uma verdade de caráter superior. É o mérito da lenda.

“É nessa Igreja que, numa noite de Natal, Nossa Senhora depôs o Menino Jesus nos braços de São Caetano de Tiene. É aqui que, durante uma outra noite de Natal, Santo Inácio de Loyola celebrou sua primeira Missa. É  aqui que os rosários rezados por São Pio V obtiveram para os cruzados a vitória de Lepanto.

“Há na Basílica uma capela que tem uma imagem de Nossa Senhora, que talvez seja mais antiga que se conhece, e que se diz que foi um quadro pintado por São Lucas.

“É aqui, diante da Madona de São Lucas, que São Carlos Borromeu gostava de rezar e é aqui que, para testemunhar sua gratidão para com a Mãe de Deus, ele deu uma regra monástica aos cônegos dessa Basílica”.

Os senhores estão vendo, portanto, além de todas essas tradições, esse desfile de Santos…

O que me surpreende é que não se conte que aqui está sepultado o grande São Pio V, o grande Papa santo e inquisidor-mor, o grande inimigo do protestantismo e o grande inspirador da batalha de Lepanto.

Vejam quantas maravilhas num só lugar! Mais uma vez insisto na importância da tradição e da lenda (entendida a palavra como fato inverosímil, n.d.c.).

Falei de quanto é possível que seja lenda a queda da neve sobre o terreno onde se construiria Santa Maria Maior. Entretanto, o fato se deu. E isto porque há uma porção de coisas na Idade Média que são à maneira de lenda.

Por que acabaram os fatos à maneira de lenda? E por que a história foi se tornando cada vez mais uma sucessão de fatos com aspecto puramente natural? E por que, por fim, está tomando agora o aspecto de pesadelo? Poderíamos dizer que houve três etapas: a da beleza lendária, a da normalidade natural e a etapa do pesadelo cada vez mais frequente. Explica-se esta transformação pela transformação do próprio homem.

Numa época em que os homens tem o espírito elevado, tem fé, tem o senso das coisas celestes e, portanto, dos modelos ideais e das coisas perfeitas, eles desejam as coisas extraordinárias, tendem para elas e as praticam. O Céu os apoia e afirma com milagres aquilo que fazem.

A partir do momento em que veio a época do terra-a-terra – com o racionalismo, protestantismo, cartesianismo e todas as formas de naturalismo – este  começa a surgir e a história se torna terra-a-terra. Então, aparecem os “colossos” da nova era. O colosso da era da lenda é um homem que realiza coisas tais que nunca se poderia imaginar que um simples homem pudesse fazer. O colosso da era do naturalismo é muito menos do que isso: ele faz tudo quanto se podia imaginar… Não fez o inimaginável. Depois vem o homem do pesadelo… porque o naturalismo gera monstros.

Altar com o quadro de Nossa Senhora das Neves, também chamada Salus populi romani

Para uma visita virtual na Basílica:

https://www.vatican.va/various/basiliche/sm_maggiore/vr_tour/index-it.html 

 

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