Nossa Senhora do Divino Amor: verdadeira alma do apostolado

Plinio Corrêa de Oliveira

 

Nossa Senhora do Divino Amor:

verdadeira alma do apostolado

(áudio e texto)

 

“Santo do Dia”, 25 de outubro de 1971

 

A D V E R T Ê N C I A

O presente texto é adaptação de transcrição de gravação de conferência do Prof. Plinio Corrêa de Oliveira a sócios e cooperadores da TFP, mantendo portanto o estilo verbal, e não foi revisto pelo autor.

Se o Prof. Plinio Corrêa de Oliveira estivesse entre nós, certamente pediria que se colocasse explícita menção a sua filial disposição de retificar qualquer discrepância em relação ao Magistério da Igreja. É o que fazemos aqui constar, com suas próprias palavras, como homenagem a tão belo e constante estado de espírito:

“Católico apostólico romano, o autor deste texto se submete com filial ardor ao ensinamento tradicional da Santa Igreja. Se, no entanto, por lapso, algo nele ocorra que não esteja conforme àquele ensinamento, desde já e categoricamente o rejeita”.

As palavras “Revolução” e “Contra-Revolução”, são aqui empregadas no sentido que lhes dá o Prof. Plínio Corrêa de Oliveira em seu livro “Revolução e Contra-Revolução“, cuja primeira edição foi publicada no Nº 100 de “Catolicismo“, em abril de 1959.

 

 

Não há Santo do Dia em nosso calendário hoje e eu tenho um pedido para falar de uma invocação de Nossa Senhora que é Nossa Senhora do Divino Amor. Eu sugeri que essa invocação fosse dada como título ao Êremo [*] de Petrópolis, atualmente em estágio em Curitiba. Eles aceitaram de bom grado e me pediram uma explicação a respeito desse fato, dessa invocação, e eu passo a dar a invocação agora.

Nossa Senhora do Divino Amor

Igreja da Consolação – São Paulo

Os senhores tem uma imagem de Nossa Senhora do Divino Amor na igreja da Consolação, na capela do Santíssimo Sacramento, à direita de quem olha para o altar do Santíssimo Sacramento, há uma coluna sobre o qual se encontra uma imagem de Nossa Senhora, lavrada em madeira. E é Nossa Senhora que tem no coração o Espirito Santo e é a invocação de Nossa Senhora do Divino Amor.

O que é que vem a ser? Qual é o sentido profundo dessa invocação? O sentido profundo é o seguinte: os senhores sabem bem que a coisa mais preciosa que o homem pode ter nesta terra, a que lhe granjeia o céu é o amor de Deus. O amor de Deus é o primeiro de todos os Mandamentos e é o mandamento que dá valor a todos os outros.

Quer dizer se uma pessoa cumprisse todos os outros mandamentos por outras razões que não o amor de Deus, aos olhos de Deus o cumprimento de todos esses mandamentos não tinha valor. Porque é preciso que as coisas sejam feitas por amor de Deus para terem valor. Quer dizer, a virtude cúpula, a virtude áurea, de acordo com a doutrina católica, é o amor de Deus.

Agora, este amor de Deus é, por outro lado, o que nos abre as portas do céu. Quer dizer, só entra no céu quem tem amor de Deus, e no céu nós estamos praticando um eterno ato de amor de Deus.

De maneira que Nossa Senhora do Divino Amor é Nossa Senhora enquanto nos obtendo a mais alta virtude e o mais alto dom que ela pode obter para uma criatura. Enquanto nos comunicando a mais alta virtude que Ela teve, que foi o amor de Deus. De maneira que nós precisamos nos perguntar qual é o papel de Nossa Senhora na obtenção do amor de Deus e na difusão do amor de Deus.

A coisa se põe de um modo muito simples. Se Nossa Senhora — e esta é uma verdade de fé que ninguém pode negar sob pena de pecado mortal — se Nossa Senhora é a Medianeira de todas as graças, quer dizer, todos os pedidos que vão a Deus passam por Ela; os homens só obteriam se Ela pedisse junto com eles, se todos os pedidos de todos os santos do céu feitos em união com Nossa Senhora são atendidos, mas se Nossa Senhora não pedisse com eles, não seriam atendidos; Nossa Senhora pedindo sozinha sem eles todos, Ela sozinha é atendida; de tal maneira que Ela é o ponto por onde todas as preces chegam a Deus e se tornam agradáveis a Deus.

Também é verdade que todas as graças que Deus dá, nos dá então por meio dEla. Porque se é Ela fundamentalmente que obtém, então também é verdade que é Ela fundamentalmente que concede. E que Ela é o canal por onde todas as graças, todas as preces sobem, e todas as graças descem para os homens. E é assim verdade que o amor de Deus é Nossa Senhora que obtém para os homens.

Agora, o amor de Deus nós podemos considerar em duas linhas: o amor natural e o amor sobrenatural. O que é o amor natural de Deus? É o amor que teria a Deus um homem se não conhecesse senão a religião natural.

O que vem a ser a religião natural? Há certas coisas a respeito de Deus que os homens conhecem simplesmente pela razão, não porque estejam na Escritura, não porque portanto tenham sido reveladas, não porque constem da Tradição mas é simplesmente por causa da razão humana que o homem conhece certas coisas a respeito de Deus.

Essas coisas que ele conhece de Deus, quer dizer, que há um só Deus, supremo, criador de todas as coisas, infinitamente perfeito, misericordioso, portanto justo, que ama os homens e que os chama para uma vida eterna depois dessa existência, essas verdades que o homem conhece simplesmente por sua razão, elas justificam um amor que o homem tem a Deus também, um amor de índole meramente natural.

Quer dizer, o homem ama a Deus por causa daquilo que ele conhece. Estão nesse caso as almas que estão no Limbo, as almas de pessoas que morreram quando eram crianças, não tinham ainda a idade de razão, não podiam portanto nem pecar nem não pecar, mas que logo que morrem a sua alma atinge o estado adulto e elas amam a Deus pelo que conhecem de Deus, e amam a Deus por toda a eternidade. Mas amam a Deus apenas por  aquilo que a sua razão lhes diz de Deus.

Mas para nós que fomos batizados, para nós que além de batizados temos toda a vida da graça que a Igreja oferece, temos a fé, não há apenas esse amor natural de Deus, há também o amor sobrenatural de Deus. O que vem a ser o amor sobrenatural de Deus? O amor sobrenatural de Deus é o fruto próprio de um conhecimento sobrenatural de Deus. Quer dizer nós conhecemos de Deus pela Escritura, pela Tradição, portanto pela Revelação, nós conhecemos de Deus incomparavelmente mais do que nossa simples razão poderia dizer.

Por exemplo a Santíssima Trindade nós não conhecemos pela nossa razão, nós conhecemos simplesmente porque foi revelado. E assim uma porção de outras, um caudal enorme de verdades de fé, fundamentais, que nós só conhecemos porque Deus revelou.

Ensina-nos a Igreja que esse ato pelo qual a razão humana adere ao que foi revelado, é um ato sobrenatural, não é um puro ato natural. Nós não percebemos que ele é sobrenatural, mas de fato ele o é. Quer dizer, sem uma graça que Deus dá ao homem para isto, o homem é incapaz de crer. O ato de fé, embora seja um ato conforme a razão, justificado pela razão, a simples razão não basta para que o homem faça o ato de fé, ele precisa de um auxilio especial.

E esse auxilio especial que é a fé, é já nesta terra o começo da visão beatifica, quer dizer é uma espécie de semente do ato que nós faremos quando nós no céu contemplarmos Deus face a face.

Esse ato de conhecimento sobrenatural de Deus que é a fé, traz como conseqüência própria o amor de Deus, mas um amor sobrenatural também. Um amor que só pode ser obtido, portanto, por meio de uma graça. E este amor que vem, portanto, de Deus para nós, – para nós amarmos a Deus, é preciso que antes Deus nos tenha amado e nos tenha dado a graça de amá-Lo, – esse amor que Deus tem por nós é o amor que Ele nos dá, o primeiro passo é dEle para conosco e não nosso para com Ele. E esse amor sobrenatural é um amor que também nos vem da fé, nos vem da graça e sem a graça nós absolutamente não o obteríamos.

Nossa Senhora é que pede para nós a fé. Nossa Senhora é que pede para nós a graça do amor, e sem a graça nós não teríamos nem a fé nem o amor sobrenatural.

Então o que é Nossa Senhora aí? Nossa Senhora é a medianeira que obtém de Deus para nós esse amor sobrenatural dEle, que é o por onde o católico pode salvar-se. O católico não pode salvar-se sem um amor sobrenatural de Deus.

Bem, agora, não é apenas o caso de dizer que Ela pela intercessão dEla obtém esse amor, mas Ela é um reservatório desse amor, Ela é uma tocha ardente desse amor, e esse amor se comunica de um para o outro. Ela passa esse amor dEla que ama mais a Deus do que todas as criaturas juntas o amam, Ela passa para as criaturas, ela transmite para as criaturas.

Ela é mais ou menos como uma tocha que se acende no sol que é Deus, e que depois com o fogo que nEla se acendeu passa a todas as outras criaturas. Quer dizer ela comunica esse amor do qual ela é um reservatório, um mar, um oceano imenso. Ela transmite esse amor aos outros

Assim, em ultima análise, para todos os problemas de nossa vida interior, nós temos que pedir antes de tudo o amor de Deus. Temos que agradecer o amor de Deus que nós recebemos e temos que pedir mais amor de Deus.

Nós não podemos fazer a Nossa Senhora um pedido mais agradável do que pedir a Ela que nos dê amor de Deus. Se nós tivermos amor de Deus nós praticaremos todas as outras virtudes; se nós não tivermos amor de Deus não praticaremos virtude nenhuma.

A repercussão disso sobre o apostolado é uma repercussão enorme, porque o ato de apostolado é um ato pelo qual uma pessoa comunica a outra o conhecimento de Deus através da fé. E o amor de Deus, através do bom conselho que acende na pessoa o amor de Deus.

Para que meu ato de apostolado seja fecundo só pode ser por uma ação sobrenatural da graça ajudando meu ato. Se não meu ato é inteiramente incapaz de fazer qualquer coisa. Os senhores se lembram da comparação que eu dei da energia elétrica que passa pelo tungstênio. A graça seria algo de mais ou menos parecido com a energia elétrica que passa pelo tungstênio.

Então, Nossa Senhora é a verdadeira alma do meu apostolado, porque é por meio dEla que eu tenho as graças para meu apostolado frutificar.

O principio, portanto, fundamental do livro de Dom Chautard [**] está representado nessa invocação Nossa Senhora do Amor Divino, quer dizer Nossa Senhora enquanto dando ao apóstolo o amor de Deus e ajudando o apóstolo a transmitir o amor de Deus para as outras pessoas.  É Nossa Senhora o principio — princípio vital não se poderia dizer — mas condição fundamental de minha vida espiritual, é Nossa Senhora condição fundamental da fecundidade de meu apostolado.  Aquela famosa figura oriental que está no [livro de] Dom Chautard, de Nossa Senhora que está rezando e que tem dentro de si o Menino Jesus com o pergaminho ensinando, poderia se chamar perfeitamente, – é uma invocação grega, não me lembro mais qual é -, mas poderia se chamar perfeitamente Nossa Senhora do Amor de Deus

Quer dizer Ela enquanto reza, na pessoa dEla, o Menino Jesus ensina. Então também é Ela enquanto reza que obtém para todo mundo o amor de Deus, quer dizer, o Menino Jesus fala a todas as almas. Em Nossa Senhora Ele fala a todas as almas, dando-lhes o amor de Deus. Quer dizer, portanto, para quem quer cultivar a fecundidade do apostolado, para quem se consagra ao apostolado individual, é absolutamente fundamental uma compenetração da importância de Nossa Senhora nesse sentido. E é por isso que eu dei esse titulo ao Êremo de Petrópolis.

Ela é também Nossa Senhora do apostolado vitorioso, porque apostolado é transmissão de fé e de amor de Deus. E essa transmissão só se pode fazer em união com Ela que obtém a graça dessa transmissão para as pessoas junto às quais agimos. É o que convém especialmente a quem se dedica ao apostolado, à luz do livro de Dom Chautard.

 

NOTAS

[*] “Êremos”: sedes da TFP especialmente destinadas a estudo e oração, caracterizadas por um ambiente de recolhimento e por uma regra de vida precisa.

A palavra “êremo” deve-se a Fábio Vidigal Xavier de Silveira, dirigente da TFP brasileira, falecido em 1971. Alguns anos antes da sua morte, visitando o célebre Eremo delle Carceri, em Assis, tinha-se entusiasmado com o espírito sobrenatural que o caracterizava e tinha aplicado o uso desta palavra, na linguagem familiar, à sede em que trabalhava (Cfr. “O Cruzado do Séc. XX”, Cap. 5, 2).

[**] “A Alma de todo Apostolado” de Dom João Batista Chautard – Dom João Batista Chautard nasceu em Briançon (França), em 12 de março de 1858, recebendo o nome de Gustavo. Em 1877 decidiu tornar-se religioso, entrando na Abadia de Aiguebelle, da Ordem de Cister, tendo sido incumbido por seus superiores de cuidar da manutenção e restauração de vários mosteiros cistercienses. Em 1899 foi eleito abade do Mosteiro de Nossa Senhora de Sept Fons. Em 1904 trouxe os cisterciences para o Brasil. Defendeu os religiosos contemplativos durante a perseguição movida na França contra eles, no início do século XX. Escreveu em 1910 a famosa obra A Alma de todo Apostolado, que se tornou best-seller internacional, na qual expõe que o fundamento do êxito no apostolado é a vida interior. Faleceu em 29 de setembro de 1935 [o livro pode ser baixado aqui].

 

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