Nossa Senhora do Bom Sucesso: uma meditação sobre a invocação do Bom Sucesso e sua relação com os acontecimentos previstos por Maria Santíssima em Fátima

 

Plinio Corrêa de Oliveira

 

Meditações em torno da

Apresentação do Menino Jesus no Templo

e da festa de Nossa Senhora do Bom Sucesso

 

 

“Santo do Dia” de 02 de fevereiro de 1985

 

 

A D V E R T Ê N C I A

O presente texto é adaptação de transcrição de gravação de conferência do Prof. Plinio Corrêa de Oliveira a sócios e cooperadores da TFP, e não foi revisto pelo autor.

Se o Prof. Plinio Corrêa de Oliveira estivesse entre nós, certamente pediria que se colocasse explícita menção a sua filial disposição de retificar qualquer discrepância em relação ao Magistério da Igreja. É o que fazemos aqui constar, com suas próprias palavras, como homenagem a tão belo e constante estado de espírito:

“Católico apostólico romano, o autor deste texto  se submete com filial ardor ao ensinamento tradicional da Santa Igreja. Se, no entanto,  por lapso, algo nele ocorra que não esteja conforme àquele ensinamento, desde já e categoricamente o rejeita”.

As palavras “Revolução” e “Contra-Revolução”, são aqui empregadas no sentido que lhes dá o Prof. Plínio Corrêa de Oliveira em seu livro “Revolução e Contra-Revolução“, cuja primeira edição foi publicada no Nº 100 de “Catolicismo”, em abril de 1959.

 

 

A conferência se inicia com uma leitura alusiva à data da Apresentação do Menino Jesus no Templo e Purificação de Nossa Senhora, seguida de uma projeção de imagens do convento das Concepcionistas de Quito.

 

Meus caros.

Nossa Senhora do Bom Sucesso! Nossa Senhora das Candeias, Nossa Senhora da Purificação! O que é que querem dizer essas três invocações? O que é que elas falam a respeito da vida de Nossa Senhora? Em que sentido elas devem nos fazer compreender as relações profundas que nossa piedade pode estabelecer entre a festa do Bom Sucesso, a festa das Candeias, a festa da Purificação e a TFP?

Daí nós podemos relacionar a devoção a Nossa Senhora do Bom Sucesso com as esperanças a que se aludiu há pouco. Nós teremos dado assim uma visão de conjunto de todo o assunto.

Vamos agora então, entrar na questão de Nossa Senhora do Bom Sucesso.

Do que é que se trata propriamente?

Os Srs. imaginem o Menino Jesus recém nascido. Está deitado no berço dele em Belém e não é difícil imaginar que na noite em que Ele tenha nascido, a noite fosse fria, pelo menos fresca, vivamente fresca.

Nossa Senhora prevendo tudo com o amor que nós podemos imaginar e apesar de Sua pobreza, arranjou pequenas túnicas para pôr nEle, assim que Ele nascesse. E evidentemente dispôs essas túnicas de acordo com as várias temperaturas possíveis, de maneira tal que o Menino Deus não sentisse frio.

Não sei se os Srs. imaginam bem o que pode ser o interior, o íntimo de Nossa Senhora cogitando dessas coisas..

Ela, antes dEle nascer na noite de Natal — se admite geralmente, piedosamente, que Nosso Senhor tenha nascido à meia noite — entrou num êxtase altíssimo — tão razoável — e, durante esse êxtase altíssimo, Ela deu à luz o Menino Jesus.

De um modo maravilhoso pelo qual antes do parto, durante o parto e depois do parto Ela foi virgem. Isso se diz com esta energia de linguagem de que só o pensamento católico é capaz. Antes do parto, virgem; depois do parto, virgem. Durante o parto, virgem!

Isso é que é afirmar a virgindade mãe, a virgindade materna de um modo categórico: é assim!

Antes do parto é óbvio; depois do parto, digamos que se tivesse dado uma reconstituição. Já não seria exatamente a mesma coisa, mas enfim, digamos. Mas durante o parto, virgem! Deus pode tudo. Como é que Ele pode fazer isto?

Há no Evangelho uma cena em que Nosso Senhor atravessa uma parede. E se costuma dar isto  como explicativo da virgindade durante o parto. Ele pode atravessar todos os obstáculos materiais. Ele é Deus! E com seu corpo terreno pode atravessar tudo.

Minha memória infelizmente é má, mas parece-me que foi por ocasião da Ressurreição que Ele entrou no Cenáculo, onde Nossa Senhora estava acabrunhada, mas com pressentimentos jubilosos e triunfais de que a hora da Ressurreição estava se aproximando, pela parede do fundo.

Nós podemos imaginar que Ela tenha visto uma luz extraordinária e, sobretudo, uma voz: “Minha Mãe!”

Para Ela estava tudo dito. Voltou-se para Ele, olhando para o Deus dEla, e disse: “Meu Filho!”

Então, Nossa Senhora teve um êxtase altíssimo durante esse tempo e, durante esse tempo, nasceu o Menino Deus. Logo depois, o mais alto dos êxtases se interrompeu e Ela teve que cuidar do Menino que podia estar com frio. E olhou para Ele e, pela primeira vez, conheceu a face que tinha sonhado.

O primeiro olhar!

( Natividade – Giotto )

Os Srs. sabem que se diz que Nossa Senhora folheando as Escrituras, — que Ela conhecia perfeitamente pois, sendo concebida sem pecado original, tinha uma inteligência enorme, de que nenhum de nós pode ter idéia, e que não tinha as fraquezas que tem a nossa, a dela era perfeita, ainda mais inundada de graças de Deus para interpretar as Escrituras, — e sem saber que ia ser Mãe de Deus, chegou afinal a compor a fisionomia do Messias que Ela esperava; como seria a fisionomia do seu rosto divino, como seria o seu espírito; como seria a mentalidade santíssima do Cristo Jesus, o Messias anunciado pelos Profetas.

No momento em que, — conta-se e eu acho isto tão belo, tão razoável, que sou enfaticamente tendente a acreditar — Ela completou a imagem que formava sobre Ele em meditação, o Anjo apareceu. Ela pedia a Deus para ser a escrava dAquele que o espírito dEla tinha concebido, servidora da que seria mãe de Jesus Cristo — Ela sabia que Jesus Cristo estava para nascer, mas não tinha a idéia que devia ser a mãe dEle, — e, naquele momento, apareceu-lhe o Anjo e A convidou para ser mãe de Nosso Senhor Jesus Cristo. Ela queria ser a escrava, Deus a convidou: queres ser a dona? Queres ser a Mãe?

Então os Srs. estão vendo uma primeira tarefa na vida de Nossa Senhora: conceber, pela inteligência, como seria o Filho de Deus. Mas conceber com cuidado, evitando qualquer distração, evitando qualquer negligência, evitando qualquer coisa que pudesse fazer com que a imagem que Ela formasse do Filho divino dela — Ela não sabia que ia ser Filho dela — fosse um pouco menos nítida, menos clara, menos santíssima do que a imagem que Ela queria ter, que Ela era chamada a ter.

Os Srs. já imaginaram se artista houve ou haverá, no gênero humano, capaz de imaginar a fisionomia de Nosso Senhor Jesus Cristo? Nada! Nada é nada e absolutamente nada em comparação com isso.

Que santidade é preciso ter para imaginar o olhar do Filho de Deus, para imaginar o timbre de voz do Filho de Deus, para imaginar os gestos dEle, para imaginar o andar dEle, para imaginar o divino repouso dEle.

Como imaginar uma coisa dessas? Que alma é preciso ter para tentar uma coisa dessas? Que alma é preciso ter para chegar a ter êxito com uma coisa dessas?

Mais ainda: que alma é preciso ter para, depois de ter feito esta obra interior de composição, Deus poder dizer a Ela: “Aquele que Tu excogitaste, Tu gerarás!”

Que prêmio maravilhoso este! “Excogitaste? Dedicaste a tua mente a desvendar isto? Acertaste! Fizeste com tanto amor e com tanto acerto que Eu te respondo: Tu O gerarás!”

Nunca houve prêmio igual na história no mundo, nunca haverá prêmio igual na história do mundo.

Ele disse de Si mesmo àqueles que lhe fossem fiéis: “Serei Eu mesmo, vosso prêmio demasiadamente grande”. Ele foi o prêmio — tão perfeito é Ele — que até para Nossa Senhora Ele foi o prêmio demasiadamente grande.

Mas, mas… Ela ficava, apesar de tudo isto, encarregada de tomar conta dEle. Ou seja, em nenhum momento um arrepio de frio, ou um pouco de sofrimento com o calor que pudesse ser sentido por Ele, de maneira tal que todo o seu desenvolvimento físico e mental fosse perfeito. Ela era responsável por isso. E com isso, Ela tinha uma obrigação enorme de levar sua tarefa até o ponto perfeito.

Qual foi esse ponto perfeito? Esse ponto perfeito foi o momento gaudioso e triste, em que Ele sendo já homem, aos trinta anos, disse a Ela: “minha Mãe, estou inteiramente constituído e formado. Chegou a minha vez, meu caminho para a pregação, para a bondade, para maravilhar os homens e para ser crucificado por eles. Mãe, adeus!”

Os Srs. podem imaginar o que foi esse adeus… Pode-se imaginar Nossa Senhora indo até a porta da casa, olhando para Ele e vendo-O afastar-se pela estrada. Talvez num cair da tarde e vendo a sombra dEle, longa, se estirar pela estrada afora e Ela depois fechar a porta em casa, sozinha. Para consolá-La os Anjos começaram a cantar… a tocar música. Maravilhoso, não? Mas não valia um olhar de Seu Filho!

Não valia uma manifestação de carinho, uma manifestação de respeito do Filho. Só de ouvi-lo, por exemplo, entrar no pequeno oratório da casa santa, fechar a porta e perceber que Ele se prosternava… Só o eco de seus pés divinos sobre aquele assoalho tão pobre, já A enchiam de contentamento.

Ele está andando, olhem como é o andar dele. Que andar de rei! Que andar de general! Pobres reis, pobres generais… Que andar de mestre! Pobres mestres… O que é tudo isso com o reboar de um passo dEle sobre as pranchas de madeira da santa casa que hoje está em Loreto?

Quem haveria de remediar esta ausência?

Sobre o significado do Manto de Nossa Senhora

 

 

Excertos de conferência de 17 de agosto de 1983

 

(Membros da TFP equatoriana entregam ao Prof. Plinio um manto que fora colocado na imagem de Nossa Senhora do Bom Sucesso)  

Eu recebo esse envio encantado e comovido. Nunca imaginei receber uma coisa dessas, de tanta significação, de tanto valor simbólico, religioso, sobrenatural, etc. Nunca imaginei. Diga-se, entre parêntesis, de um valor estético muito grande também, muito bonito, uma coisa magnífica.

(Pergunta: O Sr. poderia dizer algo sobre o significado do manto?)

O manto, pela forma, dá a seguinte idéia: imaginem uma pessoa, uma dama que anda num salão, ou num corredor proporcionalmente suntuoso, e anda com um manto desse. Ou o manto se arrasta delicadamente sobre os tapetes, ou o manto é levado por lacaios, ou por senhoritas de honor.

De qualquer maneira, que impressão se tem? É que da pessoa que porta esse manto emana tanta grandeza, tanta importância, tanta dignidade, tanta respeitabilidade, que quando ela passa deixa atrás de si como que um séqüito de efeitos morais, de conseqüências, de influências favoráveis, um rastro de beleza, que é o próprio dela e que ela irradia em torno de si.

O manto simboliza, por essa forma, a importância do personagem, a dignidade e, no caso de Nossa Senhora, a santidade do personagem. Por onde Ela passa, a Virgem Mãe, como que deixa impregnado de branco, dourado, de todo lado. E na sala que Ela deixa, à medida que Ela sai, vai ficando alguma coisa que impregna: Nossa Senhora por ali passou! Não tem mais nada que dizer. Esse é o simbolismo de todo manto. E nesse aqui nós sentimos bem isso. Vejam a dignidade! Com que imensidade caem esses tecidos até este extremo, e de que alto que cai, não é? Para ver assim, lembra um pouquinho uma queda d’água muito nobre. Imaginem uma queda d’água abundante: é uma coisa extravagante e maravilhosa! Então, assim nós podemos ter uma idéia.

Bem, meus caros, com isso “fugit irreparabile tempus!” (o tempo foge irremediavelmente). Uma reunião bem aproveitada é como o manto: passa por nós, vai embora e deixa seus efeitos. Nós poderíamos rezar as orações do Grupo em louvor de Nossa Senhora do Bom Sucesso, na presença do manto, e assim encerramos a nossa conversinha de hoje.

Salve Regina, Mater Misericordiae… (depois são rezadas 10 jaculatórias a Nossa Senhora do Bom Sucesso).

Também nós vemos ao longo da narração do Evangelho que Ela aparece às vezes. E vemos sobretudo aquele encontro dEla com Ele no caminho do Calvário. A meu ver a cena mais pungente que houve jamais na terra.

Os Srs. estão vendo que Ela tinha, então, uma primeira missão: concebê-Lo. E O concebeu esplendidamente.

Tinha outra missão: gerá-Lo. Mas para gerá-lo quantos cuidados que toda mãe deve tomar com seu filho. Para que tudo se faça perfeitamente, para que esta gestação seja para o divino embrião que se formava nEla, como um sol que nasce, perfeitamente direita, adequada, conveniente, santa.

Os Srs. podem imaginar Seu enlevo, mais do que na Santa Casa de Loreto, quando sentia em Suas estranhas que Ele se movia?

Mais ainda. Ele se comunicava com Ela por oração. Ele estava dentro dEla como a Eucaristia esteve hoje cedo em nós e que, pela graça de Deus, estará amanhã novamente, e depois, e depois, e depois… até ao fim das nossas vidas, se Deus quiser.

Os Srs. considerem a tarefa de gerar perfeitamente bem o Menino Jesus. Depois de tê-Lo gerado, de cuidá-Lo perfeitamente. Acaba uma tarefa, começa outra. Acabou a tarefa de concebê-lo pelo espírito, começa a concepção… o Divino Espírito Santo que atua, age sobre Ela como Esposo e o Menino é concebido.

Ao longo de todo esse tempo, Ela age com cuidado e o Menino nasce. É o termo de todo um período que começou desde a primeira reflexão que fez sobre como seria o Salvador, até o momento em que nasce e olha para a face dEla.

Face pequena, de menino inocente, mas já face de rei!… de mestre, de quem vai fazer milagres, porque o sobrenatural de tal maneira se irradia dEle que se tem a impressão de que qualquer enfermo que dEle se aproximasse, sararia imediatamente!

Ela imediatamente tem essa incumbência: — os Srs. já imaginaram essa incumbência? — vestir a Deus! Pensem a coisa extraordinária: quando Adão e Eva pecaram, Deus fez para eles os primeiros trajes. Quando o Menino nasceu é a criatura humana que veste a Deus! Como tudo isto é bonito, como tudo isto se presta a meditações.

Então, agora vem a primeira tarefa que está cumprida: O Menino nasceu.

Depois quais são as outras tarefas? Educar o Menino, formá-Lo até vir a ser o Homem-Deus perfeito, que vai percorrer a Galiléia. Depois, outra tarefa é subir com Ele ao Calvário, acompanhá-Lo até o alto da Cruz e receber Seu último olhar e receber o primeiro filho que Ele dá a Ela: “Mãe, eis aí o Teu Filho” – é o discípulo virgem, São João Evangelista!

E no momento em que Ele entregou a alma ao Padre Eterno, Ela recebeu Seu gemido: “Eli, Eli, lama sabactani! — Meu Deus, meu Deus por que me abandonaste?” Os Srs. podem imaginar qual é a repercussão disso no coração de uma mãe? Mais, daquela Mãe para com aquele Filho?

E, inclinando a cabeça, exalou o espírito… Ela recebeu no colo o Seu corpo, já um cadáver, enquanto se começavam a preparar os aromas para as feridas. Aromas  que José de Arimatéia e Nicodemos, que eram ricos, tinham adquirido. Esta cena é o que se chama ”La Pietà”, ou seja a compaixão dEla para com Ele. Que compaixão!

Ela vê tudo isto, todas estas feridas se encherem ao começarem a ungi-Lo, não mais com aquele traje primeiro, inocentíssimo, quase se diria feito de raios de luz, que era a primeira túnica que Ela preparou para Ele. Não mais isso, nem aquela túnica inconsútil que Ela Lhe tinha feito e que Ele usara até o fim da vida e sobre a qual lançaram sortes, uma coisa tremenda! Não dividiram a túnica, mas o resto todo sim.

E depois, depois… vê-Lo desnudo na Cruz, quase como estivera no berço ao nascer, apenas com um cíngulo e o resto desnudo… Que despojamento, que coisa tremenda! Está bem, Ela O recebe assim, O contempla e diz: tudo haveria de acabar nisso! Ao cabo de 33 anos de maravilhamento contínuo, de adoração cada vez mais ardorosa e absolutamente incessante, tudo haveria de acabar nisso.

Ele foi abandonado, apedrejado, flagelado, conspurcado, caluniado, e caluniado vilmente! Tudo isto aconteceu e, no fim, Ele ainda quis que no seu cadáver santíssimo, pendente da Cruz, entrasse uma lança, e que essa lança de Longinus fizesse sair um misto de água e de sangue. Alguma coisa o corpo dEle ainda tinha que dar: deu-o depois de morto. O seu coração ficou traspassado: Coração de Jesus traspassado pela lança, tende piedade de nós!

Os Srs. imaginem Nossa Senhora contemplando o flanco dEle ferido começar a indumentária fúnebre. Depois vai para a sepultura, fecha-se a pedra e acabou! A morte está reinando.

Ela volta a pé, certamente acompanhada por Seu novo filho, o Apóstolo virgem. Mas que diferença! Quem não era infinitamente inferior àquele Filho que Ela tinha tido? As santas mulheres vinham chorando com Ela. Porém, mais precisava Ela consolá-las do que o contrário…

Entraram no Cenáculo. Ela se lembrava da primeira Missa, Ela se lembrava de sua primeira Comunhão durante a Missa. E quanta maravilha, quanta maravilha. Ela ficou silenciosa, pacífica, serena, realizando aquela palavra do profeta Isaias: Ecce in pace amaritude mea amaríssima — Eis, na paz, a minha amargura enormemente amarga. Oceanos, vós cabeis na concha da mão de tão pequenos em comparação com a amargura de Nossa Senhora naquele momento, naquele transe.

 *   *   *

Mas nós temos que falar de Nossa Senhora do Bom Sucesso. Eu me deixei levar pelo tema… Os Srs. um tanto me levaram pelo tema afora, mas é preciso falar de Nossa Senhora do Bom Sucesso.

A primeira etapa: concepção pela inteligência; segunda, geração; terceira, nascimento. Realizada essa etapa, pela lei do Antigo Testamento, as mães que tivessem uma criança deviam, logo que possível, ir ao Templo para apresentar o menino a Deus e se purificarem. Essa era uma regra que toda boa mãe israelita cumpria. Aliás, linda regra, na qual se espelha a santidade de Deus.

Apresentação do Menino Jesus no Templo – Gravura medieval

A criança nasce, nasce no meio de perigos. Toda gestação tem perigos. Mas, afinal, ela nasceu. Ó sucesso! Ó sucesso feliz! A mãe toma a criança e logo que ela, mãe, está melhor, que pode viajar e pode ir ao Templo, vai até o Templo e oferece a Deus aquele menino que é de Deus pois que Deus o criou, para que seja filho de Deus e viva para Deus. A antiga lei tornava isso obrigatório.

Nossa Senhora era superior à antiga lei. Deus não está sujeito à lei que Ele mesmo fez. O legislador é superior à lei, entra pelos olhos. Então, Ele não era obrigado a ir e Ela não era obrigada a levá-lo ao templo de Jerusalém. Mas Ela quis. Ela quis por respeito à lei, por respeito à tradição. Era uma lei que para Ela era apenas uma tradição, mas era uma tradição.

E amando esse conceito de tradição que é a primeira palavra de nosso estandarte rubro e áureo ( o estandarte da TFP ), animada pelo intensíssimo amor de Deus que Ela tinha, leva a Segunda Pessoa da Santíssima Trindade ao Templo de Jerusalém.

Episódio único na história do Templo, é o próprio Deus encarnado que entra no Templo. Valeria a pena construir um Templo mil vezes mais esplêndido do que aquele para que ali entrasse Deus encarnado. Era a hora máxima, a hora santa, a hora perfeita. Pode-se dizer que nesse momento os Anjos todos encheram o templo e se puseram a cantar. Ela entrou.

Mas… mas… ninguém notou. Ninguém ouviu os Anjos. A decadência religiosa do povo eleito era enorme. Aquilo estava cheio de barracas com gente fazendo comerciata de toda a ordem; os sacerdotes eram já ou eram próximos precursores daqueles que haveriam de trabalhar para a crucifixão dEle.

Tudo estava em ruína. O autor de todas as coisas entra naquelas ruínas espirituais. E aqueles homens de ruína não O perceberam. Ela cumpre o rito da apresentação e um profeta, Simeão, que era o profeta indicado por Deus para isso, atua para purificá-la, quer dizer, faz o rito com ela e recebendo o Menino nos braços, tem aquele cântico que começa assim, em latim: “Nunc dimittis servum tuum, Domine, secundum verbum tuum in pace, quia viderunt oculi mei salutare tuum”…. — “Agora, Senhor; deixai o vosso servo ir em paz, segundo a vossa palavra, porque os meus olhos viram a vossa salvação”… (Lc 2, 29-30).

Ela ouve encantada aquele homem velho, mas que parecia amarrado à vida por uma promessa que não se tinha cumprido: a promessa de Deus de que ele veria o Messias antes de morrer. Aquele homem vê o Messias chegar e canta: “Senhor, agora levai…”

E prevê o futuro daquele Menino, prevê a glória, prevê a cruz. Diz: “(…) Eis que este (Menino) está posto para ruína e para ressurreição de muitos em Israel, e para ser alvo da contradição. E uma espada transpassará a tua alma, a fim de se descobrirem os pensamentos escondidos nos corações de muitos” (Lc 2, 34-35).

Tu serás pedra de escândalo para que se revelem de muitas almas as cogitações. Mas ao mesmo tempo aclama e diz que Ele é o “Lumen ad revelationem gentium et gloriam plebis tuae Israel”—“luz para iluminar as nações, e glória de Israel, teu povo” (Lc 2, 32). Tudo acumulado.

E uma profetiza, Ana, também canta as glórias dEle. Dois, por inspiração divina, sabem o que até então só São José e Ela sabiam: que aquele era o Filho de Deus.

*   *   *

Nossa Senhora do Bom Sucesso – Quito

O que significa aí o comemorar o bom sucesso? Qual era o bom sucesso? O que é o sucesso? Quando é que há um sucesso?

Pode dizer que olhar daqui para o fundo e ver aquela porta é um sucesso? Não, o sucesso é um bom sucesso, é um sucesso digno de nota, quando se origina de algo que pede cuidado, empenho, dedicação, pede esforço, e dá seu resultado.

O sucesso é filho do esforço, da dedicação e do heroísmo. Aí é que há o bom sucesso. Nossa Senhora leva ao Templo aquEle que é a prova de que a gestação fora perfeita. Ali estava o Filho de Deus.

Nossa Senhora do Bom Sucesso. Nossa Senhora do Bom Sucesso no sentido mais largo da palavra, quer dizer, de todos aqueles que estão entregues a uma tarefa árdua, que tem uma responsabilidade grande, que tem uma série de coisas difíceis a fazer para chegarem àquele resultado. Ela é padroeira de todos aqueles que procuram um bom sucesso para o serviço da causa dEla.

Como merece ser chamado de bom sucesso o sucesso daqueles que, nas trevas da noite do neopaganismo de nossos dias, trabalham para que nasça o sol do Reino de Maria (*).

Não será Nossa Senhora do Bom Sucesso uma padroeira muito felizmente indicada para a hora em que o Reino de Maria, afinal, nasça na Terra?

E filhos indignos mas amorosos, transidos de enlevo da Santíssima Virgem, quando raiar a luz do Reino de Maria, não poderemos dizer a Ela: “Senhora, nós vos apresentamos o mundo que Vós iluminais com a luz de vosso reino, é o nosso sucesso, é o vosso sucesso! Vós fizestes tudo, a começar por nos fazer a nós”? Quando um de nós, menino ainda, foi levado às fontes batismais, que mérito tinha para isto? Que graça teve senão vossas orações? Que gratuidade assombrosa a desse dom!

Às vezes, às vezes, quantos pecados antes da pessoa ouvir na alma esse chamado. Nossa Senhora passa por cima dos pecados, afasta os pecados: “Meu filho, arrepende-te e eu te levo!”

Ela nos fez, neste sentido da palavra, — mas muito antes disso — Ela nos fez, quer dizer, nos obteve a graça que nos levou a sermos batizados numa ou noutra circunstância. Mas quem obteve a graça para o gênero humano senão o Filho que Ela gerou?

Ele é o autor da graça e a fonte da graça. Se Ele não tivesse morrido na Cruz, nós não teríamos a graça. Essa torrente de graças que jorra sobre o mundo, abriu-se para os homens no momento em que Ele morreu. Mas, essa graça, de algum modo começou a estar presente no mundo no momento em que Ela disse: Fiat mihi secundum verbum tuum — Faça-se em mim, segundo a tua palavra.

E jorrou sobre o mundo no momento em que o Padre Eterno, pedindo o consentimento dela para que Nosso Senhor Jesus Cristo morresse na Cruz, obteve dEla essa coisa sublimemente terrível: “Morra então Ele, por amor ao gênero humano, e para que se faça a Vossa vontade”.

*   *   *

Então, é razoável que nós pensemos naqueles acontecimentos previstos por Nossa Senhora em Fátima, ou mesmo nas profecias de Nossa Senhora do Bom Sucesso .

Aparição de Nossa Senhora à Me. Mariana, tomando Suas medidas com o cordão dela.

A luta ideológica contra a Revolução é uma lenta batalha, lenta, terrível… Os Srs. todos em proporções maiores ou menores já tiveram ocasião de lutar contra a Revolução.

Todos os que estamos aqui trabalhando a favor da Contra-Revolução, em última análise, estamos trabalhando para que nasça o sol do Reino de Maria sobre o mundo.

É algo vagamente parecido com uma geração. E o Reino de Maria se parecerá admiravelmente com um bom sucesso, um magnífico sucesso!

Talvez se encontre aí a explicação para o fato de Ela aparecer tão régia nesta Imagem — foi dito aqui de passagem — feita pelos anjos. O escultor começou a fazer a imagem, não conseguia, etc. Um belo dia ele chegou ao coro das irmãs concepcionistas, onde estava esculpindo a imagem em madeira, e a imagem apareceu toda feita.

Nossa Senhora apareceu em visão à madre Mariana de Jesus Torres e indicou, Ela mesma, o tamanho que queria que a imagem tivesse. Tomou o cordão de Madre Mariana de Jesus Torres, mediu-se a Si própria e Madre Mariana ajudou a tomar a medida dEla, para a imagem ficar da altura exata.

Outras vezes aparecia para conversar com Madre Mariana de Jesus Torres e andavam juntas por aqueles claustros. De maneira que, como prova de que não era uma visão, mas um fato real, quando chegava a manhã, às vezes o manto dEla estava todo molhando de orvalho. Que maravilha o orvalho cair sobre o manto daquela que era a Rainha do Céu e da Terra.

Ninguém, nunca, nenhum palácio de rei, nenhuma coroa, nenhum diadema, nem nada, teve a beleza destas gotas de orvalho pousando e cintilando sobre o manto da Virgem.

*   *   *

Bem, meus caros, Nossa Senhora do Bom Sucesso: que relação tem esta invocação com os acontecimentos previstos em Fátima? Precisamente a Sóror Mariana de Jesus Torres Ela apareceu fazendo impressionantes revelações que mantém uma notável proximidade com as de Fátima.

Um dia se falará a respeito disso, não é este o momento. Mas são admiráveis e impressionantes revelações (**).

Quanta coisa linda os senhores são chamados a ver, se perseverarem. Coisas terríveis também. Pensem nos castigos de Fátima e os senhores compreenderão. Pensem no acontecido na Venezuela recentemente e os senhores terão um antegosto destes castigos. Um amargo antegosto destes castigos, o admirável antegosto dos castigos.

Pensem em tudo isto e na festa de Nossa Senhora do Bom Sucesso, que para os calendários exorbitantes da TFP ainda é “hoje”, à uma hora da manhã. Na festa de Nossa Senhora do Bom Sucesso, espero que no Céu Ela receba como post-scriptum a nossa veneração e o nosso enlevo, pelas orações de Sóror Mariana de Jesus Torres, nossa intercessora junto a Ela. Que Ela condescenda em receber esta mensagem que chega atrasada, mas voa a Ela cheia do amor de não sei quantos jovens que enchem aqui este auditório.

Então, nesta festa peçamos a Ela que nos dê a graça de trabalhar e lutar pela implantação do Reino de Maria. E nas horas mais difíceis nós poderemos dizer a Ela: – “Minha Mãe, venha a nós o vosso reino, seja feita a Vossa vontade assim na terra como no Céu!” É o reino dEla! É o reino de Nosso Senhor Jesus Cristo na sua expressão mais perfeita, mais quintessenciada: o Reino de Maria!

*   *   *

Madre Mariana de Jesus Torres

Sóror Mariana de Jesus Torres para ser fiel à vocação dela, — uma espécie de profetiza do Bom Sucesso de Nossa Senhora, do Reino de Maria, — teve que passar por provações terríveis. Eu não resisto ao desejo de vos contar uma.

Havia no mosteiro dela, — em pleno tempo, do Brasil como da América hispânica, das colônias respectivamente, de Portugal e da Espanha, — sete fundadoras. Ela era a fundadora junto com 7 outras que receberam as vocações na Espanha, creio, mas também muitas outras do lugar. Eram mestiças de índias que elas aceitaram como freiras.

Uma freira péssima (Judas os há por toda a parte, e os há nos dois sexos), índia ou mestiça de índia, chefiou a revolta das índias contra as espanholas, que eram umas santas. E nessa revolta Madre Mariana de Jesus Torres chegou a ser presa na cadeia do convento, etc. Uma perseguição medonha. Ela rezou continuamente pela perseguidora.

Em determinado momento ficou claro que a perseguidora não tinha razão, que era ela quem tinha razão, e foi eleita como abadessa. A perseguidora daí a algum tempo adoeceu, entrou em agonia e ia morrer. E Sóror Mariana de Jesus Torres, que tinha cumulado esta revolucionária de bondades durante a sua doença, depois durante a sua agonia, pediu durante a agonia especialmente a Deus, por meio de Nossa Senhora, que salvasse aquela alma. A resposta que veio foi esta: “poderá ser salva, se por amor à tua perseguidora consentires em que tua alma passe cinco anos no Inferno.”

Ela consentiu e a freira se salvou. Passou por um purgatório não pequeno, mas salvou-se. A alma [de Sóror Mariana] foi posta no Inferno. O que ela sofreu durante esses cinco anos é uma coisa tremenda, inclusive — as memórias dela não me pareceram muito claras a esse respeito — parece que ela tinha se esquecido que tinha feito esse oferecimento e passou cinco anos com o pavor da idéia de ter sido condenada, e que ela sofreria o Inferno por toda a eternidade. E só pedia uma coisa a Deus: que nunca permitisse que ela deixasse de amá-lo.

Passados os cinco anos, passou o tormento. Foi revelado a ela o que era o tormento e cessou. Ela que era uma pessoa de uma grande beleza, — era um prodígio de beleza; muito rosada, corada, com cores muito saudáveis que ela conservou até o fim da vida, — durante esse tempo emagreceu, decaiu; [depois do tormento] refloresceu completamente! Por aqueles claustros que os senhores viram passou penando, por uma inimiga, Sóror Mariana de Jesus Torres. Com a alma sofrendo os tormentos do inferno. Ela ali conversou com Nossa Senhora do Bom Sucesso. Que conversas…, parecidas com as de Adão com Deus no Paraíso. Que penas e que tormentos…, que alegria quando ela voltou à luz e compreendeu que diante dela estava mais um tanto de vida e o Céu que se abria.

Meus caros, os castigos de Fátima vão ser assim.

Haverá momentos em que teremos a impressão: não será o Inferno? Nossa Senhora do Bom Sucesso rogai por nós!

Haverá momentos de tanta alegria interior que diremos: já não é o Céu entre nós? Nossa Senhora do Bom Sucesso rogai por nós!

Haverá afinal o momento em que toda a obra da iniqüidade cairá por terra, e não passará de casca vil de uma cobra moribunda. Começa o Reino de Maria e nós cantaremos o cântico do Bom Sucesso!

É assim que eu imagino os castigos de Fátima. Eu não estou prevendo esses castigos. Eu estou imaginando-os.

 

(*) São Luís Maria Grignion de Montfort (1673-1716) em seu Tratado da Verdadeira Devoção à Santíssima Virgem prevê a implantação na Terra de uma era “em que almas respirarão Maria como o corpo respira o ar”, e em que inúmeras pessoas “tornar-se-ão cópias vivas de Maria” (Cap. VI, art. V). A essa era ele chama Reino de Maria. Essa profecia se entronca organicamente com a de Nossa Senhora em Fátima. Com efeito, depois de prever várias calamidades para o mundo, Ela afirmou: “Por fim, o meu Imaculado Coração triunfará”.

(**) Sugerimos a nossos visitantes consulta à soberba matéria que, sobre Nossa Senhora do Bom Sucesso, publicou a revista “Catolicismo”, em seu número de Fevereiro de 2010 ou, para os que dominam a língua inglesa, ao site America Needs Fatima, onde encontrarão variada matéria sobre os aspectos históricos e doutrinários das aparições do Bom Sucesso. Dignos de menção são também os artigos sobre a matéria que “Catolicismo” publicou em Fevereiro de 1996 e Fevereiro de 1998.

 

 

 

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