E quando há provas?, Folha de S. Paulo, 3 de maio de 1970

Plinio Corrêa de Oliveira

O cardeal dom Vicente Scherer fez — em recente programa radiofônico de Porto Alegre — uma alocução sobre críticas precipitadas das quais estariam sendo vítimas alguns bispos e sacerdotes brasileiros. A imprensa quotidiana publicou excertos das palavras de S. Emcia. Segundo tais excertos, o pensamento do purpurado poderia esquematizar-se assim:

  1. a) Um fato: 17 bispos nordestinos mais o arcebispo de Belo Horizonte e o bispo auxiliar deste, e certo número de sacerdotes estão sendo processados por comprometimento com a subversão comuno-progressista;
  2. b) Outro fato: ao se ocupar do assunto, a imprensa — a do Rio parece ser especialmente visada pelo purpurado — teria agido com parcialidade, aceitando e difundindo acusações que carecem de provas;
  3. c) um terceiro fato: análogo procedimento teria tido o juiz do feito, o qual, segundo S. Emcia., reconheceu a carência de provas que fundamentassem a culpabilidade dos réus, e ao mesmo tempo se pronunciou contra eles;
  4. d) Um princípio: se houvesse provas contra os eclesiásticos processados, S. Emcia. não pleitearia para eles qualquer privilégio, pois considera que devem — tanto quanto qualquer outro cidadão — estar sujeitos aos rigores da lei;
  5. e) Outro princípio: entretanto, se os clérigos estão, segundo S. Emcia., sujeitos à lei comum, têm direito à imparcialidade de julgamento que a lei comum assegura a qualquer homem.
  6. f) Conclusão: já que os réus estão sendo tratados com parcialidade, legítimo é que ele, dom Scherer, reclame, em benefício desses infelizes um tratamento justo e sereno, quer da parte da imprensa, quer da Justiça.

* * *

Como se vê, nada há de mais claro, mais lógico, mais simpático se… realmente as tais provas não existem.

O valor do arrazoado de dom Vicente Scherer repousa inteiro sobre este ponto, este simples e único ponto: a inexistência das provas alegadas contra os réus. Se essas provas não existem, tem S. Emcia. carradas de razão. Se elas existem, todo o arrazoado se volta contra S. Emcia. Pois, neste caso, ele é que terá sido parcial no acusar os jornais e o magistrado.

Esta é a evidente lógica dos fatos. Nem sequer algum leitor “sapo” ou N-A-N-E poderá contestá-lo. Mas — perguntará alguém — será respeitoso raciocinar assim quando está em foco a pessoa veneranda de um cardeal? A julgar pelos princípios enunciados pelo próprio dom Scherer, sim. Pois se todos os clérigos estão sujeitos à lógica e à lei comum, como qualquer homem, então não há desrespeito em analisar, por este crivo, as atitudes de S. Emcia.

Independente de tudo isto, óbvio é que S. Emcia., na defesa dos réus, atacou certos órgãos da imprensa e um magistrado. E o fez num programa radiofônico. Com isto, deu S. Emcia. aos que ele acusa — e a qualquer do público — o direito de opinar sobre o caso, em defesa dos que S. Emcia. pôs no pelourinho.

Assim, presente ao debate como todo e qualquer brasileiro, aqui estou eu. E para opinar.

* * *

Deixo de lado o que se refere a todos os réus, suspeitos de urdiduras comuno-progressistas, pois não lhes conheço os processos. Destaco apenas um, pois quanto a este tenho uma palavra a dizer. É o célebre, o intocável, o intocado — o magicamente intocado — agitador belga pe. Comblin, professor do Instituto Teológico, fundado por d. Helder Câmara, em Recife.

Aliás, não sou só eu que tenho essa palavra a dizer. São 1.600.368 brasileiros.

No mês de junho de 1968, a imprensa publicou um documento do pe. Comblin, que estarreceu o Brasil. Esse documento fez transbordar a taça da indignação popular contra a infiltração comunista em meios católicos. E daí a histórica e monumental mensagem do povo brasileiro a Paulo VI, que todos conhecem.

Cito alguns tópicos do documento do comuno-progressista que vai formando o jovem clero recifense:

* Diz o padre Comblin:

“Não basta fazer leis. É preciso impô-las pela força. Para a arrancada, o poder será autoritário e ditatorial. Não se pode fazer reformas radicais consultando a maioria, que a maioria prefere ‘sombra e água fresca’, prefere evitar os problemas”.

* Continua o padre Comblin: “O poder deve contar com a força. Qual será essa força? Às vezes será necessário distribuir armas ao povo. Outras vezes bastará apelar ao plebiscito em circunstâncias bem preparadas. Outras vezes o centro dos meios de propaganda será suficiente. Em todo caso será necessário montar um sistema repressivo: tribunais novos de exceção contra quem se opõe às reformas. Os procedimentos ordinários da Justiça são lentos demais. O poder legislativo também não pode depender de assembléias deliberativas.”

* Ainda o padre Comblin:

“O poder deve neutralizar as forças de resistência: neutralização das Forças Armadas se forem conservadoras; controle da imprensa, TV, rádio e outros meios de difusão, censura das críticas destrutivas e reacionárias.”

* Afirma o padre Comblin que “será necessário fazer alianças, entrar em compromissos, sujar as mãos pelas alianças sujas”, para os progressistas derrubarem o governo e conquistarem o poder.

E agora pergunto aos que me lêem, e tomo a liberdade de perguntar ao próprio dom Scherer: contra este, não há provas?

Sim, as há. Contra ele, a Justiça poderá dizer à guisa de sentença, simplesmente as palavras do Senhor ao servo mau: “de ore tuo te judico” — julgo-te segundo as palavras que tua boca proferiu (S. Lucas XIX, 22). Pois é nas próprias palavras do padre Comblin que está a prova clara, forte, decisiva contra ele.

* * *

No que diz respeito ao padre Comblin, é pois ao próprio cardeal dos pampas que me volto. Já que ele é tão legitimamente exigente de provas para qualquer alegação contra terceiros, forçoso será que ele exija não menos peremptoriamente punição para aqueles contra quem haja provas.

E assim é natural que S. Emcia. venha a público declarar que exclui o padre Comblin da sua lista dos clérigos inocentes, por ele defendidos. É natural que S. Emcia. peça para ele os rigores da lei. E não só da lei civil como da eclesiástica.

Da eclesiástica, sim, pois existe, apesar da “procela tenebrarum” que envolve a Igreja de Deus, um Código de Direito Canônico, que dispõe sobre as punições que a Igreja tem o direito e o dever de aplicar contra os clérigos do gênero dos comuno-subversivos.

* * *

Mas, dirá alguém, padre Comblin não sendo da diocese de dom Scherer, este não pode intervir no caso.

A tal objetante, responderia eu com uma pergunta. Porventura o arcebispo, bispo e padres cuja defesa o pastor gaúcho assumiu, são da arquidiocese de dom Scherer? — Não. Por que, então, S. Emcia. se interessou por eles? — Por amor à justiça e à imparcialidade, princípios universais que extravasam dos limites de uma diocese. Foi em nome desses princípios, que S. Emcia. saiu em defesa dos acusados de subversão comuno-progressista.

O que lhe impede, então, em nome dos mesmos princípios universais, declarar a culpabilidade do comuno-progressista notório?

Contato