Plinio Corrêa de Oliveira
A TFP pede: arejamento, voz e vez
Catolicismo, N.° 341, Maio de 1979
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A PRESENTE ENTREVISTA do Prof. Plinio Corrêa de Oliveira, Presidente do Conselho Nacional da Sociedade Brasileira de Defesa da Tradição, Família e Propriedade, foi publicada em “O Globo”, do Rio de Janeiro, em 15 de abril p.p. “Catolicismo” julgou oportuno publicar o texto integral enviado pelo Prof. Plinio Corrêa de Oliveira àquele diário, que amputou arbitrariamente os tópicos que vêm abaixo em negrito. Pelas razões expostas abaixo, pareceu-nos que o pronunciamento do insigne pensador católico apresentaria grande interesse para os leitores de nossa publicação. A sugestão feita pelo Presidente do Conselho Nacional da TFP, de se dar nova vida aos grandes congressos de intelectuais católicos — eclesiásticos e leigos — a fim de debater à luz da doutrina da Igreja os assuntos candentes da atualidade, apresenta um alcance prático que merece toda a atenção. Pois dará voz e vez, junto à opinião pública de nosso País, a personalidades e correntes presentemente marginalizadas por não concordarem com muito do que se diz e do que se faz em modernos arraiais católicos. A sugestão do ilustre intelectual brasileiro importa em aclarar, em arejar e em franquear ao conhecimento geral assuntos doutrinários e problemas concretos até aqui insuficientemente conhecidos pela opinião pública do nosso País. E sempre com a preocupação de manter a mais exata fidelidade ao ensinamento tradicional da Igreja. ________________________________________
1) Como analisa a gestão que se encerra da CNBB? O que considera positivo e negativo na ação da Igreja no Brasil nos últimos anos? R. — Não desejo apreciar aqui em sua globalidade, a atuação da CNBB ao longo da gestão que agora se encerra. Circunscrevo-me à linha de ação dela face a um tema que ocupa uma posição eminente — ou melhor, super-eminente — na conjuntura brasileira destes anos. Como todos sabemos, vão se tornando cada vez mais graves entre nós os problemas sócio-econômicos. De outro lado, o comunismo mantém em constante atividade seus minguados quadros de adeptos integrais, sua pletora de recursos publicitários, sua vasta coorte de agentes velados, de simpatizantes e de inocentes-úteis, tudo com vistas a transformar esses problemas em fatores de luta de classe. De onde um impressionante perigo para a civilização cristã no País. Em suma, uma problemática sócio-econômica séria, que urgiria resolver com cabeça fria, justiça, eqüidade e caridade, ainda que a pressão comunista não existisse. E, encastelada nesses problemas, a conspirata quente dos comunistas, a qual os utiliza como pretexto capital de luta. Isto a tal ponto que, se a questão social não existisse, o comunismo procuraria criá-la para a instrumentalizar no afã de derrocar o que resta de civilização cristã. Diante dessa situação, a CNBB deveria ter desenvolvido esforços hercúleos para obter um levantamento estatístico inteiramente objetivo da atual situação sócio-econômica. E, com base nisto, deveria ter convocado nos principais centros do País a intelectualidade católica — eclesiástica e leiga – para congressos, cursos e semanas de estudo em que todas as tendências pudessem exprimir-se, definir-se e dialogar numa atmosfera de mútuo e fraterno respeito. Em conseqüência poderiam germinar, sob a inspiração e orientação da autoridade eclesiástica, valiosas colaborações para o encontro das grandes soluções, sábias e equânimes, de que a opinião católica está sedenta. Todo o mundo que conhece um pouco da História da Igreja, pelo menos a partir de Pio IX, sabe que se tem procedido assim com freqüência — notadamente em matéria sócio-econômica — nas grandes encruzilhadas do pensamento católico. Basta lembrar o papel do Código de Malines e suas relações com vários atos subseqüentes do Magistério Eclesiástico. O que assim deveria ter feito a CNBB para a solução da questão social, também deveria ela ter levado a cabo com problemática distinta mas afim, isto é, o perigo comunista. Promovendo congressos públicos e semanas de estudo em que participassem autoridades oficiais especializadas, como também intelectuais e homens de ação católicos, eclesiásticos e leigos, de todas as tendências, a CNBB deveria ter posto todo o empenho em montar um quadro objetivo e concreto desse perigo. E para excogitar as soluções que a situação assim delineada exigisse. Munida desses subsídios, que sem dúvida seriam valiosos, a CNBB, tendo mantido intenso diálogo com a intelectualidade católica, poderia, a exemplo de tantas autoridades eclesiásticas de Pio IX aos nossos dias, publicar ensinamentos e diretrizes intimamente conectados com as preocupações do País. Ensinamentos e diretrizes nas quais a “Ecclesia discens” ouvisse com toda a clareza o timbre de voz da “Ecclesia docens”. E nada disto fez a CNBB. Seus estudos se cifraram sempre em reuniões episcopais apressadas, de resultados confusos, em que os assessores — sacerdotes e leigos — têm pertencido grosso modo ao mesmo filão ideológico. Sua publicidade veicula apenas uma corrente, e quem está fora dessa corrente fica marginalizado. O resultado é patente: para uma grande maioria de brasileiros, os ensinamentos e as diretrizes da CNBB são uma inextricável incógnita. E portanto fonte de uma grande confusão. No total, para uma entidade como a CNBB, cujo fim é esclarecer, ensinar, orientar, o hermetismo de seus pronunciamentos, agravados por um sotaque esquerdista indisfarçável, configuram um resultado negativo. 2) Quais devem ser na sua opinião os principais compromissos da direção que será eleita? Por que? R. — Com toda a TFP, e os incontáveis brasileiros que com ela simpatizam integral ou parcialmente, também eu quero esperar que a mensagem de João Paulo II ao CELAM, a qual esclareceu alguns pontos importantes sobre a questão social, e o perigo da Teologia da Libertação, influencie favoravelmente a próxima direção da CNBB. Faço votos por que o documento que resultou da reunião dos Bispos do CELAM, revisto e retocado por João Paulo II, dê origem a uma atuação arejada, clara e lógica da próxima direção da CNBB. A última direção se esforçou, no plano temporal e político, pela democratização do Brasil. Espero que a próxima direção se porte, num campo que lhe é próprio, isto é, o espiritual, de modo que não esteja em contradição com a ordem de coisas que sua antecessora tanto ajudou a implantar no terreno temporal. De nenhum modo se deduza daí que a TFP pleiteie uma democratização da Igreja. Bem sabemos que na forma de governo desta, imutável, pois instituída por Nosso Senhor Jesus Cristo, o poder reside no Papa e nos Bispos. Mas este poder sempre se exerceu na Igreja “rationabiliter”. Isto é, a Igreja sempre foi propensa a ouvir e até a estimular o pronunciamento qualificado de seus filhos, antes de decisões de ordem moral concernentes às atividades temporais, que à Hierarquia cabe tomar em grau exclusivo e decisivo. Assim, está no horizonte um grande problema para o qual João Paulo II já deu parcialmente soluções na mensagem a Puebla. Pode um católico ser comunista? O atual pontífice já respondeu: comunista marxista, não. E comunista não-marxista, segundo o modelo que está entrando em moda nos arraiais comunistas? A magna questão está de pé. Os ensinamentos tradicionais dos Pontífices a esse respeito, de que maneira se aplicam a tal questão nos termos precisos em que esta se põe hoje em dia? Pode um católico de hoje ser comunista não-marxista? Os comunistas debatem a questão em termos correlatos. Pode um comunista não ser marxista? Pode um membro do PC ser católico? Isto, eles o discutem — apesar de seu tão estreito e tacanho ditatorialismo — até em congressos públicos de repercussão internacional. No seio do Brasil que ela ajudou a democratizar, a CNBB, na gestão dos dirigentes que em breve escolherá, deve ela mesma inaugurar uma larga e cordial controvérsia — um diálogo, se ela preferir este vocábulo um tanto poluído — da intelectualidade católica, eclesiástica e leiga, sobre o assunto. Aos futuros dirigentes da entidade tocará decidir em seguida se se pronunciarão sobre este novo problema, ou se o encaminharão à superior consideração de João Paulo II, a quem por certo não será indiferente conhecer como pulsam a tal respeito os corações de seus filhos submissos, na mais populosa nação católica do globo. Isto se a nova gestão da CNBB não preferir dar início a essa era de arejamento, promovendo congressos públicos, semanas de estudo etc., sobre as duas grandes questões que mencionei de início — a questão social e o perigo comunista — e que a gestão anterior deixou pairando pelo ar, “perambulantes in tenebris”, como diz a Escritura. No sentido aqui aventado, a TFP transborda de desejo de cooperar. E para tal não faz senão o mais modesto dos pedidos: que lhe sejam dadas voz e vez.
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