Plinio Corrêa de Oliveira
“Nada se constrói sobre meias verdades”
Diário de S. Paulo, 14 de junho de 1970
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O presidente da TFP, professor Plinio Corrêa de Oliveira, fala sobre o contraste das gerações à luz da história contemporânea e as transformações por que tem passado a Humanidade.
Ouvimos a respeito de um dos mais candentes problemas da atualidade, o do contraste das gerações à luz da história contemporânea, a palavra do professor Plinio Corrêa de Oliveira, presidente do Conselho Nacional da Sociedade Brasileira de Defesa da Tradição, Família e Propriedade (TFP). O entrevistado que desde jovem se destacou como professor e homem público, está largamente credenciado a se pronunciar sobre o assunto uma vez que vem observando há longos anos as transformações porque tem passado a Humanidade. Ele é também autor de um livro, Revolução e Contra Revolução, em que analisa em profundidade as causas da crise porque passa o mudo hodierno. Foram as seguintes as perguntas propostas ao professor Plinio Corrêa de Oliveira:
O Sr. poderia definir a sua geração: o que ela é e o que representou? A grande maioria das pessoas da minha geração de modo profundo, porém não completo rompeu com os padrões ideológicos e culturais da velha Europa e se abriu entusiasticamente, porém de modo também incompleto, para a influência – então ultra-“moderna” – dos Estados Unidos. Nesse sentido foram “prá frente”. Entretanto do ponto-de-vista religioso, começaram num indiferentismo que marcava em certa medida até muitos católicos praticantes, e a partir de uns trinta anos para cá têm evoluído para uma atitude de interesse e respeito pela Religião. Uma ponderável parcela dessa maioria chegou mesmo à prática religiosa. Parece-me que, hoje, os de minha geração sentem certo desencanto em relação ao americanismo. Nunca esperaram o caos em que o mundo afundou. E, diante desse caos, se sentem profundamente perplexos e explicavelmente alarmados. Descreva os acontecimentos que tiveram importância para a formação de sua geração. O período de “entre les deux guerres”, em que minha geração se formou, foi marcado primeiramente pelo zênite da influência norte-americana, pelo feminismo agressivo, pela maré de modernidade, pelo transbordamento de vulgaridade, pelo entusiasmo em relação às novas invenções (sobretudo a expansão do cinema, do automobilismo e da aviação), fatos esses que se seguiram todos à I Guerra Mundial. Já se previa então que o comunismo seria o grande problema dos anos futuros. A questão social começava a inquietar certos círculos. Tanta ruptura com o passado, tanto avanço para a esquerda, despertou como contragolpe apetências de reação para a direita. Essas apetências foram polarizadas, postas em delírio e deturpadas pelo nazismo, pelo fascismo e por seus congêneres, os quais, em lugar de entrarem em choque com o socialismo, instauraram um socialismo camuflado de direitismo. As experiências de Marconi abriram, “pari passu”, a era do rádio. Toda esta seqüência de fatos se alongou até a II Guerra Mundial. Terminada esta, iniciou-se o que eu chamaria a cancerificação do universo. Em outros termos, tudo cresceu como um câncer e tomou proporções babilônicas: os riscos da nova guerra nuclear, o poder dos supergrandes, o desenvolvimento da técnica, a eficácia da propaganda, a massificação do homem, a universalidade das agitações, a superespecialização das ciências, etc. Um excesso de velocidade, um excesso de abundância na produção do mal e até na de certas coisas boas, uma falta de ritmo e de compasso em tudo, transformaram o mundo num caos inumano. Daí uma infinidade, também tumultuosa, de tentativas de interpretar e “humanizar” o caos, que deram numa dispersão de forças e num desalento, que ataca muitas vezes até os melhores. Acrescente-se a isso o efeito maléfico da proliferação do erotismo, da sensualidade, do freudismo e do permissivismo, e procure-se olhar todo esse caos de dentro dos olhos de quem viu a luz do dia no fim da “belle époque” e formou a alma na relativa placidez do “entre les deux guerres”. O leitor poderá então imaginar o trauma sofrido por essas almas de minha geração, embaladas outrora pelos sonhos do otimismo norte-americano. O apoio que lhes restaria seria a Igreja. Imagino o desconcerto de tantos de meus coetâneos vendo-A numa crise apocalíptica. Digo tudo isto, sentindo-me em larga medida fora de minha geração, de cujas ilusões não participei, e com cujas tendências tão freqüentemente entrei em dissonância. Pois na realidade tenho sido muito mais ouvido e entendido pelos jovens do que pelos de meu tempo. Basta, para o provar, olhar para as fileiras da TFP, onde quanto mais jovem é a geração, tanto mais representantes tem. O progresso tecnológico, o advento da TV, até que ponto acredita que isso terá relevância junto às novas gerações? Julgo que essa relevância não seria primordial se não fosse a circunstância de que tais fatores estão com demasiada freqüência a serviço do caos, que assim aumenta enormemente. Está de acordo com a afirmação de Scott Fitzgerald de que uma geração distingue-se por um número de idéias herdadas, de forma moderna, de malucos e foras-da-lei da geração anterior? Esse princípio não ocorre sempre. Mas, a partir do fim da Idade Média, se tem verificado com freqüência. Entretanto, para que o princípio se entenda segundo a realidade histórica, é preciso incluir entre os “fora-da-lei”, não só os malucos como os que reagem com intrepidez e coerência contra a maluquice. Nas épocas em que se verifica o princípio de Scott Fitzgerald, a maioria das pessoas estão a meio caminho entre a maluquice e o bom senso autêntico, e põem esta e aquela fora da lei. Sobretudo o bom senso. Em nossos dias, parece-me que o princípio de Scott Fitzgerald está seriamente exposto a não se verificar. Pois a maluquice de uma minoria é tal, que vai levantando contra esta o desprezo ou até a cólera da imensa maioria, que até há pouco estivera em posição intermediária. Os valores de sua geração eram mais ou menos frágeis do que os valores das novas gerações? Concordo com São Pio X. Segundo ele, tudo quanto há de plenamente verdadeiro e bom no mundo resulta da religião católica. À medida em que o mundo se afasta desta, todos os valores entram em agonia. O que dizer, então, se a religião imortal parece, ela mesma, em agonia? A meu ver, essa doença “agônica” da Igreja, chamada progressismo, já perdeu virtualmente a batalha. A maioria a está rejeitando. O grande problema é saber se a reação antiprogressista será autêntica ou se a maioria dos que a propugnam se deixará infiltrar pelo espírito progressista. Se for autêntica, todos os valores readquirirão firmeza. Se não for, não há males que não nos possam cair em cima. Só uma coisa é impossível: é a Igreja morrer. Como o sr. explica o fato das novas gerações se baterem tanto por ideais de paz e, ao mesmo tempo, se manifestarem tão violentamente para a consecução de seus objetivos? É uma das mil contradições de nossa época. Para explicá-la, haveria que explicar por que esta é contraditória. A explicação é simples: fugimos da verdade total, da virtude total e queremos construir um mundo baseado em meias verdades e em meias virtudes. O resultado são esses escombros que aqui estão. E, nesta esfera de realidades, os escombros geram monstros. Como o sr. definiria a nova geração? É algo de bem diverso da minoria de ‘hippies’ e agitadores. Um mundo novo, cheio de lacunas e extravios, bem como de surpreendentes afirmações de valor moral, do qual se pode recear muito mais, e também esperar muito mais do que de minha geração. |