Plinio Corrêa de Oliveira
Abertura é “pobre”,
afirma líder da TFP
Folha de S. Paulo, 3 de outubro de 1982, chamada à 1ª. Página e pags. 8 e 9
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“Não foram criadas condições estimulantes para a intervenção das forças vivas da nacionalidade no debate político”
A abertura política promovida pelo governo do presidente Figueiredo é “pobre”, porque ocorreu “para os esquerdistas”, sem que se criassem “condições estimulantes para que as forças vivas da nacionalidade se sentissem efetivamente atraídas a intervir largamente no debate político”, a fim de que “as próximas eleições fossem verdadeiramente representativas”. O raciocínio é do presidente do Conselho da Tradição Família e Propriedade (TFP), Plínio Corrêa de Oliveira. Em entrevista ao repórter Ricardo Kotscho, concordou com a tese recentemente defendida pelo general Moacir Pereira, comandante da 4ª. Divisão de Exército, afirmando ser “um direito indiscutível do fiel abandonar o recinto sagrado em sinal de protesto contra uma pregação subversiva”. “Até aqui, a TFP jamais incitou seus sócios a que o façam. Porém, em tese, este é um direito e quiçá um dever que os fatos venham a impor a quaisquer deles. Peço a Deus que tal não me suceda”, observou. Plínio Corrêa de Oliveira voltou a descartar que a TFP tenha participado da falsificação do jornal “O São Paulo”, da Arquidiocese paulista. “Suspeita pela falsificação é insultante” “Folha” — A TFP voltou ao noticiário dos jornais nos últimos dias por dois motivos: a suspeita, não confirmada pelas investigações policiais, sobre o seu envolvimento no episódio da falsificação de “O São Paulo”; a grande movimentação de seus seguidores nas ruas para a venda de um livro que critica as atividades das Comunidades Eclesiais de Base. Ambos os fatos resumem um conflito entre setores progressistas e conservadores da Igreja. Afinal, o que quer a TFP, hoje? PLINIO CORRÊA DE OLIVEIRA — No que concerne à TFP, o caso da falsificação de “O São Paulo” está inteiramente encerrado. A “FOLHA DE S. PAULO”, de 18 de setembro p.p., publicou uma declaração em que o delegado, dr. Carlos Antônio Sequeira, afirmava nada ter sido apurado que a relacionasse com o assunto. Aliás, não é só um caso encerrado. É um caso que jamais deveria ter dado margem a que se levassem à polícia suspeitas insultantes. Pois nada, nos 22 anos de atuação da TFP, desenvolvida na mais escrupulosa observância da lei, nada — repito — há que justifique a hipótese. Com esta suspeita infundada, só quem poderia ganhar é o comunismo, a quem a TFP tenazmente combate. Voltando à pergunta, não vejo relação entre esse episódio e a publicação do livro “As CEBs… das quais muito se fala, pouco se conhece — A TFP as descreve como são”, de que sou autor com os srs. Gustavo Antonio Solimeo e Luiz Sérgio Solimeo. A menos que se atribua a setores da “esquerda católica” a iniciativa da difusão das falsas versões quanto à participação da TFP no caso de “O São Paulo”. Mas essa é uma hipótese que, por assim dizer, fica tão-só nos pressupostos da pergunta. Dispenso-me, pois, de tratar aqui, dessa hipótese absurda. Há inegavelmente um fundo desacordo entre o “esquerdismo católico” e a TFP. Segundo esta última tem demonstrado em livros, artigos de imprensa, folhetos e propaganda de rua, esses setores esquerdistas propiciam, de um ou outro modo, a infiltração das doutrinas comunistas na Igreja. E isto, quanto possível, fazem sem que o povo perceba. A TFP, o que quer? Uma coisa muito simples: que o povo o perceba, para poder premunir-se contra o perigo dele se desviar. “Folha” — Vive o País um clima pré-eleitoral em que pessoas e entidades começam a se definir entre os diversos candidatos e partidos. Como se posiciona a TFP? Quais as recomendações que deu a seus membros? Como o sr. analisa a campanha e as propostas de cada um dos cinco candidatos ao governo de São Paulo? P.C.O — A TFP é uma entidade extra-partidária. Não está em sua tradição agir no campo político, indicando candidatos. Ela esclarece os aspectos do debate eleitoral atinentes aos princípios constitutivos da civilização cristã. E deixa ao público o encargo de relacionar esses aspectos com os vários programas partidários. Esse trabalho de esclarecimento doutrinário, a TFP não o faz especificamente em função das eleições, nem apenas quando se aproximam os pleitos eleitorais. Mas ao longo do grande debate ideológico quotidiano, em que o País se vai engajando cada vez mais no correr dos anos, a TFP vem intervindo. Só se se apresentarem condições muito excepcionais é que a TFP estudará a eventualidade de uma tomada de posição, aliás toda episódica, em face deste ou de outro futuro pleito. Até este momento, tal eventualidade ainda não se apresentou. “Folha” — O general Moacir Pereira, comandante da 4ª. Divisão do Exército, conclamou os católicos a interromper as missas rezadas por padres progressistas e abandonar os templos, além de sugerir que eles devem ser reprimidos. A TFP seguirá estes conselhos, concorda com estas colocações? P.C.O. — Pelo que me consta, o general Moacir Pereira não recomendou que os católicos interrompessem toda e qualquer missa celebrada por padres progressistas. Mas tão-só as pregações de caráter subversivo que, ao comentário do Evangelho, o oficiante fizesse. A meu ver, fez-se a este respeito uma algazarra totalmente sem sentido. Pois me parece um direito indiscutível do fiel abandonar o recinto sagrado em sinal de protesto contra uma pregação subversiva. E, em alguns casos extremos, até mesmo de interromper o sermão formulando um respeitoso mas definido protesto contra o que esteja dizendo o pregador. Até aqui, a TFP jamais incitou seus sócios; cooperadores ou simpatizantes a que o façam. Porém, em tese, este é um direito e quiçá um dever que os fatos venham a impor a quaisquer deles. Peço a Deus que tal não me suceda. E estou certo de que jamais alguém da TFP o faria em meio a arruaças, tumultos ou atitudes ilegais de qualquer gênero. Pois tal seria contra os princípios da TFP. Aliás, nem foi o que o general Moacir Pereira recomendou. “Folha” — Na edição falsificada de “O São Paulo”, em diversos artigos, aparece a critica de que a CNBB está pregando um socialismo autogestionário nos moldes do PS francês — crítica esta constantemente feita em manifestações e publicações da TFP. Esta identidade de pensamento entre o que a TFP prega e o que foi publicado na edição falsificada é que provocou as primeiras suspeitas sobre o envolvimento da entidade no episódio. O que o sr. tem a dizer a respeito? P.C.O. — Não é exato que haja no “O São Paulo” falsificado a mínima referência ao socialismo autogestionário, nem mesmo ao PS francês. Também não corresponde à realidade que a TFP haja feito ”constantemente” à CNBB a crítica de que tende para o socialismo autogestionário. A autogestão é assunto de que nossa entidade só se vem ocupando, de modo sistemático, depois do recente lançamento pelas treze TFPs, em 48 jornais de 18 paises, a partir de 9 de dezembro do ano passado, da mensagem de minha autoria: “O socialismo autogestionário: em vista do comunismo, barreira ou cabeça-de-ponte?” Nessa mensagem, há várias referências ao Episcopado francês. Não porém à CNBB. E, mesmo depois de publicada a mensagem, a TFP não fez do relacionamento entre a CNBB e a autogestão nenhum cavalo de batalha “constante”. No muito recente livro sobre as CEBs, sim, algo está dito a esse respeito (pp. 50, 116, 160, 239-240, 245-250). Ainda que não fosse assim, a correlação entre a falsificação de “O São Paulo” e a TFP, simplesmente porque os autores da falsificação teriam atacado a autogestão, me parece uma correlação forçada. A autogestão implica uma reforma completa da atual sociedade no mundo inteiro. Como tal, ela colide com convicções, com situações históricas, com direitos adquiridos de toda ordem. E por isso tem sido contestada nos vários países, por pessoas com as mais diferentes posições doutrinárias ou políticas. Em nosso País mesmo, estou certo de que a absoluta maioria dos que sabem o que é a autogestão, é contra ela. Será que toda essa gente é suspeita de ter falsificado o “O São Paulo”? [Nota: Para aprofundar o assunto, vide também o comunicado da TFP “A TFP lança novo livro: esvoaçam as vespas da malevolência“, publicado na “Folha de S. Paulo”, de 2 de setembro de 1982] “Folha” — Quais são hoje os principais financiadores da TFP, que permitem à entidade desenvolver campanhas caras em todo o País, com elevados gastos em publicidade e publicações? P.C.O. — “Os principais financiadores”: permita-me dizer que a expressão me faz sorrir. Pois ela parece aludir a zunzuns que correm, às vezes, acerca de folclóricos latifundiários e industriais, os quais, apavorados com a perspectiva de se verem espoliados pela CNBB, CEBs, PCB etc., fariam de quando em vez donativos para as campanhas da TFP. Assim é que certa contrapropaganda de esquerda procura folcloricamente apresentar-nos. A realidade é outra, muito outra. A TFP tem amigos em todas as classes sociais. Mas o grosso de seus gastos — menores do que se poderia imaginar — é feito com donativos médios e pequenos, procedentes de um quadro de doadores bastante vasto. Neste quadro, a representação dos latifundiários e plutocratas é surpreendentemente menor do que as da média e pequena burguesia. Nomes? Evidentemente não os posso divulgar pela imprensa. Trata-se de pessoas que vivem no recesso da vida privada, e não querem ser envolvidas em posicionamentos da vida pública. “Folha” — Se o sr. fosse convidado hoje para assumir o lugar de Delfim Neto no Ministério do Planejamento, quais as primeiras medidas que tomaria para enfrentar a inflação, o desemprego e a dívida externa? P.C.O. — Pergunto-me o que responderia Delfim Neto se alguém lhe indagasse o que faria, logo de inicio, caso fosse convidado para assumir meu lugar na TFP. O ilustre brasileiro provavelmente cairia das nuvens e daria uma bem humorada gargalhada. Análogo bom humor me causa sua pergunta. Falando sério, sobre os temas mencionados na pergunta não possuo senão as informações de que o brasileiro médio dispõe. Acho-as insuficientes, e por isso, como a imensa maioria de meus patrícios, fico na dúvida. Acho que sobre estes como sobre tantos outros pontos, nosso povo vai votar insuficientemente informado. De onde a entediada apatia com que ele se vai aproximando das eleições. “Folha” — O sr. concorda com a posição assumida por diversos analistas da política internacional, segundo os quais o que Israel está fazendo hoje com os palestinos é exatamente o mesmo que os nazistas fizeram com os judeus na 2ª. Guerra Mundial? P.C.O. — Evidentemente, o derramamento de sangue ocorrido recentemente no Oriente Próximo, me confrangeu. É claro que entre ele, e os derramamentos de sangue provocados pelos nazistas ao longo do governo Hitler, há analogia genérica. Como com outros tantos derramamentos de sangue que a História registra. “Democratização é utilizada por toda a esquerda” “Folha” — Na opinião da TFP a abertura política do governo do presidente João Batista Figueiredo está indo muito depressa ou muito devagar? P.C.O. — Da abertura se pode dizer, por uns lados, que ela vai por demais lenta, e por outros lados que ela vai por demais rápida. A meu ver, o que sobretudo importa é dizer que ela vai pobre. Abertura? Mas para quem? Para os esquerdistas, evidentemente a houve. Porém não foram criadas condições verdadeiramente estimulantes para que as forças vivas da nacionalidade, as entidades que representam a produção intelectual, a produção econômica e outras formas de propulsão do País se sentissem efetivamente atraídas a intervir largamente no debate político. Ora, isto é que, acima de tudo, conviria ter sido feito, para que as próximas eleições fossem verdadeiramente representativas de toda a Nação. A maior parte das forças vivas se deixaram ficar no seu marasmo político tradicional, e com isso a abertura só tem sido utilizada pelas esquerdas de todo tipo e de todo matiz, e por políticos convencionais de um gênero — é o caso de tantos — que vai passando de moda. Uma verdadeira abertura deveria ter sabido criar condições psicológicas inteiramente outras. E assim o campo ficou aberto para a força viva que tem sabido atuar nela, isto é, a CNBB… Folha” — A TFP é a favor ou contra as eleições diretas para a Presidência da República? Ou permanece fiel aos seus princípios monarquistas? P.C.O. — A TFP não só é a favor da eleição direta para Presidente da República, como a favor do referendo popular para cada lei importante que o Congresso aprove. Estamos persuadidos de que, no Brasil, a verdadeira classe conservadora é o povo. E que o melhor da força de impacto esquerdista está quase todo em altos clubes plutocráticos, em altas esferas eclesiásticas, e também entre potentados da publicidade. Não tememos, pois, a consulta popular. Quanto aos alegados princípios monarquistas da TFP, a autêntica posição desta é fácil de explanar. Como é sabido, as formas de governo são três: democracia, aristocracia e monarquia. Consideradas no plano meramente doutrinário, isto é, da filosofia e da Revelação, as três formas estão de acordo com a moral e a ordem natural das coisas. É o que ensinam São Tomás de Aquino e os papas, notadamente Leão 13. Os católicos, neste plano, são portanto livres de optar entre elas. Para tal opção, contudo, não basta ficar neste plano. Também é preciso levar em conta as condições culturais, históricas, socioeconômicas e políticas, essencialmente mutáveis segundo os países e os tempos. Na avaliação de todas essas circunstâncias, a Igreja não intervém, e cada católico deve formar suas convicções pessoais. Isto posto, e tomando em consideração as circunstâncias do Brasil hodierno, a TFP afirma que a restauração da forma de governo monárquica não é desejável, nem praticável, na presente era histórica. Em consonância, esta entidade jamais agiu no sentido de influenciar o público para mudar a forma de governo vigente. E ninguém poderá apontar um fato que desminta essa asserção. “Folha” — Como são recrutados os jovens integrantes da TFP, que em número cada vez maior, são vistos nas ruas carregando os estandartes da entidade? Quantos são eles hoje, qual sua origem, como vivem? O que é permitido e o que é proibido nas suas atividades de lazer? P.C.O. — Como são recrutados? Como todo o mundo recruta todo o mundo para qualquer coisa. Isto é, nossos jovens procuram outros jovens, conversam com eles sobre a TFP, convidam-nos a frequentá-la. Este é o processo de recrutamento. Esses jovens, não só no Brasil, mas em todos os países onde existem TFPs, e em outros ainda, mostram-se por vezes indiferentes, por vezes hostis, e por vezes ardorosamente simpáticos. Quem são estes últimos, que às centenas vão portando nossos estandartes? Nos primórdios da TFP, o recrutamento atraía quase sempre pessoas pertencentes à velha aristocracia rural, ou à classe industrial e comercial vigorosamente emergente. Aos poucos, o recrutamento nesses ambientes foi diminuindo, enquanto se expandia um pouco na burguesia média, e muito na burguesia pequena. Aliás, de modo especial na burguesia pequena, ela mesma emergente também. A maior parte dos jovens que entram hoje na TFP talvez seja de filhos ou de netos de operários. Como vivem? Segundo a moral cristã, no estado de vida que tenham adotado. Seus lazeres? Os lazeres cristãos, quer os tenham dentro, quer fora da TFP. Naturalmente, a palavra “cristão” não carrega aqui as conotações que lhe dá o progressismo, mas as da moral tradicional da Igreja. Digamos que são lazeres como os tinha a maior parte dos congregados marianos modelares, no período em que as congregações marianas estavam no seu auge. A TFP também põe lazeres à disposição deles. Na realidade, porém, esses lazeres — sempre muito alegres — não são muitos. Pois, dentro dos limites do bom senso, sócios e cooperadores da TFP consagram seu tempo livre para servir o Brasil e a civilização cristã, na propaganda dos ideais da entidade. |