Teologia da Libertação e Reforma Agrária explicada a jornal de Tóquio (com áudio original e texto)

Plinio Corrêa de Oliveira

 

Entrevista sobre

Teologia da Libertação e Reforma Agrária

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 
 

Entrevista para o jornal The Sekai Nippo, de Tóquio, 16 de julho de 1985

 

 

 

 

 

Peço dizer a ele – não sei se nosso Diretor de imprensa já disse –  que nós costumamos gravar as entrevistas que damos. Estou supondo que ele concorde que isto seja feito.

(Dr Paulo Brito: pergunte a ele se após a publicação da entrevista no jornal dele que tem uns 250 mil exemplares, se podemos utilizar o texto da entrevista em nossos jornais).

(Tradutor: sim, pode)

Outra coisa a perguntar é se pretendem publicar a entrevista na íntegra. E se dão certeza que publicarão.

(Tradutor: ele quer aproveitar uma parte da entrevista mas o principal é citar a entrevista)

Quer dizer, que ele não vai publicar tudo quanto vai perguntar.

(Seria um pouco difícil porque está fazendo várias reportagens. Vai resumir e faz a notícia)

Porque há um ponto delicado, porque conforme a pergunta que ele ponha, pode ser que sejam coisas que teologicamente exigindo uma linguagem muito precisa, e eu não sei se sendo isto expresso em termos católicos e em termos brasileiros, a tradução disso para o japonês não fica mito delicada. E podem me atribuir um pensamento que eu não tenho, do ponto de vista teológico.

Se ele poderia, pelo menos, nos mostrar antes, o que ele vai publicar.

Haveria outra fórmula: as perguntas mais delicadas eu depois respondo por escrito, e ele publica com base na resposta escrita que dei, para ficar bem garantida a fidelidade. Não agora, mas amanhã eu dou essas respostas. Respondo verbalmente hoje mas dou por escrito amanhã.

(Diz que aceita)

Então podemos começar. Pergunte se quer mais luz.

(Diz que está um pouquinho escuro)

(Pergunta do repórter: o que seria o propósito dos padres e bispos da Teologia da Libertação através das CEBs para fazer a reforma agrária)

Diga que a resposta é a seguinte: eu não sei o que eles pretendem fazer; eu posso dizer o que eles estão dizendo e fazendo.

(Ele pede para explicar mais concretamente o propósito deles)

A TFP publicou há coisa de um ano mais ou menos um livro sobre as CEBs em que vem uma boa explicação a respeito da Teologia da Libertação, e da ligação da TL com as CEBs.

Eu posso dizer o que está no livro. Primeiro, eles têm uma teoria e depois uma prática. A teoria é teológica. Quer dizer, uma teoria religiosa. Esta teoria diz o seguinte: que para resolver os problemas sociais de hoje é preciso conhecer a sociedade de hoje como ela é.

Segundo ponto: para conhecer os problemas como são, é preciso de um método de investigação.

Terceiro ponto: este método se deve tomar onde está, porque a Igreja Católica não tem um método e então preciso tomar com quem tem. Onde eles encontram esse método, a gosto deles, é no marxismo. Então, conclusão, é preciso que os católicos adotem o método marxista de analisar a sociedade para poderem analisar os problemas sociais de hoje.

Isso é um grupo de pontos. Agora vai outro grupo de pontos: qual é o método marxista? Não há um especifico método marxista no sentido científico da palavra para estudar a sociedade. Não existe.

Você sabe japonês, Mamoru? Pode ajudar a ele na tradução?

(Tradutor: não há problema, é só explicar devagarzinho. Meu português não é perfeito ainda).

Eu estou dizendo o seguinte: não há um método de investigação especificamente marxista para conhecer a sociedade. O método é o que vou expor, não é método. Vai ver daqui a pouco.

Eles tomam a sociedade como ela aparece no primeiro olhar e tomam isso como verdadeiro. Repito: eles tomam a sociedade como ela poderia parecer no primeiro golpe de vista, e acham que está tudo feito. Não há investigação, é só olhar. Vou lhe dar um exemplo: tome aqui esse microfone. Quem olha para o microfone não vê o que tem dentro, olha e diz: é um tubo de metal. De fato não é tubo de metal, é microfone. Não viu dentro.

Os marxistas olham… Marx olhou  para a sociedade e disse uma coisa que pareceu a ele verdadeira, que a sociedade está dividida entre ricos e pobres. Os ricos oprimem, os pobres sofrem. Mais nada.

Então, é preciso que os pobres derrubem os ricos.

Isto não é uma investigação. Qualquer criança olhando, pode ter essa impressão. Não é científico isso. A realidade é muito mais complexa do que essa visão simplista, não científica.

Agora, então, o que fazem com isso os teólogos da libertação? Eles interpretam o Evangelho, procuram interpretar o Evangelho como se Jesus Cristo fosse um líder dos pobres contra os ricos.

O que é a libertação para os pobres se libertarem dos ricos? Derrubarem os ricos para se libertarem.

A Igreja existe há quase 20 séculos, e durante 20 séculos ninguém ensinou isto dentro da Igreja. Eles estão, portanto, inventando uma doutrina nova. E, portanto, errada. Porque a Igreja é infalível, não pode se contradizer.

Esta é a resposta global.

A conclusão é que a aliança deles, dos teólogos da libertação, com os comunistas é fácil de fazer, tem muitos pontos comuns.

Bem, agora a reforma agrária. Estou entendendo que ele pergunta isso, não? Não querem tomar um pouco de whisky antes? Depois? Está bem.

A reforma agrária como ela está proposta – nós temos dois documentos sobre a reforma agrária. Vou simplificar. Um é uma pastoral coletiva dos bispos do Brasil, de Itaici, de 1980, propondo uma reforma agrária, quer dizer, a divisão de grande parte das terras dos particulares em benefício de pessoas que não tem terra para trabalhar.

Repetindo: em 1980 os bispos todos do Brasil lançaram um documento pedindo essa reforma agrária. Então, uma divisão de grande parte do solo agrícola. Eles propunham também uma divisão de grande parte do solo urbano, das cidades, para as pessoas que não tem casa para morar. São inquilinos, não são donos da casa.

Quando eles fizeram isso nós publicamos um livro mostrando que o católico pode estar em desacordo com o programa deles sem romper com a fé católica, sem abandonar a fé católica.

Repito: o católico pode estar em desacordo com a reforma agrária pedida por eles e com a reforma urbana pedida por eles sem deixar de ser católico.

Vou apresentar a coisa de outra maneira: pela estrutura, pela organização da Igreja Católica, quando uma autoridade eclesiástica… vamos dizer de outra maneira: quando os bispos dizem que a Igreja Católica quer a reforma agrária, os católicos devem estar de acordo. Explique isto para ele. Nós escrevemos um livro para provar que eles não tinham razão, e que como católicos nós não éramos obrigados a concordar com eles.

Esse livro teve muito boa saída. E acabou-se.

(Tiragem de 21 mil)

Agora, o ministro da reforma agrária publicou um novo plano de reforma agrária. E a maior parte, um grande número de bispos apoiou. Então estamos escrevendo um outro livro, mas insistir no mesmo ponto do livro anterior.

Isso é sobre a reforma agrária.

* * *

Pergunto se ele quer pôr outra pergunta.

(Como estão as terras que a Igreja possui atualmente?)

Neste ponto nós estamos em desacordo. Eles são a favor da reforma agrária, eles julgam uma aplicação dos princípios católicos, e nós estamos em desacordo da reforma agrária porque julgamos que viola os princípios católicos.

Quando publicarmos nosso livro, que deve sair dentro de 10 dias ou 15, vamos ver o que eles dizem.

(Os bispos da TL estão querendo fazer a reforma agrária, mas a Igreja possui grande quantidade de terra. Que uso estão fazendo dessas terras?)

É preciso esclarecer uma coisa que é um pouco difícil compreender: a maior parte dos bispos, ou quase todos, são a favor da reforma agrária. Nem todos se declararam a favor da Teologia da Libertação. Todos que são a favor da Teologia da Libertação são a favor da reforma agrária, mas nem todos que são a favor da reforma agrária se declararam a favor da Teologia da Libertação. É preciso ter isso bem em vista. São a favor da reforma agrária por outras razões. Os mais dinâmicos são também da Teologia da Libertação.

(Ele perguntou um pouco diferente: como explicar que os bispos favoráveis à reforma agrária são grandes possuidores de terras)

Ah, eu entendi mal

(Acho que meu português estava errado…)

Eles pessoalmente não são grandes possuidores de terra. A Igreja tem uma boa quantidade de terra, mas não é tão grande quanto se diz. Acho que estão dispostos a dar.

(O marxismo vê luta entre capitalistas e trabalhadores. O Sr como está vendo a sociedade atual).

Acho que há dois desacordos entre os marxistas e nós. Vou explicar quais são.

Primeiro, teoricamente; depois, concretamente.

Teoricamente: nós achamos, a Igreja ensina que a sociedade deve ser constituída de classes diferentes. O país deve ter classes diferentes. Mas esta diferença não é uma opressão. É preciso que essa diferença de classe, diferença de fortuna, seja de tal maneira que a classe mais baixa tenha uma situação digna, situação honrosa, situação razoável.

Repetindo: num país tem que haver classes sociais diferentes, níveis de fortuna diferentes também. Esta desigualdade deve ser tal que os da classe mais baixa tenham uma situação razoável, sejam respeitados e tenham o suficiente para viverem eles e suas famílias bem. Quer dizer, os da classe mais baixa devem ter uma situação respeitável e o suficiente em meios materiais para eles e suas famílias viverem bem.

Vou dar um fato concreto. Tome um trabalhador manual. Esse trabalhador manual tem que ter uma situação em que ele seja respeitado, tenha o suficiente de comida, de casa, de roupa para viver bem, ele e sua família. É preciso que o que ele ganha seja suficiente para isto. Entendeu?

Então, o normal de uma sociedade não é a luta, é a colaboração.

Qual é a teoria marxista? Vou dar agora a teoria marxista. Nunca poderá haver colaboração porque sempre quem está embaixo tem que estar revoltado contra quem está em cima.

Agora, eu pergunto se interessa a seguinte pergunta: se hoje em dia, na sociedade capitalista, os pobres tem a situação boa que nós queremos. Não sei se interessa essa pergunta. Entendi que ele queria saber isso.

(Disse que não pode dizer tudo de uma vez, porque para uma parte existe e outra não existe…)

Não estou perguntando o que ele pensa, eu entendi que ele queria saber o que eu penso. O entrevistado sou eu, não ele.

Em muitas partes do mundo os pobres não tem a existência boa que nós desejamos. Para que eles tenham essa existência boa, não é necessário dividir o que é dos outros, basta aproveitar os recursos ainda existentes no mundo. Não é preciso arrancar o que é dos outros, basta aproveitar os meios de vida que tem em outros lugares. Por exemplo, o Japão é um arquipélago muito povoado mas que tira todos os recursos do solo que tem. Mas esses recursos não bastam, então fazem imigração. O Sr está aqui por causa disso. Não vai arrancar as terras dos ricos no Japão, eles vem trabalhar num lugar onde há demais terras ainda não ocupadas. Esse lugar se chama Brasil.

Aqui no Brasil, existem zonas não ocupadas por ninguém, terras não ocupadas por ninguém e de uma fertilidade extraordinárias. Em vez de dividir as terras que têm dono, os que não vivem bem vão e ocupem as terras que estão sem dono. É isso que tem de fazer.

Essa é a resposta. Sobre a reforma agrária o essencial está dito.

(De fato, o governo está planejando essa aplicação do projeto para dar terras desocupadas?)

A parte que ele quer dividir, que já está ocupada, é maior do que a parte não ocupada que ele quer ocupar. Há uma parte das terras do Brasil que estão ocupadas, têm dono. E uma parte que não tem dono. O governo deveria tomar todas estas terras que não têm dono para quem queira, ir lá. E ainda restaria muita. Em vez de fazer isso, o governo quer dar uma parte das terras não ocupadas e uma parte de terras ocupadas, que já tem dono. Quer dar isso para os trabalhadores manuais.

Só que a parte que já tem dono e que eles vão dividir, é maior do que a parte que não tem dono e que eles também vão dividir. Grande parte da terra brasileira não tem dono. Disso o governo tira pouco. E tira muito da parte que tem dono. É um absurdo.

(Nem entendo porque faz isso)

Eu entendo. É porque é influência comunista. Não do governo, mas técnicos, etc., que tem a mentalidade da Teologia da Libertação.

(Será que a Igreja Católica não tem condição de impedir a influência da Teologia da Libertação?)

João Paulo II tomou uma primeira providência nisso tomando medidas contra Frei Boff, frade, um dos chefes da Teologia da Libertação. Se ele tomar outras providências, ele acaba com a Teologia da Libertação. Eu digo que se ele fizer, ele poderá acabar com a Teologia da Libertação. Se ele fará, não sei, terá suas razões, mas se fizer, poderá acabar.

(Será que essa medida seria pela parte teológica?)

Eu acho que para acabar com a Teologia da Libertação seria preciso fazer uma análise mostrando o que tem de ruim na parte teológica e na parte econômica. Nas duas partes.

(O sr acha que a Igreja Católica tem condição para fazer isso?)

Tem.

(Poderia dizer como combater a Teologia da Libertação teologicamente?)

É muito simples. Basta mostrar o choque que esta teologia tem com o que a Igreja ensina. Qual é o choque? A Teologia da Libertação afirma que o objeto dela é estudar as questões sociais. Ora, o verdadeiro objeto de uma teologia é Deus e não questões sociais. As questão sociais são uma conseqüência. O objeto é Deus.

A Teologia da Libertação afirma que a voz de Deus se faz ouvir na vontade do povo. A Igreja Católica afirma que a voz de Deus se faz ouvir na Bíblia e na Tradição. A Igreja Católica afirma que pode haver concórdia entre as classes sociais; a Teologia da Libertação afirma que não, que tem que haver luta.

(Se está havendo grande influência no povo da Teologia da Libertação?)

Não. O instrumento de propaganda da Teologia da Libertação são as CEBs. E antes de nós publicarmos esse livro os jornais diziam que elas eram poderosíssimas. Depois que publicamos esse livro os jornais falam muito menos delas. Porque perderam grande parte de sua influência, por causa de nosso livro, que mostra que elas não estão na linha católica.

(Ele foi fazer entrevista numa CEBs e viu favelados colaborando com elas. Achamos que se conseguissem um modo de expandir as CEBs para outros meios, teria grande influência)

Diga que concordo com ele. Se conseguirem expandir, podem ter influência grande. Eles não estão conseguindo expandir. Estão, pelo contrário, decaindo.

(Por que estão decaindo?)

Porque o povo brasileiro não é um povo revoltoso, é um povo muito afetuoso e muito amigo da concórdia. E por causa disso o caráter revolucionário das CEBs, luta de classes, etc., é uma coisa que não agrada ao povo.

(O povo brasileiro não gosta de seguir a linha revolucionária marxista?)

Não. Veja como o PC aqui é pequeno.

(Pergunta se o Sr teria algum dado sobre a diminuição das CEBs)

Não. O dado que eu tenho é que essas comunidades eram… há muitos esquerdistas na imprensa –  não são todos mas há muitos – e que eles favoreciam, davam a impressão das CEBs muito poderosas. Depois da publicação desse livro eles mencionam muito menos as CEBs e falam muito menos do poder das CEBs. Eu não tenho dados concretos, porque não é para mim que eles vão dar se estão decaindo.

 

Então, vamos tomar o whisky. Apenas deixo o Prof. Paulo Brito recebendo aos senhores. Eu tenho de subir porque tenho outra reunião que está me esperando.

Eu queria saber uma palavra sobre o jornal Sekai Nippo. Qual a orientação, a tendência, a posição política do jornal.

(Nós somos anticomunistas, estamos contra a União Soviética porque tem estratégia comunista par conquistar o mundo).

O jornal se publica em Tóquio? Que tiragem tem?

(230 mil)

Tem alguma posição política especial além do anticomunismo?

(Não somos nacionalistas, mas internacionalistas, porque para resolver problemas do comunismo e para amar o Japão temos que ser internacionalistas, porque o mundo é um corpo que tem um destino comum. Se um lugar quebra, tudo vai quebrar. Então para proteção do Japão temos que proteger tudo).

O jornal tem posição a favor de alguma religião, budista, xintoísta?

(Não)

Há católicos colaborando no jornal? Escrevendo artigos?

(Estamos publicando artigos, reportagens, como os religiosos estão sendo perseguidos no comunismo)

Se há movimentos anticomunistas no Japão? Quais são?

(Tem bastante)

Nós gostaríamos de ter contato metódico, conhecer um pouco quais são os jornais, movimentos anticomunistas do Japão, se eles têm uma lista. Porque nós temos aqui jovens japoneses que se poderiam corresponder com eles. Entre sócios da TFP há japoneses [que se poderiam corresponder com] movimentos anticomunistas no Japão. Termos correspondência.

(Lá tem vários grupos anticomunistas, mas pequenos. Ele não sabe se eles tem condição de fazer essa correspondência. Grupos pequenos como se fosse uma família. Seria mais conveniente para o Senhor fazer contato com os grandes jornais como … eles poderiam dar mais notícias. Um deles tem 9 milhões de exemplares diários. É o maior do Japão e creio que do mundo. O outro, Sankei… tem 3 milhões.)

Qual é a população atual do Japão?

(Mesmo que Brasil.)

Bom, Paulinho, você continua conversando com eles, eu tenho uma reunião me esperando em cima. Vou me despedir. O Dr. Paulo Brito fica fazendo papel do dono da casa. Boa noite, muito prazer. Muito gosto, até logo.

Meus caros, então, talvez nos vejamos na reunião da noite.

 

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