Equilíbrio nervoso, força e obediência = distância psíquica

Auditório São Miguel, Santo do Dia, 3 de novembro de 1990, sábado

 

A D V E R T Ê N C I A

O presente texto é adaptação de transcrição de gravação de conferência do Prof. Plinio Corrêa de Oliveira a sócios e cooperadores da TFP, mantendo portanto o estilo verbal, e não foi revisto pelo autor.

Se o Prof. Plinio Corrêa de Oliveira estivesse entre nós, certamente pediria que se colocasse explícita menção a sua filial disposição de retificar qualquer discrepância em relação ao Magistério da Igreja. É o que fazemos aqui constar, com suas próprias palavras, como homenagem a tão belo e constante estado de espírito:

“Católico apostólico romano, o autor deste texto  se submete com filial ardor ao ensinamento tradicional da Santa Igreja. Se, no entanto,  por lapso, algo nele ocorra que não esteja conforme àquele ensinamento, desde já e categoricamente o rejeita”.

As palavras “Revolução” e “Contra-Revolução”, são aqui empregadas no sentido que lhes dá o Prof. Plínio Corrêa de Oliveira em seu livro “Revolução e Contra-Revolução“, cuja primeira edição foi publicada no Nº 100 de “Catolicismo”, em abril de 1959.

 

 

…vamos ter essa noite um Santo do Dia de um gênero inteiramente diferente, porque não vai ser um desenvolvimento doutrinário, mas vai ser um “Ambientes e Costumes” a respeito de um poster. O poster é um poster extraor­dinário mandado de Sevilha, de presente para o coronel Poli, pelo sr. A. Bravo que é chileno, apóstolo itinerante pela Espanha.
Esse poster foi tomado provavelmente para a grande exposição que está se preparando em Sevilha para o ano de 1992, e caracte­ri­za uma pessoa dando um salto a cavalo. Mas é uma das mais belas e fiéis e expressivas manifestações da coragem humana, naqui­lo que ela tem mais de bonito, que é a capacidade de ousar e a capacidade de avançar.
Eu estou dizendo isto antes do poster ser exibido pelo coro­nel, porque a impressão que causa o poster é tão intensa, que os senhores vão achar, no primeiro momento, uma porção de coisas que é legítimo, que aquilo aflui ao espírito. E é conveniente que os senhores já estejam com o espírito armado para a análise moral e doutrinária da coisa antes de a verem, porque depois é difícil que a análise encontre lugar no espírito impressionado.
* O ápice da posição da alma humana consiste em crer na Santa Igreja Católica Apostólica Romana
O ápice da posição da alma humana consiste em crer, mas não é crer em qualquer porcaria, em qualquer macumba, mas é crer na única religião verdadeira que é a religião católica ensinada e pregada pela Santa Igreja Católica Apostólica Romana. Quando ele crê naquelas verdades, aquelas verdades projetam uma luz sobre a alma dele que ilumina e o torna capaz, por amor àquelas verdades, o torna capaz de empreendimentos extraordinários. É aquilo que o nosso grande Camões chamava “Cristãos atrevimentos“.
Ele desejava para as esquadras de Portugal que naquele tempo cobriam os mares que levavam até a Índia, até o Japão e a China, ou que chegavam até pontos ainda ignorados do Brasil, também pouco conhecidos; então, ele desejava para essas naus, que eram em parte impulsionadas pelo desejo do lucro dos mercadores que fretavam e organizavam aquela esquadra, mas de outro lado, movi­da, e principalmente movida – porque deve figurar em primeiro plano – pelo desejo de expandir a fé Católica nos países maometanos, e, portanto, movidos pela fé.
Então, Camões queria que os portugueses – ele deseja isso, se não me engano é nos Lusíadas – que as naus navegassem “para sempre mais cristãos atrevimentos”.
E é uma beleza, quando se está em Portugal, vendo a torre de Belém de onde partiam as esquadras, e onde os reis iam ver na foz do Tejo as esquadras prontas se encherem das respectivas tripula­ções e partirem para lugares inteiramente desconhecidos etc., e então, partirem para “sempre mais cristãos atrevimentos”.
É bonito ver o espírito humano posto nesta impostação da fé, diante do desconhecido tremendo que era o mar naquele tempo, com uns barquinhos que eram umas cascas de noz em comparação com os navios mercantes de nossos dias, é bonito ver o espírito humano neste arrojo no momento em que ele ousa, empreende e parte.
Esta beleza do espírito, os senhores a notam muito menos na aeronáutica. Por quê? Porque na aeronáutica a parte material do avião e da técnica, da máquina etc., com certo determinismo que há na máquina, mede-se perfeitamente o grau de risco, como é, como não deve ser etc. o risco é muito, muito menor dos barquinhos de Colombo, em cujo centenário nós estamos.
* O cavaleiro e o cavalo formam uma só ousadia, uma só força, e participam de um só voo
No barco é uma beleza ver o homem flutuar sobre as incerte­zas dos mares e caminhar para um alto ponto distante. E esta é a beleza também do cavaleiro quando dá um grande salto a cavalo. Mas o cavaleiro tem uma vantagem sobre o avião, é que o cavaleiro orienta uma coisa viva, mutável, e cuja vitalidade e cuja mutabilidade é governada por ele. Quer dizer, a vitalidade do cavalo depende de uma espécie de domínio que eu chamaria de psicológico, que o cavaleiro tem sobre o cavalo. O cavaleiro muito ousado dá a ousadia ao cavalo. O cavaleiro pesa sobre o cavalo, mas ajuda o cavalo a carregar o peso. O cavaleiro e o cavalo formam por assim dizer, uma só ousadia, uma só força, e participam de um só voo.
Os senhores vão ver agora, mostrado então pelo coronel, o que é este vôo do cavalo e por cima do vôo do cavalo, o vôo do cavaleiro. Mas donde vem a impressão de que quase tudo ali é a alma do cavaleiro.
Então, o cavalo forma uma massa de matéria viva maior do que do cavaleiro; mas o cavaleiro, porque tem vida humana, ele tem mais domínio do que o cavalo. O corpo do cavaleiro ocupa uma matéria viva maior do que a cabeça, mas a cabeça tem a direção e por causa disso ela vale mais do que o corpo. E a parte menor, mas a parte onde cintila a inteligência, essa parte que tem a responsabilidade e a glória pelo todo.
Eu convido aos senhores a se colocarem nesses pontos de vistas para apreciarem o poster notabilíssimo que o coronel vai lhes mostrar agora. Depois o coronel responderá as perguntas que os senhores têm a fazer sobre a parte técnica que eu não conheço.
* O céu da Andaluzia, a terra seca
Antes de meu caro coronel passar para a técnica, eu vou fazer notar aos senhores alguns aspectos do quadro. Eu já vi esse quadro tanto tempo hoje, durante todo o almoço, e durante todo o jantar que eu seria capaz de descrever o quadro no escuro.
Eu vou fazer notar aos senhores alguns pormenores que real­men­te são admiráveis.
Os senhores têm três elementos: dois elementos de cenário e um elemento que é o cavalo e cavaleiro. Podia-se dizer que são o contexto e o texto.
(…) disse que o céu da Andalu­zia, terra da qual ele fala com muito conhecimento de causa porque tem origem sangüínea e o amor à Andaluzia que ajuda a compreender a terra, me dizia que o céu da Andaluzia é exatamente isto. Não tem embelezamento, pintura de tipografia, céu composto por tipógrafo, não tem nada, que o céu da Andaluzia é este. Ora, vamos e venhamos, este é céu, não é? Se a gente devesse imaginar o céu da eternidade uma das idéias mais próximas do céu seria essa aí.
Por outro lado, considerem aí o campo, a terra. É uma coisa curiosa, mas todas as coisas têm uma adequação própria. Eu sou um admirador entusiasta da grama inglesa, cor de esmeralda. Aquela grama… não há quem não admire aquilo! É uma coisa admirável!
Bem, imagine que aqui tivesse essa grama (dessas)… não dava certo. Não sei se concordam comigo, mas não dá. Esta vegetaçãozinha tem aqui exatamente a alturinha que deveria ter, não deveria ser um chão raso, mas por outro lado não poderia ser uma grande vegeta­ção. Imaginem, por exemplo, aqui embaixo uma plantação de soja: perde completamente a coisa. Mas também imaginem que houvesse aqui em vez do campo raso, essas coisas assim de pau, de salto de cavalo; tinha que ser assim, raso mesmo, e sobre esse grande feito de força de alma nós teríamos duas coisas: isto aqui que a bem dizer se pode dizer que é raso, isto aqui que é a admirável rasura azul do céu.
Agora, vem o cavalo. Eu vou fazer uma pergunta aos senhores e os senhores vão me responder daqui a pouco pelos braços. Os senhores estão vendo que o fotógrafo –disse que o fotó­gra­fo deve ter se deitado para fotografar isso, mas creio que não embaixo do cavalo; a que distância mais ou menos?
(Aparte: A uma boa distância …)
Mas como é que ele pegou essa vegetação tão direito, é justaposto isto?
(Aparte: Não, é do próprio local…)
Bem, então é isto. Mas os senhores notem uma coisa admirá­vel, é que o cavalo está numa posição em que a luz bate nele com uma beleza perfeita, ela o ilumina como um artista podia ter imaginado essa iluminação, ou talvez como um artista não pudesse ter imaginado a iluminação. Os senhores vejam como as formas todas do cavalo ficam evidenciadas, a musculatura etc., toda a força de corpo que faz dele uma espécie de avião de vida posto nos ares. Mas o que é mais interessante…
* Há qualquer coisa de um desígnio de Deus realizado…!
Antes disso eu faço uma pergunta. Os senhores estão vendo a luz. À vista dessa luz pergunta-se: este é um céu de manhã ou um céu de tarde? A pergunta tem um certo interesse, porque sabendo qual é a luz se pode interpretar melhor a cena. Essa cena fica mais bonita imaginada de manhã ou à tarde?
Bem, esse céu é de manhã ou é de tarde? Os que sentem que seja céu matutino levantem o braço. Eu creio que é a grande maioria. Os que acham que é céu vespertino? Olha, eu não sei não, hem!
(Aparte: É bem menos.)
Eu também tenho a impressão de que é o céu de manhã. Há uma vitalidade aí que é matutina, há uma alegria da natureza toda que desperta, que… e a gente tem a impressão de que há qualquer coisa de um desígnio de Deus realizado, no momento em que o sol acaba de nascer e dominou o ar, no momento em que as luzes enxotaram as trevas da noite e o dia começa a dominar tudo, então o sol sobe, o cavalo e o cavaleiro sobem também.
Então, há duas ascensões simultâneas: o cavaleiro, que dir-se-ia que está radiante nessa ascensão de todas as coisas, de ser o homem rei da natureza subindo no meio da ascensão de todas as coisas. É uma coisa bonita.
* O risco, a confrontação e a glória
Os senhores vêem também o risco, porque isso pode dar errado a qualquer momento e ele quebra a espinha, quebra qualquer coisa, pode ser um homem liqüidado conforme uma coisa dessa der errado. Mas ele não está pensando no erro, ele não está pensando no risco, a gente vê que ele previu tudo e sabe o que tem que fazer com o cavalo perfeitamente. E o coronel vai lhes explicar isso daqui a pouquinho, o que tem que fazer com o cavalo ele sabe perfeitamente, ele é inteiramente senhor da aeronave dele. E ele está tendo a alegria de vencer o perigo para o qual ele já tem pela cabeça a vitória assegurada. Então, ele não tem o medo do risco, ele tem a embriaguez da vitória.
Mas assim como essa vegetação rasteira tem a altura indicada exatamente para a perfeição do quadro, assim também ele tem amarrado ao pescoço um cachecol, mas um cachecol de uma forma especial em que o vento toca, e vejam a forma heróica que o cachecol toma. A idéia da confrontação com o vento, o vento que por sua vez faz levantar o cachecol, como o homem faz levantar o cavalo, e o cachecol tremulando atrás dele dá a impressão do heroísmo, da vitória, digamos tudo, a palpitação da glória. O chapelão dele que é uma chapelão de homem briguento e disposto a qualquer aventura. Mas agora observem a crina do cavalo. Dir-se-ia que essa crina está tomada por um incêndio frio, a crina suspensa pelo vento parece uma labareda.
O coronel esteve me fazendo notar – eu vou entrar um pouco na ceara dele – mas ele esteve me fazendo notar que a qualidade do cavalo se avalia pelo menos em boa parte, com dois elementos: os olhos e as patas dianteiras. Veja o olho saltado do cavalo, um pouco arregalado diante do perigo, porque ele tem menos segu­ran­ça do que aquele que o dirige, ele só tem instinto. O homem, pela razão, compreende que…. Ele está assim, com o olho arregalado, mas como que devorando o perigo.
Os senhores notaram que os lábios dele estão meio abertos, se diria que ele está com fome de mastigar risco. E vejam o movi­men­to do delicado das patas dianteiras. Quer dizer, ele todo está voando, as patas dianteiras num repouso elegante.
Em certo sentido, esse quadro poder-se-ia chamar: distância psíquica.
* Há homens que pensam que o enfeite não é prático: não sabem o que é prático e não sabem o que é enfeite 
Aqui atrás é o rabo do cavalo, que é induzido em não sei que matéria para ficar de pé, porque tem uma função especial para o conjunto do equilíbrio que o coronel vai apontar. E como os senhores verão daqui a pouco, todas as partes do arreio etc., tudo tem uma determinada finalidade, de maneira que aí nada há de inútil, tudo é não só útil, mas necessário, e tudo voa. Exceto um lugar aqui, há um pequeno enfeitezinho aí, é, diria um espírito prático: “a única coisa inútil”.
Eu diria: “Você não tem espírito prático. Os homens que pensam que o enfeite não é prático, não sabem o que é prático e não sabem o que é enfeite”. É tudo necessário e tudo bem calculado.
Eu não sei se os elementos para a interpretação do cavalo estão claros, ou se alguém, debaixo desse ponto de vista, quer me fazer uma pergunta.
Bem, então chegou a vez dos senhores ouvirem a explicação do coronel.
* Deus ama a diversidade nas suas obras 
(Cel. Poli: … é um cavalo de alta qualidade, a cor do cavalo é nobre porque é branco, mas o branco com a extremidades pretas; o branco, branco também é desclassificado….)
Deus ama a diversidade nas suas obras.
(Cel. Poli: Um cavalo muito forte, um olho muito vivo, as mãos curtas…)
É o auge do amor ao cavalo chamar isso de mão, mas enfim…
(Cel. Poli: … O arreamento é o que se usa para realizar essas figuras, como é o arreamento de campanha em operações militares… Depois uma cabeçada para suportar o freio e o bidão…)
* Força e obediência é a definição do perfeito membro da TFP 
Explica um pouco o que é cabeçada.
(Cel. Poli: Cabeçada são essas peças de couro que vão na cabeça do animal… Então está visto o animal, o arreamento, agora a figura… O cavalo de guerra tem que ter algumas qualidades mínimas, tem que ter muito bom equilíbrio, uma musculatura muito boa, e muito flexibilidade. Quando esse equilíbrio, essa musculatura e flexibilidade é levada ao píncaro que se pode ter, o cavalo tem condições de realizar…)
Flexibilidade aqui quer dizer obediência. Quer dizer, ele tem que fazer o que o cavaleiro manda. Então, vejam bem: equi­lí­brio – no fundo, equilíbrio nervoso – depois, força e obe­diên­cia. É ou não é a definição do perfeito membro da TFP?
O coronel lhes explicará daqui a pouco uma coisa que ele me explicava durante o almoço, que o cavalo obstinado, que tem vontade própria e que encrenca etc., é um cavalo de pouco valor, eles empurram de lado, não querem, porque o cavalo de categoria enquanto cavalo é o que sabe obedecer.
O cavalo nervoso, agita­do, que não é capaz de fazer o que o seu dono manda… lixo!! Mas o cavalo que faz o que o seu dono manda porque ele é equili­brado, porque ele tem o equilíbrio nervoso bem feito, e executa porque ele tem força, este é cavalo. São símbolos que Deus expõe para a formação do homem.
* Um santo canonizado, cavaleiro, montado a cavalo, realizaria um dos meus ideais de santidade 
Os que acham que ter um poster desse numa sede pode fazer bem, levantem o braço.
Eu não vi um braço que não se levantasse, mas é por quê? É que o cavaleiro e o cavalo são símbolos de virtudes morais que a Igreja ensina, por isso eu gostaria muito de ter uma gravura, qualquer coisa que representasse um santo canonizado cavaleiro montando um cavalo desses. Realizaria um dos meus ideais de santidade. Vamos fazer, e está acabado!
(Cel. Poli: Tem São Vladimir da Tchecoslováquia…).
Está fardado ou como está?
(Cel. Poli: Está como um cavaleiro medieval.)
Então está fardado, quer dizer com armadura. Gostaria de ter um poster desse escrito assim embaixo: “Assim que se deve ser”.
(Cel. Poli: …)
O que é um trote reunido?
(Cel. Poli: Que ele vai curto. Alongado é o que ele…)
Eu gosto mais [do trote alongado], trote curto não é comigo, vamos logo…
(Cel. Poli: No galope de carga o cavalo fica como se fosse uma seta, uma lança…)
Ah, esse é muito bonito!
(Cel. Poli: O pangaré, depois que embalou, não para; esse não, faz assim… e pára…)
Obediência!
(Cel. Poli: Quando o cavalo tem já uma certa ginástica, ele começa a fazer essas andaduras: o passo, o trote, o galope, de modo mais elegante. Então, se chama “ares alto”…)
Categoria!
(Cel. Poli: Tem três figuras que são as figuras que exigem mais adestra­men­to do cavalo. A primeira é a corveta, em que o cavalo empina, ele se levan­ta nas patas de trás…)
Calmamente!
(Cel. Poli: A outra figura é a garupada, ele está parado e atira as patas de trás bem alto, acima da cabeça. E quando ele atingiu o auge do domínio de si, ele faz a corveta e enquanto está na corveta, sem baixar ele atira a garupada, e aí então fica todo ele no ar como está esse cavalo.)
* O heroísmo do homem não se mostra tanto no poder de destruição quanto no poder de enfrentar o risco
O heroísmo do homem não se mostra tanto no poder de destrui­ção quanto no poder de enfrentar o risco. O senhor já ouviu, naturalmente, falar, chegamos a falar a respeito disso, a linha Maginot, como ela foi imaginada antes da segunda guerra mundial. Os que conhecem isso levantem o braço para não ter que repetir.
Era um engenheiro francês, Maginot, que imaginou uma linha ao longo de toda fronteira entre a França e a Alemanha, mas era uma linha subterrânea, embaixo da qual eles construíram… parece que a linha Maginot tinha alguns andares, então tinha lá dentro todo o necessário para ver… canhões do lado de fora, atirar…, enfim, todos os meios defensivos e também de destruição na mais alta qualidade. E depois, todos os meios de subsistência dentro, excelentes, tudo calçado, tudo feito com tijolos, pintados, com luz elétrica, e depois condutos de ar, de maneira que o arejamento era perfeito. Podia-se à certa profundidade, dormir com a certe­za moral que nenhuma bomba chegasse até lá etc. E era o tempo da guerra com o mínimo de risco e com o máximo de poder de agres­são.
Acontece que a preocupação de evitar o risco dominando um determinado exército, esse exército não é capaz de batalhar. E de tal maneira deforma a mentalidade que na primeira guerra mun­dial, a França não tinha essa linha Maginot, mas tinha um exce­len­te exército ao longo da fronteira. Esse exército resistiu ao impacto alemão, o tal “Blitzkrieg”, a famosa guerra-relâmpago alemã, resistiu muito bem.
A partir de um certo momento a conduta muito simplificado do exército francês – franco-inglês – foi essa: eles constituí­ram uma linha e o exército alemão tentou furar a linha, e eles em vez de oferecerem resistência, como a tal carga – o impacto de força – era muito grande, eles foram afundando, mas afundando, afun­dando, afundando, numa distância muito pequena dos dois exér­citos. Eles combatiam para os alemães não conseguirem au­men­tar a distância. Os alemães afundaram tanto que em certo momento eles perceberam que os franceses estavam com o fundo do saco costurado e que eles não podiam varar, e perceberam que por detrás os franceses podiam costurar aquilo de outro lado, eles estavam perdidos. Essencialmente foi esta a vitória dos franceses sobre os alemães na primeira guerra. Muito simplificado, há uma porção de outros fatores, mas muito simplificadamente foi isso.
Eles não tinham a preocupação de não morrer, eles tinham a preocupação de vencer. Mas os alemães, vendo isto, entenderam que eles deveriam fazer uma coisa, invadir a Bélgica. Porque a fronteira da Bélgica com a França é uma fronteira que a França tinha pouco preparada porque era um país amigo, e um país peque­no, garantido com tratados internacionais, garantida a neutrali­dade da Bélgica. E inclusive a Alemanha tinha garantido em respeitar a neutralidade da Bélgica. Como os belgas não estavam preparados para resistir, porque eram um país neutro, os alemães entraram lá como para um passeio, e entraram pelo norte e se não fosse o socorro dos ingleses, os franceses levavam a breca.
Depois dessa lição, na linha Maginot eles fizeram a linha e não cobriram com a linha a fronteira da Bélgica com a França, de maneira que o exército do Hitler invadiu a Bélgica e a Holanda ao mesmo tempo, e se despejou por cima da França e deixou a linha Maginot ociosa, e este foi o segredo da vitória da Alemanha na segunda guerra mundial.
* A preocupação preponderante de quem está numa guerra não é o “não”, mas o avançar 
Os senhores estão vendo que não se deve ter, na guerra, a preocupação preponderante de não morrer; a preocupação de quem está numa guerra não é tanto o “não”, não morrer, não acontecer aquilo… deve ser, mas não é o dominante; o dominante é avançar!
Essas armas, canhão, ta-ta-tá, arriscam muito menos o cavaleiro do que na guerra pessoal, medieval, porque tem uma porção de proteção, os senhores sabem disso, eu não preciso explicar. Então, eu digo que o símbolo do valor e da coragem humana está muito mais na guerra não mecânica do que na guerra mecânica. Não sei se me exprime bem?
(Pergunta: O senhor prefere o cavalo como ele está aqui, ou como os medievais faziam nos torneios, revestido de tecidos coloridos?)
De tecido colorido, eu não poria, mas todo coberto de coura­ças para defender o cavalo sim, aí ficava bonito. Eu acho que seria muito bonito que as armaduras tivessem cor também, o que nos recursos técnicos de hoje, eu acho que se pode conseguir. Isso ficaria muito bonito.
(…)
* Estudando só o modo de ser cortês e de sorrir se conhece a alma do um povo
É muito interessante a gente fazer história e conversar sobre história com gente capaz de compreender a História. Com gente que não é capaz de compreender não adianta nada…
Hoje, eu ouço coisas dessas: “Fulano é um especialista no século XVI, no século XVII, conhece tudo do século XVII”. Eu fico quieto e digo: “Ah, sei!” E penso comigo: “Deve ser uma boa besta quadrada”…
Porque para o sujeito conhecer o século XVI ou século XVII sem conhecer os séculos anteriores e posteriores, ele não enten­deu aquele século, e, portanto, um especialista “tal”, um “crânio”… essas pessoas que dizem: “Fulano é um crânio, para tal século”… Se ele é um crânio para tal século, então ele é um crânio do tamanho dessa cabeça de alfinete, essa é a cabeça dele.  Eu vou, portanto, pôr aqui um outro aspecto da questão que é a seguinte.
Por exemplo, a gente pode fazer a história da alma de um povo numa determinada civilização estudando só o modo de ele ser cortês e sorrir, só. Aí se conhece a alma do povo.
Bom, alguém dirá: “Mas isso é uma frivolidade, é uma bobagem, você não conhece a história da indústria desse povo, não conhece a história da medicina, não conhece a história de não sei o quê”. Eu tenho vontade de dizer: “Não me importa! Eu sei a história do riso desse povo!”.
* Nos séculos medievais, o que caracterizava a atitude do homem era a solenidade 
Nos séculos medievais, o que caracterizava a atitude do homem na cortesia como em toda a vida, era a solenidade. A solenidade o que quer dizer? É fazer as coisas e apresentá-las como quem reconhece que todas elas têm um alto sentido e uma alta projeção na ordem sobrenatural. Bom, isso parece uma definição do ar, mas eu vou dar um exemplo concreto.
Por exemplo um banquete. O banquete medieval tinha qualquer coisa de um banquete conventual: as salas de refeições colossais para caberem duzentos, trezentos convidados, mas todos sentados seriamente à mesa, com mesas próximas à parede, de maneira tal que os convidados estavam mais ou menos como nas estalas da nossa capela da rua Maranhão, só que em estilo gótico – aquilo não é estilo gótico –, todos sentados e as mesas ali, comendo, e o espaço enorme vazio separando uns dos outros.
Eu volto a dizer, sem carranca, numa forma normal, disten­dida, gentil, mas a primeira principal preocupação não era de se tornarem estimados dos outros, era ter em vista o seguinte: eu sou o cavaleiro tal, ou o príncipe tal, ou o margrave tal, ou o duque tal, e eu represento, portanto, tais e tais coisas perante Deus, e, portanto, eu devo ter um grau de responsabilidade e de dignidade muito grande por causa daquilo que eu represento perante Deus.
Como deveria ser e foi durante quase toda a história da Igreja, uma assembléia de bispos, todos sérios, todos… são bispos! Bispos de tal lugar, bispo de tal outro, tem o seu brasão de armas próprio, tem a indumentária do bispo etc., tudo que fazem é digno, é sério, é composto, assim era também o nobre medieval.
No espaço livre entre as duas fileiras de mesa, tinha coisas que entrava então o fator distração. Entravam pessoas para cantar, poetas para proclamar, entravam jograis, entravam figuras que faziam certas danças etc., e em certos momentos entravam os pratos para as pessoas comerem. Então, eram carregados postas de carnes colossais, faisões, pavões, cisnes, eles comiam os animais bonitos, com a ilusão de que eram gostosos – talvez o fosse –, mas vinham como se faz com o faisão, com toda a penugem etc., posta em cima, e era anunciado antes por um arauto: “Vem tal coisa do rei, vem o cisne do rei, vem os pavões do rei”, e batia assim com a alabarda no chão para chamar a aten­ção de todos. Da cozinha – ficava longe – tocavam umas corne­tas, uma coisas e viam com pagens etc., a comida acompanhada. Pompa? Sim. Mas para evitar que alguém envenene, portanto, cuidado, e vinha para ser servida para a mesa do rei.
E o desfile disso… depois vinha também para a mesa dos nobres, dos eclesiásticos, dos magistrados etc., isso tudo era distribuído. E no começo da Idade Média, quando as coisas eram ainda um pouco selvagens, davam coisas dessas – eu li esse fato concreto –, empadas! Chega o prato com empadas grandes, os cavaleiros, os nobres, abrem a empada e um mundo de passarinhos escapam de dentro das empadas, eles imediatamente pegam arcos e eles mesmos começam a matar os passarinhos. Os passarinhos eram levados para a cozinha, depenados, preparados e servidos quando já era quase o fim da comida salgada. Eram jantares…
Não faziam, porque naquele tempo não tinham, era no centro um chafariz com jatos de águas coloridos, bonitos etc.

Contato