Plinio Corrêa de Oliveira
Entre as primeiras notícias depois da vitória de Nixon, chamou-me a atenção uma sobre o princípio inspirador da política de paz do futuro presidente. A paz deveria, segundo este, continuar a ser negociada com todo o empenho, mas a partir de uma posição de força, e não de moleza.
O enunciado deste princípio contém uma censura implícita à política de paz de Johnson. Pelo menos de algum tempo para cá, esta não se tem baseado em posições de força. É o que recente atitude dos Estados Unidos, nas negociações de Paris com o Vietnã do Norte, tornou meridianamente claro.
A divergência entre os dois homens públicos – Nixon e Johnson – diz respeito à problemática seguinte:
- a) Desde a morte de Stalin, os sucessivos dirigentes da União Soviética não têm cessado de sorrir ao Ocidente, com acenos de paz. Simultaneamente, os serviços de propaganda russa se puseram a noticiar, com insistência, uma série de mudanças, cujo reflexo junto à opinião pública do Ocidente foi muito favorável: uma incipiente restauração da iniciativa privada, uma atenuação da centralização burocrática, uma mitigação da perseguição religiosa etc.;
- b) Ao mesmo tempo que o colosso soviético foi polindo suas arestas em relação ao Ocidente, ele pareceu enfraquecer-se dentro do próprio mundo comunista: o cisma iugoslavo, o cisma chinês, os ímpetos autonomistas verificados em alguns países satélites da Europa, foram dando a impressão de que o poderio soviético ia decaindo sensivelmente;
- c) A opinião pública do Ocidente, cuja maioria fora, até então, favorável a uma rígida política anticomunista, se viu posta diante de dois problemas: à vista deste adversário, já agora tratável, seria o caso de manter a intransigência de outrora? Dado o declínio de sua força, seriam ainda aconselháveis contra ele as medidas de cautela antigamente indispensáveis?
- d) Em outros termos, uma política confiante, de concessões sistemáticas e desinteressadas da parte do Ocidente, estimularia as boas tendências nascentes na Rússia? Um moderado desarmamento do Ocidente, atenuando no mundo comunista o receio de uma agressão norte-americana, contribuiria para que tivessem livre curso os fatores que vinham causando o desconjuntamento do bloco comunista? Em caso afirmativo, o caminho para a paz seria o das concessões;
- e) Ou, pelo contrário, deveríamos admitir que essas concessões proporcionariam compensações aos soviéticos, tornando-os mais seguros de si e mais empreendedores, reparando as brechas que as divisões no bloco comunista haviam feito no seu prestígio mundial, e lhes dando, assim, meios para conter a inveja dos chineses e a insubordinação dos satélites? Em caso afirmativo, as concessões resultaram nocivas à causa da paz. E, para a consolidação desta, seria preferível uma diplomacia temperada pela firmeza.
* * *
Qual dos dois tem razão?
Vejamos em que situação se encontra o perigo soviético, neste final do governo Johnson.
Para corresponder às esperanças de paz – que os sorrisos copiosos dos soviéticos e as reformas internas infatigavelmente alardeadas por sua propaganda suscitavam – Johnson acabou por adotar, no Vietnã, uma política de concessões que importou em conferir aos comunistas da FLN uma situação oficial igual à do governo anticomunista de Saigon. Este fato, precedido da humilhação inaudita do apresamento impune do “Pueblo” pelos comunistas norte-coreanos, abalou a fundo o prestígio norte-americano em todo o Extremo-Oriente e na Austrália.
Pari passu, os ingleses se retraíram do Oceano Índico, deixando um vácuo perigoso, que os Estados Unidos não preencheram. A diplomacia soviética vem explorando a fundo essa situação militar que deixa aterrorizadas e à mercê da Rússia as nações não comunistas do sul da Ásia.
No Mediterrâneo, os ingleses também se retraíram. E os soviéticos, tirando implacavelmente partido dessa catástrofe, introduziram ali importantes forças navais. Essas forças constituem uma ameaça evidente para o sul da Europa. De outro lado, elas dão apoio aos regimes socialistas da RAU e da Argélia. Dessas duas nações – sobretudo da RAU (*) – se irradia uma propaganda pró-soviética, que sopra a guerra santa e a xenofobia do pan-islamismo e visa suscitar a revolução social em todos os povos muçulmanos da Ásia Central e Meridional. No dia em que os soviéticos conseguissem “arrombar” o estreito de Suez, tornar-se-iam donos do Mediterrâneo e do Oceano Índico.
Por outro lado, a diplomacia soviética soube estimular, com habilidade mefistofélica, as pretensões de de Gaulle. Com isto, a França se distanciou dos Estados Unidos, a unidade política da Europa Ocidental se quebrou, e a NATO sofreu um golpe do qual provavelmente não se refará.
Enquanto tudo isto se passava, no interior da União Soviética os germes de descontentamento foram reprimidos cruelmente. E de novos progressos da iniciativa privada e da descentralização não se tem falado mais.
Para dar o remate a esse quadro lúgubre, a ocupação da Tchecoslováquia desferiu um golpe terrível no autonomismo tcheco, e provou que o Cremlim não está menos disposto do que outrora, a utilizar a força bruta para manter na obediência os satélites. O que ainda mais se confirmou pela publicação, na imprensa soviética, de um elenco de princípios diretivos do convívio entre as nações do “bloco”, que continha a definição do direito da URSS, de intervir manu militari nos países que se afastassem da “linha justa” doutrinária do Cremlim.
Em uma palavra, mesmo os que acreditam irrestritamente na autenticidade das rixas entre nações e correntes comunistas (e eu sou dos que não acreditam) são obrigados a reconhecer que o Ocidente nunca esteve tão débil e tão dividido quanto neste melancólico final do governo Johnson. Ou, em outros termos, que a União Soviética jamais esteve tão poderosa quanto agora.
A experiência provou que o caminho da paz não passa pelo pantanal das concessões sistemáticas e incondicionais.
Tudo isto posto, resta-nos fazer votos de que Nixon seja fiel a sua bela máxima de procurar a paz na diplomacia com firmeza.
(*) Nota inserida pelos compiladores: “A República Árabe Unida (RAU) foi um país que nasceu da união entre as repúblicas do Egipto e da Síria, estabelecida em 1 de fevereiro de 1958, como um primeiro passo a caminho da “nação pan-Árabe” (Ver Pan-Arabismo) e desmantelada em 1961 na sequência de um golpe de estado. Foi criada quando um grupo de líderes políticos e militares da Síria, preocupados com o perigo da derrubada do seu regime por comunistas, pediram ajuda ao Egipto de Gamal Abdal Nasser.
“A união das duas nações tinha como capital o Cairo e, após a sua nomeação em 5 de fevereiro de 1958, a presidência de Nasser. Conselheiros e técnicos egípcios estiveram activos na Síria e a ameaça comunista foi derrotada.
“Ironicamente, a nova nação acabou por ser suportada por precisamente aquela mesma força que ela receava. A União Soviética, desejosa de angariar alianças na Guerra Fria, começou a vender armas para a jovem república, uma prática que continuaria, mesmo depois do colapso da RAU. Esta caiu em 1961, após um golpe de Estado na Síria. O Egipto continuou a intitular-se RAU até à morte de Nasser em 1970” (cfr. Wikipédia em português).