Folha de S. Paulo entrevista Dr. Plinio sobre profetismo, culto, extremismos, esquerda católica, política nacional etc.

Depois do fracasso de dez estrondos publicitários, singular tentativa de “implodir” a TFP – Este é o título de um dos tópicos do livro “Um homem, uma obra, uma gesta – Homenagem das TFPs a Plinio Corrêa de Oliveira” (1989), onde se encontra a documentação relativa ao contexto em que se deu essa minuciosa entrevista feita por repórter da “Folha” ao Prof. Plinio Corrêa de Oliveira, a 17 de agosto de 1984.

 

(Repórter – …Fiquei um ano na Folha de São Paulo organizando os debates que a Folha faz.)

Ah, sei.

(Repórter: E cabia a mim presidir a mesa. No primeiro mês eu ficava muito inibido com isso.)

É?

(Repórter: Depois a gente acostuma. No fim o microfone acaba sendo um negócio ….)

Mas o senhor é paulista, não?

(Repórter: Eu sou caipira, do interior.)

Do interior?

(Repórter: Do interior.)

Mas tão desembaraçado que me espanto, porque nós, paulistas em geral, somos mais retraídos um pouco.

(Repórter: Porque fiquei treinando um ano no auditório da Folha.)

Ah! ah! ah!

(Repórter: Eu sou de Sorocaba.)

Ah! bom, então a dois passos daqui.

(Repórter: Dois passos daqui. Que agora está se metropolizando…)

Pelo desembaraço dir-se-ia quase que é nordestino. Eu cheguei a perguntar…   mas pelo desembaraço, eu quase tive ideia que era nordestino, pela facilidade de locução, de palavra.

(Repórter: Curioso, o Sr. sabe que é a primeira vez que alguém me acha ligado ao nordeste. Normalmente as pessoas acham que eu sou do sul, por causa do sotaque. Eu tinha o sotaque do caipira e depois, por fim….)

Agora que o Sr. diz, vejo que seu sotaque é do interior, é verdade.

(Repórter: Daí, quando vim para São Paulo, há 10 anos que estou aqui, há um processo de mutação natural. E o que deu dessa miscigenação do caipira com esses sons de São Paulo que existe por aí é algo muito próximo do Paraná. A pessoa diz: “Paranaense”. Não.  “Rio Grande do Sul.” Não. “Santa Catarina”. Não. Interior de São Paulo.)

Mas olha, eu conheço bem esses Estados todos, eles não têm a facilidade de expressão que o senhor tem. O senhor tem a facilidade de expressão de um nordestino.

(Repórter: Ah! o senhor está me elogiando.)

A palavra lhe vem imediatamente. A gente vê que logo depois de concebida a ideia, o senhor já tem o vocábulo adequado, já vai falando com uma facilidade de locução pouco comum.

(Repórter: Muito obrigado! Mas o senhor está sendo muito gentil comigo. Sr. Plínio, vamos começar?)

Meu gravador está ligado também?

(Fotógrafa – Só perguntar uma coisa para o senhor, antes de começar: O senhor se importa que eu fotografe?)

Se eu tenho o que?

(Fotógrafa – Se o senhor se importa que eu tire fotografia do senhor.)

Não. Quantas queira, à vontade. Você não quer fumar? É à vontade.

(Repórter: Posso fumar à vontade?)

Também  a senhora, naturalmente.

(Fotógrafa . Não, não fumo, obrigado. Outra coisa que eu pediria para o senhor, será que daria para acender essa luz, ou incomoda o senhor?)

Olha aqui, meu gravador está montado também?

(Sr. Fernando Antunez: Está, sim Sr.)

Qual é o da Folha, qual é o meu aí?

(Sr. Fernando Antunez: Aqui o do senhor.)

Ah! o seu é manual.

(Repórter: O meu é portátil.)

Qual é sua pergunta?

(Fotógrafa – Será que o senhor se importaria de acender a luz?)

Não, não. Pode acender.

(Fotógrafa – Pode acender?)

Pode.

(Fotógrafa – Obrigada, porque o flash incomoda muito.)

Olha, o cinzeiro está aqui.

(Repórter: Obrigado. Deixo aqui. Eu tento fumar o mínimo, mas…)

Eu fui fumante durante muitos anos, de maneira que eu sei o que é o apelo do cigarro para quem está habituado. É terrível.

(Repórter: O senhor sabe que eu me engano, não é? Eu fico falando comigo mesmo que eu não quero parar de fumar, que é muito mais fácil do que …)

Não quer parar de fumar?

(Repórter: Eu fico falando que eu sou um fumante assumido, que não adianta, que faz parte da minha vida fumar. Mas acho que isso é um pouco de auto enganação, que é mais fácil do que enfrentar.)

(Repórter: Enfrentar e não parar. Está funcionando o seu gravador?)

(Sr. Fernando Antunez: Está sim.)

(Repórter: Sr. Plínio, por onde o senhor prefere começar? O senhor preferia fazer uma análise?)

Meu amigo Boris Casoy me disse que o senhor queria me fazer umas perguntas a respeito da publicação que a “Folha” fez hoje e fez ontem sobre uma controvérsia inerente à TFP.

Estas perguntas eu as recebo de bom grado, submetendo-as, entretanto, a preliminar que fica enunciada no comunicado da TFP hoje. Quer dizer, que o nosso contendor, sr. Orlando Fedeli, faça as objeções preliminarmente respondendo – de modo taxativo e claro – se ele está em desacordo com o nosso recente livro e se, no caso de ele estar em desacordo, ele dê razões que estejam à altura do tema e que exprimam os motivos dele. Aí de bom grado eu responderei.

Do contrário, eu não responderei, porque eu não quero dispersar o debate, eu quero concentrar o debate preliminarmente nesses dois pontos. Então, isso dito…

(Repórter: Os dois pontos onde o senhor quer concentrar é?)

É o seguinte: se ele está de acordo com a refutação que fizemos recentemente a ele, numa obra em dois volumes; ou se ele está em desacordo. Então são duas perguntas.

No caso dele estar em desacordo, então que as razões apresentadas por ele sejam razões que estejam à altura do tema elevado que está sendo tratado. Se estiverem, eu de bom grado respondo. Do contrário, eu não quero dispersar a matéria, não quero dispersar o debate por outras questões, em torno de outras questões. Então não tratarei a não ser que esta questão preliminar esteja resolvida.

(Repórter: Eu tenho aqui a resposta do.. como é? Do dissidente da TFP. Eu acho que, eu tenho a impressão de que ele não responde totalmente às suas respostas. A gente poderia inclusive ler. O senhor acha que esse é o caminho?)

Pois não.

(Repórter: Nós achamos que, em função do seu relacionamento com a “Folha”, o senhor deveria, ao lado dessa matéria que vai sair, ter a sua posição. Isso daria um texto que deverá ser publicado. O senhor prefere que eu leia, ou o senhor lê.)

(Repórter: O senhor prefere que eu leia para o senhor.)

É indiferente.

(Repórter: “É fraco, sustenta Orlando Fedeli, dissidente da SBDTFP, TFP, referindo-se ao documento publicado pela “Folha” no qual é interpelado pela entidade a sustentar ou a abandonar as objeções que ele faz. Professor de História da rede secundária estadual, Fedeli, de 51 anos, reivindica ter recrutado cerca de 3 centenas de jovens adeptos para o grupo, ao longo de 17 anos de militância.

(Repórter: “Em Maio do ano passado, ele rompeu com a TFP por discordar do que considera um culto descabido ao líder da organização, Professor Plínio Corrêa de Oliveira e à falecida mãe deste, Dona Lucilia. As objeções de Fedeli, reunidas em 3 cartas de rompimento, foram reveladas na “Folh0”a de 3ª feira passada, com base no documento Refutação de uma Investida Frustrada, de 950 páginas, editado pela TFP em Junho último, com objetivo de rebatê-las.

(Repórter: “Orlando Fedeli afirmou ontem que sustenta todas as objeções. Sobre o texto da TFP publicado pela Folha, ele diz: “Reconhece que os fatos que alego são verdadeiros em sua linha geral. Não diz a verdade quando afirma que não desceu ao ataque pessoal. Diz ainda que não há cisão na TFP, mas afirma que há divisão. Qual seria então a diferença? Fedeli pretende responder pormenorizadamente em um livro os termos da Refutação da TFP.

(Repórter: “O dissidente acusa este documento, entre outras faltas, de conter omissões, truncamentos e deturpações de trechos que cita de suas cartas de ruptura. “A refutação, afirma, apresenta os fatos praticados pela TFP arrumados e penteados para caberem direitinho dentro dos limites da ortodoxia e das normas do Código de Direito Canônico”. Acrescenta: “Quando nem assim é possível inocentar um fato, um dito, alega-se que a intenção de quem fez ou disse algo errado não era má”. Orlando Fedeli ressalva que ainda não teve tempo de estudar o volumoso documento que conta com o aval de camonistas espanhóis, de modo que, por enquanto, adverte, baseado na opinião dos ilustres canonistas, cujos nomes têm grande autoridade e devem ser respeitados, a TFP pode afirmar entre outras coisas as seguintes: 1º) O Dr. Plínio é profeta inerrante, possuidor de uma infalibilidade relativa, porque o dom de sabedoria e a virtude sobrenatural da sabedoria habitam inequivocamente no Sr. Dr. Plínio;

(Repórter: “2º) Não é descabida e sim admissível a hipótese ou conjectura, que nós afirmamos ser tese largamente acreditada na TFP, de que o Dr. Plínio não morrerá, mas será levado para um lugar, a Montanha dos Profetas, para onde já foram Santo Elias e São João Evangelista e de onde Dr. Plínio voltará com esses santos, antes do fim do mundo, para combater o anticristo.

(Repórter: “3º) que assim como é legitima a invocação dos santos ainda vivos nesta terra e mesmo das pessoas de virtude comum, seria também lícito recitar fórmulas de louvor de Dr. Plínio, ladainha do Profeta. Seria então interessante que a TFP  divulgasse a Ladainha do Profeta na sua integra, para que todos os interessados pudessem louvar ou invocar a intercessão do Dr. Plínio;

(Repórter: “4º) Que, quanto à invocação “Mãe do inefável” na Ladainha de Dona Lucília, nas línguas neolatinas o adjetivo “inefável” de maneira nenhuma designa um predicativo divino, não atribuível às criaturas, mas o que é o inefável? E Inefável com maiúscula. Tanto mais que Inefável é substantivo e não adjetivo. E substantivo Inefável com maiúscula é Deus e só Deus. A menos que Dona Lucilia tenha sido mãe de um adjetivo”. Conclusão do dissidente Orlando Fedeli: “Por enquanto, pois, tem a TFP o aval de canonistas para tudo isso. Por enquanto julgue disso tudo a opinião pública e o bom senso, porque um dia a Igreja julgará, Deus julgará”)

É isso?

(Repórter: É isso.)

Bom, eu…

(Repórter: O senhor quer ficar com isso?)

Para me lembrar das matérias, e poder reler isso.

Eu vejo nas sucessivas considerações do prof. Fedeli reparos a fazer e reparos acentuados.

Ele diz aí, ele fala a respeito de que os canonistas que eu cito, principalmente o grande canonista Vitorino Rodrigues y Rodrigues, um dos mais autorizados do mundo, esses canonistas endossariam, segundo ele, todas as coisas que estão aqui. Ora, não é verdade. Não foi assim que o assunto foi apresentado, quanto a vários dos temas, para esses canonistas.

Assim, por exemplo, no que diz respeito ao culto descabido que seria prestado na TFP a mim e à minha falecida Mãe, Dona Lucília. É claro que esses canonistas não poderiam aprovar um culto descabido, eles podem aprovar uma coisa cabível, senão eles não poderiam aprovar. Se, portanto, assim é que nesse suposto culto não há nada descabido.

A palavra “culto” apresentada assim para o grande público, sugere a ideia de uma pessoa sentada numa mesa ou num altar e os outros embaixo cultuando. A ideia é perfeitamente ridícula.

O prof. Fedeli não menciona o que vem largamente declarado em nosso livro que o culto, o sentido da palavra “culto” não é esse na linguagem católica. O culto é qualquer homenagem que se presta a alguém. Os canonistas fazem distinção até entre culto cívico e culto religioso. O culto cívico, homenagem que se presta a símbolos como à bandeira, outros símbolos patrióticos, ou que se presta à personalidades salientes num país, ainda que esse país seja de regime democrático, ou respeito que se tem ao poder público. Assim, por exemplo, uma parada, um desfile em honra ao presidente da república ou ao governador de estado tem a designação de culto na linguagem dos canonistas. É o culto cívico.

O culto religioso é o culto que se presta à toda pessoa, digo, é a homenagem, o reconhecimento da saliência, de relevo, portanto de superioridade que se presta à toda pessoa que, segundo o parecer de uns ou de outros, tem essa saliência ou essa superioridade.

Então, qualquer ato de elogio, qualquer homenagem, ou pedido de uma intercessão, enfim, qualquer coisa dessas é considerada, pelos canonistas, culto.

O que o prof. Fedeli apontou foram várias atitudes assim de pessoas da TFP em relação a mim, que sou fundador da TFP, em que a generosidade deles quer me atribuir um fervor religioso maior, mais empenhado, mais saliente etc., e, por isto, qualquer homenagem prestada neste sentido, a doutrina católica qualifica de culto.

Bom, isso é muito diferente do que o público pode imaginar de culto, e é uma coisa inteiramente comum, frequente na Igreja: alguma pessoa que se salienta por algum predicado religioso, pela sua Fé, pela sua esperança, pela sua caridade, ardor no combate ao mal etc., manifesta nisso um certo relevo. Esse relevo, sendo objeto de homenagem, constitui culto. Foi o que esses canonistas aprovaram que se prestasse a mim essa reverência, essa atenção.

(Repórter: Esse culto, neste sentido…)

Neste sentido especial da palavra. Eu sou o fundador da TFP. Antes de ser fundador da TFP eu fundei, quando tinha ainda 28 anos, um primeiro núcleo de batalhadores católicos que persevera até hoje e que constitui o resíduo essencial e inicial da TFP. De lá para cá nós vimos lutando incessantemente, dentro da Igreja e a favor da Igreja num determinado rumo que o público em geral brasileiro bem conhece. A minha vida foi inteira dedicada a isso.

Eu poderia ter feito carreira, poderia ter disputado cargos públicos, poderia ter satisfeito minha ambição fazendo dinheiro. Na realidade, minha vida não teve outra finalidade senão essa. Esta dedicação é objeto de homenagens. Eu me meti em muitas polêmicas e muitas lutas neste sentido, tendo sido muito atacado, como muito louvado.

É natural que uma pessoa que está no centro de tantas controvérsias seja aplaudida por uns e seja contestado por outros. Dar a isso o caráter de culto, no sentido comum que o povo toma a coisa, é uma coisa que altera a perspectiva em que o assunto é posto.

 (Repórter: O senhor se opôs ou se opõe a essas iniciativas de culto dos membros da TFP à sua pessoa?)

Eu faço o que faz todo homem sensato. Quer dizer, eu não estimulo, em nada as encorajo, as aceito com a naturalidade de um convívio com velhos companheiros de luta. É o que faz qualquer pessoa que dirige qualquer organização.

Poderá parecer ao prof. Fedeli que isso é excessivo, eu mereço ou não mereço essas homenagens? Para mim isso não interessa em nada sustentar que eu mereço essas homenagens. Qualquer um pode sustentar que eu mereço ou que não mereço.

O que me importa é que ele disse que agir assim é contrário à doutrina católica e que, portanto, eu não sou ortodoxo. Isto eu contesto. E foi para isso que eu aleguei opinião de teólogos e teólogos famosos.

 (Repórter: Não pode estar havendo excessos nesses tipos de homenagens? Ou não?)

O que o senhor chama “excesso”? O que me importa a mim é que tudo se passe de acordo com a doutrina católica, com a medida que a doutrina católica estabelece para todas as coisas.

 (Repórter: Não é um problema de quantificação.)

Como quantificação? Como excesso de homenagens?

 (Repórter: Exato.)

Não. Não há homenagens, atos de homenagem. O trato comigo é muito entusiasmado, muito alegre, afável, muito afetuoso.

(Repórter: Certo.)

Esse afeto vem acompanhado de admiração. É a generosidade deles que quer fazer isto assim. Então acontece o que? É de, vamos dizer, se eu entro no nosso auditório, levantam-se, saúdam, procuram me estender a mão, coisas desse gênero.

 (Repórter: Eu não sei se é verdade, mas parece que o prof. Fedeli, sustenta que, por exemplo, objetos pessoais seus, lenços de papel, estariam sendo guardados como relíquias.)

Neste ponto eu me cinjo estritamente à acusação que ele fez e não saio disso. Ele acusou que isto não é ortodoxo. Eu digo: se isto não é ortodoxo, eu tenho a opinião de grandes teólogos que dizem que é ortodoxo. O mais, pouco me importa.

Nós temos a nossa obra em dois volumes. Nesses dois volumes tem: I , mostra que isto é conforme à doutrina católica. O II Volume mostra que há exemplos incontáveis de santos ou de pessoas cujo procedimento foi aprovado pela Igreja e que com os quais se fez isso.

 (Repórter: Perfeito.)

Bem, eu merecerei, não merecerei isto? Pouco me importa. O fato concreto é que a coisa é ortodoxa.

 (Repórter: Essas atitudes existem e são ortodoxas na sua plena definição?)

Na sua plena definição. É só o que eu quero provar. Não tenho o mínimo interesse em provar que eu mereço isso.

(Repórter: O senhor também, pelo que posso entender, não se opõe, pela forma que o culto ao senhor, dentro dessa terminologia, o culto à senhora sua Mãe.)

Da mesma maneira. Numa carta que eu escrevei ao “O Estado de S. Paulo” há cinco anos, eu explico isto. Minha mãe viveu separada praticamente de quase toda TFP, porque uma coisa é a vida pública de um homem; outra coisa é a vida privada. E ela era uma senhora, velha senhora paulista que vivia no ambiente privado e particular das velhas senhoras de outrora, aliás, nessa casa que o senhor está visitando.

Bem, quando eu tive uma doença, uma crise de diabete muito forte, no ano da morte dela, os meus amigos vieram em torrente em casa me visitar, é natural.

(Repórter: Claro.)

E aí tomaram conhecimento dela, e se encantaram com ela, com o acolhimento dela, o trato dela, a conversa dela etc., etc., e a virtude dela. Quando ela morreu – ela morreu pouco depois, eu estava convalescente quando ela morreu, era muito idosa, já tinha então 92 anos -, quando ela morreu, eles começaram a rezar pedindo graças à alma dela, o que um católico faz para qualquer pessoa. E se julgaram muito atendidos. E começaram então a frequentar o cemitério da Consolação assiduamente. Eu nem me opus, nem favoreci. E fui tão comedido nisto que até hoje eu só vou ao cemitério da Consolação uma vez por semana. Eu vou também, rezo lá.

(Repórter: Claro.)

Peço intercessão à alma dela. Eu não me oponho, não proponho e muito menos imponho. É uma coisa que se passa…

(Repórter: Prefeito!)

…diante de meus olhos.

(Repórter: Que virtudes o senhor vê na senhora sua Mãe para explicar ou justificar esse tipo de atitude, esse tipo de culto?)

Várias vezes eles que a conheceram há pouco, e a respeito de quem eu falava pouco a eles, porque um homem não transmite na sua vida pública os fatos da vida privada, me perguntaram que virtudes que ela tinha e me pediram fatos da vida dela etc., etc. E eu conto fatos que caracterizam uma senhora muitíssimo piedosa, de uma grande firmeza de princípios, mas ao mesmo tempo muito meiga, muito carinhosa, de uma solicitude muito grande.

O que não dá, esses fatos por si só não fazem outra coisa, de si, senão caracterizar uma muito boa católica, não uma santa. Nem se pretende, rezando tão assiduamente para a alma dela, que ela tenha sido uma santa, porque isso não se exige, pela doutrina católica.

(Repórter: Não se vislumbra nesse culto por exemplo, uma possibilidade de beatificação ou canonização?)

Não vou tão longe.

(Repórter: O que o senhor acha disso?)

Ela, todos esses atos comuns da vida, ela os praticava com uma elevação de alma e numa intensidade de amor de Deus que eram verdadeiramente notáveis e que, como tais, percebia quem tratasse com ela, quem a conhecesse. Isto não dá, por si, eu não vejo que dê margem para uma beatificação. Pode ser que graças obtidas por ela, milagres e outras coisas, cheguem talvez a isto. A Igreja que decidirá, não somos nós particulares.

(Repórter: Claro. Mas o senhor vê essa possibilidade, pessoalmente?)

Eu não posso descartar a hipótese de acontecerem fatos que conduzam a isso. Não posso.

(Repórter: Perfeito. A TFP faz alguma coisa neste sentido?)

Não, nada, nenhuma propaganda, nem nada. Eles costumam estar sempre junto à sepultura dela na Consolação.

(Repórter: Eu conheço.)

O senhor chegando lá, o senhor vê homens de todas as idades, de várias nações, que estão rezando, silenciosos. Depois se dispersam e saem. Não há nenhuma propaganda, não há o menor esforço a atrair quem passa.

(Repórter: Eu fiz essa pergunta porque, na sua carta publicada hoje na “Folha”, eu achei que nas entrelinhas o senhor estaria imaginando que é muito viável a beatificação de sua mãe; eu entendi isso na sua carta.)

Não, não. Muito viável eu nunca disse.

(Repórter: Eu entendi isso.)

Mas não está escrito.

(Repórter: Não, não está. Livre interpretação minha.)

Interpretação realmente muito livre… [risos] Realmente libérrima.

(Repórter: Concordo com  o senhor, concordo com o senhor. Eu gostaria de falar um pouquinho também da TFP, mas….)

O Sr. leu…

(Repórter: Ah! eu acabei esquecendo que tem outra parte ainda.)

Essa questão de que eu não morreria e que eu iria para uma Montanha dos Profetas, de onde eu viria com Elias e Enoch etc., está explicado no livro perfeitamente. É um dos rapazes da TFP, quando era ainda muito jovem, que lendo livros a respeito de coisas dessas, fez esta hipótese. Esta hipótese ele comentou a duas ou três pessoas. Eu nunca disse isso! Esse rapaz disse que comentou isso. Depois também viu que o que havia nessa hipótese de, pelo menos, totalmente inusual, nunca mais voltou à carga. O prof. Fedeli se utiliza disso para fazer visagem, para impressionar o público. Evidentemente impressionaria.

O que os Padres disseram – eu não me lembro bem exatamente do texto, mas é provavelmente isso – que a doutrina católica em rigor não condenaria isto.

O senhor precisa ver bem o fio do raciocínio. A tese do prof. Fedeli é que nós infringimos a ortodoxia católica e não somos verdadeiros católicos. Esta tese é que nós estamos empenhados em desmentir. O resto pouco nos incomoda.

(Repórter: Mas, de qualquer forma, o senhor não se acha candidato à imortalidade?)

Ah! nãããoo!!! [risos] Ainda mais na idade em que estou… [risos] 75 anos, o senhor pode imaginar!

(Repórter: Eu, como [?] eu acho que o senhor é bem jovem ainda.)

Muito amável de sua parte.

(Repórter: Mas como o senhor acha que vai ser sua vida depois da morte? Para deixar muito claro…)

Se Nossa Senhora tiver pena de mim, eu passarei pouco pelo Purgatório e irei ao Céu. Eu espero isso da bondade dEla, que me obtenha de Deus essa graça.

(Repórter: O senhor acha que vai para o Purgatório, professor?)

Ah! Vou! Eu acho provável.

(Repórter: É uma surpresa para mim o senhor dizer isso.)

Não, não. Pois eu teria uma surpresa em não ir, como o senhor não imagina. [risos]

(Repórter: É verdade.)

Olha, o senhor está vendo? O senhor, no fundo, está fazendo um ato de culto a mim… [risos] Mal o senhor transpôs os umbrais dessa casa, já o senhor está fisgado por esse culto… o senhor está me canonizando, achando que eu vou direto para o Céu… [risos]

(Repórter: Não, eu só perguntei, eu só perguntei.)

O senhor manifestou surpresa.

(Repórter: Eu fiquei surpreso porque imaginei que o senhor faria, estaria se regrando na vida…)

Como candidato para o Céu, hein?

(Repórter: …ao Céu direto, sem estágio.)

Não, não. Quando Santa Tereza, a grande, morreu, houve não me lembro que outra alma mística, não me lembro qual foi, que disse que viu a alma dela ir ao Purgatório, fazer uma genuflexão e subir ao Céu. Isso a grande Santa Tereza. Você imagina um qualquer… Não, absolutamente.

Santa Tereza morreu de amor, de amor a Deus teve tão intenso um êxtase, que morreu. O coração dela é guardado num local de cristal, rodeado de espinhos. Os espinhos nasceram misteriosamente dentro desse local de cristal.

Bem, esta Santa Tereza teria ido, portanto, ao Purgatório, porque diz a Escritura que “o justo peca sete vezes ao dia”…

(Repórter: Não dá!… Essa história de profetismo, inerrância…)

Isso vem também longamente explicado no nosso livro. A palavra “profeta”, o público comum toma como diz referente aos profetas do Aleijadinho, os profetas do Antigo Testamento a quem Deus apareceu, a quem Deus revelou determinadas coisas, inclusive sobre o futuro, que constitui a palavra oficial de Deus para os homens. Então isto para o público é o profeta.

A linguagem a esse respeito – e está se tratando de linguagem eclesiástica, de doutrina católica que se serve como instrumento de expressão na linguagem eclesiástica –, a linguagem eclesiástica dá à palavra “profeta” um sentido muito mais amplo do que esse. O profetismo existiu no Antigo Testamento, existe também no Novo Testamento.

O Cardeal Journet, que é um cardeal que morreu recentemente, que tem uma grande obra a respeito disso, dá um grande número de santos que existiram nessa Terra e que foram favorecidos por Deus com o dom da profecia, mas que não é esse do Antigo Testamento, que o povo pensa. São revelações de ordem particular que Deus faz a eles, por onde eles conhecem alguma coisa do futuro. Mas não é uma revelação oficial. A gente pode discordar, pode impugnar, porque a palavra de Deus não está empenhada como na Revelação do Antigo Testamento.

Bem, ao lado destas revelações, acontece que Deus pode também dar, ajudar certas pessoas a conhecerem adequadamente o futuro dos acontecimentos. Isso de que jeito? As pessoas, por exemplo, raciocinando, e fazendo conjecturas sobre o futuro, Deus  pode ajudar o raciocínio dessas pessoas, de maneira a não caírem em erro.

E então conhecerem de fato o que vai se passar. Mas aí é uma coisa diferente completamente deste sentido anterior de visão. É um raciocínio humano, baseado em dados humanos que, por uma ajuda da graça é amparado de maneira a não cair em erro. Mas isto também é discutível completamente. Quer dizer, não se impõe à crência de ninguém. Pode ser uma ajuda que Deus dê a A, B ou C, mas que E, F, G e H podem negar ou não negar.

Agora, acontece que eu comecei a escrever para a imprensa católica, quando era bem moço ainda, talvez lá pelo ano de 1930, o senhor calcule! E sempre fui propenso à análise política. Essa análise política comporta uma certa dose de previsão.

Essas previsões foram, muitas vezes, muito ousadas e contrárias à opinião geral de todo mundo. Porque, em geral, os analistas políticos, por exemplo, quando arrebentou a II Guerra Mundial, eu previ, mas com base em fatos, como um analista qualquer faz, não alegando uma revelação interior, nunca, mas com base em fatos, eu previ que o comunismo e o nazismo haveriam de se aliar e que eles não eram, no fundo, os adversários que pareciam, mas que eram, no fundo, a mesma coisa com variantes acidentais. E que eram ambos inimigos da Civilização Cristã.

Isso causou muita estranheza no meio católico, porque a imprensa cotidiana afirmava muito a antinomia. Dias depois estoura inesperadamente o pacto Ribbemtrop-Molotov. Foi uma confirmação sensacional do que eu dissera.

Bem, assim uma série de outros fatos. Então é uma análise política que se repetiu depois sobre outros fatos ao longo de muitos anos.

Eu mantenho na TFP uma reunião aos sábados à tarde em que eu faço a análise política dos acontecimentos – “política” no termo amplo e elevado da palavra – dos acontecimentos nacionais e internacionais, e dou o por onde as coisas correrão. Nesses raciocínios, muitas vezes as previsões são confirmadas.

(Repórter: Perfeito.)

Agora…

(Repórter: Nesse sentido o senhor tem o dom do profetismo.)

Tenho. Agora, eu acho que essas… há mais ainda. Nenhuma vez eu me lembro, pelo menos, de uma previsão importante a que eu tenha dado ênfase e que fosse desmentida pelos fatos.

As previsões não são a jato contínuo. Eu não vou prever quem vai ganhar, se é o Maluf ou o Tancredo… Há outros temas que me interessam, inclusive, mais… Bom, eu digo simplesmente que, vendo os fatos, parece-me assim.

Agora, é tão grande o número de acertos que eu deduzo daí que isto é mais, excede os limites do que eu reconheço ser minha inteligência. Cada homem sabe quais são os limites de sua inteligência. Eu não vou ter aqui a falsa modéstia de dizer que eu não tenho alguma inteligência. Alguma tenho. Mas não chega até o limite que é a esse ponto. E acho que nisso há uma ajuda que eu não percebo, que eu não sinto, um apoio da Providência para que eu não erre, para que assim se guie bem a atuação da TFP.

(Repórter: Uma ajuda divina imperceptível)

Imperceptível, insensível. Isso latíssimo senso, quer dizer, num senso muito largo da palavra, os teólogos de hoje qualificam de profetismo. Mas é um senso muito largo da palavra. Afirmado como está aqui, o senhor compreende bem que toma, aos olhos  do público, uma outra conotação.

(Repórter: Claro. Agora, isso está muito ligada a uma outra afirmação que é inenarrância, inerr…)

Inerrância.

(Repórter: Inerrância. Quer dizer, isto está muito ligado. À medida que o senhor fala que não se lembra de ter…)

É, isso é inerrância, não é infalibilidade.

(Repórter: Isso é inerrância.)

Não é infalibilidade.

(Repórter: Ou seja, essa inerrância estaria existindo nessas previsões?)

É isso, é.

(Repórter: Mas só nessas previsões?)

Só. Mais nada. Faz parte, está ligado a essas previsões outra coisa. É que, na análise dos acontecimentos, para fazer a previsão, entra, em se tratando de uma análise católica, entram dados de doutrina católica. Entra, portanto, uma parte doutrinária como critério da análise.

Os meus amigos consideram – eu acho que é verdade – que minha análise é sempre muito segura, do ponto de vista doutrinário; que nunca foi possível me impugnar de nenhum erro doutrinário. Eu me tenho metido em polêmicas de toda ordem etc. O senhor deve ter ouvido ecos disso, são inúmeras. Nunca me apanharam em erro doutrinário.

Bem, esta segurança de doutrina também faz parte desta inerrância, faz parte da ajuda da Providência que me dá essa inerrância com frequência.

Assim mesmo é preciso, quanto à doutrina, distinguir: toda a vida eu submeti à censura eclesiástica aquilo que escrevo, antes de sair. E muitas vezes – eu tenho minuta do que eu escrevo etc. – com apontamentos de um ou outro censor eclesiástico sobre uma coisa qualquer que não  está de acordo com a linguagem da Teologia. Eu aceito a correção.

Quer dizer, não é a infalibilidade da Igreja, mas é a segurança por onde eu sei exprimir aos censores e me submeto à opinião deles, me submeto à vontade deles. Esta forma de fidelidade à Igreja é um elemento essencial desta inerência.

(Repórter: Perfeito.)

É, portanto, uma coisa inteiramente diferente do que parece, uma forma de infalibilidade que é só dada ao papa.

(Repórter: O senhor erra?)

Eu é? Eu sou o que?

(Repórter: O senhor erra também?)

Pois é evidente, pois se me corrigem! É evidente. Infalível só a Igreja.

O que é inerrância então?

Eu estou resumindo muito. No nosso livro isso sai muito mais amplamente desenvolvido, mas o que há nisso? É o fato concreto de que, no frigir dos ovos – para me exprimir assim –não sai nenhum erro. É tão comum isso que nem sei o que dizer.

Agora, ele diz numa das cartas dele – eu não tenho memória muito boa, mas é mais ou menos isso – ele diz numa das cartas dele que eu inventei a palavra inerrância que nem existe no francês, porque, com isto eu arranjava um enfeite, um disfarce para minha infalibilidade.

Eu cito uma série de textos franceses, de grandes teólogos, que falam em inerrância no sentido que dou à palavra. Aliás, nem sou eu que cito, é o Sr. Átila Sinke Guimarães, um sócio da TFP que fez esses estudos. Eu não fiz. Esse estudo não é meu. Foram membros da TFP que fizeram esses estudos.

 (Repórter: Perfeito.)

Então aqui está a questão.

(Repórter: Perfeito.)

Nosso método está bom. O senhor pode, à medida que eu vou falando, o senhor pode ir pondo suas perguntas. Algumas um pouco maliciosas; faz parte do mister do repórter…

(Repórter: Faz parte, faz parte. Mas não são maliciosas não.)

Não. Não são desprovidas de malícia, não é? [risos]

(Repórter: Eu acho que….)

Eu não quero dizer mal-intencionadas. Quero dizer desconfiadas.

(Repórter: De jeito nenhum.)

A questão das ladainhas. A tal “ladainha do profeta” é uma série de… num elogio, numa homenagem falou-se assim uma espécie, uma série de invocações, assim, invocações não, exclamações que tomou esse caráter, esse nome, mas não tem nada de, não é que as pessoas rezassem para mim sentado numa cadeira, essas fantasias. Aliás, não me parece também que seja o que ele quis dizer aqui. O público é que pode ficar com essa impressão.

Quanto ao inefável, ladainha à minha mãe, mais precisamente.

(Repórter: Certo.)

Quanto a esse ponto, o que aconteceu foi o seguinte: a TFP tem, como o senhor sabe, gente muito diferente em idade. Eu estou com 75 anos, tem até rapazes de 15, 16 anos que começam a frequentar a TFP. Bem, um grupinho pequeno desses rapazes compôs, de punho próprio, uma ladainha cheia de bobagens de menino de 15, 16 anos.

Essa ladainha continha umas invocações à minha mãe absurdas, que não menciona aqui. E que só em cabeça de criança pode dar. Por exemplo, “Mãe do princípio axiológico”. O princípio axiológico, para defini-lo muito sumariamente, de maneira a ser entendido pelo público, o princípio axiológico é um princípio filosófico segundo o qual as coisas, segundo o qual, na ordem geral das coisas, tudo deve dar certo.

O senhor compreende que uma pessoa não pode ser “mãe de um princípio”, de um princípio metafísico. Porque ser mãe de um princípio metafísico é um disparate, não tem sentido. É a mesma coisa de dizer que eu sou pai desse cinzeiro… O homem não é pai de um cinzeiro, evidentemente.

(Repórter: Claro.)

Essa ladainha, o histórico dela, naquele livro está detalhadamente mencionado. Esta ladainha foi analisada quando eu tive conhecimento dela e mandei imediatamente suspender, proibir e suspender. E realmente foi suspensa, não se rezou mais.

Isto que se passou talvez há uns 10 anos atrás, e a coisa acabou, ele toma como matéria para dizer que minha mãe era objeto de invocações heterodoxas…

Então entra aqui também “mãe do Inefável”.

A palavra “inefável” me parece – eles não sabem aplicar bem – é gravemente incorreta, mas não é absurda como “mãe do princípio axiológico”. A gente pode dizer de alguém que tem qualidades inefáveis, tem predicados inefáveis etc., pode-se dizer. Mas não é no sentido de que Deus é inefável. Inefável quer dizer inexprimível, aquele que é tão perfeito que é inexprimível, não há palavras para descrever a perfeição. Se diz, por excelência de Deus. Mas depois, por extensões sucessivas, a linguagem corrente transferiu isso para muitos. E esses meninos, levados por uma ideia muito ampliativa a meu respeito, chegaram à conclusão de que poderiam me chamar de inefável, mas na linguagem comum. Aqui isto vem tomado neste sentido, “mãe do inefável”… Ora, Deus só é inefável.

(Repórter: Perfeito.)

É claro. Gramaticalmente falando, o inefável é só Deus. Mas na cabeça de menino…

(Repórter: Mas é uma utilização…)

Corrente.

(Repórter: Corrente da linguagem que foi aplicada ao caso.)

Claro, claro. Eu volto a dizer: eu não pretendo que eu seja inefável. [risos]. Eu mandei proibir a ladainha.

(Repórter: Ah! ah! ah!)

Então diz aqui que com “i” minúsculo, “i” maiúsculo, tudo isso aqui… E depois, o que importa é que essa ladainha foi desautorada por nós.

Bem, parece-me que é isto, não é?

(Repórter: Eu acho que sim.)

O senhor querendo fazer qualquer outra pergunta.

(Repórter: Eu gostaria. Eu até tomei nota de algumas coisas que eu queria lhe perguntar. Eu queria que o senhor fizesse uma análise do desempenho da TFP hoje e o que ela faz hoje.)

A TFP é uma sociedade civil, que tem por finalidade lutar contra o socialismo e o comunismo, mas não apenas de um modo negativo, mas de um modo positivo. Quer dizer, prestigiando, favorecendo os três valores fundamentais dela que são a Tradição, Família e Propriedade, três valores fundamentais da Civilização Cristã.

Bem, agora, de que maneira ela faz isso?

Ela faz isso aí doutrinariamente, divulgando a doutrina católica a respeito desses pontos.

Ela faz isso também de um modo pacífico. Quer dizer, é uma entidade que, ao contrário de lorotas que tem sido inventadas, não pelo prof. Fedeli, mas por outros, não tem nada de militar. Ela é eminentemente legal e se desenvolve no terreno legal.

Eu acho que o anticomunismo de porrete na mão é tão anacrônico quanto Hitler e Mussolini. Quer dizer, correspondia a uma fase em que o comunismo se revelava revolucionário de armas na mão e procurava conquistar os povos pela força.

Hoje isto passou de longe. E a guerra psicológica a serviço do comunismo acabou sendo o grande meio de ele avançar. E nós combatemos o comunismo nesse terreno, portanto.

(Repórter: Na prática, Professor, quer dizer, qual é a atuação prática da TFP hoje?)

A atuação prática da TFP consiste em publicar, promover que se escreva, se publique livros, o jornal “Catolicismo”, folhetos etc. a respeito do, contrários ao comunismo, versando essas e outras matérias na luta anticomunista.

(Repórter: Perfeito. Tem 1200 sócios e colaboradores.)

Cooperadores, é.

(Repórter: Esse número não é pequeno para uma entidade que tem 20 e poucos anos?)

Muito pequeno, muito pequeno! Eu acho que isso decorre do fato de que a entidade tem uma posição ideológica monolítica. E são poucas as pessoas que, hoje em dia, apreciam as posições ideológicas monolíticas.

Mais velho do que nós e com um número proporcionalmente muito menor de adeptos é o Partido Comunista que reuniu seus sócios do Brasil inteiro há pouco no Pacaembu e dava uma manifestaçãozinha de 5 mil homens, e assim mesmo, ninguém sabe com quanta gente paga para comparecer.

As posições categóricos e retilíneas, para o bem ou para o mal, não são as posições que convém ao ambiente criado no mundo moderno pela guerra psicológica comunista.

Nós estamos caminhando para o relativismo geral e, portanto, para a interação de todas as doutrinas e de todas as posições; para o relativismo.

E, nessas condições, a TFP encontra um obstáculo que não é na antipatia a ela, mas é na oposição do ambiente a isto.

Agora, a repercussão da TFP é muito maior do que o número de seus sócios. Quer dizer, ela tem repercussão no país inteiro, ela é conhecida no País inteiro e se transformou num dos polos do pensamento nacional.

(Repórter: Só para ver se eu entendi: o senhor me disse que há uma tendência da TFP de tornar-se menos monolítica ou…)

Não, não. O mundo contemporâneo, por efeito da guerra psicológica organizada pelo comunismo, tende para o relativismo. E ele está largamente impregnado por isto. Quem é relativista não pode, não é propenso às posições doutrinárias monolíticas.

(Repórter: Perfeito. E se eu entendi também, o senhor traçou também um paralelo entre o Partido Comunista e a própria TFP que tem uma característica comum, ou seja, a atitude monolítica.)

Exatamente. O pensamento comunista é monolítico.

(Repórter: Exatamente, perfeito.)

Não deduza daí que se trata de dois radicalismos opostos, com o habitual chavão de que se deve contra os extremos, e outras coisas desse gênero.

Se o comunismo é um extremo, a TFP é outro extremo? A pergunta pode-se fazer.

A palavra “extremo” é uma dessas palavras ambíguas, que todo mundo usa sem analisar bem. O que é um extremo? É um exagero? Se o comunismo é um exagero, a TFP é outro exagero? Não. Não aceito isso.

A TFP pretende ser a fidelidade inteira, em matéria socioeconômica  e política, a fidelidade inteira à tradição doutrinária da Igreja. Isso não é exagero. A Igreja não é uma exagerada. O comunismo é um exagero, o comunismo é um erro, isso é diferente. Então falar de dois extremos – a TFP e o comunismo – é ridículo.

É verdade que no tabuleiro nós ocupamos posições diametralmente opostas, mas isso não quer dizer que dos dois lados esteja o erro. “Extremo” indica isso, é o erro.

(Repórter: Perfeito.)

“O sujeito que se extremou” quer dizer errou.

(Repórter: O senhor faz uma rápida análise do panorama político brasileiro.)

Bom, isso eu não combinei com o Boris… [risos]

(Repórter: Mas o senhor não vai me fazer perder essa chance…)

Eu respondo. Eu evito a política partidária. E se o senhor está pensando numa análise a respeito dos candidatos à presidência da República, eu não vou fazer. Porque seria sair de minha posição extrapartidária. Agora, se o senhor quer uma análise da situação geral…

(Repórter: De uma situação geral. Panorama.)

Eu a vejo com muita preocupação. A vejo com muita preocupação do ponto de vista socioeconômico, ou seja, social e econômico.

Socialmente falando, do ponto vista da questão social – termo católico – mas que indica o problema das relações entre as classes, eu vejo com a maior preocupação todas essas invasões que estão se fazendo pelo interior do Brasil, em geral, sopradas por elementos do clero, quer dizer, da esquerda católica. Eu tenho a apreensão de que isto degenere, já não mais em tensões, mas em agitações e começa até degenerar em sangueira, começa morrer gente.

Se o senhor puser um mapa do Brasil com todos os pontos onde tem saído essa tensão, o senhor tem a impressão de que é uma espécie de erisipela que está irrompendo no País. É uma situação muito grave, que a mim me preocupa muito.

Preocupa-me especialmente a participação da esquerda católica nisso, porque a esquerda católica prepara com isso o advento do pior inimigo da Civilização Cristã que é o comunismo.

De outro lado, eu tenho a impressão de que grande parte das classes sociais interessadas em combater isso não combate. Por exemplo, os resultados eleitorais dos bairros ricos são surpreendentes. Pelo contrário, nos bairros pobres eu encontro muito mais espírito de ordem e de conservação. Nos contatos que nós temos com bairros pobres, até com favelas, nós somos sempre muito bem recebidos. Não acontece isso em bairros ricos onde, muitas vezes, a oposição a nós é muito grande.

(Repórter: Mas a atuação da esquerda católica não é exatamente no bairro pobre, quer dizer…)

Para o pobre?

(Repórter: Quer dizer, sempre imaginei que a atuação maior, a preocupação maior da esquerda católica era trabalhar no bairro pobre, a  tal famigerada opção preferencial, trabalho de base, comunidade eclesial de base, essas coisas. E, portanto… isso repercutiria numa eleição.)

Nós temos um livro sobre as CEBs, escrito por mim e por dois sócios da TFP, brilhantes, Luiz e Sr. Gustavo Solimeo. Esse livro mostra como as CEBs estão totalmente infiltradas de esquerdismo. E ninguém ofereceu uma impugnação a esse livro.

Na realidade, a esquerda católica chega a tais extremos que eu não vejo o que a separa dos socialismo. E, muitas vezes, vejo o que a faz tender rumo ao comunismo. Ora, isto não é, absolutamente, cuidar dos pobres, ou desejar solução para o problema dos pobres. Por quê?

O senhor considere a vida que leva a massa da população nos países detrás da cortina de ferro e compare com o que tem a massa da população no Brasil, é uma diferença enorme. Cuida dos pobres quem quer transferir o Brasil da situação atual para aquela situação? Quem pode compreender isto?! Para mim isso é totalmente ininteligível!

(Repórter: Mudando um pouco, o senhor tem posição a respeito da eleição direta ou indireta, ou o maniqueísmo não existe no caso?)

Eu me pronunciei na “Folha” a favor da eleição direta, em artigo.

(Repórter: Eu não cheguei a ver.)

Em artigo. Agora, eu condicionava a eleição direta à liberdade de voto. Quer dizer, eu sou contrário a esse sistema atual em que o indivíduo sofre toda espécie de inconvenientes caso não compareça para votar. Isso dá no seguinte: que os partidos políticos cozinham os candidatos que eles querem e o povo é obrigado a escolher um desses candidatos. E o povo não tem nenhuma possibilidade de protestar contra o cardápio político não comparecendo. E aí, aí a eleição direta é uma espécie de imposição.

“Eu sou tal partido, indico fulano. – O senhor é de tal outro, indica sicrano. – Povo, vem aqui, escolha um dos dois! Rápido, em 24 horas. Se não for isso, título eleitoral, a caderneta não vale, tem multa, tem não sei o que”. Isso é democracia? Que propósito?

Faça a eleição direta, mas faça eleição com voto livre, de maneira que, se não comparecer pelo menos 40 por cento do eleitorado, a eleição está nula, quer dizer que o povo rejeitou os candidatos.

(Repórter: Quem é seu candidato para presidência da república?)

Não tenho.

(Repórter: Não tem?)

Meu voto é secreto… [risos]

(Repórter: Está bom. Então, só três perguntas finais: voltando ao senhor, como é que está sua saúde?)

Eu não esperava essa pergunta… [risos]

É uma preocupação que é curiosa, muito frequente – não quero lhe inscrever nesse rol – entre os que me são adversos. E não frequente entre os que me são chegados, os que me são simpáticos. Gente muito oposta à TFP pergunta: “Mas como vai ser quando o Plínio morrer? É preciso preparar um sucessor!…”

(Repórter: É aí que viria minha pergunta, quer dizer, como é que vai ser o sucessor…)

“…é preciso preparar um sucessor!” Então gente muito contrária a nós se toma, subitamente, de angústias, com medo que a TFP desapareça ao eu morrer. O que eu acho – em francês se diz – “cocasse”, eu acho “cocasse” [engraçado, curioso, n.d.c.].

Pelo contrário, os que nos são simpáticos não me fazem essa pergunta. Não quero dizer que o senhor seja antipático à TFP, não estou perguntando o que o senhor acha da TFP.

Bom, a minha resposta é a seguinte: a minha saúde, graças a Deus, é boa. Neste sentido da palavra que eu trabalho 24 horas por dia. Um horário que poderia ser melhor, estou sujeito a dois regimes porque sou diabético e depois tomo cuidado para não engordar, com desespero para meus inimigos – a palavra inimigos é um pouco dura – meus adversários…

 (Repórter: Oponentes.)

Oponentes, oponentes. Com desespero para eles, eu tenho o coração e a pressão em perfeita ordem. No meu último exame médico, o médico dizia que era como um relógio suíço… Eu lamento dar essa informação, mas sou obrigado a ser veraz…

Bem, agora tem o problema de minha sucessão. Porque, morre-se de repente em qualquer idade, especialmente na minha. E então existe o problema da minha sucessão.

A minha sucessão está amplamente preparada. Só não preparei o sucessor. O senhor dirá que é um paradoxo.

 (Repórter: Não entendi.)

É, não dá para entender, mas vou explicar e o senhor entenderá. A TFP tem muitos departamentos, muitas seções etc., etc., e pratica  internamente uma autonomia que, se o senhor conhecesse, o senhor ficaria pasmo. Começa por aí que estatutariamente toda parte econômica, financeira, administrativa, tem uma diretoria à parte da qual eu não pertenço. Aliás, não entendo patavina… quer trocar a sua…

(Repórter: Não, vim preparado para duas fitas. Mas…)

Eu tenho fita aí.

(Repórter: Eu trouxe. Não, estava preparado. Um minuto só, por favor.)

Eu dizia que não entendo patavinas de finanças e nunca daria um bom administrador de coisas financeiras, me alheio a isso. Bem, mas mesmo na parte propriamente doutrinária e operativa da TFP, nessa parte que depende da direção de um Conselho Nacional, do qual eu sou Presidente, nesta parte, eu dou muita liberdade de movimentos, e muita autonomia.

De maneira que a TFP estando em conexão com 15 outras TFPs no exterior, quatro bureaux em outros países, com um mundo de contatos dentro e fora do País, de toda ordem para desenvolver, eu preciso de pessoas incumbidas largamente disso e que eu controlo – controlo, a palavra não está bem – eu acompanho e me dizem o que estão fazendo, em linhas gerais…

(Repórter: Incumbidas de?)

Dos mais variados serviços, contatos no estrangeiro etc., etc., biblioteca, seção de leitura, seção de estudos, seção de propaganda, serviço de imprensa, um mundo de seções, tudo isso está largamente distribuído. E habitualmente praticam uma grande estabilidade. É muito difícil quem está num cargo que eu proponha a remoção dele.

Se com toda essa liberdade de ação, da própria ação autônoma não surgir chefes, é porque é inútil, então a TFP não… e, com pesar dos adversários, ela tem que morrer…

Eu estou certo que eu não estou preparando a candidatura de ninguém, por isso que eu disse que eu não tenho sucessor. A sucessão está preparada porque a direção na TFP prepara o sucessor, uma série de sucessores. Quando eu morrer, eu não irei para a “Montanha dos Profetas”, isso é certo! Irei provavelmente para o Purgatório e, na Terra, elegerão quem quiserem.

(Repórter: É uma eleição dentro?)

É uma eleição, é. Eleição, elegem quem quiserem.

(Repórter: Quantos sucessores o senhor vislumbra aí para serem eleitos?)

Eu não sei bem, pelo seguinte: eu já me perguntei isso às vezes. São tão diferentes os ângulos que podem prevalecer como critério de escolha que eu não sei o número de sucessores também não sei bem qual seria, portanto, o número de candidatos. Eu creio que ninguém se candidataria, mas que haveria propensões destes por x, y ou z; outros por z, x, e assim por diante.

Quem venceria? Não sei.

(Repórter: Tudo bem. Eu acho que eu tenho só que agradecer.)

Eu dei ao senhor uma entrevista tão grande que não cabe no jornal.

(Repórter: Pois é, é isso que eu ia falar.)

E o senhor vai ter que resumir o que eu disse. Mas ao resumir o que eu disse, podem entrar imprecisões de expressão e outras coisas que eu não endossaria. O senhor seria gentil se me mostrasse o texto e conversássemos sobre isso para eu poder ver um pouco. Mas não estabeleci isso como condição, de maneira que o senhor é livre.

(Repórter: Eu gostarei de fazer isso. Eu não sei se vou… Eu não posso me comprometer a fazer isso, porque o senhor conhece bem o jornal, isso é uma produção industrial. Se a nossa entrevista tiver que ser publicada amanhã, dificilmente eu vou ter condições e tempo para fazer isso. Eu vou voltar ao jornal agora e vou propor inclusive que a entrevista seja montada sob forma das perguntas e respostas, nem que eu tenha que resumir ou cortar coisas das perguntas e respostas. Eu não sei qual é a editorial, eu tenho que conversar com o diretor de redação. São duas: primeiro é a forma como a gente vai colocar essa entrevista, se eu vou produzir um texto ou vou reproduzir a entrevista simplesmente. Isso é um. A segunda é a data, eu ainda não tenho essa informação ainda para saber se seria publicada amanhã ou na edição de Domingo [19-8-84]. Se for na edição de Domingo, com certeza, eu tenho…)

Eu apenas quero o seguinte: como o senhor não é especializado em estudos católicos, pode lhe escapar – de boa-fé – atribuir-me coisas que, por uma ligeira diferença de matiz, eu não teria dito. Então, que no dia seguinte à publicação, se o senhor não me consultar, a “Folha” se comprometa a publicar minha retificação.

(Repórter: Ah! sem dúvida.)

Mas no dia seguinte.

(Repórter: Sem dúvida! No caso de eu ter possibilidade de mostrar a matéria para o senhor…)

Como eu estou muito resfriado, não vou sair. De maneira que o senhor pode me telefonar a qualquer hora.

(Repórter: Eu telefono, perfeito.)

O senhor quer tomar nota de meu telefone, ou o senhor tem?

(Repórter: Quem tem é o Boris, eu não tenho.)

256-18-97.

(Repórter: Eu me comprometo inclusive a reivindicar que essa matéria seja publicada no Domingo para haver essa revisão.)

Está muito bom.

(Repórter: Se não for publicada no Domingo e tiver que ser publicada amanhã…)

(Sr. Fernando Antunez: Talvez uma coisinha, Padre Vitorino, o senhor disse que é canonista, é teólogo.)

É verdade. O Padre Vitorino é teólogo. Muitos outros canonistas fizeram elogio também e aprovação; nós nos baseamos em muitos outros canonistas também.

(Repórter: Isso está na matéria…)

É, isso está dito.

(Sr. Fernando Antunez: É que quando ele falou, falou o canonista Padre Vitorino Rodrigues.)

Ah! Isso é um lapso.

(Repórter: É teólogo, não tem problema não. Muito obrigado. Espero não tê-lo cansado.)

Não, absolutamente. Se isso cansasse… eu estaria arrasado. Me dá minha bengala.

(Repórter: Professor, até logo.)

Olha… bom, eu receava contagiá-loa

(Repórter: Nãããooo!.)

(Fotógrafo: Até logo.)

Passe bem.

(Repórter: Eu estou resistindo a uma gripe este ano, ainda não peguei. Estou com fé que consiga, pela primeira vez acho, depois de cinco anos, passar um ano sem gripe.)

Oh! Beleza, hein. Um paulistano sem gripe é um milagre…

(Repórter: Até logo, muito obrigado.)

(Fotógrafa: Até logo.)

[Dirigindo-se ao seu secretário] Quer acompanhá-los até o elevador?

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