Garcia Moreno: olhar desconfiado do político, meditativo do homem de vida interior, sagaz, seguro, inteligente, culto, decidido, habituado a lutar contra um inimigo terrível, mas sobretudo em quem resplandece a graça de Deus

Santo do Dia, 29 de janeiro de 1972

 

A D V E R T Ê N C I A

O presente texto é adaptação de transcrição de gravação de conferência do Prof. Plinio Corrêa de Oliveira a sócios e cooperadores da TFP, mantendo portanto o estilo verbal, e não foi revisto pelo autor.

Se o Prof. Plinio Corrêa de Oliveira estivesse entre nós, certamente pediria que se colocasse explícita menção a sua filial disposição de retificar qualquer discrepância em relação ao Magistério da Igreja. É o que fazemos aqui constar, com suas próprias palavras, como homenagem a tão belo e constante estado de espírito:

“Católico apostólico romano, o autor deste texto  se submete com filial ardor ao ensinamento tradicional da Santa Igreja. Se, no entanto,  por lapso, algo nele ocorra que não esteja conforme àquele ensinamento, desde já e categoricamente o rejeita”.

As palavras “Revolução” e “Contra-Revolução”, são aqui empregadas no sentido que lhes dá o Prof. Plínio Corrêa de Oliveira em seu livro “Revolução e Contra-Revolução“, cuja primeira edição foi publicada no Nº 100 de Catolicismo, em abril de 1959.

 

Vamos ter a projeção da fisionomia de Garcia Moreno, que é o grande presidente do Equador, talvez o maior Chefe de Estado católico do século passado. Ele era um católico verdadeiro e combateu a maçonaria, o liberalismo, a Revolução, em seu país com uma energia verdadeira e por isso mesmo também foi execrado com um ódio verdadeiro. Ele foi morto em odium fidei e aqui me foi mandado pelo Grupo do Equador uma sua fotografia e no dorso tem, colado, um pedaço de uma cruz, com a seguinte nota:
Fragmento da cruz carregada por Gabriel Garcia Moreno na procissão da Semana Santa do dia 26 de abril de 1874.
Os senhores vejam que beleza: na procissão da Semana Santa, o próprio Chefe de Estado carregou a cruz!

 

blank

 

“Ele vinha saindo da catedral quando foi apunhalado, no altar da catedral de Quito, no dia 6 de Agosto de 1875, muito perto do local dessa cruz”.
Pediram-me que se projetasse sua fotografia, e que eu fizesse algum comentário. Conheço uma certa categoria de geração que é muito dileta, eu a conheço bem, para qual é preciso dizer que o que há de um pouco raro no traje dele, muito bonito, e a faixa não bonita, vai causar aos senhores uma primeira impressão. É necessário que se aclimatem um pouco e que passe o primeiro susto, para fazermos um comentário objetivo.

 

blank

 

O traje de militar é muito bonito, e que às vezes altos dignitários do Estado  tambémo usavam no século passado. Ele tem toda a gola bordada, com uma condecoração e dragonas. Infelizmente estas últimas – tanto quanto eu saiba – saíram quase completamente do uso dos militares. É um complemento de ombro, tem uma chapa em cima, umas franjas e contribuem para dar um aspecto mais varonil ao personagem.
Os mesmos bordados da gola e do peito que se repetem na manga. E deveria ser provavelmente o traje oficial de Presidente da República do Equador.
A faixa é o símbolo habitual dos Presidentes da República. Mesmo hoje, estes  a usam e a transmissão da Presidência se dá sob a forma da entrega de faixa.
A fisionomia oferece um contraste interessante. É um homem que perdeu já uma parte dos cabelos, e os que tem são quase todos brancos, apenas com um pouco grisalho. Mas apesar disto, a fisionomia conserva algo de jovem. As sobrancelhas afiadas, de um arqueado bem feito, a pele ainda moça, o bigode já grisalho e as sobrancelhas pretas. Os traços são regulares. A testa é um pouco proeminente, mas nota-se o oval do rosto perfeitamente bem feito. Observam-se profundas marcas junto aos olhos, até escuras.
O nariz é bem pronunciado e bem conformado. A boca normal. O rosto acentuadamente ovalado, dando num queixo fino. Há um certo contraste entre o aberto da fronte e o fino do queixo.
Nada disso tem grande importância, a não ser em função do olhar. Este é  profundo, fixo que fita à distância; mas não é exclusivamente o olhar de um contemplativo, mas tem muito do olhar de um político. No todo, os senhores notam a desconfiança; é um olhar sagaz, de homem habituado a lutar contra um inimigo terrível, contra o qual é preciso empregar toda espécie de vigilância, habituado a essa vigilância, mas por isso mesmo também seguro na sua vigilância.
Não é um olhar medroso, inseguro, é um olhar muito tranquilo, mas de um homem que sabe que está exposto a um grande perigo. E inteiramente resolvido – há bastante tempo – a correr esse perigo. Encontra-se calmo e habituado ao perigo, como outros se encontram habituados à segurança.
Há uma qualquer coisa nesse olhar que eu não saberia exprimir, porque todo olhar humano é indefinível. Apenas eu digo: quem notou, notou; quem não notou, não notou. Mas há qualquer coisa nesse olhar que é ao mesmo tempo muito meditativo e ordenado na meditação. Esta é feita com calma, com ordem, de uma pessoa que não vive de impressões, de vivências, mas tem muita distância psíquica e muita lógica.
Porém não é apenas o olhar desconfiado do político, não é apenas o olhar meditativo do homem de vida interior. Há uma coisa muito bonita nesse olhar: uma espécie de doçura triste. Talvez se note que há uma certa tristeza como quem olha entristecido para a ignomínia e a maldade dos homens, para a perfídia do inimigo que ele é obrigado a combater, a quem dói que as coisas sejam assim. E que combate, mas que preferiria conduzir todas as coisas pela cordialidade. Um olhar, portanto, de católico que tem a tristeza de ver o mundo imerso na Revolução contra a qual ele luta.
Vê-se que é um tipo de homem esguio, não é um brutamonte. O tipo de sua energia e de sua coragem é toda feita de flexibilidade, de destreza. A gente tem a impressão de um homem que vive do aproveitamento completo de recursos que não são – na ordem da saúde e da força – muito grandes. Mas que com o aproveitamento calmo, ordenado, completo de suas energias e pela ordem se tornam grandes.
Há muita inteligência nesse olhar, é uma boa cabeça. E o hábito de pensar do homem culto, se nota em qualquer coisa de imponderável da fronte: é de um homem habituado a ler e pensar, de uma pessoa de cultura. Não apenas de quem medita, mas de quem é culto. Não digo o erudito, mas de grande cultura, que está no ponto de junção entre a cultura e ação, que formam um homem, sob certo ponto de vista, complexo, porque ele é de ação, muito culto, ou um homem de cultura muito ativo, em que o pensamento e a ação se osculam e se reúnem na mesma fronte.
Por cima de tudo isso, há qualquer coisa de luminoso nele que indica a presença da virtude, da graça e que é absolutamente indispensável. Mais ou menos como se os senhores me perguntassem: “como o Sr. me prova que esse quadro é de um vivo e não um morto?” Eu diria: ainda que ele estivesse de olhos fechados, eu diria que é de um vivo. Como se prova isso? Não se sabe, é olhando… Há certas coisas que se vê e se nota, ou se vê e não se nota. Há nele um luminoso qualquer de vida espiritual, que inclina  o espírito a admitir que esse seja um santo.
A posição dos ombros é de um repouso absoluto, mas ao mesmo tempo com uma certa dignidade. A posição do braço e o modo pelo qual a mão se esconde aqui dentro do outro braço, tem uma decisão, uma determinação, uma força de quem está habituado a mandar: é mão de timoneiro.

Contato