Espanha – Lançado livro-bomba na Espanha: ESPANHA ANESTESIADA SEM O PERCEBER; AMORDAÇADA SEM O QUERER; EXTRAVIADA SEM O SABER

Catolicismo, N° 451, Julho de 1988, págs. 1-5

TFP espanhola lança livro-bomba

Alerta para o Brasil – e para muitas outras nações

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A COMISSÃO de estudos da Sociedade Espanhola de Defesa da Tradição, Família e Propriedade (TFP-Covadonga), dirigida com brilho por dois dos diretores da entidade, os Srs. Fernando Gonzalo Elizondo e José Francisco Hernández, acaba de lançar um livro-denúncia, destinado a ser uma luz e uma tábua de salvação para os setores do público espanhol que temem fundadamente a submersão definitiva de sua pátria nas águas lamacentas de uma corrupção generalizada e de uma desagregação de todas as instituições sociais. Corrupção e desagregação ameaçam ser as notas tônicas do futuro da Espanha.

Do futuro da Espanha, é certo. Porém, não apenas daquela nação ibérica. O livro denuncia uma forma nova de revolução, tranqüila, mas de efeitos profundos, feita especialmente para os países do Ocidente, e que se transformou na esperança dos revolucionários do mundo inteiro, após os sucessivos fracassos de outras tentativas. Uma forma de revolução já em curso no Brasil e que tenderá, se os acontecimentos não tomarem rumo diverso, a infeccionar inteiramente nosso País.

As provas que aduz são de esmagar. “España, anestesiada sin percibirlo, amordazada sin saberlo, extraviada sin quererlo — La obra del PSOE” é um livro sólido e logicamente argumentado, apoiando-se ademais em abundantíssima documentação: 400 livros consultados, dos quais 180 citados, 1250 recortes de jornais, revistas e boletins especializados.

Examinemos a seguir alguns dos principais aspectos dessa obra que será histórica naquela nação irmã e é provável que influencie a fundo os acontecimentos europeus e mesmo mundiais.

Espanha, anestesiada, operada, extraviada: denúncia-bomba sacode Madri

I – A anestesia da opinião pública espanhola

a — 1936-1939: um sopro de conversão que não foi até seu termo lógico

A Espanha de 1936, embora já muito deteriorada pelo espírito moderno, reagiu contra a agressão comunista com os recursos de uma nação batalhadora e católica.

Porém, logo após a Guerra Civil, um fenômeno psicológico muito explicável foi se generalizando. Os três anos de morticínios e destruições criaram um vago mas intenso desejo de ordem e tranqüilidade. Nunca mais se deveria repetir a tragédia que findara.

Era precisamente a hora de redobrar a vigilância espiritual para impedir que o natural desejo de repouso, após um período de sofrimento e luta não degenerasse no desequilíbrio dos anseios utópicos de um mundo irênico, sem desavenças, nem dilacerações. Infelizmente, a nota predominante não foi esta. Ia nascer uma Espanha diferente.

O sopro de conversão não chegou ao seu termo lógico. A estabilidade gerou o marasmo; este começou a apresentar sintomas de podridão.

b — A morte do princípio de contradição

Tudo se passava como se na Espanha estivesse morrendo o princípio de contradição. Digamos uma palavra sobre ele.

Santo Tomás ensina que o primeiro e supremo princípio do pensamento é o princípio de contradição. Em sua simplicidade se pode expressá-lo assim: “Um mesmo ser não pode ser e não ser ao mesmo tempo e sob o mesmo ponto de vista”. Tendo por base as evidências primeiras vinculadas a este princípio, o homem, raciocinando retamente, embora por vezes de maneira implícita, constrói para si um edifício imenso e articulado de verdades. A vontade bem orientada adere firmemente a elas.

Uma pessoa íntegra é sensível à menor ameaça a esta constelação de verdades que ela amou sob a luz cristalina e retamente discriminadora do princípio de contradição.

A pessoa em quem, por causa da decadência do amor à virtude, se vai embotando o senso da verdade, do bem e do belo, só tem sensibilidade para perceber as agressões rombudas, óbvias e imediatas.

Repetimos, tudo na Espanha se passa como se o princípio de contradição, base da vida de pensamento e da ação saudáveis, houvesse perdido seu vigor. Afetada a raiz das certezas, é surpreendente que o espanhol resvale para um relativismo prático ou teórico? E deixando de ver com clareza e julgar com decisão, caia num estado de profunda apatia em relação aos problemas gerais, que não afetam diretamente seu interesse imediato? Mais ainda, comece a manifestar simpatia pelo mais radical dos ecumenismos? (1)

Não é o caminho pelo qual vão também largos setores do público brasileiro?

II – O mormaço ecumenista

Na religião. — Naturalmente, o ecumenismo religioso existe na Espanha. Ele se manifesta sobretudo nas tentativas de criar um clima de entendimento irenista entre o Catolicismo e o Maometanismo.

Na política. — Porém, foi no campo político onde mais medrou o espírito ecumenista. Os principais lideres políticos da Espanha adotaram um estilo que contrasta vivamente com a anterior e habitual conduta de seus congêneres do passado, feita de clareza doutrinária e nitidez de posições. Os políticos em evidência na Espanha atual parecem fazer parte de uma mesma igrejinha: tratam-se familiarmente, freqüentam-se, evitam discussões acaloradas e se preocupam, sobretudo, na manutenção do clima “reconciliado”, distendido e otimista.

Influindo no homem comum. — É compreensível que o homem comum observando as atitudes dominantes e prestigiadas no cenário da vida pública, tenda a conformar seu comportamento com elas, para não parecer anacrônico. De mais a mais, a obsessão de grande parte da população com seu interesse imediato, fá-la desinteressar-se dos grandes temas da religião, da filosofia ou da vida pública, nos quais se manifestam mais pontudamente as discrepâncias que o ecumenismo pretende destruir. Tais setores do público se deixam normalmente tocar pela miragem aliciante de uma época de paz e união, a era da fraternidade, em que se fundiriam as religiões, os sistemas políticos, os governos e até os povos. A Europa unida já é vista como um passo nesta direção.

III – Neste clima, surge um partido socialista relativista, ecumenizado, “moderno”: o PSOE

Foi neste clima artificial, feito de narcose relativista e de otimismo irênico que o PSOE “renovado” medrou e conseguiu em poucos anos alcançar o poder hegemônico. Sua atual direção, tendo à frente Felipe González, ganhou os postos de comando em 1974 e imprimiu um rumo inteiramente novo ao socialismo espanhol.

Vejamos algumas características do socialismo espanhol.

O proletariado passa a segundo plano, como agente da revolução. — O socialismo “renovado”, constatando um generalizado desinteresse do operariado, quer hoje sobretudo congregar qualquer extrato social ou setor de opinião que apresente potencialidades revolucionárias, não importa se constituído por pobres ou ricos. A este conjunto pertencem, além de minoritários setores operários que ainda vivem em revolta contra a atual ordem de coisas, os chamados “movimentos sociais” ou, desde outra perspectiva, o “novo proletariado”, que é o agente revolucionário mais importante desta neo-revolução. Homossexuais, feministas, ecologistas, minorias étnicas e outros grupos, como pacifistas, associações de direitos humanos, em potencial revolta contra certos aspectos da presente ordem de coisas e que podem se rebelar contra ela, sob a ação de circunstâncias apropriadas. Trata-se então de dar uma consciência reivindicativa a estes setores “oprimidos”, exacerbá-los, coordená-los e lançá-los à contestação. O PSOE os apoia, estimula, radicaliza e procura ser sua expressão política.

Revolução feita em clima otimista e festivo. — As revoluções anteriores tinham um semblante trágico, persecutório e sangrento. A revolução socialista hoje, entretanto, não deseja contundir os setores burgueses, pois se dirige particularmente a eles.

Ora, a maneira burguesa de gozar a vida é fundamentalmente festeira. A neo-revolução socialista é “lúdica”, isto é, procura difundir um modo de ser irreverente, inimigo da seriedade da vida, feito de festança e pândega.

A revolução na vida quotidiana. — Sua estrategia coloca especial tônica em embeber de revolução o dia-a-dia das pessoas, isto é, suas relações pessoais, gostos, ambientes, atitudes.

A revolução cultural. — Como o próprio nome indica, a ênfase da ação revolucionária é posta sobretudo nos aspectos “culturais” da vida, mais propriamente, na mudança das mentalidades e não, de forma preponderante, nas reformas de estrutura.

Coletivismo econômico adiado, mas substituído pela “democratização econômica”. — O PSOE, sem renegar seu objetivo coletivista, apresentou-o com novos adereços. O coletivismo está sendo hoje exibido com as vestes da democratização econômica. O Estado inicia um processo de crescente cogestão que desemboca na autogestão. Na cogestão, como se sabe, a direção e, por vezes, a propriedade é compartilhada entre o antigo dono e os empregados. Na autogestão, os empregados associados transformam-se em donos e dirigem a empresa por meio de conselhos operários. É a democratização econômica em seu termo lógico.

Gradualismo consensual. — O PSOE está procurando realizar seu programa sem traumatizar o público, para evitar uma reação antisocialista enérgica. Avançará rumo ao extremismo de seus objetivos, tão-só na medida em que antes tenha podido ir modificando de maneira revolucionária o consenso social. Felipe González afirma necessitar de 25 anos para realizar o programa do PSOE.

IV – A psico-cirurgia do PSOE

A capa do livro de TFP-Covadonga, reproduzida com adaptações na capa desta edição, representa um paciente — o povo espanhol — operado na cabeça. O que significa a imagem?

Indica, estilizadamente, duas formas de intervenção: uma cirurgia facial para mudar a fisionomia política, social e econômica da Espanha (são as reformas estruturais) e uma psico-cirurgia destinada a extirpar uma mentalidade e substituí-la por outra, per diametrum oposta.

O primeiro tipo de cirurgia muda institucionalmente o Estado e a sociedade: são as reformas agrária, urbana e empresarial, modificações no instituto da família, reformulações atentatórias à autonomia do Judiciário etc. Sobre estas não nos estenderemos aqui por brevidade, embora estejam largamente analisadas na obra em questão. O brasileiro as conhece bem.

Resta explicar o segundo tipo de intervenção, a psico-cirurgia, que constitui um requinte das técnicas de guerra psicológica revolucionária.

Esquematicamente, o processo é o seguinte:

a — Exacerbar, pelos mais diversos recursos, o processo de distanciamento da Espanha de seu passado católico e tradicional. Estes recursos comportam tanto o estilo otimista e despreocupado de numerosos homens públicos prestigiados pelos grandes meios de difusão, como o uso da televisão oficial (TVE) e outros meios informativos para difundir a imoralidade, a vulgaridade, o ateísmo e a blasfêmia; vão desde o apoio oficial à contra-cultura “libertadora” até uma educação relativista e permissivista; desde denegrir os heróis e as glórias da História espanhola até a exacerbação artificial do independentismo de certas regiões.

b — O espanhol comum, cujo senso crítico está embotado pela apatia dominante, acha normal e tende a aceitar a ruptura de sua pátria com seu passado cristão e a conseqüente marcha descristianizadora — qualificada de mera “modernização” —, vendo-a como fruto de um consenso espontâneo e amplamente majoritário e não de um programa. Programa que rejeitaria se não estivesse narcotizado e sujeito a uma estudada manipulação psicológica.

c — Este processo permite ao socialismo empreender reformas legais revolucionárias que, com o tempo, passam a ser consideradas fatos normais da vida quotidiana. É o que está acontecendo, por exemplo, com a reforma da educação, de caráter igualitário e autogestionário (LODE), o aborto, a legalização das associações de homossexuais etc.

d — Como o processo é gradual e evita, seja as aparências de uma ação concatenada, seja executar intervenções drásticas, o desmoronamento das instituições tradicionais e a desagregação social se dão num estilo e num ritmo que não provocam o despertar da opinião pública adormecida. Em princípio, poderia durar indefinidamente até a mais completa das destruições.

Em suma, esta estudada “psico-cirurgia” ocasionará, se não for interrompida, o genocídio espiritual da autêntica nação espanhola.

Seu desenrolar vem sendo possível na Espanha por causa de um grande fato prévio: ao longo de décadas, foi possível mudar o temperamento de um povo, adormecê-lo e torná-lo susceptível de assimilar a propaganda do socialismo “renovado”.

V — Objetivo da revolução socialista: criar um “homem novo”

A difusão do relativismo, assim como a generalização da imoralidade e da vida “lúdica” criam um tipo humano sem certezas, inimigo da disciplina e do esforço, caprichoso e instintivo. O “homem novo” da revolução socialista viverá uma existência primitiva, mais ou menos à maneira do primarismo indígena, hoje tão na moda. Sem certezas, sem caráter, não terá forças para um pensamento autônomo e próprio. Viverá da consonância com um sentir, um pensar e um querer intensamente comuns.

VI – Autoridades eclesiásticas diante do genocídio espiritual da Espanha

a — O Episcopado chamado a vivificar e orientar o sopro de conversão: uma esperança frustrada.

O Episcopado espanhol percebeu, logo após a guerra civil de 1936-1939, o sopro de conversão séria — ao qual já nos referimos — e que poderia levar a uma restauração inteira da vida católica na Espanha, nos costumes e nas instituições. Pio XII, em 1939, falando sobre a vitória contra o socialo-comunismo manifestava a esperança de que “Deus em sua misericórdia se dignará conduzir a Espanha pelo caminho seguro de sua grandeza católica e tradicional”, instando ainda os governantes a “organizar a vida da Nação em perfeita consonância com sua nobilíssima história de Fé, piedade e civilização católicas” (2). Infelizmente, este programa não foi levado adiante.

b — A esquerda inicia sua “restauração”. Um outro programa, de signo oposto, começou a ser colocado em prática.

Já na década de 40, a esquerda iniciou sua “restauração”, infiltrando-se em organizações do apostolado leigo, sobretudo nas da Ação Católica, onde grupos de sacerdotes, estudantes e operários começavam a defender discretamente uma política socializante no terreno sócio-econômico. Com o tempo, esta infiltração se acentuou.

c — Um parêntese se fecha, abre-se a época da “reconciliação”.

Na década de 50, o público entendeu que a restauração católica não se realizaria. Passou a existir uma resignação muito ampla, embora inconfessada, a atravessar muitos anos de decadência lenta. O Cardeal Enrique Tarancón, na ocasião ainda bispo de Solsona, assim descreveu este estado de espírito: “Vai decaindo cada vez mais o nível moral de nossos costumes. (…) O ambiente de cruzada e de reação não se adaptou bem ao nosso povo”. E concluía: “Houve um parêntese que parecia lisonjeante. Pareceu por um momento que se havia produzido uma reação real e verdadeira. (…) O parêntese está fechado” (3).

Mais tarde, o chamado “espírito do Concílio” e a atuação do Núncio Mons. Dadaglio na indicação de novos Bispos provocaram uma rotação profunda no Episcopado que na Assembléia Conjunta de Bispos e Sacerdotes de 1971, abandonou o ideal da restauração da ordem temporal católica, e passou a ter como objetivo prioritário a “reconciliação” entre as duas Espanhas.

Posteriormente, repetidas declarações de altas figuras do Episcopado diziam ser lícito aos católicos aceitarem o programa sócio-econômico do socialismo. Próximo às eleições de 1982, Mons. Tarancón, Cardeal-Arcebispo de Madri e Presidente da Conferência Episcopal, fez declarações que soaram como um programa e uma síntese da nova orientação: “Se o PSOE chegar ao poder, não acontecerá nada na Igreja espanhola”, pois “com governos menos católicos, a Igreja vive melhor”. E aduziu: “A Igreja espanhola era, depois do Concílio e nos últimos anos do regime anterior, de esquerda” (4).

d — Em que consiste a migração episcopal?

O livro da Comissão de Estudos de TFP-Covadonga, após analisar este distanciamento progressivo de parte do Episcopado de suas posições tradicionais, reverentemente pede um esclarecimento a respeito do que qualifica uma migração de fundo doutrinário. Pergunta no que consiste, se tem um ponto terminal, qual é; ou se, pelo contrário, é uma migração cujos limites finais ainda não foram traçados.

VII – As arquibancadas estão vazias; possibilidades de uma reação salvadora

A monumental obra termina demonstrando, com base em documentos dos próprios socialistas, a falta de apoio popular do PSOE e até mesmo o rarefeito entusiasmo de seus escassos militantes. Portanto, apesar da hegemonia eleitoral de que goza, a revolução socialista na Espanha é uma revolução de poucos adeptos, assistida apaticamente por uma maioria que se manifestaria reticente, se chamada a opinar, mas que, infelizmente, num clima de irenismo anestesiante, se vai deixando arrastar para o abismo.

Conclui concitando os espanhóis a que, desde cada setor de opinião, e em todos os ambientes, opinem, discutam, intervenham. Se o PSOE quer a manutenção da apatia, é porque a discussão o prejudica. O início da solução é pois sair da apatia. O revigoramento do princípio de contradição na alma espanhola dará forças à nação para que, de onde está, comece já a percorrer o caminho trilhado pelo filho pródigo.

Notas:

(1) Utilizamos aqui a palavra ecumenismo não no seu sentido original e excelente que designa o movimento destinado a trazer de volta ao único rebanho de Cristo — a Igreja Católica — e à obediência inteira ao único Pastor — o Papa — os infelizes extraviados pelas sucessivas dilacerações que sofreu a Igreja. Utilizamo-la no sentido que vem tomando na linguagem corrente, em que significa um movimento relativista de união em qualquer campo — religioso, político etc.

(2) Discorsi e Radiomessaggi, vol. I, p. 52.

(3) Apud Pe. Fernando Urbina e outros, Iglesia y Sociedad en España, 1939/1975, Popular, Madri, 1977, pp. 60-61.

(4) “Ya”, 22-8-1981.

 

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