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Como há uma articulação lógica entre os elementos constitutivos da mentalidade católica, pode-se, através de um, conhecer os outros. Assim, a fé na Providencia gera o desapego dos bens terrenos; a maneira como se apresenta um fiel manifesta a convicção íntima de sua dignidade de filho de Deus ; a condescendência maior ou menor com os usos e costumes sensuais da sociedade de hoje denuncia o grau de apreço em que a pessoa tem a santa virtude ; como a flutuação, sem motivo e sem resistência, ao sabor da moda é sinal de carência de convicções, de falta de personalidade.
No conjunto dos elementos constitutivos da formação católica, não há dúvida de que o dogma tem primazia. Na ordem prática, no entanto, especialmente no apostolado, a maneira de ser, de apresentar-se, de agir tem singular importância.
A Escritura nos diz que «pelo semblante se reconhece um homem, pelo seu aspeto se reconhece um sábio. As vestes do carpo, o riso dos dentes e o modo de andar de um homem fazem-no conhecer » (Ecli. 19, 26-27) (4). Se é pelas vestes, pelo sorriso, pelo andar, que se conhece o homem sensato, é igualmente pelo seu modo de ser que ele irradiará em torno de si um ambiente sensato. A maneira habitual de ser vem a constituir o elemento mais eficaz para fazer triunfar urna idéia, para levá-la a impregnar uma sociedade, sem que esta as vezes o perceba.
São esses hábitos, ao lado de outras pequeninas coisas, que criam o ambiente propício para germinar a semente de urna doutrina. Há muitos anos atrás, houve em São Paulo uma exposição de arte moderna que constituiu um êxito singular para seus promotores, pelo número de visitas e vendas com que contou. Salientava, na ocasião, um comentarista que a exposição tivera um êxito social muito maior do que o comercial. Pois muita gente de tradição levou para casa quadros dos pintores modernos. Não, evidentemente, para jogar num porão. Sim, para expor. Onde? Numa sala adornada já como retrato a óleo de algum antepassado. com a nobreza e a austeridade dos antigos. Depois de algum tempo, a dona da casa perceberá a impossibilidade de manter juntas duas pinturas tão discordantes. E… o antepassado se aposentará no porão. A sala, com isso, terá mudado de ambiente. Passará a permitir o que antes a censura muda da austeridade antiga, irradiada do retrato do velho chefe de família tornava inadmissível (5).
Ninguém negará valor a essa conclusão. São as pequeninas coisas que criam os ambientes. Não sómente as inanimadas, como no exemplo acima. mas principalmente a maneira de ser das pessoas que ou se conformam com o ambiente em que vivem, ou contribuem para formar um ambiente novo. A sabedoria antiga resumia esse mundo de imponderáveis no famoso adágio: « Verba volant, exempla trahunt ».
Notas:
4 – O mesmo pensamento repete Pio XII na sua Alocução de 8 de novembro de 1957 aos participantes do I Congresso Internacional de Alta Moda. Assim se exprime o Papa: « A sociedade, por assim dizer, fala com a roupa que veste; com a roupa revela suas secretas aspirações, e dela se serve, ao menos em parte, para construir ou destruir o seu próprio futuro» (« Discorsi e Radiomessaggi »,vol. XIX, p. 578).
5 – A influencia das coisas externas, que afetam os sentidos, para a criação de estados da alma, e como veículos na transmissão de concepções ideológicas com repercussões sociais, já a notaram os antigos. De certa música diz Platão : « A insensatez, que considera todos sábios e entendidos em tudo, e o sentido de oposição à lei tiveram o seu começo com a música” (As Leis, 701-A – apud Johannes Hirschberger « História da Filosofía Antiga », trad. Alexandre Correia, Ed. Herder, 1957, p. 118).
(cfr. Carta Pastoral de D. Antonio de Castro Mayer, “Considerações a propósito da aplicação dos documentos promulgados pelo Concílio Ecumênico Vaticano II” (19 de março de 1966, in “Por um cristianismo autêntico”, São Paulo, Editora Vera Cruz, 1971, apud “Recueil de documents du Coetus Internationalis Patrum pour servir a l’histoire du Concile Vatican II“, Philippe Roy-Lysencourt, Institut d’Études du Christianisme, Strasbourg, 2019, págs. 1192-1193).