Jornalista do “Financial Times” e colaborador do “The Tablet” (ambos de Londres) entrevista Prof. Plinio

Sede do Conselho Nacional da TFP brasileira, Rua Maranhão, Higienópolis (SP), 12 de outubro de 1976

Entrevista com o jornalista Hugh O’Shrwshgni,  do “Financial Times”, e também colaborador do “The Tablet” (ambos de Londres – cfr. “Meio século de epopéia anticomunista”, Editora Vera Cruz, São Paulo, 1980, pag. 186)

 

 

 

Plinio Corrêa de Oliveira (PCO) – …nós começamos a lutar contra essa infiltração por meio de denúncias às autoridades eclesiásticas, etc., etc. Mas notamos que a infiltração se fazia cada vez mais intensa e que a autoridade eclesiástica não só se desinteressava com as denúncias que nós fazíamos, mas algumas autoridades eclesiásticas até davam apoio a essa infiltração.

Então nós nos organizamos não mais como uma associação católica, mas uma associação civil de inspiração católica. E portanto, pelo Direito Canônico,  [constitui] uma associação que não fica sob a direção da autoridade eclesiástica. Ela é inspirada pela doutrina católica, mas não fica sob a direção da autoridade eclesiástica.

E começamos a combater especificamente esse comunismo crescente dentro da Igreja Católica.

Agora por que isso?

Porque nos pareceu que a Igreja Católica tem uma tal influência no Brasil que ela tem de tal maneira a maioria dos católicos brasileiros, que se a Igreja Católica seguisse para a esquerda do Brasil inteiro iria para esquerda, e se a Igreja Católica não fosse para a esquerda, o Brasil não iria para a esquerda. E que era preciso, portanto, defender a Igreja e o Brasil contra a influência esquerdista e comunista combatendo como católicos.

Naturalmente essa orientação desagradou muito a grande parte do elemento católico, cada vez mais infiltrado.

Nós chegamos a fazer numa ocasião um abaixo-assinado a Paulo VI pedindo medidas contra a infiltração comunista na Igreja, que teve em 60 dias de campanha dois milhões de assinaturas. Foi o maior abaixo-assinado que houve na história do Brasil.

Esse abaixo-assinado foi entregue pessoalmente no Vaticano. Não tivemos resposta.

O Sr. compreende, portanto, o choque é grande.

Agora, o que é que significa esse choque? Significa um choque com uma boa parte do clero. Não com todo o clero, porque uma boa parte do clero se mantêm em silêncio, não é a favor do comunismo.

E dos leigos alguns são contra nós, outros são a nosso favor mas a maioria fica indecisa. Mas a indecisão já é um meio resultado – não é um resultado inteiro – mas um meio resultado apreciável. Porque quem está indeciso não anda. E quem não anda não sai do lugar onde está. E portanto a derrapagem para a esquerda não se faz em setores enormes por causa de nós levantarmos a voz.

Por exemplo, esse livro que o Sr. está vendo aqui [“A Igreja ante a escalada da ameaça comunista – Apelo aos Bispos Silenciosos / A Igreja do Silêncio no Chile – A TFP andina proclama a verdade inteira”, Plinio Corrêa de Oliveira, 1ª. Edição – junho de 1976, Editora Vera Cruz, São Paulo, composto na Artpress – Papéis e Artes Gráficas Ltda., São Paulo] já teve vinte mil exemplares de tiragem. Para o Brasil é muito!

(JL: Em poucas semanas de lançamento.)

Em poucas semanas de lançamento. Quem compra esse livro? São os católicos. Às vezes o padre da Igreja fala contra o livro e nós vendemos do lado de fora, e os fiéis compram amavelmente.

Hugh O’Shrwshgni (H.O.) – Qual é a sua razão de acreditar que o seu caminho é o caminho mais indicado para a Igreja, [e não] as novas inspirações da Igreja no espírito de d. Helder Câmara, do cardeal de Santiago [do Chile, Card. Silva Henriquez]? Qual a razão de acreditar que o seu caminho é o mais apropriado para a Igreja?

PCO – Eu compreendo bem a pergunta. É a seguinte: nós, católicos, somos todos firmemente persuadidos do dogma da infalibilidade papal. Agora, a infalibilidade papal não se manifesta só pelos documentos dos papas, documentos expressos, dogmáticos, mas manifesta-se também pelo seguinte, isso é  opinião comum de todos os teólogos católicos: quando uma longa continuidade de papas ensinou uma matéria do mesmo modo, ainda que não com o caráter de definição dogmática em cada papa a continuidade corporifica isto como dogma.

Tudo aquilo que defendemos contra os católicos esquerdistas são doutrinas afirmadas como dogma expresso ou corporificada, condensadas por assim dizer como dogmas pela longa continuidade dos pontifícios anteriores. Logo, qualquer modificação não pode ser aceita.

H. O. – Mas se a modificação seja manifestada, como foram manifestadas muitas modificações no II Concílio Vaticano, como é que os Srs. vêem as modificações feitas no Concílio Vaticano?

PCO – A sua pergunta, para eu responder, é um pouco genérica demais pelo seguinte: o Sr. pergunta “os Srs.”, portanto a nossa Sociedade. A Sociedade sendo uma Sociedade civil não pode tomar posição perante matérias não civis. De maneira que matérias estritamente eclesiásticas como a questão da Missa nós não podemos tomar uma posição. Precisaríamos fundar uma sociedade religiosa, que não fundamos, para tomar posição sobre a questão da Missa.

Sobre a questão da propriedade, da família e da tradição nós não encontramos no Concílio um choque. Sobre as outras matérias eu intencionalmente não me pronuncio, embora eu possa ter a minha opinião pessoal formada; o Dr. [Adolpho]  Lindenberg, a dele; Dr. Araújo, a dele. Mas é matéria que não entramos porque arrastaríamos a Sociedade conosco. Esta é uma Sociedade civil de inspiração religiosa, não é uma Sociedade religiosa.

H. O. – Mas o Sr. deve ter uma opinião sobre as quedas de várias tradições que ocorreram no II Concílio Vaticano.

PCO – Ah! Ah! É verdade. A pergunta está muito inteligentemente feita. Mas acontece o seguinte, é que quando se trata de tradições meramente eclesiásticas, nossa Sociedade, que é civil, sobre elas não se pronuncia.

H. O. – Hum… hum…

PCO – Nosso campo é, no que se chama na doutrina católica, a sociedade temporal. Há uma diferença entre a sociedade espiritual, a Igreja. E a sociedade temporal é o Estado – para simplificar um pouco as noções. E o nosso campo é a sociedade temporal.

H.O. –  Mas os membros dessa Sociedade todos são católicos?

PCO – Ah, sim! Muitos deles convertidos; eram de outras religiões: budistas, ateus, protestantes, cismáticos; mas são todos católicos.

H.O. – Como o Sr. encara a ação tomada pelo Cardeal de Santiago quando ele excomungou os autores do livro que tem aparecido [publicado] “A Igreja do Silêncio [no Chile]”?

PCO – O Sr. é bem informado. Corresponde bem ao que eu li no seu excelente artigo. Ah! Ah!

H.O. – O Sr., que é o líder desse movimento, considera como excomungado?

PCO – Eu não, porque as TFPs são independentes. A pergunta deveria ser feita ao presidente da TFP chilena. E eu posso lhe dizer qual é a opinião dele, porque ele publicou.

(Sr. JL: Cada TFP nacional tem sua diretoria própria)

PCO – É. Cada TFP é independente da outra.

A TFP chilena protestou declarando a excomunhão inválida porque não tem nenhum fundamento. E de fato todos os membros da TFP chilena continuam a receber os sacramentos nas igrejas de Santiago. Houve 25 Padres chilenos que fizeram um Manifesto do lado da TFP chilena e continuam a celebrar a Missa, distribuir sacramentos, etc. Esse é o fato concreto e público.

Estou dizendo [isto] para o Sr. publicar.

H.O. – Certo! Certo! Mas eu acho que o cardeal excomungou formalmente os autores.

(Sr. JL: Não. Ele declarou uma entrevista à impressa ele declarou que ele achava que os membros autores não faziam mais parte da Igreja.)

PCO – É o que se chama em Direito Canônico excomunhão “latae sententiae”, uma excomunhão automática. Não foi dada por ele, mas ele declarou que pelo Direito Canônico estavam excomungados.

Os rapazes da TFP, interpretando o Direito Canônico, declaram que não estavam excomungados, 25 sacerdotes saíram a público solidarizando-se com os rapazes; e o Cardeal não os tratou como excomungados, porque ao excomungando a gente nega o direito de receber os Sacramentos, notadamente a Comunhão. Eles continuam a receber os Sacramentos.

O Sr. aceita wíske ou chá? Chá inglês.

H.O. – Ah! Ótimo!

PCO – English tea! (sorrisos) E você Adolphinho?

(Dr. AL – Chá)

PCO – E você JL?

(JL – Chá)

PCO – Pois não.

H.O. – É tão bem certo que o livro não agradou ao Sr. Cardeal [de Santiago do Chile]?

PCO – Isso é bem certo. O Sr. chegou a folhear o livro?

H.O. – Não, ainda  não.

PCO – Quando o Sr. folhear, o Sr. verá que é impossível que tenha agradado, porque denuncia a ele como comunista, como pro-comunista.

H.O. – O Sr. opina também que é pro-comunista?

PCO – Pró-comunista.

(Dr. AL – Fotografias dele com o Fídel Castro [publicadas no livro]…)

PCO – Quer dizer, nós não entramos na análise do foro íntimo dele, do que ele pensa. Nós dissemos que a política que ele segue é uma política que promoveu  a ascensão de Allende, contribuiu para manter Allende, está tratando de reaglutinar os antigos partidários de Allende, que ele colabora com essas coisas.

(Sr. JL: Tudo isso baseado com 200 documentos, declarações do próprio Cardeal, de ajudantes dele, etc., tudo baseado em documentação fartíssima.)

H.O. – Ah… Ah… Então volvendo à TFP chilena independente, voltando ao cenário nacional. A sua opinião sobre as correntes que se manifestam na arquidiocese de Olinda, as correntes que se manifestam na diocese de São Félix [do Araguaia], as que se manifestam na Ordem Dominicana, as coisas que se manifestam sobre sacerdotes operários.

 PCO – Os sacerdotes operários é um pouco genérico demais para lançar uma opinião. Nós não temos propriamente aqui um movimento de sacerdotes operários, “prêtres ouvriers” no sistema francês. Há  um outro que se dedica a isso, mas não há um movimento.

Agora, minha opinião é que o bispo de São Felix do Araguaia de que o Sr. fala, tem poesias e tem um livro de doutrina que favorecem a subversão.

(Sr. JL: No livro do Doutor Plínio ele analisa precisamente esse livro.)

PCO – Agora, de outro lado também d. Hélder Câmara é indiscutivelmente o líder avançadíssimo do esquerdismo católico no Brasil. E como tal a atuação dele favorece muito a expansão do comunismo.

O Sr. veja bem: há duas coisas que eu não estou afirmando. Eu não estou afirmando que ele no seu foro interior seja comunista; eu não estou afirmando que ele faça uma campanha direta e oficialmente comunista. Eu estou afirmando que o conjunto da atuação dele orienta setores católicos para se tornarem vítimas fáceis da propaganda comunista; ele encaminha para posições ideológicas onde os católicos ficam facilmente acessíveis à campanha comunista.

H.O. – O que é que a Sociedade quer que fora feita com a atuação dele? A Sociedade precisa uma troca de linha, uma troca de idéias por parte de d. Helder?

PCO – Nós temos muitas vezes publicado livros e trabalhos com nossa doutrina e temos feito propaganda disso em várias partes do Brasil, inclusive na arquidiocese de Olinda e Recife, que é de Dom Hélder, e várias vezes temos oferecido diálogo a todos os católicos brasileiros que queiram conversar conosco. Dom Hélder nunca se manifestou interessado nesse diálogo.

(Dr. Adolpho Lindenberg: Ele nunca respondeu aos nossos manifestos.)

(JL – Interpelações que lhe foram feitas, não responde….)

H.O. – O seu apoio episcopal é normalmente feito pelo Sr. Bispo de Campos?

PCO – O apoio ostensivo, claro, etc., é do bispo de Campos, Dom Antônio de Castro Mayer.

Publicando esse livro aqui eu mandei a um grande número de bispos, porque o livro contem um apelo aos Bispos que não se tem prenunciado, que se pronunciem, e recebi um certo número de cartas de bispos simpáticos ao livro, que eu não quis publicar porque me pareceu que era bom ter uma autorização expressa que eu ainda não pedi.

H.O. – Qual foi o número de cartas [recebidas]?

PCO – Eu prefiro me calar a esse respeito.

H.O. – O Sr. recebeu uma carta favorável de Dom Sigaud?

PCO – Não. Eu acho que não mandei livro a ele; mas não recebi carta favorável.

H.O. – Dom Sigaud foi muitas vezes identificado com o seu Movimento…

PCO – Foi identificado com o nosso Movimento.

H.O. – Ele está no Movimento?

PCO – No Movimento não entram padres. Ele não foi membro do Movimento. Mas ele foi um apoio do movimento, como foi Dom Mayer, como é Dom Mayer.

H.O. – Certo. Dom Sigaud no momento é simpatizante do Movimento?

PCO – Não creio. Eu não o considero um adversário do Movimento, mas não tenho razão para achar que seja um simpatizante. Eu acho que ele está em desacordo  com algumas coisas e de acordo com outras.

H.O. – Pode dizer quais as coisas?

PCO – A razão de nossa separação foi a Reforma Agrária. Dom Sigaud publicou junto conosco um livro sobre a Reforma Agrária no Brasil, em 1962 [Reforma Agrária – Questão de Consciência]. Algum tempo depois, talvez uns 7 anos depois, ele começou a mudar no modo de considerar o problema da Reforma Agrária….

Quando ele começou a se pronunciar publicamente de um modo diverso sobre a Reforma Agrária, nós pedimos um diálogo a ele, e ele manteve a posição dele, inovada. Então nós explicamos a ele que não poderíamos continuar a trabalhar juntos de um modo irrestrito como antes trabalhávamos. Se, se apresentasse alguma circunstância que pudéssemos trabalhar juntos, sim; mas não de um modo irrestrito como antes trabalhávamos.

H.O. – A Sociedade tem alguma ligação, amizade com a Sociedade Opus Dei?

PCO – Não.

H.O. – Como vê a relação, se há relação entre o seu Movimento e a Opus Dei?

PCO – Eu vejo como qualquer outra ordem religiosa da Igreja Católica; eu não me sinto nem mais próximo nem mais distante do que de qualquer outra ordem religiosa católica.

Por que o Sr. me faz essa pergunta, especialmente sobre a Opus Deis? O Sr. vê alguma semelhança, alguma coisa desta Sociedade com a Opus Deis?

H.O. – Eu acho que talvez em alguma oportunidade podem condividir parte de suas idéias, não uma coisa muito estreita mas um toque de…

PCO – É possível. Eles existem aqui no Brasil, nunca tivemos atrito, também não temos relações especiais.

H.O. – Se pode algum membro do seu Movimento ser também membro da Opus Dei?

PCO – Em princípio sim, em princípio sim, de nossa parte. Não sei eles como veriam.

H.O. – (risos)

PCO – Não perguntei a eles.

H.O. – O seu Movimento recebeu críticas de que se considera um Movimento elitista?

PCO – O que é que o Sr. chama “elitista”? Como classe social?

H.O. – Classe social.

PCO – Não. É o contrário. O nosso Movimento começou aqui em São Paulo algum tanto elitista, quando éramos ainda no começo, pouco numerosos, etc., a maioria nossa era da sociedade mais antiga, mais de elite de São Paulo. Mas à medida que foi se dilatando, foi-se espalhando por todas as classes socais. E hoje a elite é uma minoria entre nós. Eu não digo isso nem com vergonha nem orgulho, é um fato comum. Não tenho nem orgulho nem vergonha disso.

H.O. – Mas se pode dizer que a maioria do povo brasileiro é de classe operária?

PCO – É, em todos os povos são; a maioria é operária.

H.O. – Acha que talvez os membros são em maioria gente de classe média?

PCO – É, mas não é uma classe média qualquer. Os jovens que entram hoje para a TFP – porque os jovens são muito mais numerosos do que os homens, por exemplo, de 40, 50 ou 60 anos, que são minoria;  80% dos nossos são muito jovens – esses jovens em geral pertencem a uma forma de pequena burguesia recém oriunda do operário.

H.O. – Pode explicar esse fenômeno?

PCO – Tem sido tentadas várias explicações. Eu não acho nenhuma delas inteiramente convincente. O fato positivo é o seguinte: é que a classe que mais nos dá apoio, compra os nossos livros, aplaudem, não é só essa, é também da pequena burguesia, com várias gerações de burguesia, e da média burguesia.

(Sr. JL: O operariado também, não.)

PCO – Dá muito apoio, mas acompanham menos. A  pequena burguesia antiga, a burguesia média são as classes aonde a nossa propaganda é mais recebida, etc.

Na alta burguesia, na elite – se o Sr. quiser chamar de elite a alta burguesia – na alta burguesia nós temos muitas amizades, mas não é a classe onde somos mais aplaudidos.

(Dr. AL – O maior apoio nosso é  na pequena burguesia.)

PCO – É. Pequena e média.

(Dr. AL – Outra coisa, a pequena burguesia é a parte       que lê, ao passo que operariado lê muito pouco, tem pouco acesso a livros e a pequena burguesia pelo contrário hoje em dia está subindo)

H.O. – As fontes financeiras do Movimento provêm da pequena burguesia?

PCO – Não. Um pouco de toda parte. Uma boa parte de nossos financiamentos vem de donativos pequenos e médios colhidos em várias classes sociais. Alguns são grandes doadores – aqui está um. O Dr. Adolpho Lindenberg deu o nome dele e é diretor da CAL, essa companhia de engenharia que o Sr. deve ter visto aí. O sócio dele, Dr. Plínio Vidigal Xavier da Silveira, outros elementos da CAL ainda, e outros ainda são homens que tem bastante haveres; não são nababos, ao menos que eu saiba… (risos)

(Dr. AL – Quando se vendem livros muitas vezes e os jornais, a população contribuiu com donativos. Por exemplo, o jornal, existe assinatura comum, assinatura de grande benfeitor, que são um modo da população contribuir. Hoje em dia as colaborações populares são maiores do que dos donativos individuais.

(Sr. JL: Se recebe um grande número de pequenas doações de pessoas que mandam.)

(Dr. AL – No começo os doadores eram pouco. Hoje em dia pode se dizer que é milhares.)

PCO – Para o Sr. ter idéia da simpatia do povo para com a TFP, coisa que o Sr. não terá idéia se o Sr. freqüentar certos meios da burguesia e do clero aqui, hein? O Sr. terá a idéia da TFP a Sociedade detestada. Mas eu lhe dou um exemplo que é característico.

O Sr. sabe que nós temos caravanas de automóvel, peruas Volkswagem percorrendo o Brasil inteiro de propaganda. Por quase toda parte onde eles vão, eles recebem alimentação, hospedagem, gasolina e conserto mecânico gratuito no lugar.

Quando um homem contemporâneo dá um donativo ele dá muito mais do que um voto.

H.O. – Certo, certo.

PCO – Aliás, eu convido o Sr., quando estivermos acabado de conversar, se o Sr. quiser descer com o Dr. Adolpho Lindenberg e Sr. JL – porque aqui é uma sede social – na nossa sede administrativa, para nos dar o gosto de ver um pouquinho nos nossos serviços, nossa propaganda, nosso Serviço de Imprensa. Por exemplo, nós temos correspondentes em mais de 400 cidades brasileiras. Nós temos serviço de rádio, de notícias para 300 rádios ou televisões do Brasil.

Vale a pena o Sr. examinar tudo isso e formar uma opinião pessoal.

H.O. – Certo, certo. O que se diz da crítica de que o Movimento é antifeminista?

PCO – É simplesmente um disparate.

H.O. – Tem membros de ambos os sexos?.

PCO – Não. Nós temos até muita colaboração feminina. Há grupos de moças, senhoras que se organizam extra-TFP, para nos prestar apoio e prestam muito apoio.

Dos correspondentes, que não são membros da TFP, são amigos da TFP, uma grande maioria é de senhoras, apenas não entram na sociedade.

H.O. – E por que?

PCO – Porque nós estamos sempre fazendo um tipo de propaganda que pode ser objeto de uma agressão comunista a qualquer momento, como já temos sido, e não nos parece prudente receber senhoras para isso.

H.O. – As senhoras querem entrar?

PCO – Quer dizer, algumas batem às portas. Nenhuma nunca tentou arrombar. (risos) Quer dizer, querem  entrar numa atitude de simpatia, não de uma atitude de contestação quando não entram.

H.O. – Eu acho que no Brasil a atividade hostil, ativa do comunismo é pouca; não há o perigo da luta armada, que há em Paris e em Roma.

(Dr. AL – Agora não, mas antes da Revolução havia.)

PCO – Não, mas mesmo agora é preciso tomar cuidado. Se o Sr. vai se reportar às declarações  dos mais bem informados que são as nossas autoridades militares, eu tenho todo um fascículo de generais brasileiros, que, em várias solenidades, etc. – só no ano passado, hein! – alertando o povo brasileiro sobre o perigo da expansão comunista no Brasil.

Agora, o Sr. precisa considerar o seguinte: que nós somos um povo latino. Um povo portanto com psicologia diferente dos povos nórdicos. Esses perigos entre nós podem ser pequenos em determinado momento e tomar rapidamente vulto, por causa da psicologia do latino, sobretudo quando é latino tropical, como é o brasileiro. De maneira que não se pode, por exemplo, dizer que não há um perigo comunista no Brasil pelas mesmas razões que não há um perigo comunista na Inglaterra, aonde o PC é muito numeroso e a população não é absorvível pelo comunismo.

No Brasil a psicologia é tal que em determinado momento é possível que o comunismo constitua um perigo eminente.

Nós sistematicamente, quando fazemos campanhas, sofremos agressões ou ameaças de agressões da parte da extrema esquerda.

(Sr. JL: Agitadores… tanto que os colaboradores da TFP são treinados em karatê para autodefesa, em caso de ataque.)

H.O. – É certo que em algum momento a TFP tenha fundado alguma milícia, alguma coisa ou bando armado para defesa de qualquer tipo?

PCO – Isso foi dito recentemente, há um ano atrás mais ou menos, contra nós. E eu fiz um desafio pelos jornais, que qualquer pessoa que tivesse a menor prova ou indício disso, publicasse. E em nenhum jornal do Brasil saiu publicado um só indício a respeito. Porque não é verdade.

H.O. – Não é verdade?

PCO – Não é verdade.

(Dr. AL – Mesmo antes da Revolução de 64, quando muitos movimentos estavam armados, nós, mesmo naquela época, não tínhamos movimento armado)

(Sr. JL: Tanto que esse desafio que o Professor Plínio fez silenciou a crítica; não disseram nada).

H.O. – Entram pessoas casadas no Movimento? Qual é a proporção entre as pessoas casadas e não casadas?

PCO – Eu nunca fiz um cálculo aritmético, mas é bem maior dos não casados. Isso por uma razão simples. É que a nossa luta exige uma tal absorção, dia e noite, de atividade de atenção etc., que não é qualquer um que pode ao mesmo tempo desempenhar bem os encargos de família e dedicar-se à TFP de corpo e alma como nós dedicamos – e como o Sr. verá daqui a pouco quando visitar o nosso secretariado, o Sr. verá o trabalho enorme que a TFP faz.

(Sr. JL: Além do que um grande número de elementos jovens no movimento).

PCO – Sim, a maioria jovem, não tendo idade para se casar.

H.O. – Para terminar…

PCO – Eu estou sem pressa.

H.O. – (risos)

PCO – E estou achando o interrogatório muito interessante.

H.O. – Para passar do cenário nacional para o latino americano, o Sr. vê com esperança o movimento que se baseia no Brasil, no Chile, na Argentina, no Uruguai, espécie de bloco ideológico que se é formado?

(Sr. JL: Ele pergunta se o Sr. vê com simpatia esse movimento que se esboçou no Chile  de formar um bloco anticomunista no Chile, Uruguai, Argentina e Brasil.)

PCO – Em princípio sim. O problema envolve uma porção de aspectos que eu não tive tempo de estudar a fundo. Mas o princípio de um mútuo apoio das nações contra um adversário comum não pode deixar de ser bem-visto, em princípio. Agora, há mil implicações práticas e concretas  que transbordam muito das finalidades da Sociedade. Aí eu não conheço bem.

H.O. – O Sr. viu com gosto o comentário feito pelo Arcebispo Lefèbvre sobre o desenvolvimento da política Argentina?

PCO – Como presidente da TFP brasileira eu preciso ser muito cuidadoso em não me manifestar sobre o que acontece em outros países onde tem TFP. Essa é a pergunta que o Sr. deveria fazer ao presidente da TFP argentina, que saiu ontem daqui. Até ontem estava de visita por aqui. Compete a ele falar dos problemas da terra dele.

H.O. – O Sr. pessoalmente, o Movimento, tem manifestado alguma opinião sobre o Arcebispo Lefèbvre? É também muito tradicionalista…

PCO – É verdade. Ele atua na esfera estritamente eclesiástica, nós atuamos na esfera temporal.

H.O. – Mas o Sr. tem também interesse em manter a tradição por onde seja…

PCO – Em princípio, a tradição é boa para toda a sociedade, inclusive para uma sociedade particular. Portanto também é boa para a Igreja. Agora, daí a dizermos que nós somos solidários ou não somos solidários ao Mons. Lefèbvre há uma distância. Essa distância eu, como Presidente de uma entidade civil, não posso transpor.

H.O. – Seus membros pedem a sua opinião, a sua orientação sobre a atitude a assumir frente a Dom Lefèbvre?

PCO – Não dizemos nada por essa razão.

H.O. – Eles teriam a liberdade então a se opor a Dom Lefèbvre ou de trabalhar com ele?

PCO – Sim, é outro campo, é outro campo. Os membros da TFP em matéria estranha à atividade da Sociedade, procedem como quiser. Por exemplo em matéria político-partidária. Os membros da TFP votam em quem quiser; eu não vou tomar conhecimento em quem eles votam, porque  a matéria é político-partidário e não tem nada a ver conosco. Assim também assunto Monsenhor Lefèbvre.

(Dr. AL – Existem dezenas de outros problemas dentro da Igreja que nós nem entramos.)

PCO – É claro. Problemas na Igreja há 100 problemas, é uma sociedade imensa. Nós não nos pronunciamos.

É preciso ver bem. A TFP é uma sociedade que tem uma faixa de ação definida: Tradição, Família e Propriedade. Fora disso, nós não podemos nos pronunciar.

H.O. – Quais são as suas bases para assumir a defesa da propriedade por toda a vida histórica da Igreja?

PCO – Por exemplo, a Igreja afirmou o princípio de propriedade privada já antes mesmo de ela nascer. Quer dizer, a sinagoga, que antecedeu a Igreja, afirmava o princípio da propriedade em dois mandamentos da Lei de Deus: não furtar e nem sequer cobiçar os bens alheios. Durante todo o período pré-messiânico, o povo eleito vivia num regime de propriedade privada. Depois, no começo da Igreja houve um período em que com freqüência os católicos davam os seus bens para a Igreja e viviam dos donativos que faziam. E era uma espécie de propriedade comum, da qual o episódio de Ananias e Safira dá bem a notícia. Há muito outros documentos sobre isso.

Mas está inteiramente provado que isto…. [vira a fita] das ordens religiosas. Eram como se fossem ordens religiosas, como há hoje na Igreja, onde não há propriedade do indivíduo, mas a da Ordem. Mas isso se prestou  a abusos, e mesmo isso desapareceu na Igreja. A propriedade comum só começou a reaparecer na Igreja quando apareceram as ordens religiosas.

Agora, ininterruptamente até hoje a Igreja sempre afirmou a propriedade privada como sendo um corolário da pessoa humana, portanto de direito natural – a própria lei da natureza firma a propriedade privada.

Leão XIII tem uma encíclica célebre sobre esse assunto que justifica inteiramente a propriedade privada.

H.O. – O Sr. como vê o movimento da parte latina da Igreja pedindo um clero casado como tem nos ritos orientais da Igreja?

PCO – Aqui é, por exemplo, mais uma vez um fato eclesiástico.

Se o Sr. me perguntar se eu sou a favor do divórcio, que é um fato civil, eu direi que não. Se eu sou contra o celibato eclesiástico, eu direi que sou a favor. Se o Sr. me perguntar se eu, qual é a minha opinião sobre o casamento dos padres, eu, como presidente da TFP, não me pronuncio – é um fato eclesiástico.

H.O. – Como indivíduo?

PCO – Enquanto eu for Presidente da TFP, eu me abstenho de pronunciamento como indivíduo que possa envolver a Sociedade.

H.O. – O Sr. concorda com a idéia de que a corrente atual, majoritária da Igreja é uma corrente que dá importância ao tema da justiça social?

PCO – Sim. Eu sou favorável à justiça social. Agora, é preciso saber o que é justiça social.

H.O. – Segundo como foi elaborado no II Concílio?

PCO – O Concílio Vaticano II não dá uma definição completa e exaustiva do que é justiça social. Justiça social acaba sendo o seguinte: o tomar em consideração na justiça não apenas os direitos estritos de um indivíduo ou de outro, mas o fato de que toda a criatura humana, enquanto criatura, tem determinados direitos que as meras relações jurídicas não podem eliminar. Isso é a projeção do direito natural que todo homem tem, e que atenua o rigor de certas leis, o rigor de certas convenções.

Nesse sentido, é um efeito da justiça social que o salário não possa ser apenas o salário pactuado entre o proprietário e o trabalhador livremente, mas que ele tem que atende três condições: ele precisa ser um salário mínimo, para dar o conveniente para o operário viver como homem e viver dignamente; tem que ser um salário justo, quer dizer, se o seu trabalho vale mais do que esse mínimo ele deve ser pago de acordo com o que vai a mais; e terceiro, deve ser um salário familiar, de maneira a permitir a manutenção da mulher, vivendo em casa, e dos filhos, até a idade que possam formados para trabalharam também.

Isso é uma projeção dos princípios da justiça social no terreno dos salários.

Isso eu estou inteiramente de acordo. Já foi definido por Pio XI, Pio XII, eu estou inteiramente de acordo.

Nesse nosso trabalho chamado “Declaração do Morro Alto”, o nosso trabalho sobre a Reforma Agrária nós afirmamos isso. Mais ainda, a participação dos operários nos lucros ou na direção da empresa é uma participação que nós consideramos, em muitas circunstâncias desejável. Agora, aqui sim nós temos uma restrição. Achamos que não pode ser imposta pelo Estado. Ela deve nascer de condições naturais. Às vezes ela é desejável, às vezes ela não o é.

H.O. – Se fala muito aqui, se tem comentado o caso do Bispo de Nova Iguaçu?

PCO – Publicamos um comunicado sobre o assunto. Se o Sr. não tiver, o Dr. Corrêa pode dar ao Sr.

H.O. – Se há comentado aqui vários atentados com bombas contra centros e pessoas. O Sr. quer dar um comentário sobre os ataques com bombas que há produzido aqui no Rio, ultimamente, que é um assunto puramente civil?

PCO – Pois não. Eu acho que são altamente censuráveis, altamente censuráveis. Não tem nenhuma justificativa possível. São atos de violência, ilegais. Quando são praticados contra uma pessoa como um bispo, eles são sacrílegos; e portanto tem toda a minha reprovação. Eu acho tão reprováveis que eu acho que esses atos trazem muito mais vantagem para a esquerda do que para a direita. A tal ponto que a tal Aliança Anticomunista Brasileira – eu às vezes me pergunto se ela existe; não sei se ela existe – eu me pergunto para quem é que ela trabalha. Porque o resultado dos atentados dela é sistematicamente favorável à esquerda e não à direita, causam uma indignação da qual eu participo. Você participa, você participa, todo mundo.

(Dr. AL – É o melhor meio de jogar a opinião pública a favor deles.)

PCO – Veja por exemplo esse atentado contra o bispos de Nova Iguaçu. Esse atentado o que a causa da luta contra o comunismo teria ganho se o bispo da Nova Iguaçu, que Deus me livre, tivesse sido morto? Não teria ganho nada, porque viria um outro, era fácil encontrar um outro com as mesmas idéias e por lá.

Agora, quanto desmoralizou junto a alguns setores a reação anticomunista? “Desmoralizou” não é uma expressão boa; prejudicou setores anticomunistas. Portanto eu constato um fato concreto: é que essa aliança anticomunista brasileira, se ela existe os atentados que ela pratica são favoráveis, são vantajosos à causa do comunismo.

H.O. – O Sr. quer também comentar os ataques contra as pessoas semi-socialistas, favoraváveis a semi-socialistas como o Lettelier.

PCO – É a mesmo coisa. É um crime.

H.O. – …ao general Prates, ao  Leigton.

PCO – São contra todos. Esses processos de violências não são os nossos.

(Sr. JL: O mesmo comentário que o Sr. fez se aplica aí: a quem aproveita esses crimes).

PCO – Qual é a vantagem que a causa anticomunista no Chile ganhou com a morte de Lettelier? O que me dizem os meus amigos chilenos é que não ganhou nada, só perdeu. Eu não quero ir além disso. Eu constato o fato, o fato é esse.

H.O. – O Sr. tem uma idéia de combater as correntes socialistas e comunistas chilenos aqui no hemisfério? Qual seria sua tática?

PCO – É o que nós fazemos. Nós sustentamos que essas correntes progridem sobretudo por meio de táticas veladas, passando de cripto-comunistas, para-comunistas, e que é preciso denunciar essas táticas no território ideológico, com franqueza, sobretudo quando desenvolvida dentro da Igreja. Isso nós fazemos: nossos livros, nossa atuação pública, os jornais que vendemos, etc., etc., são nesse sentido.

H.O. – Algum ponto que eu não toquei e que o Sr. considera de interesse?

PCO – Eu acho que o Sr. tocou em todos os pontos que me pareceriam interessantes.

Um talvez. Eu vejo que o Sr. teve a boa orientação de se informar muito sobre a TFP antes de nos visitar. É impossível que o Sr. não tenha ouvido dizer que nós tínhamos qualquer coisa de influência fascista ou nazista.

É uma coisa tão estúpida que eu vejo que se o Sr. ouviu dizer foi bastante inteligente para não perguntar. Mas eu posso dar ao Sr. uma resposta, uma informação talvez interessante.

No tempo em que o fascismo e o nazismo estavam no auge eu dirigia aqui em São Paulo o órgão oficial da Arquidiocese de São Paulo chamado o “Legionário”. A sessão de comentários de política exterior era feita pelo Dr. Adolpho Lindenberg, muito jovem naquele tempo, mas fazia uma boa coluna de comentário do exterior. E o nosso jornal era categórica  e energicamente contrário ao fascismo e ao nazismo.

(Dr. AL – Do mesmo modo que nós somos contrário ao comunismo hoje naquele tempo éramos contra o nazismo, porque a influência fascista no clero era muito grande; o clero aqui era grande parte espanhol e italiano. Do mesmo modo que hoje em dia existe um clero esquerdista naquele tempo havia um clero fascista. Essa mesma luta que nós temos hoje tivemos….. )

De maneira que nós fomos acusados de nazistas, fascistas, também no ano passado, e eu fiz essa interpelação: querendo eu tenho uma coleção completa desse órgão da arquidiocese, do tempo em que eu dirigia; venham visitar para ver que eu mostro.

H.O. – Que me diz da opinião e do muito citado Cardeal de Santiago, de que o regime chileno atual é um governo nazificante?

PCO – Os meus amigos da TFP chilena me dizem que acham a expressão falsa. Elas acham que o governo é um governo autoritário por causa das condições criadas pelo Cardeal de Santiago e outros, mas que o governo em si não é nazificante, é o que eles me dizem; aliás, é o que eles escrevem no livro deles.

H.O. – O Sr. aceita mais a palavra deles?

PCO – Eu aceito como inteiramente veraz a palavra deles.

H.O. – Ótimo! Eu agradeço o seu tempo…

PCO – Não Sr! O Sr. é que tomou um tempo, um meritório esforço. Me espanta ver como tanta coisa cabe na sua cabeça! Porque entrevistas o Sr. deve fazer em quantidades. O Sr. é especializado para a América do Sul do “Financial Times”?

H.O. – Eu teria idéia de não escrever no “Financial”, porque não interessa tanto ao “Financial”, mas sim para o “Tablet”.

PCO – Que é o jornal católico inglês.

H.O. – Sim.

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