Santo do Dia, sábado, 4 de março de 1989
A D V E R T Ê N C I A
O presente texto é adaptação de transcrição de gravação de conferência do Prof. Plinio Corrêa de Oliveira a sócios e cooperadores da TFP, mantendo portanto o estilo verbal, e não foi revisto pelo autor.
Se o Prof. Plinio Corrêa de Oliveira estivesse entre nós, certamente pediria que se colocasse explícita menção a sua filial disposição de retificar qualquer discrepância em relação ao Magistério da Igreja. É o que fazemos aqui constar, com suas próprias palavras, como homenagem a tão belo e constante estado de espírito:
“Católico apostólico romano, o autor deste texto se submete com filial ardor ao ensinamento tradicional da Santa Igreja. Se, no entanto, por lapso, algo nele ocorra que não esteja conforme àquele ensinamento, desde já e categoricamente o rejeita”.
As palavras “Revolução” e “Contra-Revolução”, são aqui empregadas no sentido que lhes dá o Prof. Plínio Corrêa de Oliveira em seu livro “Revolução e Contra-Revolução“, cuja primeira edição foi publicada no Nº 100 de “Catolicismo”, em abril de 1959.
Na última reunião eu estava expondo fatos de minha vida, até o momento da queda do integralismo. Ia dar um balanço em que então me encontrava, com referência ás possibilidades de desenvolver um apostolado frutuoso. Quais eram positivos e quais os negativos. Como estava o projeto de Ordem de Cavalaria, que era o centro de tudo. Era o centro de tudo, não como um fim em si, mas como instrumento máximo – mais idôneo e mais eficaz – para conseguir o que eu queria: a Contra-Revolução.
* Meios de ação eficazes que tinha em mãos
Explicava eu que, desaparecido esse adversário, um certo número eficaz de meios de ação restavam-me nas mãos. Iria tratar exatamente desses meios de ação.
O primeiro desses meios era o “Legionário”. Podia ser considerado debaixo de dois pontos de vista. Em primeiro lugar, como publicação. Em segundo lugar, como meio de recrutamento de elementos para o Grupo.
* “Legionário” como publicação
Vamos tratar do “Legionário” como publicação. A título de curiosidade, quantos dos senhores já viram um número desse jornal, levantem o braço, para eu ter idéia… Sobre o “Catolicismo”, que está vivo entre nós, graças a Deus, não tenho nada de especial a dizer. Mas, no que se refere ao “Legionário”, que era o que publicávamos naquele tempo, e que, portanto, tem mais relação com a história desse tempo, era um jornalzinho, a respeito de cuja influência ou maneira de ação eu tive muitos esclarecimentos analisando um jornal chamado “Sept”, quinzenário francês mais ou menos com tantas páginas quanto o “Legionário”.
* Sept, jornal que inspirou o “Legionário”
Era organizado de um modo muito vivo, com uma paginação muito atraente, tratando de temas muito atuais. Por causa disso, apesar de ser um simples jornalzinho, com poucas páginas – não era revista -, tinha na França e na Bélgica daquele tempo – até não me lembro bem se o jornal era francês ou belga – uma garra: intervinha nos acontecimentos, influenciando. Numa palavra, tratava de tudo quanto havia de mais candente e delicado.
Naquele tempo havia “O Estado de S. Paulo” e o “Diário de S. Paulo”, que tinha uma certa rivalidade com o primeiro. Corresponde ao que a “Folha de S. Paulo” é hoje. Esta “Folha” existia, mas era um jornalzinho muito pequeno e sem importância, nem vale a pena nos preocuparmos com ele. Tomou importância mais tarde.
* Antiga orientação do “Legionário”
Antigamente o “Legionário” tinha uma certa tendência para se dirigir também ao grande público, com o interesse de conquistá-lo. Era escrito, em parte, para converter para a religião católica aqueles que não eram católicos, e, em parte, feito para afervorar e orientar os que já eram católicos.
* Depois, segundo o Sept, que orientação tomou
Lendo o jornal Sept, que tinha muita garra, eu compreendi que isso estava errado, pois um jornal de pequeno formato ou de pequeno tamanho, ou devia dirigir-se para um público especial, não pequeno e influente, e, através desse público, influenciar todo o conjunto, ou não adiantaria nada.
Então, os senhores perceberão no “Legionário” uma mudança, algum tanto anterior a esse tempo, que deixou de ser um jornal feito para converter os que não eram católicos, para passar a um jornal destinado a orientar os que eram católicos. Considerando o público, não quaisquer católicos em geral, mas o movimento católico.
* O que se chamava movimento católico
O movimento católico era constituído naquele tempo pelos católicos mais fervorosos, que iam sempre à Missa dos Domingos, e que, em geral, pertenciam a associações religiosas. Estes constituíam propriamente o conjunto do movimento católico. Chamava-se Movimento porque era um conjunto de católicos que dedicava uma parte de seu tempo, ou todo o seu tempo, a favorecer, por sua atuação, a Igreja Católica, a expansão da Fé. Era um número muito grande de pessoas.
O resultado de minha eleição em 1934 exprimia bem isso. Eu fui eleito por essa gente. Era um grande número de pessoas, muito unidas, dirigidas por um clero ainda ortodoxo e muito coeso, um episcopado, evidentemente muito católico e firme, e um Arcebispo – que era D. Duarte – que levava a coisa ali, no duro, cujo brasão tinha este lema: “Ipsa firmitas et autoritas mea – É o próprio Cristo a minha firmeza e a minha autoridade”. Ele mandava…!
* D. Duarte, um grande Arcebispo
Para terem uma idéia de como D. Duarte dirigia as coisas e mandava, basta contar o seguinte: ele achava que a dignidade de Arcebispo era tão sagrada que a sua palavra não podia ser posta em dúvida por ninguém.
A Cúria tinha bens enormes ainda herdados dos tempos da São Paulo colonial e imperial: uma quantidade colossal de prédios aqui na cidade, de fazendas etc. Uma riqueza imobiliária muito grande e muito segura. Naturalmente, isso supõe que se venda, uma que outra vez, uma coisa, que se compre outra: movimentar um tanto, não ficando aquilo fixo continuamente. Era obrigado a vender ou a comprar alguma coisa, e, tratando-se de imóveis, só se faz com escritura pública. Ele tinha, portanto, que assinar algumas delas. Entretanto, achava um desaforo pedirem-lhe para assinar alguma coisa. Bastava dar a palavra dele, que estava tudo liquidado.
Com a reverência devida à autoridade dele, pode-se dizer que o seu ponto de vista não era inteiramente certo, porque, uma vez ele morto, quem iria provar que ele prometeu ou não prometeu? Que estabilidade teriam os negócios feitos com ele?
Por causa disso, as pessoas interessadas em comprar bens da Cúria, que entregavam o dinheiro e queriam ter a propriedade dos imóveis que adquiriam, a simples palavra – verbal, não escrita – de um homem, aliás, idoso, com setenta e muitos anos, e que podia morrer de um momento para outro, não era garantia suficiente. Daí a vinte ou trinta anos como iam provar que compraram. Então, exigiam a escritura.
Então, ele fazia o seguinte: assinava em cima das estampilhas apenas uma cruzinha e a letra D, e isso servia de garantia. Era tal o respeito que ele incutia, que todo o mundo aceitava. O tabelião levava-lhe a escritura, onde ele assinava D, antecedida da cruzinha: + D. Cruzinha, que todo o Bispo punha antigamente. Hoje não sei mais nada. Eu duvido até que os tabeliães não cometessem uma ilegalidade aceitando uma assinatura assim. Mas era tal o respeito que incutia e a força com que dirigia as coisas…
* O objetivo do “Legionário”: formar a mentalidade dos católicos
Dom Duarte mantinha tudo isso coeso. E, eu, entendendo bem que agindo sobre esse público, e orientando-o, teríamos uma possibilidade de influenciar o conjunto dos acontecimentos no Brasil. Então, transformei o “Legionário” num órgão especializado para o movimento católico. Não era para ajudar os católicos a converter outros, não-católicos, mas para formar a sua mentalidade. Esse era um dos princípios que orientava o “Legionário”.
Se os senhores tomassem outras revistas católicas e as folheassem, e ainda hoje é assim, veriam que tratava mais ou menos de tudo: uma noticiazinha sobre missões no Tocantins, já que falamos deste estado na Reunião de Recortes; outra notícia de que morreu um Bispo em Estocolmo; depois, mais adiante, uma notícia de que foi lançada uma missão nova junto aos esquimós e que os primeiros foram batizados etc. Coisas apreciáveis… Mas, com isso não se formava a mentalidade de uma pessoa. Era preciso, de nossa parte, formar a mentalidade.
* Características da formação da mentalidade do leitor do “Legionário”
A formação da mentalidade comportava, na nossa concepção, algumas características. Aqui no Brasil, em geral, dá-se um fato que eu costumo explicar da seguinte maneira: os outros povos crêem na verdade da religião católica, quando o são tais; o brasileiro não crê, sabe que a religião católica é verdadeira. Ele crê, porque “pesca” no ar. Intui. É muito raro os senhores verem um brasileiro dar uma argumentação contra a Igreja Católica. Se a vida dele não é compatível com a Fé, e não quer emendá-la, abandona a religião católica. Quando pensa em converter-se, não vai [pensar em] escolher a religião verdadeira, pois já sabe que é a católica. De maneira que, quando ele volta, regressa à religião católica. Fé, graças a Nossa Senhora, naquele tempo ainda, era muito estável, entre os católicos que pertenciam ao movimento católico.
* Orientar na razão de ser, e numa verdadeira apreciação, da sociedade temporal
Nós não tratávamos de afervorar um indivíduo debaixo desse ponto de vista, mas tínhamos a idéia de que o modo pelo qual um indivíduo podia ser extraviado da doutrina católica era no que dizia respeito à apreciação da sociedade temporal, das finalidades, da razão de ser desta. E, neste ponto, mesmo os católicos mais fervorosos tinham as idéias mais esquisitas.
Era preciso fazer lentamente uma apreciação dos acontecimentos que fosse mudando as mentalidades numa determinada direção. Mas, que acontecimentos? E em que direção?
* O brasileiro e sua política nacional
A política brasileira, considerada de um modo geral, tinha muito pouco conteúdo ideológico. Mesmo aquelas correntes que representavam qualquer coisa, que era possível defender ideologicamente, não concebiam que se pudesse fazer tal. Nem tinham vontade de uma defesa ideológica. O brasileiro tem preguiça de raciocínios de caráter ideológico.
O sistema de coronelato, que havia naqueles tempos, e que noutras reuniões já descrevi aos senhores, aqueles grandes senhores de terra, eram mais ou menos os senhores feudais do Interior. Tinham grandes casarões, com clientelas que dependiam deles… Também tomavam o indivíduo que nascia nas suas terras como seu filho, arranjavam-lhe toda a carreira, casamento e dinheirinho para dar os primeiros passos na vida. Ordenavam-lhe a vida. Era um belo regime. Era um regime todo instintivo.
Quando a esquerda começou a atacá-los, não sabiam como se defender. Não tinham a noção, nem vontade de ler qual era a sua própria defesa. De maneira que com esse gênero de gente não se podia mexer.
O comunismo era um pinguinho. Os integralistas faziam aquela onda em torno do comunismo, como um médico pode exagerar a importância de uma epidemia para ter muitos clientes. Mas, isso não quer dizer que a epidemia seja realmente perigosa. Fora dos comunistas e um pouquinho dos integralistas, não havia conteúdo ideológico-doutrinário.
Por outro lado, nosso povo, que é tão cordato e tão amigo de ser amigo, era muito sensível. Qualquer ataque ao interesse político de alguém, deixá-lo-ia num ressentimento único. Isso, para o “Legionário” seria muito incomodo, muito desagradável.
* Grandes idéias que havia no mundo, fora do Brasil
Então, o jeito que havia era preocuparmo-nos preponderantemente com a política Exterior. E com o motivo de cuidar da política dos outros países, formar as mentalidades dos leitores do “Legionário” sobre as grandes idéias que havia no mundo, fora do Brasil.
Então, uma nota muito acentuada do “Legionário” era a tomada de posição a respeito de questões internacionais. Nestas, eu não entendo a relação do Brasil com outros países – que eram muito tranquilas e sem interesse – mas os problemas internos das outras nações, em si, e, sobretudo, nas da Europa.
* Um halo de simpatia em torno da futura Ordem de Cavalaria
Por que Europa? Porque pela sua cultura multissecular, pela inteligência e pela instrução de seus filhos, mesmo de partidos que execrávamos, davam um tom à vida política, que era de pensamento e de ideologia. Esse tom ideológico nos interessava comentar, para formar a mentalidade dos brasileiros. E, para – de longe – ir formando um halo de simpatia em torno do que seria a futura Ordem de Cavalaria.
* A Reunião de Recortes, e sua importância na vida da TFP, vem desde os tempos do “Legionário”
Se os senhores perceberem, notarão que muito disto ainda existe. Por exemplo, vêem bem a importância da Reunião de Recortes na vida da TFP. Se se extinguisse a Reunião de Recortes, a TFP ficaria reduzida a um terço ou à metade de sua vitalidade. Ficaria prejudicada até mais do que eu estou dizendo.
Os senhores vão examinar a Reunião de Recortes: os pontos de reflexão mais importantes não são sobre a política brasileira, mas sobre a política interna de outros países. A proporção continua mais ou menos a mesma, apesar da América inteira – Norte, Centro e Sul – ter tomado hoje em dia uma importância muito maior em comparação com a que tinha naquele tempo.
Por exemplo, hoje uma Nicarágua abala o mundo, e é um ovinho. Naquele tempo pertencia ao que se chamava, nos Estados Unidos, de “repúblicas de bananas”. Fazia parte dos países que plantavam bananas e exportavam. Desde que exportassem bananas, o resto estava feito, ninguém queria saber de mais nada. Também os Estados Unidos, que durante e depois da Segunda Grande Guerra Mundial tomou a importância decisiva que os senhores conhecem, na sua política tinha muito pouca densidade ideológica. Brigas de clãs, de grupos, de interesses… Tudo ligado a dinheiro, a negócios etc. Ideologia, muito pouca. De maneira que nos cativava quase nada. Oriente? Ásia? África? O que havia era isso…
* A política que interessava era por excelência a européia
Então, do que nós falávamos era política, da ideologia e dos homens públicos europeus. Se prestarem atenção numa Reunião de Recortes, hoje, ainda há muito disso. E é por essas razões que eu estou dizendo aos senhores.
As coisas na TFP não se desenvolvem à la cogumelo: sai do chão, abre aquele guarda-sol, e até que chegue um bicho ou pessoa e o coma, lá fica vivo. Não. Tudo isso é muito pensado, tudo é objeto de uma reflexão muito atenta, de uma observação muito meticulosa, para que sendo nós poucas pessoas possamos ter o maior efeito possível sobre os acontecimentos.
* Quadro da política européia
A política das nações européias apresentava naquele tempo o seguinte quadro:
A luta clássica entre direita, esquerda e centro. Termos que ainda existem, e que mais ou menos designam a mesma coisa que já designavam então, quer dizer, antes, durante e depois da I Guerra Mundial e até o “Legionário” fechar.
Não me lembro bem em que ano o “Legionário” fechou?
(Sr. Dustan: O último número saiu em dezembro (28) de 1947.)
Então é essa história que eu estou cobrindo.
Tínhamos então: direita, centro e esquerda. Mas, a configuração real da política não era só essa que eu estou dando. Ela era diferente.
* A Revolução francesa uma divisora de épocas na História
Neste ano que estamos comemorando o ducentésimo aniversário da Revolução francesa, compreende-se melhor o que eu vou dizer. No centro da perspectiva do mundo contemporâneo está essa Revolução. Exatamente o fato que divide a História, dando fim aos Tempos Modernos e começo aos Contemporâneos, é a passagem da Revolução Francesa. Até, simbolicamente, o dia 14 de julho de 1789, em que houve a queda da Bastilha, e em que se declara que aquela Revolução começou, a França estava no “Ancien Régime”. Era ainda o regime medieval muito alterado, muito aguado, por infiltrações e modificações impostas pelas condições de vida daqueles dias. Era o mundo de hoje que ia nascendo.
* A metafísica da Revolução francesa
A Revolução francesa representou a extinção da ordem medieval. Com esta, a apresentação de um mundo novo. Qual era esse mundo novo que então nascia? Era o mundo caracterizado pela idéia metafísica de que a igualdade é um bem, e a desigualdade é um mal. Todas as formas de desigualdade são um mal, e todas as formas de igualdade são um bem. De tal maneira que, absolutamente falando, seria desejável que todas as desigualdades desaparecessem, e que em tudo e tudo os homens fosse totalmente iguais.
* Até onde pôde chegar esse espírito igualitário nos dias de hoje
Iguais, no ponto em que se estão tornando iguais hoje, quer dizer: não só igual o nobre com o plebeu; o rico com o pobre; o homem culto com o inculto, etc.; mas igual a mulher com o homem; o ancião com a criança; o homem prejudicado por uma doença aflitiva e até vergonhosa, contagiosa, igual ao são. Por exemplo, o leprosário é uma instituição anti-igualitária, porque o pobre leproso fica segregado naqueles hospitais, tratado como um prisioneiro sem culpa própria, posto ali numa posição evidentemente inferior à de um homem livre. Este vai e vem, move-se para onde entende, e o leproso não está nessas condições. Está preso no leprosário e não pode sair. Então isso é contrário à igualdade. A idéia de proteção do homem sadio contra o contágio do homem doente é uma coisa que não vem ao caso, porque todos têm que ser iguais, custe o que custar.
* Os aidéticos
É por isso que há, hoje em dia, uma corrente que é contrária à segregação dos aidéticos. Porque o portador do Aids é um homem como outro qualquer e deve ser tratado como tal. “Mas, ele espalha ou difunde uma doença terrível, e o homem são tem o direito de ser protegido em sua vida, na sua saúde, comprometido gravissimamente pelo contágio”. “Não tem importância. Desde que estabeleça uma desigualdade, é uma injustiça! Todos os homens devem ser iguais”. Quer dizer: toda a desigualdade é uma injustiça.
* Ódio, até à toda a diversidade
Mais ainda do que toda a desigualdade, até toda a diversidade (é uma injustiça). De maneira que os trajes devem tender a se parecer o mais possível uns com os outros. Mesmo os trajes femininos – o espírito feminino é mais imaginoso e a mulher faz mais questão de estar bem trajada que o homem – devem ser, tanto quanto possível, iguais. O ideal seria uniformizar todos os homens, impondo o mesmo corte de cabelo, de camisa, de calças, etc. Fazer tudo absolutamente do mesmo modo. O que não for isso, faz sofrer os inferiores. E o que faz sofrer é uma injustiça. Logo a igualdade completa tem que se impor. Esta é a doutrina.
* Igualdade, liberdade e fraternidade – hipismo, ecologia
Em torno disso, a idéia de liberdade como um direito de todos os homens iguais. A fraternidade é o afeto que liga os homens iguais. Liberdade, igualdade e fraternidade. Estes três princípios conduzem praticamente à anarquia.
Os senhores querem um resultado completo da aplicação desses três princípios? O hipismo e a vida no mato, como a dos índios, por exemplo. A liberdade e a igualdade completas… Fraternidade, não se pode sustentar, porque às vezes se comem… É mais simpático fechar os olhos a respeito disso… e dizer que estão em liberdade, igualdade e fraternidade.
* A cisão que a convergência procura cicatrizar
Com isso, formou-se em toda a Europa uma cisão. É esta cisão que, exatamente, a convergência de hoje quer cicatrizar, custe o que custar, para as finalidades de propaganda comunista que se conhece.
A cisão, no que consiste?
Pessoas que, no fundo, consciente ou subconscientemente, têm uma mentalidade gótica, e cujo espírito está ligado a coisas de séculos antes de 1789. De outro lado, pessoas que têm uma mentalidade longinquamente pré hippie.
Há, de um lado, a catedral e o castelo gótico; e, de outro, o hippie debandado pela floresta. São os dois pólos em que se divide o espírito europeu, e mais fracamente o espírito americano, em geral.
Ninguém tinha coragem de dizer isso. Agora, com o bicentenário está um pouco subindo à tona pela necessidade de se fazer a convergência. Entretanto, esse era o fato.
* Tratava-se de denunciar esse lema monstruoso, para que os católicos não pudessem pensar assim
Então, a boa formação religiosa colocava o católico diante de um erro doutrinário monstruoso, que é o da igualdade e o da liberdade completa. Ninguém pode ser bom católico, e, ao mesmo tempo, ser favorável à liberdade, igualdade e fraternidade, entendidos dessa maneira.
Com outras compreensões, o lema passa arranhando pela garganta, quando um sujeito tem uma garganta excessivamente larga. Fora disso, não passa.
Tratava-se, em última análise, de apontar e denunciar isso, para que, em nome da Fé, os católicos compreendessem que não podiam pensar assim.
* A Idade Média representou a aplicação de princípios perenes e intangíveis
Não houve época da História humana em que o homem não tivesse posto o conteúdo de seus defeitos. É forçoso. E que a Idade Média, de que tanto mal se falava, teve seus defeitos, mas representou – nas condições do tempo – a aplicação de princípios perenes e intangíveis – os princípios da Moral católica. Era preciso sustentar esses princípios e defini-los, em nome da Fé. De maneira que no “Legionário” não encontrarão um argumento em favor da igualdade, posto assim: os países igualitários produzem menos, ou coisas do gênero. Isso não é em nome da Fé.
Era preciso argumentar com base na doutrina católica, para provar que a transgredi, a viola e a conspurca quem pensa assim. De outro lado, anda de acordo com a doutrina católica quem olhando para a Idade Média se sente penetrado de simpatia e de respeito. Embora compreendendo que nem tudo aquilo pode ser revivido exatamente como foi, porque as circunstâncias mudaram, aquilo é exemplo magnífico e uma fonte estupenda de inspiração.
* Ideal europeu de hoje: Idade Média ou era das florestas
Na Europa, o que havia? Um direitista europeu, em geral, tinha aqui atrás (na nuca) um idealismo medievalista. Mais ou menos categórico, mais ou menos explícito, o ideal dele era medievalista. Pelo contrário, o esquerdista europeu era um pré hippie: o ideal dele ia para lá. E, veladamente, sem quem o dissesse ou sem quem o soubessem, de fato, discutiam esses dois extremos: a Idade Média ou a era das florestas.
* “Legionário”: medievalista em luta ativa contra o pré hipismo
À vista disso, o “Legionário” o que tinha que fazer? Era ser um jornal que reunisse em torno de si os católicos que, devidamente esclarecidos, tomassem um autêntico interesse pelo jornal. Ou seja, tivessem uma mentalidade – nesse sentido da palavra – medievalista, e uma luta ativa contra o pré hipismo, que vinha aparecendo nas dobras do próprio comunismo e do próprio socialismo.
Não sei se estou inteiramente claro no que estou dizendo?
(Sim.)
* O modo de ensinar da TFP: interessar na doutrina através dos fatos
Um modo de ensinar poderia ser: fazer artigos abstratos ou teóricos. Um outro modo seria noticiar os fatos e analisá-los, e, a propósito destes, dar doutrina. Interessar na doutrina através dos fatos. Foi o sistema adotado pelo “Legionário”, e que até hoje é o sistema de raciocinar da TFP. É um dos fatores que torna a Reunião de Recortes tão importante, e tão característica da TFP.
Eu creio que nunca cheguei a fazer uma enumeração das características do “Legionário”, mas como julgo que os senhores estão conseguindo não dormir, eu continuo com elas, embora seja muito tarde: quinze para a uma, já.
* O “Legionário” fazia uma contra-revolução cultural
Uma outra característica do “Legionário”, sob esse ponto de vista era a seguinte:
As idéias do tempo faziam com que essa disputa, que eu acabo de descrever, fosse compreendida mais ou menos no que diz respeito a assuntos políticos, sociais e econômicos. O “Legionário” abriu muito mais o leque. E esses assuntos e essas preferências religioso-filosóficas, sócio-político-econômicas podem manifestar-se em tudo: na forma de um lustre, na cor de um vaso, no modo de ser de um tecido; nos desenhos ou ornatos de um prato ou de um copo; no sabor de uma comida ou de uma bebida… Tudo é portador de uma preferência nesses assuntos.
Portanto, o que cumpre fazer, mais do que tudo, é saber mostrar que não tem uma opção inteiramente correta quem é, digamos, pró-medievalista (nesse sentido amplo em que tomei a palavra), em matéria sócio-político-econômica, e, ao mesmo tempo, detesta o gótico e gosta da arte moderna. Não pode ser. Este pensa errado. E se não pensa, está em contradição consigo. O homem não tem o direito de ser contraditório, mas deve ser coerente.
* O que é a direita e a esquerda, segundo esta concepção
De maneira que o “Legionário” fazia aquilo que, hoje, se chamaria uma contra-revolução cultural. Por revolução cultural se entende exatamente isso: uma revolução que não é apenas política, mas que envolve toda uma transformação em toda a mentalidade, modos de ser e ambiente que cerca o homem.
A contra-revolução cultural é a contra-revolução sofística, mais a contra-revolução tendencial, que, somadas, constituem um todo. Então, nesta amplitude temos a noção, a idéia de que a Revolução e a Contra-Revolução abrangem todo o pensamento humano. E que, ou um homem é totalmente uma coisa, ou ele não é nada.
Esta é a direita.
A esquerda é radicalmente o contrário. É só tomar o que eu acabo de dizer e pôr ao contrário, e terão a esquerda. Por exemplo, para mim é líquido que Brasília é a capital comunista do Brasil.
* Brasília é, arquitetonicamente falando, uma capital comunista
Seria um caso de hospital psiquiátrico que eu pensasse que o Brasil, no tempo em que Brasília foi construída, já estava no regime comunista. Só um doido pensaria assim. Mas já tinha tendências para o comunismo. Essas tendências se exprimiram no favor, na simpatia, na estima com que grande parte da população aplaudiu a construção de Brasília, por exemplo. De onde, nós, a fazer propaganda anticomunista, seríamos contra a construção de Brasília. Se naquele tempo houvesse “Legionário” funcionando, diríamos isso: é uma capital comunista!
Encontraríamos um obstáculo: “Mas, como comunista? Isso é uma questão de arte e não de sociologia ou economia”. Retrucaríamos: “Não vale esse princípio”. Porque realmente uma coisa acarreta outra.
Então, tomar, nos da direita, de entre os católicos, os que fossem capazes de compreender e viver isso que nós dizíamos, era o primeiro passo para vencer a grande luta que queríamos estabelecer.
Os senhores estão vendo que o que eu estou dizendo, era o livro “Revolução e Contra-Revolução” que vinha aparecendo.
* Tudo quanto há de bom na sociedade humana vem da Igreja Católica
Outra coisa que era muito marcada na orientação do “Legionário” era a seguinte:
Tudo quanto há de bom na sociedade humana vem da Igreja Católica. É um erro condenado pela Igreja o seguinte: sem apoio da religião o homem não é capaz de outras ações senão as que constituem pecado. Não sei se está claro qual é o erro? É erro dizer que o homem só peca e não faz nada de bom, sem o apoio da religião.
O pecado original atingiu, vulnerou a fundo a natureza humana, mas não tão fundo que um homem com as suas simples forças naturais não pudesse praticar várias ações boas, independente da religião.
* Sem a graça, o homem não se pode manter duravelmente no cumprimento dos dez Mandamentos
O homem não era capaz de manter, duravelmente, sem a prática da religião, a observância dos dez Mandamentos. Um homem pode durante uma, duas, cinco horas… um dia, dois dias, cinco dias já duvido muito… Um dia já acho difícil, mas enfim digamos… Um homem, nas condições modernas que arrastam tanto ao pecado, sem auxílio da graça já acho muito difícil que persevere. Enfim, não vamos medir dias aqui. O homem pode fazer ações boas, mas sem auxílio de graça, estável e duravelmente não se mantém na prática dos dez Mandamentos. Este é o primeiro ponto.
* Se numa sociedade se torna habitual a violação de um ou dois Mandamentos, ela caminha para a sua decadência
Segundo ponto: se, numa determinada sociedade se torna habitual que a população viole um ou dois dos Mandamentos, esta sociedade está caminhando para o seu declínio, não há remédio. A ordem humana perfeita decorre do cumprimento dos Mandamentos. E se estes não foram cumpridos, vai água abaixo. É uma questão de mais ou menos tempo…
Terceiro: pelo contrário, se a sociedade humana toda – salvo as exceções baixas, que sempre há – cumprir estavelmente os dez Mandamentos, a sociedade sobe a um píncaro maravilhoso. Ainda que seja um paisinho sem recursos econômicos e pobre, se o seu povo tiver muita Fé, sobe, na ordem temporal, ao mais alto grau, que lhe é possível. Mas sobe até lá.
* Quanto mais rica uma sociedade, mais imperioso se lhe torna o cumprimento exímio dos Mandamentos
Mais ainda, é uma coisa puxada, mas é assim: quanto mais uma sociedade subir na ordem temporal, ou pela cultura, ou pela riqueza, ou por qualquer outro fator, tanto mais lhe é necessário cumprir bem os Mandamentos e amar a Deus, porque essas qualidades naturais se não forem encaminhadas pela virtude e pela prática habitual dos dez Mandamentos – prática, quanto mais fervorosa, tanto melhor – os próprios fatores de grandeza precipitam a sua queda. Quer dizer, a podridão intelectual dos países muito intelectualizados, quando deixam a Fé, é tão alucinante e tremenda, que tende com todo o seu peso para levar um país a desatinos.
* A podridão moral dos países ricos, que não observam os Mandamentos, leva-os a paroxismos inimagináveis de decadência
A podridão moral dos países economicamente muito ricos, e que não observam os dez Mandamentos, leva-os também a coisas inimagináveis, precipitando a queda. De maneira tal que a base de tudo é a Fé Católica Apostólica Romana e o cumprimento habitual dos dez Mandamentos da Lei de Deus. Bem entendido, os cinco Mandamentos da Igreja, porque é um ato de obediência à Igreja, que se deve ter em função dos dez Mandamentos da Lei de Deus.
Esta ordem baseada na observância habitual dos dez Mandamentos chama-se Civilização Cristã
* O caminho na Terra para se chegar ao Céu, chama-se Civilização Cristã
Entre uma Civilização Cristã e uma civilização não-cristã há um abismo. Aquela favorece de todas as maneiras a salvação das almas. O caminho na Terra para chegar ao Céu chama-se Civilização Cristã.
Pelo contrário, o caminho para se ir ao Inferno chama-se civilização não-cristã ou anticristã.
De maneira que a defesa da Civilização Cristã é um elemento fundamental para tudo.
Por fim, e agora aqui entra a Ordem de Cavalaria. A vitória de todos esses ideais se consegue sobretudo pela Fé e pelas prática das virtudes. Acabo de dizê-lo. Pela vida interior, que é ligada essencialmente ao amor de Deus e pela qual o homem vê todas as coisas à luz de Deus. Tudo quanto eu estou dizendo aos senhores é vida interior.
* Exemplo da bengala: como exercitar a vida interior na nossa vocação
Per accidens, os meus olhos caíram na minha bengala, que o Sr. Luis Henrique está segurando, vindo, por isso, ao espírito o exemplo de uma bengala. Pegar nela e perguntar: “Esta madeira agüentará o peso do Dr. Plínio? Esse castão estará bem preso na madeira, não se irá quebrar? De repente, o Dr. Plínio cai com essa bengala… Essa ponteira é rija? Não terá peso maior do que o necessário? Será que ela não exigirá de Dr. Plínio um esforço supérfluo?” São perguntas que se podem fazer, quando se é especialista em matéria de bengalas. Há-os! Tem que haver especialistas em toda as coisas. Mas, não é uma coisa que deve ocorrer comumente a uma pessoa que olhe para uma bengala.
Uma pessoa que olhe para uma bengala, tem que observar o conjunto dela, para ver até que ponto é esguia; até que ponto vai uniformemente aumentando o seu diâmetro, à medida que se caminha para o cabo, e não tem crescimentos desencontrados e feios; até que ponto apresenta uma queda bonita, do ponto de seu castão até o ponto terminal; até que ponto o próprio castão é bonito… É no pulchrum, verum e bonum que se compreende a razão ser de uma coisa em função de Deus.
Um modo de ter vida interior é ter uma visão completa e adequada da bengala à luz disso.
Às vezes há dificuldades. Eu confesso aos senhores que eu, eu mesmo, antes de começar a usar a bengala, vi inúmeras bengalas. Notei que havia algumas bengalas que tinham o punho em cima curvo e outras que tinham esse modo assim reto. Este parecia-me um galhozinho curto de árvore franzina, que era cortada. É uma mania de imitar a selva, a natureza. A natureza é bela, mas o homem tem a missão de a embelezar. Não vejo razão para essas coisas assim… Foi pegando essa bengala que eu compreendi que, para o apoio da mão humana, isto aqui tem um efeito extraordinário. Porque esta parte daqui encontra nesta saliência da bengala um apoio que não teria se não assim. Há o lado prático necessário: não posso usar uma bengala que seja de bom espírito, mas com a qual caia no chão.
Preciso que a parte prática esteja muito bem estudada, e que a bengala seja bengala. Isso é o verum.
O bonum: é preciso que ela me aguente.
O pulchrum: tem que ser bela. Que o que tem de verdadeiro e o que tem de bom resplandeçam na sua forma exterior. O pulchrum, diz Santo Tomás, é o splendor veritatis. Em certo sentido é o splendor bonitatis também.
* Ambientes, Costumes, Civilizações
Daí Ambientes, Costumes, Civilizações no “Catolicismo”, mas já, em muitos comentários do “Legionário”, os senhores percebem coisas dessas que estão se gerando, estão em formação, etc.
* Esta é uma mentalidade total…
É esta a mentalidade total que, posta assim, trazia uma questão especial dentro disso:
Existem as coisas do universo, e, de entre elas, uma chamada inimigo. Antes de tudo os inimigos de nossa salvação: o demônio e as más inclinações com que cada um de nós nasceu. Temos que lutar contra elas.
Depois, além do demônio e desse inimigo interno, temos os inimigos externos. Secundariamente, são as pessoas que por algum conflito de interesses ou alguma coisa assim querem perseguir-nos. Mas, primariamente, os nossos inimigos são os inimigos de Deus: os que perseguem a religião pela qual nós vivemos. Perseguem a Civilização Cristã, que é um instrumento possante da Religião para modelar a mentalidade dos homens. Perseguem, enfim, tudo quanto é Contra-Revolução e querem fazer a Revolução.
* … com seus meios próprios…
Agora, vem a questão dos meios:
O que fazer para combater a Revolução? Combater o inimigo. Persuadir. Como persuadir? Pelo raciocínio? Pela simpatia? Como persuadir? Atrair? Atrair a boa vontade? Como atrair a boa vontade? Quais são os obstáculos que essa boa vontade encontra diante de si?
E, por fim, se não se consegue nem persuadir nem atrair, fazer o quê?
São perguntas que uma pessoa, que tem um jornalzinho católico, e que quer tirar proveito dele, para uma grande missão, que compreendeu – em função do quinzenário Sept e depois através de uma porção de órgãos europeus do mesmo gênero que eu fui conhecendo – que com tão pouco pode-se fazer muito, quer aproveitar tudo até o último ponto. Então, tem que pôr-se essas questões.
* … pensados a fundo
A resposta a tudo isto que estou expondo esta noite, faz ver quanto de pensamento há em coisas da TFP, e nas quais os senhores julgam que não entrou pensamento, e que são como são. São como são, como este tubo é branco. Poderia ser vermelho ou verde, conforme elucubrações da pessoa que fabrica, que mercantiliza e que vende.
Estão percebendo que há uma doutrina pensada a fundo, coordenada a fundo. Metas escolhidas a dedo. E métodos pensados também a fundo.
* Jornalismo contra-revolucionário eficiente: persuadir o leitor; tema que atraia
A primeira coisa que eu preciso para, persuadir uma pessoa, é tratar de temas que lhe interessem. Se se for tratar com ela de um tema que não lhe interessa, nós não vamos fixar a atenção dela nem para o que escrevemos nem para o que dizemos.
Alguém dirá: “Mas ela não se interessa pelos temas que trato”. Minha resposta é: “Vire-se de maneira a que ela comece a interessar-se”. Quer dizer, estudo a psicologia dela para compreender por que forma se pode chegar a interessá-la.
Estou vendo bem que, no estado atual das coisas, a pessoa não se interessa. Não haverá um meio de eu despertar o interesse dela para isso? Então, vire-se e, em toda medida do possível, atraia o interesse. Saiba como atrair o interesse. Para isso, precisa ter uma idéia inteiramente articulada das mentalidades. Tem que ser um observador de mentalidades. Se você não for um observador de mentalidades não será capaz de nada, nesta ordem de coisas. Observe mentalidades.
Eu estou dando muito por alto… Isto se desenvolve mais ou menos indefinidamente. Mas, começa-se por aí… Depois, em outras reuniões, se houver tempo antes da “Bagarre”, desenvolverei isso mais.
A questão de fazer, tendo as pessoas com a atenção atraída, com que elas se persuadam, como é? É preciso raciocinar muito bem, clara e simplesmente, sem pretensão, diretamente. Seu argumento tem que penetrar na mentalidade do homem que errou como um desinfetante penetra no âmago da ferida do homem que tem uma infecção: ali, pum! lá vai o argumento. Pode doer e espernear, mas o micróbio morre.
* Argumentação agradável
A argumentação tem que ser o mais possível agradável. Para sê-lo não adianta usar palavras bonitas. De vez em quando adianta usar uma ou outra metáfora bonita. Isso adianta. Mas, o verdadeiro é fazer sentir o argumento, enquanto argumento, como é belo. O pensamento sem enfeite, mostrado na sua simplicidade e na sua luz tem uma beleza própria, que é, por exemplo, a do raio. É preciso fazê-lo sentir.
* Vocabulário abundante
Para isso, é preciso ter um vocabulário abundante. Com um vocabulário pequeno, uma palavra para exprimir cada idéia, desista porque não vai. Ou temos todo o teclado do vocabulário português – estou dizendo português, porque é a nossa língua, mas podia referir-me a outros idiomas ilustres e magníficos – bem estudado e bem aproveitado, ou não temos nada.
Os senhores estão vendo como desço ao concreto. O vocabulário, assim posto, deve saber explorar as qualidades da língua portuguesa, em vez de procurar imitar a linguagem e magnífica de outros povos. Se é para escrever para o Brasil, é assim. Se fosse escrever para a França, seria de outro jeito; para a Alemanha, de outro; para a Espanha… Para a Suécia, teria que arranjar uma maneira de escrever à la sueca.
Cada um precisa de saber explorar as belezas do vocabulário que tem.
* Há sinônimos e sinônimos…
Então, por exemplo, uma coisa que os senhores vêem nos dicionários: sinônimos. Eu não vou levar a indiscrição a ponto de saber quantos sabem o que é sinônimo, e, a um dos que souber, pedir para dar a definição. Eu digo apenas que sinônimos são duas palavras que exprimem a mesma idéia.
Então, nos dicionários apresentam como sinônimas as palavras: lábio e beiço. Ora, não é verdade. Lábio é o beiço, enquanto concebido por uma pessoa de boa educação. O beiço é o lábio enquanto vivido e utilizado por uma pessoa de pouca educação.
* Em cada língua um mundo de imponderáveis próprios
Há um mundo de imponderáveis nisso, que faz com que, na língua portuguesa, haja palavras que estejam a um milímetro uma da outra, uma da outra, uma da outra… Mas, que se possa exprimir com uma precisão o que se quer dizer e com uma concisão, que são magníficas.
Então, era preciso habituar os redatores do “Legionário” a isso. Estou exemplificando, porque isso se podia ampliar… não sei até que ponto.
As outras línguas têm outros recursos, outras perfeições, excelência de idioma, que é preciso saber compreender. Não se trata de fazer uma comparação estúpida entre línguas, para encontrar o que dar risada das outras. Também há do que rir de coisas de nossa língua. É preciso saber compreender direito qual é a beleza inerente a cada língua. Ao lê-la, apreciar o que belo essa língua traz consigo.
Os senhores estão vendo como se vai descendo, descendo até se chegar a uma aplicação concreta. Eu podia dar cem. Se eu fosse dar cem aplicações, não chegaríamos ao fim de nosso tema.
Não sei depois de quantas e quantas reuniões, ainda estou em 1947…
* Frase longa ou frase curta
A dosagem e pesagem exata de todas essas coisas traz até problemas interessantes: frase longa ou frase curta. A frase curta é mais fácil de se entender. Mas, isto é dizer muito pouco, porque equivaleria a dizer que, para o mundo dos burros, esta é a única forma de comunicação possível. Ora, isso não é verdade. A frase curta tem uma simplicidade, que tem uma utilidade e uma beleza próprias. E para dizer tudo de uma vez só, os senhores tomem o Evangelho: não se encontram frases compridas. Há todos os graus e formas de beleza possíveis, pois é ditado pelo Espírito Santo, mas não se encontram frases compridas.
Ora, a frase comprida tem alguma beleza?
Tem muita beleza. Qual é a beleza dela? A construção da frase, permitindo o encaixe de várias idéias harmoniosamente, apresenta os conjuntos de pensamentos. Enquanto tal, habituam o espírito a considerar mais os conjuntos do que a coisa simples, e desenvolvem o espírito de síntese nesse sentido. Não no sentido de abreviar, mas de agrupar, de aglutinar, de classificar, que é uma qualidade eminente do espírito humano.
Então, nós devemos olhar um pouco para a nossa própria tendência. Individualmente, tendemos para a frase longa ou para a breve? Considerando a nossa tendência, saber tirar da nossa tendência o melhor possível.
Não sei se dá para notar, talvez dê enormemente, mas eu sou muito tendente às frases longas.
* Ordem direta e ordem indireta
Uma coisa é em português – mas creio que em outras línguas também – dizer o seguinte: ele não podia pensar de outra maneira. Outra é: não podia ele pensar de outra maneira. A ordem direta é a da primeira frase. O que é que o “ele não podia” diz, que o “não podia ele” não diz?
O “não podia ele” realça a impossibilidade em que a pessoa estava. A ordem indireta toma um dos elementos do pensamento e põe a tônica naquele elemento. Então, é uma coisa muito bonita. Mas há línguas admiráveis – o meu bem amado francês, por exemplo – que se valem muito mais da ordem direta do que da indireta. Mas, o português se presta muito à ordem indireta.
Acontece que eu não sou francofônico, mas lusofônico. Então, hei de tirar da minha língua, do feitio de meu espírito os recursos que Deus lá pôs dentro. Acabou-se.
Assim, eu poderia estender…
* Para a próxima reunião
Eu pretendo, então, desenvolver mais numa próxima reunião – se Deus quiser – a organização toda das Reuniões de Recortes, do “Legionário”, do “Catolicismo”, apresentando esse lado racional. Hoje estou dando uma exemplificação, um pouco para os senhores tomarem o gosto pelo problema.
Aqui eu preciso dizer uma coisa: os de minha geração são várias vezes – pelo menos mais de uma vez – injustos com as gerações que vieram depois, porque dizem que as gerações posteriores não sabem embrenhar-se em coisas que têm profundidade, e que isso representa superficialidade, poquice etc. Haverá disso… Mas, há pelo meio que a minha geração e outras intermediárias entre a minha e a dos senhores não souberam pôr ao vivo os problemas. Nem expô-los de modo que determine alguma atração.
Eu vejo os senhores, de uma geração tão imensamente diferente da minha, tomar interesse nestes assuntos. Interesse como se tivesse contando uma novela. Entretanto, o que estou fazendo é dar os problemas de organização de um semanário católico. Isso toca numa outra coisa. Os senhores vão ver daqui a pouco onde toca.
* A arte de conversar
De onde vem isso? Eu peguei, quase expirante, a arte de conversar. Mas, conheci-a e admirei-a enormemente. Procurei desenvolvê-la um pouco em mim, tanto quanto as minhas qualidades naturais permitiam. Muito antes do “Legionário”, quando eu tinha dez ou onze anos… E procurei, tanto quanto possível, fazer-me a mim mesmo conversar de um modo que eu achasse interessante, porque eu compreendia que, a partir do momento que eu achasse interessante o que estava dizendo, eu daria vida ao que dizia. E passaria a interessar aos outros.
Essa arte de conversar dá à arte de escrever uma vida extraordinária. O leitor deve ter a impressão que o escritor está conversando com ele. Talvez os senhores notem um pouco disso em algum artigo da “Folha”, artigos do “Catolicismo” etc.
A arte de conversar era preciso desenvolvê-la entre os redatores do “Legionário”. De onde, havia à noite, no período em que os rapazes estavam trabalhando e escrevendo, uma interrupção em que era servido um cafezinho. Eu saía da minha sala e entrava na de redação. Puxava uma prosa com todos. Eu estava certo de que, indiretamente, estava ensinando-lhes a escrever.
Não daria tempo sequer para concluir esta vista de conjunto sobre o “Legionário” ainda hoje à noite, se nos fossemos estendendo mais. Mas, eu queria que os senhores auferissem do que estou dizendo…
Aqui está uma coisa, por exemplo: “auferissem”… Ao pé da letra; auferir o que é? Auferem-se lucros, por exemplo. Quer dizer, retiram-se lucros. Como que, com uma escumadeira passada pelos fatos, se retira a nata, o lucro. Nós aproveitamos, lucramos… Mas, a palavra auferir tem um som musical, que no português é muito importante. Como no italiano também muito. O som musical da palavra indica muito o sentido. De maneira que um sujeito que não sabe o que a palavra quer dizer, às vezes lucra mais em não consultar o dicionário, e ver se adivinha. Se adivinha pelo som. É a musicalidade da palavra.
Alguém dirá: “Mas é melhor o Sr. não dizer auferir, pois somos obrigados a perguntar a outro”.
Um aprende o que é auferir e o outro aprende a explicar o que é auferir. É coisa boa.
* O nexo entre o pensamento e a ação
(Sr.-: O Sr. queria que nós auferíssemos de toda esta exposição duas coisas.)
Uma delas é: quanto é preciso pensar para que as coisas dêem resultado. Em segundo lugar: como é interessante pensar quando é a propósito da ação.
Eu toda vida tive muito mais interesse em pensar sobre aquilo que era matéria de ação apostólica, do que pegar num livro e ler uma coisa no ar. Acho que é uma das coisas que mais faz falta à geração dos senhores é esse nexo entre a ação e o pensamento.
Eu não quero lançar um juízo temerário sobre quem teve a honra de ter sido seus professores… Sinais de recusa vivíssimos… Mas, eu creio que poucos professores se deram ao trabalho de mostrar aos senhores como não convida ao pensamento simplesmente abrir um livro e começar a ler. Mas, estar lendo sobre aquilo que se age, habituar-se a pensar a analisar aquilo que se faz, intelectualiza o homem, prepara o intelecto.
A outra coisa que eu ia dizer, escapou-me…
* Por que tão poucos responderam ao apelo do “Legionário”?
(Sr. Dustan: No fim dessa magnífica exposição do Sr. sobre todas as características do “Legionário”, com se atuava nele, ainda mais se houver alguém que tenha a graça de ler artigos do Sr. nesse jornal, vê-se que se trata de uma gama de assuntos enorme e de que de modo elevadíssimo são expostos. Daria, a quem acompanhasse o “Legionário”, para ter toda uma visão do universo esplendida. E, tocado pela graça, o normal seria que muitas pessoas, especialmente em quem ainda havia um certo bom espírito – na sociedade não se via a decadência total que há hoje, ainda havia um resto católico – pelo menos um certo número, procurasse o Sr., e quisesse entrar nessa Ordem de Cavalaria. No fundo, o que havia no “Legionário” era um convite para uma Cruzada. Como se explica – pelo menos tanto quanto saibamos – que não tenha acontecido isso? Que de todos os recantos do Brasil não tenham acorrido pessoas procurando o Sr., e pondo-se nas mãos do Sr., para lutar pela Santa Igreja e pela Contra-Revolução?)
* Frase longa é apanágio do Nordeste
É uma pergunta muito boa que eu respondo com gosto. Não sem fazer uma observação. Os senhores ouviram o que o Sr. Dustan falou. Não sei se prestaram atenção como ele empregou frases longas. O talento nordestino dá muito para isso… E é um privilégio. É preciso saber aproveitar. Eu creio que, em parte, a minha propensão para as frases longas vem do fato do meu pai ser pernambucano. No Nordeste é assim. O meu pai fazia frases curtas. Mas, eu gosto das frases longas. Os senhores viram com que rapidez ele disse o que queria dizer. Raaaam… pronto!
Mas, se eu não tiver talento nordestino, o que vou fazer? – Escreva bem com frases curtas.
* Castidade, respeito humano e carreirosa
Agora, a resposta: três pontos constituíam a barreira. Mas que barreira!
Primeiro: a castidade. Uma barreira tremenda. Se ela não existisse, este auditório, tendo quatro vezes as dimensões que tem, não conteria todo o mundo que estaria aqui para nos ouvir. Só essa barreira.
Segundo ponto: o respeito humano. Nós sustentamos idéias que o público não aplaude. É preciso saber ir contra a corrente. A maior parte das pessoas não tem caráter para isso. Não tem coragem para isso.
Terceiro ponto, é vil, mas ele existe, e nesse período do “Legionário” já existia bastante, a voz da sereia dizendo para os jovens:
“Tudo isso não adianta, porque não serve para ganhar dinheiro. Você se quiser ser qualquer coisa, seja banqueiro. E para se ser banqueiro é preciso conhecer contabilidade… fazer um curso tal. Fora disso, você será um pobretão. Um pobretão, com um modo de ser agradável, com tudo isso que Dr. Plínio está te oferecendo. Acontece que, se você for banqueiro, passará num automóvel magnífico e todo mundo te saúda. E se for um homem inteligentíssimo, mas que vai num automovelzinho ou de ônibus, poucos te saudarão, e, se te saudarem, será de cima para baixo. Você quer?”
Seria preciso ter tido a coragem de dizer: “Eu prefiro!”
São dificuldades que ainda hoje existem e que afastam da carreira por excelência, que é a carreira sacerdotal, tantos, tantos e tantos que seriam os chamados de Deus.
O Sr. não é dessa opinião, Pe. Antônio?
(Pe. Antônio: Perfeitamente.)
Voilà! Meus caros, vamos encerrar…
Nota: No que diz respeito à conversa, consulte:
A conversa, obra-prima da Civilização (com áudio e texto)
A arte de bem conversar – Em que ela se distingue de uma conferência, de um discurso e de uma aula. Principais defeitos que prejudicam uma conversa (com áudio e texto)