Serviço de Imprensa, 27 de dezembro de 1993
TFP: controle externo do Judiciário, caminho mais curto para o caos
Comissão de Estudos Jurídicos da Sociedade Brasileira de Defesa da Tradição, Família e Propriedade – TFP
Forças bem conhecidas consideram o Poder Judiciário um obstáculo à transformação social, entendida esta em sentido esquerdista. Elas lhe movem atualmente uma campanha que se desdobra em diversas iniciativas.
Dentre essas, avulta a dos que desejam politizar a Justiça, mediante a instituição, melhor se diria, ampliação, como se verá adiante, do chamado do controle externo do Judiciário.
Tal controle politizante não pode deixar de ser qualificado de funesto, inoportuno e cheio de maus presságios, na atual quadra política brasileira.
Não se trata de fechar os olhos para a crise que assola a Justiça, como também é forçoso acrescentar praticamente todas as instituições nacionais. Mas o controle externo só agravará essa crise, tolhendo a independência dos juízes, pré-requisito do próprio Estado de Direito.
Para que se possa debater desapaixonadamente o tema, é necessário lembrar cinco verdades, as quais não têm alcançado a devida divulgação por parte da mídia:
- O Judiciário é o mais aberto dos três Poderes.
Tudo é público e registrado na efetivação da Justiça. Qualquer pessoa tem acesso aos autos. Sob pena de nulidade, um juiz não pode realizar audiências estando fechada a porta principal da sala (exceto nas varas da família, por razões óbvias). O Ministério Público, órgão ligado ao Poder Executivo, acompanha toda atuação do Judiciário, tendo presença obrigatória nas sessões dos Tribunais, sendo-lhe sempre solicitado que manifeste seu parecer.
- O Judiciário é o mais dependente dos três Poderes.
O Legislativo fixa o vencimento dos outros Poderes… e de si mesmo. O Executivo tem poder de veto, nessa matéria. A Magistratura não tem poder algum. Em última análise, recebe o que lhe dão, através do Poder Executivo, que freqüentemente atrasa o cumprimento dessa sua atribuição. E o que recebe é pouco.
- O Judiciário já é o mais controlado dos três Poderes.
Na Constituição de 1988, já existe uma faixa de mecanismos de controle externo. O ingresso na carreira de juiz se faz mediante concurso público, com a participação da Ordem dos Advogados do Brasil. Sob pena de nulidade, têm de ser fundamentadas todas as decisões judiciais. Os Tribunais de Contas, órgãos do Poder Legislativo, promovem a fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial do Judiciário. Pelo menos a quinta parte das vagas dos tribunais superiores e de todos os tribunais de segundo grau, federais e estaduais, é reservada a advogados ou promotores, portanto a profissionais de carreira externas à da Magistratura. A escolha dos ministros do Supremo Tribunal Federal, e quase todos os tribunais superiores é feita pela Presidência da República, e aprovada pelo Senado ([1]).
Acresce que a publicidade, de que se tratou supra (item 1), leva a possibilidade de controle a praticamente qualquer pessoa interessada, a tal ponto que até o deputado José Dirceu (PT de São Paulo), líder “controlista” radical, reconhece, no que diz respeito à função jurisdicional dos magistrados, que esse tipo de controle [externo] já existe, na prática, pela via recursal ([2]).
- O Judiciário não tem seus membros cobertos pelas imunidades de que gozam os outros dois Poderes.
Os processos contra juízes são acompanhados pelo Ministério Público, órgão extrínseco ao Judiciário. E os membros do STF estão sujeitos ao impeachment pelo Senado.
- Em conseqüência de tudo isto, o Poder Judiciário é o mais fraco e o menos independente dos três Poderes.
Se dúvida houvesse bastaria considerar a recente invasão das fazendas “Jangada” e “Ribeirão dos Bugres”, de Getulina (SP), em que foi preciso aguardar 42 dias para que a autoridade judiciária visse sua decisão cumprida pelo Executivo. O que se poderá esperar do Poder Judiciário se ele se tornar ainda mais débil e dependente?
* * *
Diante dessa massa de fatos incontroversos, os “controlistas” costumam entrincheirar-se atrás de um único argumento: o Poder Judiciário é o único que não se legitima pelo voto ([3]). Como o Executivo e o Legislativo pretendem, tudo é diferente. Seriam estes controlados externamente, pelo eleitor. As eleições são até consideradas uma forma de controle excelsa por um deles ([4]).
Não há condições práticas para se concordar com tal tese. Nenhum brasileiro possui a vivência íntima de estar controlando quem quer que seja, na esfera política, por meio de seu voto.
Se, nas eleições passadas, 52% dos brasileiros preferiram não votar em ninguém, e se 91% dos cidadãos não acreditam nos políticos ([5]), como é possível pretender que tal controle seja realmente efetivo?
Será que a maioria dos brasileiros acompanha nos jornais o que se passa na cena política? Lembram-se, pelo menos, dos candidatos nos quais votaram? Então, controlar quem? Como?
Vê-se, portanto, que o controle do Executivo e do Legislativo pelo eleitor, se existe, é extremamente frouxo. Em conseqüência, é igualmente frouxa a argumentação, aparentemente impressionante, de que o Judiciário não é controlado por meio das eleições, devendo sujeitar-se a outra forma de controle externo.
* * *
É preciso concluir que o Judiciário é o mais aberto, o mais dependente, o mais controlado externamente, o menos coberto por imunidades, em suma, o mais fraco dos três Poderes.
Aumentar tal dependência, ampliar ainda mais esse controle, eqüivale a colocar os juízes a reboque do Poder Político e tornar precária ou até fictícia a vigência do Estado de Direito. A quem isso aproveita?
A propósito, por razões que se desconhecem, teve pouca divulgação em nosso País a recente reforma constitucional francesa (julho de 1993). Por 833 votos contra 34, o Parlamento francês deliberou tornar mais independente e mais forte o Judiciário, no momento em que, no Brasil, se pretende exatamente o oposto ([6]). É sabido que foi o general De Gaulle quem lançou a moda “controlista”, a qual vingou em alguns países latinos da Europa. Agora, é a própria França que dá o sinal de início para uma volta atrás indispensável.
É preciso preservar, custe o que custar, a idéia de um Poder Judiciário independente e, a seu modo, majestoso, que paire acima das paixões políticas do momento, assegurando o império da Lei e a Justiça para todos.
Trabalhar contra a autonomia da Justiça é renunciar ao próprio conceito de civilização. E trilhar um dos caminhos mais curtos e diretos para o caos.
(1) Constituição Federal, respectivamente: art. 93, I; art. 93, IX; 71, II e IV; 94, 101, 104, 107, 111, 119, 123; ibid.
(2) “O Estado de S. Paulo”, 10-10-93.
(3) Profª. Ada Pellegrini Grinover, “O Estado de S. Paulo”, 12-5-93.
(4) Sérgio Zveiter, “Jornal do Brasil”, 1º-6-93.
(5) Cfr. “Gazeta Mercantil”, São Paulo, 31-8-93.
(6) Cfr. “Le Monde”, Paris, 20 e 21-7-93.