Catolicismo, N.° 389, Maio de 1983 (www.catolicismo.com.br)
Há cinqüenta anos, êxito eleitoral da LEC
EM 3 DE MAIO DE 1933, há precisamente 50 anos, realizavam-se em todo o País as eleições para a Constituinte Federal. Concorreram antigos Partidos remanescentes da República Velha, ao lado de agremiações políticas e sociais surgidas após a Revolução de 1930. Entre estas, como grande revelação, se destacou a Liga Eleitoral Católica.
Até então, o Brasil era regido pela Constituição de 1891, imbuída de um espírito laico, positivista e anticlerical. Acentuava-se, porém, cada vez mais o divórcio entre aquilo que poderíamos chamar o país aparente, e o país real. Oficialmente, o Brasil era uma república laica, vivendo à margem da questão religiosa. Na realidade, porém, os católicos eram esmagadora maioria, sem nenhuma expressão na vida pública, constituindo uma enorme força latente que os meios oficiais pareciam ignorar, e que nem sequer tomava, ela própria, consciência de si mesma.
A partir dos últimos anos da década de 20, com a expansão do movimento católico, com o afervoramento das associações religiosas de leigos, e muito especialmente das Congregações Marianas, ia-se tornando insustentável a ficção do Estado totalmente indiferente em matéria religiosa.
Foi a atuação da Liga Eleitoral Católica, instituída em fins de 1932, que permitiu alterar profundamente esse estado de coisas, fazendo prevalecer os direitos da grande maioria silenciosa.
A Liga apresentava aos vários Partidos um programa católico mínimo, cujos tópicos cada candidato deveria se comprometer por escrito a respeitar caso fosse eleito. Excepcionalmente, conforme as circunstâncias peculiares de cada Estado, a LEC podia, sem prejuízo de seu caráter extra-partidário, apresentar ela mesma candidatos próprios.
O sucesso que obteve foi marcante. Com seu apoio se elegeram, em todo o Brasil, dezenas de deputados. Talvez em nenhum lugar seu sucesso foi tão significativo como em São Paulo, onde foi eleito, com 24.017 votos, o jovem líder católico Plinio Corrêa de Oliveira, que já desempenhara papel de grande importância nas conversações para a fundação da LEC. Para se formar uma idéia do que significou essa votação, espantosa para a época, e suficiente para eleger dois deputados pelo quociente eleitoral vigente em São Paulo, basta lembrar que em todo o Estado votaram 255.706 eleitores. Plinio Corrêa de Oliveira obteve assim, sozinho, quase 10% dos votos disputados avidamente por mais de 100 candidatos. O 2° colocado, jurista e escritor de renome, obteve apenas a metade dos votos de Plinio Corrêa de Oliveira, que foi eleito quase exclusivamente com os votos católicos, enquanto os demais candidatos, três dos quais também aprovados pela LEC, se beneficiavam ademais dos eleitorados dos respectivos Partidos.
* * *
Na Constituinte de 1933-34 foram vitoriosas todas as reivindicações constantes do programa mínimo da LEC — a indissolubilidade do vínculo matrimonial, o ensino da Religião nas escolas públicas, a assistência religiosa nos quartéis e prisões — como também quase todos os pontos de seu programa máximo.
Várias dessas conquistas, impensáveis antes da LEC, atravessaram as décadas, e foram sendo incorporadas às cartas constitucionais posteriormente promulgadas. Mas sem dúvida, um dos mais importantes efeitos da LEC, a longo prazo, foi criar na maioria conservadora do Brasil uma consciência de sua própria força, consciência essa que até hoje constitui o maior obstáculo para a comunistização do Brasil. Isso explica, talvez, a antipatia dos progressistas em relação à Liga, cuja atuação é por vezes duramente criticada.
* * *
Para comemorar o 50° aniversário dessa bela vitória, “Catolicismo” oferece a seus leitores um artigo publicado pelo Prof. Plinio Corrêa de Oliveira no “Legionário”, órgão católico da Arquidiocese de São Paulo, de 15-1-1933, conclamando ardorosamente os católicos a apoiarem com todas as suas forças a Liga Eleitoral Católica. Note-se que em janeiro de 1933 o Autor ainda não era candidato, e nem tinha intenção de o ser. Além de sua pouca idade — contava então 24 anos — uma circunstância o incompatibilizava com a candidatura. Ele era Secretário da Junta Estadual da Liga, e, nessa condição, estava impedido, pelos estatutos da entidade, de se candidatar. Foi só meses depois que, por vontade expressa do Arcebispo D. Duarte Leopoldo e Silva, e anuência da Junta Nacional da LEC, o jovem líder católico aceitou que seu nome fosse incluído na Chapa Única por São Paulo Unido, como representante do eleitorado que apoiava a Liga.
O completo desinteresse pessoal do Prof. Plinio Corrêa de Oliveira quanto à candidatura à Assembléia Constituinte, comprovada pelo empenho do Arcebispo Metropolitano para que ele concorresse às eleições, torna mais admiráveis o ardor combativo, a coerência de atitudes e a largueza de vistas do Autor do artigo abaixo reproduzido, qualidades já bem conhecidas de nossos leitores. Estamos certos de que apreciarão eles, devidamente, esta página memorável do passado que hoje transcrevemos.
___________________________________________________________________________
Liga Eleitoral Católica — A postos!
ACABA DE SURGIR em São Paulo a Liga Eleitoral Católica. Bafejada pela simpatia e aprovação das autoridades eclesiásticas, e desenvolvendo uma atividade rigorosamente conforme às diretrizes da Santa Sé, constitui ela a expressão mais eloqüente do desejo dos católicos, de que o Brasil não seja mais um país em que se adore Deus apenas no segredo íntimo dos corações ou no recesso dos lares, mas em todos os campos da atividade humana.
Os acontecimentos que se desenrolaram e que todos nós conhecemos, colocaram o Catolicismo em tal situação, que, do futuro pleito eleitoral, apenas um resultado não podemos esperar: a manutenção do atual estado de coisas.
Ou o Catolicismo conseguirá vencer nas urnas, e fazer progredir resolutamente o país no caminho de sua restauração religiosa, ou o socialismo extremado se apoderará do Brasil, para fazer dele a vítima dos numerosos Calles e Lenines que pululam nos bastidores de nossa política, sequiosos de “mexicanizar” e “sovietizar” a terra de Santa Cruz.
Ou o espiritualismo se afirma nas eleições, na sua expressão mais elevada e mais genuína, que é o Catolicismo, ou vencerá o materialismo, na sua forma mais violenta e mais nefasta, que é o comunismo.
Ora, de que depende o resultado do pleito de maio? Depende dos votos do eleitorado brasileiro. O eleitorado brasileiro, portanto — e tanto vale dizer os católicos brasileiros — tem em suas mãos os destinos espirituais do Brasil, e talvez os do mundo.
Dormir enquanto uma tal batalha se prepara, viver sua vida de todos os dias, indiferente a tudo quanto não seja a banalidade das ocupações de sempre, construir egoisticamente sua felicidade individual enquanto se esboroa a felicidade do Brasil e corre risco a prosperidade da Igreja, eis aí atitudes próprias certamente de um Pilatos, nunca porém de um católico brasileiro, e de um Congregado Mariano.
No momento presente, a ninguém é lícito repousar com a consciência tranqüila, enquanto não tiver empregado todas as suas horas vagas, todos os seus momentos de lazer, todos os seus recursos intelectuais e morais a serviço da LEC.
E este serviço não é somente próprio aos eleitores. Podem prestá-lo todos os católicos realmente ciosos da maior glória de Deus.
Uma discussão em favor da LEC no escritório onde se trabalha, ou no clube em que se faz esporte; uma palestra a respeito do programa da LEC com um companheiro que encontramos na rua, ou um parente que nos visita em casa, uma oração feita em rápida visita ao SSmo. Sacramento pelo triunfo da LEC, quem não o poderá fazer?
Ora, é destas dedicações perseverantes e ardorosas, deste proselitismo combativo e prudente, que a LEC precisa para seu triunfo, pois que é principalmente dele que depende o sucesso do pleito.
Vemos, pois, que todos podem trabalhar pela LEC e que, portanto, todos DEVEM trabalhar pela LEC.
Reflitam todos os católicos sobre a grande responsabilidade que atualmente pesa sobre seus ombros. Decidam-se a sair a campo pelos ideais da Igreja. Porque, se algum dia se ensopar o solo brasileiro com o sangue das perseguições religiosas, ou se encher de luto a Igreja, pela crescente descristianização do Brasil, é sobre os inertes, sobre os indiferentes, sobre os Pilatos, que cairá toda a culpa deste sangue, e pesará todo o horror deste luto.
Como na narrativa evangélica, aproximam-se os asseclas do farisaísmo […] para crucificar novamente a Jesus. Entregá-Lo-emos como Judas? Dormiremos como os Apóstolos? Negá-Lo-emos como São Pedro?
[Vide também “O CRUZADO DO SÉCULO XX – Plinio Corrêa de Oliveira”, Cap. II, 3. A Liga Eleitoral Católica]