Réplica às críticas de D. Alexandre do Amaral, Bispo de Uberaba (MG), ao livro “Em Defesa da Ação Católica

1943, s/d

Do livro “Minha vida pública – compilação de relatos autobiográficos de Plinio Corrêa de Oliveira“, Editora Artpress, São Paulo, 2015, Parte V, Capítulo VI, tópico n. 12, nota 183, págs. 267-268:

Dom Alexandre do Amaral pretendeu refutar o Em Defesa da Ação Católica dizendo que via predominante no livro a “preocupação negativa da destruição do erro”, sem considerar “o elemento positivo”, somado ao fato de que “são muitos os erros de Plinio, ao lado do feitio superficial com que ele preferiu examinar questões tão graves”. À maneira de ver do Prelado, o livro “documenta muito bem […] a carência dos conhecimentos mais elementares da doutrina da A.C. no seu aventureiro autor”.

A contrario sensu, em 1949, menos de dez anos depois, veio para Dr. Plinio uma carta da Secretaria de Estado da Santa Sé, em nome de Pio XII, dizendo: “Sua Santidade regozija-se contigo porque explanaste e defendeste com penetração e clareza a Ação Católica, da qual possuis um conhecimento completo”.

Dr. Plinio replicou as críticas de D. Alexandre do Amaral, desmontando de forma respeitosa, porém pormenorizadamente, as objeções levantadas pelo Sr. Bispo, em um documento de 40 laudas datilografadas que foi entregue ao Prelado. 

blank

Dom Alexandre Gonçalves do Amaral (1906-2002). Foto: site Uberaba em fotos.

[Nota do datilógrafo: todos os grifos correspondem à versão original da missiva do Prof. Plinio]

J.H.S.

Escrevendo o livro “Em Defesa da Ação Católica”, tive em mira um único objetivo, explicitamente declarado no meu trabalho: defender as prerrogativas do Episcopado e do Clero contra as doutrinas falsas que existem em certos meios católicos, e que têm todas por efeito hipertrofiar as atribuições do laicato, em detrimento da divina constituição da Igreja Católica.

Leigo eu mesmo, e Presidente da Junta Arquidiocesana da Ação Católica de São Paulo, minhas conveniências pessoais me levariam a prestar ouvidos benévolos a estas doutrinas. Pelo contrário, ergo-me em presença de todo o Brasil católico, para as denunciar com a responsabilidade de meu cargo, e para reivindicar para a Ação Católica e implicitamente para mim mesmo, com o calor e a insistência com que se reivindicam privilégios a posição de súdito, de mero executor de ordens, de mero instrumento de ação. Levanto-me pois com o exclusivo propósito de protestar contra a usurpação dos poderes da Hierarquia… que se ia operando em meu próprio benefício. Por maiores que fossem por outros títulos os defeitos de minha obra, parece-me que essa atitude deveria atrair para ela a simpatia e a confiança que por algum título merecem sempre as atitudes inspiradas em propósitos evidentemente nobres e desinteressados. Penso, pois, poder declarar que o Exmo. Revmo. Sr. Bispo de Uberaba me maguou profundamente, afirmando que não há mal que de meu livro não se possa dizer. Bispo da Santa Igreja, seria justo e razoável que ele sentisse em seu coração paternal algum reconhecimento e pelo menos alguma simpatia para com um leigo que não revela outro propósito, senão o de proclamar e sustentar de todos os modos a sagrada autoridade do Episcopado. Com o filial respeito que devo a S. Excia. Revma., cabe-me declarar que em seu relatório não vislumbrei um só momento o menor lampejo desses sentimentos, tão efusivamente externados por outros membros ilustres do Episcopado brasileiro!

Pedindo vênia, respeitosamente, para entrar na exposição das reflexões que o relatório de S. Excia. Revma. me sugeriu, divido o assunto em duas partes, enunciando:

A-   As impressões gerais e preliminares que me parecem convir e que versam sobre o relatório globalmente considerado;

B-   As impressões que me foram sugeridas mais especialmente por certos tópicos do relatório.

A

Em meu livro se podem distinguir as questões de doutrina das questões de fato:

  1. a)Existem as correntes ideológicas que descrevi?
  2. b)As doutrinas que professam são realmente errôneas?

O relatório de S. Excia. Revma. afirma em expressos termos que de meu livro não há mal que não se possa dizer. Deduzo daí que errei, a um tempo, quanto aos fatos e quanto à doutrina. Ora, data vênia, tomo a liberdade de observar que, a meu ver, as duas acusações são incompatíveis entre si.

De fato, S. Excia. Revma. afirma que “seria preferível que ele (o A.) precisasse com datas, nomes e lugares os fatos lamentáveis que cita. Podem verificar-se e de fato se verificaram coisas desagradáveis, mas generalizar para argumentar…”

Ora, se houve fatos lamentáveis, a minha doutrina que os condena está certa. Ou então, se a minha doutrina é errada, tais fatos não devem ser lamentáveis mas realmente se deram. Ou ainda, o que seria verdadeira calamidade, minha doutrina é errada, mas ninguém age de modo contrário a ela para estar na verdade, o que significaria que toda a A.C. estaria imersa em erro. Não somos tão pessimistas!

Assim, é certo que em alguma coisa meu livro não errou, e que, portanto, em algum ponto merece louvor.

—0—

Quanto aos erros doutrinários de meu livro, parece certo que:

  1. a)ou existem nas teses que sustentei;
  2. b)ou existem nas teses e nos argumentos.

Ora, em todo o relatório encontro a afirmação reiterada de que meus argumentos são falsos, e nem uma só vez leio que sejam falsas minhas teses. Por outro lado, em um livro, o mais importante é a tese e não o argumento. De onde, ou também as minhas teses são erradas, e o relatório deixou de atacar o livro no que ele tem de mais censurável e grave, pelo que o relatório tem uma grave lacuna a respeito da qual eu gostaria de ser elucidado para formação de minha consciência; ou as teses de meu livro são verdadeiras, e eu apenas as sustento com maus argumentos.

Admitida esta segunda hipótese, meu livro “do qual não há mal que não se possa dizer”, tem pelo menos duas qualidades: intenção desinteressada e evidentemente louvável, e tesário impecável. Portanto, não é certo que não há mal “que dele não se possa dizer.

—0—

Finalmente, admitido que não haja mal que desse livro não se possa dizer, vem-me ao espírito a ideia de que há muitas pessoas de pouca cultura e nenhuma doutrina no Brasil, já que foram tantas as que me felicitaram pela publicação desse lamentável livro. É esta a conclusão a que se chega, conclusão verdadeiramente injuriosa ao representante do Santo Padre no Brasil, a muitos dos Exmos. Revmos. Srs. Arcebispos e Bispos de nosso País.

O Exmo. e Revmo. Sr. Núncio Apostólico, que se dignou honrar a obra com um antelóquio, constitui uma autoridade como no Brasil não se encontra maior, quer pela sua posição oficial, que tão dignamente ocupa, quer por haver conquistado a estima de todos os brasileiros, com seu acendrado devotamento e zelo pela Santa Igreja.

Depois de Sua Excia. Um número considerável de Exmos. Prelados brasileiros que nele viram tão somente uma obra digna de louvor. Citemos os nomes de Suas Excias., enumerando apenas aqueles que afirmaram sua solidariedade ao livro e o recomendaram em virtude de leitura pessoalmente levada a termo.

EM S. PAULO:

  1. D. ALBERTO GONÇALVES, Bispo Diocesano de Ribeirão Preto:

“São páginas nas quais se percebe não só seu entranhado amor à Santa Igreja, como ainda profundos conhecimentos da matéria versada, muito apropriada ao momento que passa, porquanto constitui o assunto de vários ensinamentos de seus últimos chefes”.

  1. D. JOSÉ MAURÍCIO DA ROCHA, Bispo Diocesano de Bragança:

“O Sr., com seu livro, prestou inestimável serviço à Ação Católica e, consequentemente, à Santa Igreja, dada a ligação existente entre uma e outra. – Já era tempo de serem rebatidos, e com clareza e documentação com que o foram em seu livro, os graves erros, que sem culpa dela, se estavam introduzindo nos conceitos da Ação Católica, deturpando-lhe a finalidade”.

  1. D. FREI LUIZ DE SANTANA, Bispo Diocesano de Botucatu:

“Recomenda-se a obra pela sua flagrante atualidade, segurança de doutrina, oportunidade dos assuntos tratados e profusa documentação”.

  1. D. ANTONIO JOSÉ DOS SANTOS, Bispo Diocesano de Assis:

“Livro precioso pela doutrina que ensina e em muito boa disposição precioso também pelo grande e necessário fim a que se propõe”.

  1. D. HENRIQUE CESAR FERNANDES MOURÃO, Bispo de Cafelândia:

“Felicito-o pelo substancioso, erudito, e, sobretudo, oportuníssimo trabalho “Em Defesa da Ação Católica”… Trabalhos destes fazem um bem imenso porque esclarecem dúvidas e fixam diretrizes”.

  1. D. MANUEL DA SILVEIRA D’ELBOUX, Bispo Auxiliar de Ribeirão Preto:

“Tenho a impressão de que o seu livro, firmado em raciocínios autênticos, em fontes seguríssimas e na autoridade do Exmo. Sr. Núncio Apostólico, vai receber agora, com a última Encíclica de Pio XII, o selo da consagração do “sentire cum Ecclesia”. Antes dissera: “V., meu caro Dr. Plinio, prestou um grande serviço à Ação Católica Brasileira”.

A esses Exmos. e Revmos. Bispos que ajuizaram da obra de tal maneira que mostram tê-la lido, poderíamos acrescentar as felicitações escritas pelos Exmos. e Revmos. Srs. D. ANTONIO AUGUSTO DE ASSIS, Arcebispo-Bispo de Jaboticabal, que elogiou a obra e a recomendou ao seu Revo. Clero, por ocasião do Retiro Espiritual e D. FRANCISCO BORJA DO AMARAL, Bispo de Lorena, que felicitou vivamente o autor, afirmando que esse livro fará grande bem. O valor destes testemunhos é idêntico aos demais, pois que estamos muito longe de pensar que algum Exmo. Sr. Bispo fosse capaz de recomendar levianamente uma obra cuja utilidade não conheça. Como, no entanto, no agradecimento ao autor não tem palavras de onde se possa deduzir que pessoalmente leram a obra, colocamos seus nomes à parte.

FORA DE S. PAULO:

  1. D. ATICO EUSEBIO DA ROCHA, Arcebispo de Curitiba, Est. Paraná:

“Magnífica e oportuníssima obra, cuja leitura bem esclarece os espíritos que não são escravos de lamentáveis preconceitos”.

  1. D. HELVECIO GOMES DE OLIVEIRA, Arcebispo de Mariana, Est. de Minas:

“Devo-lhe confessar que, antes mesmo de ler sua generosa dedicatória já havíamos comprado vários exemplares de seu magnífico trabalho, para leitura de nossos bons seminaristas, que o tem saboreado a valer, louvando a Deus que concedeu a V. Excia. tempo e talento (no sentido também de coragem!), para levar à imprensa obra de tamanho fôlego doutrinário espiritual… “Em Defesa da Ação Católica” para a Juventude tem que ser o manual de leitura quotidiana em tudo quanto se refira à verdadeira A. C. entre nós”.

  1. D. FLORENCIO VIEIRA, Bispo de Amargosa, Estado da BAÍA:

“É uma grande contribuição para o desenvolvimento da A. C. nos seus justos fins e um brado de alarme franco e caridoso contra as deturpações que se vão introduzindo nesse grande movimento de restauração do reino de Cristo na sociedade moderna”.

  1. D. FRANCISCO DE ASSIS PIRES, Bispo do Crato, Estado do CEARÁ:

“Livro de grande atualidade que julgamos de nosso dever vulgarizá-lo o mais possível, muito embora ele já se recomende sobejamente, não só pelo nome do autor, como pelo assunto versado… Trata-se, com efeito, de uma exposição clara da sã doutrina, de um repositório de grandes verdades que nunca deveriam andar esquecidas, em suma, de um guia seguro para todos os que militam nas hostes de Cristo Rei os quais têm ali muito que aprender e meditar”.

  1. D. ERNESTO DE PAULA, Bispo Diocesano de Jacarezinho, Estado do PARANÁ:

“A exposição inteligente e nítida do seu incomparável trabalho, de par com a doutrina absolutamente ortodoxa, toda ela alicerçada nos documentos pontifícios, há de fazer luz em muitos ambientes até agora agasalhados em confusão, quanto ao conceito puro e verdadeiro como ao exercício sublime da Ação Católica”.

  1. D. HUGO BRESSANE DE ARAUJO, Bispo Diocesano de Guaxupé, Est. de MINAS:

“Ao passo que dou a V. Excia. o meu parabéns pela excelente publicação, comunico que já a recomendei ao Revmo. Clero desta Diocese”.

  1. D. DANIEL HOSTIN, Bispo de Lages, Est. de SANTA CATARINA:

« Li com especial atenção e grande interesse seu precioso livro “Em Defesa da Ação Católica” e venho apresentar-lhe meus sinceros aplausos e parabéns pela publicação do mesmo. – O Sr. rebateu erros, desfez preconceitos, dissipou dúvidas, elucidou dificuldades acerca da Ação Católica, enfim, defendeu-a brilhantemente”.

  1. D. GERMANO VEJA CAMPON, Bispo titular de Oreo e Prelado Apostólico de Jataí, Estado de GOIÁS:

“Julgo segundo o meu humilde saber e entender, que sua obra será de grande fruto para as almas, e portanto para que Nosso Senhor seja glorificado”.

  1. D. JOAQUIM BATISTA MUNIZ, Bispo de Barra, Estado da BAÍA:

“Não sei como agradecer seu trabalho escrevendo um livro, talvez o mais oportuno do momento presente. Já desde muito que estava impressionado com o progresso que tomava o novo movimento litúrgico, absorvendo a Ação Católica em um ambiente, que já sabia demais a heresias e costumes contrários aos da Santa Igreja…”

Como notamos no começo, aqui só transcrevemos os aplausos dos Exmos. Srs. Bispos dos quais temos certeza de que tomaram conhecimento por leitura pessoal da obra. Outros houve que escreveram ao autor aprovando-a sem porém darem a entender que a leram pessoalmente. Levaram-se talvez no parecer de pessoas fidedignas. São testemunhos valiosíssimos, pois que não é possível que um Exmo. Sr. Bispo dê assim apoio a uma obra, sem ter antes adquirido a certeza de que realmente ela merece este apoio. Não os trazemos aqui unicamente pelo propósito que nos prescrevemos de início.

Além dos Exmos. e Revmos. Srs. Bispos, muitos sacerdotes seculares ou regulares das mais diversas Ordens ou Congregações que têm cura de almas, e puderam, portanto, sentir as dificuldades concretas que, em seu pastoreio, encontravam, a cada passo, com pessoas que haviam compreendido mal a Ação Católica, também manifestaram sua alegria e contentamento com esta obra, que a seu juízo vinha dissipar equívocos, elucidar questões e orientar consciências. Transcreveremos aqui apenas o testemunho do Ilmo. e Revmo. Sr. Pe. Luiz Riou, dd. Provincial da Companhia de Jesus, pelo valor especial que tem este documento diante da situação singular e merecimentos inúmeros dos Padres Jesuítas em nossa terra, no passado e no presente. Escreveu Sua Revma. a propósito do livro “Em Defesa da Ação Católica”:

“Estou convencido de que V. S. prestou um relevante serviço à Santa Igreja expondo com admirável clareza e com uma precisão teológica não menos admirável a genuína doutrina da A. C. apontando ao mesmo tempo muito oportunamente, os erros, perigos e desvios a que a mesma se acha exposta, com imenso prejuízo da verdade católica e da missão confiada à A. C.”

Por todos esses testemunhos, vê-se que o livro “Em Defesa da Ação Católica”, no julgamento de muitos dos Exmos. Srs. Bispos, de muitos Sacerdotes de valor, prestou realmente serviço à causa da Santa Igreja no Brasil.

Diante disto, penso de mim para mim: 1) seria possível que esta obra tivesse tal utilidade se contivesse “tantos erros” de maneira que “nele ficará muito pouco, excetuadas as citações dos documentos pontifícios”? Seria possível ser esta obra útil à A. C. se seu autor “praticamente não está a par nem mesmo dos Estatutos e regimentos internos da A. C.?”; 2) Ou seria possível admitir que todos estes Exmos. e Revmos. Bispos, alguns dos quais a elogiam da maneira mais calorosa que se poderia esperar, se tenham enganado redondamente ao ajuizar sobre esta obra?

Depois destas considerações gerais seja-me lícito, com a devida vênia, passar a um exame particular das várias observações que o Exmo. Sr. Bispo de Uberaba se dignou de fazer ao meu livro.

B

Diz Sua Excia. que “seria preferível que ele (o autor) precisasse com datas, nomes e lugares os fatos lamentáveis que cita. Podem verificar-se e de fato se verificaram coisas destas, mas generalizar para argumentar…”

Primeiramente, parece-me que eu não teria nem o direito nem o dever de citar nomes, datas e lugares. Se se tratasse de denunciar delinquentes para serem punidos, evidentemente as provas exigiriam datas, nomes e lugares. Tratando-se, porém, de denunciar desvios, e erros, basta enunciá-los para que as pessoas se precavenham. Demais, conhecidos os erros, podem as pessoas identifica-los por si, de maneira que, onde os há, os culpados ficam desmascarados – o que é conveniente; onde não os há, não há mister que se conheçam pessoas que falharam em outros lugares.

Quanto à probidade de minha exposição, está ela solidamente alicerçada nos documentos dos Exmos. Srs. Bispos que reconheceram na sua coragem um benefício à Santa Igreja, pois dissipava equívocos nefastos para a mesma. Leiam-se os testemunhos de D. FLORENCIO VIEIRA, na Baía, de D. FRANCISCO DE ASSIS PIRES, no Ceará, de D. JOAQUIM BATISTA MUNIZ, também na Baía, de D. HELVECIO GOMES DE OLIVEIRA, em Minas Gerais, de D. ATICO EUSEBIO DA ROCHA, no Paraná, e verificar-se-ão que os males por mim denunciados realmente não são tão isolados como poderia parecer, a quem o lesse comparando apenas com os fatos de que tem conhecimento. Aliás, repetimos, o que aqui importa não é o conhecimento de datas, nomes e lugares; mas conhecer-se a orientação perigosa para dela a pessoa desviar-se. Assim costumam fazer os Sumos Pontífices nas suas encíclicas (veja-se por exemplo a última sobre o Corpo Místico de Jesus Cristo e todos os documentos citados no Enchiridion Symbolorum). Não vemos mal nenhum em que um leigo, dócil à Santa Igreja, siga este exemplo.

Não nos parece, pois, verdade que “com argumentos desta marca até a própria Igreja poderia ser destruída por imaginações quixotescas…” Pois que o catálogo de erros condenados pela Santa Igreja – que é volumoso – se fez para conservar a Santa Igreja e não para A destruir; assim também qualquer catálogo de erros que se faça a respeito de atitudes contrárias à Doutrina da Santa Igreja em matéria de Ação Católica – ainda que seja volumosíssimo – jamais virá a destruir esta obra providencial de apostolado.

—0—

Por estas considerações já se vê que o importante na refutação de meu livro consiste nos três pontos apontados no relatório: 1) realmente não foi fiel nas suas citações; mudou o sentido dos autores citados; 2) contradisse a doutrina comum da filosofia e da teologia, bem como do Direito Canônico; 3) contradisse a doutrina de Pio XI e de Pio XII.

Para mostrar que não fui fiel nas minhas citações, o relatório disse contentar-se apenas chamando a atenção para as citações de Mons. Guerry e Mons. Civardi, que se encontram no meu livro. De fato, procura mostrar esta falsidade também no que respeita ao Santo Padre Pio XI e Pio XII, como examinaremos abaixo. Digamos, preliminarmente, que numa obra onde se contam, só nas quatro primeiras partes (excetuando-se, pois, a quinta, onde, por se tratar de uma confirmação pelo Novo Testamento, é de se esperar que as citações sejam muito numerosas) mais de duzentas citações, contentar-se para concluir com três ou quatro, é realmente induzir com base fraca. Examinemos, porém, as citações reputadas falsas.

  1. O relatório cita este trecho do meu livro: “Com efeito no pensamento e na pena de Pio XI, os termos participação e colaboração se equivalem. Di-lo um dos mais eruditos pesquisadores e comentadores dos textos pontifícios sobre a A. C. Tratando da questão, Mons. Guerry, em seu conhecidíssimo trabalho “L´Aciton Catholique” (p. 159), acentua que o “Santo Padre emprega em suas definições as palavras colaboração e participação, às vezes na mesma frase, porém, mais frequentemente separadas e indistintamente uma pela outra”. O depoimento é precioso, pois que Mons. Guerry é no conceito geral, como dissemos, um dos melhores conhecedores dos numerosos textos pontifícios sobre a A. C. de que faz uma compilação mundialmente difundida. Isto posto, dispensamo-nos de reproduzir aqui os múltiplos textos que fundamentam a asserção do ilustre tratadista (p. 67-68)”.

Eis aí uma citação falsa! Vejamos. Meu livro aí afirma:

  1. que no pensamento e na pena de Pio XI, as palavras “participação” e “colaboração” se equivalem. Para demonstrá-lo
  2. apela para a autoridade de Guerry, que no seu tratado “L´Action Catholique” acentua que o Santo Padre, etc.
  3. Como se trata de um autor que todos reconhecem como profundo conhecedor de textos pontifícios, eu me dispenso de dar os textos pontifícios que justificamsuatese, e fundamentam o testemunho de Mons. Guerry.

Quem tiver a paciência de ler, portanto, meu livro, com atenção, fica persuadido de que acho: que o Santo Padre realmente usa indistintamente uma palavra pela outra, “participação” e “colaboração”; bem como fica persuadido de que Mons. Guerry afirma a mesma coisa. Meu livro nada diz a respeito de interpretações que porventura o Mons. Guerry dará a esta maneira do Papa agir. O que afirma é apenas que Guerry registra este modo de falar do Santo Padre.

Ora abramos o Guerry, na página citada, e teremos precisamente o que meu livro afirma, e com esta vantagem, que Mons. Guerry, não deixando de trair certa simpatia pela opinião do Pe. Dabin, teme aceita-la porque tem diante de si uma maneira de agir do Papa, de quem, unicamente dependem conceito, estrutura e tudo o mais que respeita à Ação Católica. Portanto, o meu livro não foi infiel na citação; não falseou o pensamento do autor citado.

Onde notamos um equívoco de citação é precisamente neste passo do relatório. Realmente, meu livro conclui que o Santo Padre não faz distinção entre os dois termos “porque usa indistintamente um pelo outro” e não porque Guerry assim pensa. Ora, o relatório dá a entender que o fundamento da argumentação de meu livro é, não o uso do Santo Padre – atestado pelo próprio Guerry – mas a opinião que teria Mons. Guerry a respeito da sinonímia das duas palavras.

O que se nota no relatório do Sr. Bispo não é propriamente a questão de citação adulteradas; o que mais lhe importa é que as palavras participação e colaboração não sejam sinônimas. Ora seria fácil para a argumentação do relatório citar exemplos tirados das encíclicas pontifícias – desde que realmente o Santo Padre não as tivesse tomado como sinônimas – que evidenciassem na mente do Papa esta distinção entre as palavras “participação” e “colaboração”, que os tratadistas da A. C. por vezes pretendem introduzir. Não se trata de saber o que é que os intérpretes dizem, mas o que é que o Santo Padre disse.

Ora, neste particular limita-se o relatório a esta argumentação:

“Suponhamos que alguém diga do dr. Plinio, por exemplo, na mesma frase, que é um homem digno de louvor, um animal racional, admirável, um espírito lúcido. Teríamos três palavras: homemanimal racionalespírito lúcido, repetidas “quelque fois dans la même frase”. (sic!)

“Se, entretanto, esta pessoa que assim se refere a ele, preferir separá-las empregando-as “le plus solvente separement et indistinctement l´um pour l´autre”, daí não se pode concluir serem sinônimos perfeitos. Se essa pessoa disser que ele é um espírito lúcido e se por isto quiser dizer que espírito lúcido é sinônimo de homem, há um engano. Emprega-se uma palavra por outra, mesmo quando essa palavra empregada não expresse a essência total, portanto a espécie, mas ao menos uma parte da essência. E uma parte não é sinônimo do todo. Até porque, se assim fosse, poder-se-ia preferir, em vez da diferença específica, o gênero próximo e então a coisa seria lamentável.

“Se em vez de espírito lúcido, correspondente a racional (da mesma espécie homem), o denominador preferisse o elemento genérico animal então o denominado haveria de muito justamente de insurgir-se contra a teoria dos termos que “se equivalem”.

Dê-nos o ilustre e venerando autor do relatório licença para discordar.

Quando duas palavras se usam “indistintamente, uma pela outra” é sinal de que são sinônimos perfeitos. Do contrário não se poderiam usar “indistintamente uma pela outra”; poder-se-iam usar juntas ou separadas, como no exemplo que ele aduz; jamais, porém, “indistintamente uma pela outra”. Pois que se usam “indistintamente as palavras umas pelas outras” quando elas têm o mesmo significado. Ninguém iria usar “indistintamente” uma pela outra as palavras “animal” e “racional”. Se assim o fizesse cairia em erro. Por que? Porque não são sinônimos, uma não pode pura e simplesmente substituir a outra, uma não tem a mesma significação que tem a outra. Do contrário poderia. Se, pois, o Santo Padre usa “indistintamente” as palavras “colaboração” e “participação” uma pela outra, é sinal que o Santo Padre acha que uma é simonia da outra. Podemos pois explicar uma pela outra, como faço em minha obra.

Registrada esta observação quanto ao mérito da questão, examinemos o segundo exemplo aduzido pelo relatório, para mostrar que falsifiquei citações, e mudei o sentido dos autores citados.

  1. Cita o relatório a mesma página, onde, ainda com intuito de mostrar que o Santo Padre não faz distinção entre os termos “colaboração” e “participação utiliza-se o meu livro da autoridade de Mons. Civardi NÃO para dizer que Mons. Civardi em pessoa não faz esta distinção, MAS para mostrar como o próprio Mons. Civardi reconhece que o Santo Padre não faz esta distinção.

Novamente o relatório aduz não citações de encíclicas e cartas pontifícias para mostrar que errei afirmando que o Santo Padre não usa indistintamente as palavras “colaboração” e “participação”; nas citações em que Mons. Civardi expõe a sua interpretação, de maneira aliás muito digna, pois que diz, modestamente, “a palavra participação parece-nos mais rica de significado”.

A questão, pois, está em pé, e, como meu livro não quis expor as sentenças nem de Mons. Civardi, nem de Mons. Guerry, mas apenas seus testemunhos a respeito da maneira do Santo Padre se exprimir; e como estes testemunhos são reais e no sentido em que os aduzi, não chega o relatório a demonstrar seu primeiro ponto: que o livro “não é fiel nas suas citações. Muda o sentido dos autores citados”.

Conclui esta primeira parte o relatório com esta frase: “Se não bastassem esses dois exemplos de infidelidade, nas citações de Plinio, haveria ainda muitos outros que a brevidade manda omitir”.

Num livro que conta muito mais de duzentas citações, ninguém concluirá em sã justiça pela infidelidade nas citações só com a apresentação de dois exemplos. Depois, nem nestes dois exemplos há realmente infidelidade. Por ter lido um tanto à pressa, ou por qualquer outro motivo, julgou o relatório que o meu livro estivesse baseando sua argumentação em opiniões de comentadores, quando ao autor só interessava saber o pensamento do Santo Padre, através do testemunho obtido nos escritos do Santo Padre. Para destruir esta argumentação só haveria a meu ver dois caminhos: a. Mostrar que o Santo Padre, claramente indicou que não pretendia usar como sinônimas as duas palavras “participação” e “colaboração” – o que não nos parece ter sido feito; ou b. Mostrar que tanto o Mons. Guerry, como o Mons. Civardi não afirmaram que o Soberano Pontífice usou indistintamente uma palavra pela outra. Ora nada disso foi demonstrado.

Mas afirma o relatório que há exemplo mais grave.

Vejamos, pois, o exemplo mais grave de falsificação de citação e mudança de opinião dos autores citados, a que alude o relatório:

“Na página 70 Plinio diz: “Em outros termos é o próprio Papa quem afirma a identidade posição de ambas, Ação Católica e Associações Auxiliares ante a Hierarquia, como colaboradoras, e esclarece implicitamente que Pio XI, falando em “participação” não deu a esta palavra senão o sentido de “colaboração” (Nossos os grifos)”.

Pediríamos aqui ao Exmo. Sr. Bispo o obséquio de citar não apenas esta frase, mas o contexto todo. Veria Sua Excia. que o livro expõe com minhas palavras o que o Santo Padre afirmou na alocução de 5 de setembro de 1940. Julgue o leitor:

“…recomendando a máxima harmonia entre a A.C. e as organizações de piedade anteriormente existes, (o Papa) afirmou: “A organização da Ação Católica italiana, embora seja órgão principal dos católicos militantes, não obstante, comporta a seu lado outras associações também dependentes da Autoridade Eclesiástica, das quais algumas que têm fins e formas de apostolado bem se podem dizer colaboradores no apostolado hierárquico”. Em outras palavras, afirma o Santo Padre que os católicos podem ter dois órgãos para colaborarem no apostolado hierárquico: um principal, a A. C. I., outro secundário: as associações que têm fins e formas de apostolado.

E para autenticar que o trabalho dos católicos militantes, nestas últimas, pode muito bem ser colocado ao lado (a expressão é pontifícia) do daqueles que estão filiados à A. C. I. (que é órgão principal), explica o Santo Padre que perante a Hierarquia, também estas associações podem dizer-se “colaboradoras no apostolado hierárquico”.

Talvez fosse difícil exprimir de maneira mais clara a identidade de posição da A.C. e das associações auxiliares perante a Hierarquia, de maneira que a distinção que há entre uma e outras é apenas de primazia e direção, ou seja não específica, mas gradual.

É interessante notar como nossos Estatutos da A. C. B. escritos e aprovados ao tempo de S. S. Pio XI, mantêm o mesmo espírito de igualdade, diante da Hierarquia, no que respeita à participação no apostolado, entre a A. C. e as outras associações; bem como mantêm a primazia e direção que compete à A. C. no que respeita aos trabalhos de apostolado conferido aos leigos. Leiam-se os arts. 2º., 13º., 14º., 15º., 18º., 19º. (por este as associações entram no quadro oficial da A. C. B. ao lado das organizações fundamentais, tal qual preconiza o S. Padre Pio XII, na alocução citada no meu livro), 20º., 23º. e 26º.

Por tudo isso se vê que meu livro não conclui mal, mas apenas evidenciou por este e outros documentos anteriores qual o pensamento do Santo Padre, com relação à situação da A. C. perante a Hierarquia, que é o problema por mim ventilado nesta primeira parte de meu livro.

De maneira que à refutação ao meu livro posso responder por dois lados: ao afirmar que a citação não é fiel, respondo que a citação é muito fiel, traduzida imediatamente do Osservatore Romano; as acusar que mudo o sentido dos autores que cito, responde que não ficou demonstrado que mudei o sentido do período citado pelo Santo Padre.

Para demonstrar que mudei o sentido do pensamento do Santo Padre, o relatório cita ainda outros documentos pontifícios, a saber: uma alocução de S. S. Pio XI em 30 de março de 1930, e um escrito que não é propriamente pontifício, porque S. S. Pio XII, quando ainda secretário de Estado, de 30 de março desse mesmo ano. Ambos os documentos, a alocução e o escrito do Cardeal Secretário de Estado dizem que as obras auxiliares não são no sentido literal e formalmente A. C.” Daqui conclui o relatório que no pensamento dos dois últimos Sumos Pontífices, a posição da A. C. e das associações auxiliares com relação à Hierarquia, no que diz respeito à essência da delegação, em virtude da qual exercem o apostolado, não é a mesma. Esta deve ser a conclusão do relatório bem que não diga explicitamente, porque esta é a tese do meu livro, e o relatório visa destruir essa tese.

Ora esta conclusão não se contém nas palavras quer de Pio XI, quer de S. Emo. Cardeal Pacelli. De fato as Congregações Marianas não são literal e formalmente A. C., como não o são, literal e formalmente, o Apostolado da Oração, a Arquiconfraria do Rosário, a Irmandade do SS. Sacramento, etc. Ora a natureza íntima da delegação em virtude da qual as CC. MM., a Irmandade do SS., o Apostolado da Oração, ou outras obras que não são A. C. o fazem apostolado, é, em todas estas associações, a mesma. Logo, por isso que as
CC. MM. não são literal e formalmente A. C. não se conclui que o mandato em virtude do qual fazem as CC. MM. apostolado é essencialmente distinto do mandato com que o faz a A.C. O argumento é claro. E realmente o que faz com que uma associação seja literal e formalmente esta e não aquela não é a situação em que se encontra com relação à Hierarquia, mas a estrutura jurídica de seus estatutos, que lhe dá corpo social e determina sua natureza. Portanto só desta afirmação que as CC. MM. não são literal e formalmente A.C. não se deduz que a delegação em virtude da qual fazem estas apostolado seja distinta na sua essência da delegação em virtude da qual faz apostolado a A.C.

Esta mesma argumentação pode ser desenvolvida mediante outro exemplo que talvez ainda seja mais claro. É certo que a Ordem Dominicana não é literal e formalmente a Ordem Franciscana, no entanto, ninguém dirá que a posição que estas duas ordens têm com relação à Santa Sé seja especificamente, essencialmente, diversa; como ninguém dirá que o que faz com que a Ordem Dominicana não seja formal e literalmente a Ordem Franciscana é sua posição com relação à Santa Sé; mas, sim, a estrutura interna, os estatutos que lhe dão corpo social e a fazem esta e não outra.

Aliás, esta argumentação, que aqui desenvolvemos, tem uma esplendida confirmação nas palavras de S. Em. o Cardeal Pacelli, citadas pelo relatório no mesmo intuito de destruir a posição do meu livro. De fato, qual a razão porque sua Em. diz que as outras obras e associações que exercem eficacíssimo apostolado não “podem dizer-se sem mais A.C.”? Porque este apostolado feito “em formas de organização aplicadas a cada uma destas iniciativas”. Procura, portanto o Eminentíssimo Purpurado a diferenciação entre a A.C. e as AA. AA. Não na sua posição com relação à Hierarquia, mas na estrutura interna, de maneira que as AA. AA. não são A.C. não pela diversa posição com relação à Hierarquia, mas porque suas organizações de apostolado se amoldam à cada uma destas iniciativas, e não à iniciativa particular que constitui a A.C. Leiamos a palavra do Em. Purpurado, e a razão porque ele diz que as outras instituições etc. que existem além da A.C. são distintas da A.C.”

“Além da A.C. propriamente dita há outras instituições, as associações, iniciativas que, com admirável variedade de organismos, tendem já a uma cultura ascética mais intensa; já a prática da piedade e da religião, e de um modo especial ao Apostolado da Oração; já ao exercício da caridade cristã em todas as suas difusões e aplicações, exercendo de fato um apostolado abundante e eficacíssimo, individual e social, com formas de organização muito variadas e aplicadas a cada uma destas iniciativas, mas POR ISSO MESMO distintas da organização própria da A.C. Obras, por conseguinte, que não podem sem mais dizer-se A.C., ainda que possam e devam dizer-se verdadeiras e providenciais auxiliares da mesma”.

Não é demais observar que o Eminentíssimo Cardeal Pacelli diz duas vezes que a diferença deve ser tomada na estrutura interna, e não em relações com entidades distintas. Não só diz que as AA. AA. não podem dizer-se A.C. pura e simplesmente porque suas formas de apostolado se adaptam a estas iniciativas; mas, na segunda parte do período, indica de modo claro que é na organização própria da A.C. que se deve procurar a diferença entre esta e as demais associações. De fato acrescenta “…por isso mesmo distintas da ORGANIZAÇÃO PRÓPRIA da A.C.” e por isso (“por conseguinte”) não podem dizer-se sem mais A.C.”.

Novamente, pois, deste trecho do Em. Cardeal Pacelli não se pode concluir que a natureza íntima do mandato da A.C. é essencialmente distinto do mandato que têm as outras associações que fazem apostolado.

Para terminar este primeiro ponto, uma observação às palavras do Em. Cardeal Piazza citadas pelo relatório. Fornecem elas um novo e esplendido argumento à minha tese. Diz Sua Em. citado pelo relatório, que certa modificação introduzida na A.C.I. “nenhuma mudança substancial introduziu nos fins e na estrutura da A.C.”

Quer dizer, e o relatório admite, que S. S. Pio XII não introduziu nenhuma modificação substancial nos fins e na estrutura da A.C. Ora, no mesmo artigo, mostra o Cardeal Piazza que com a palavra “participação” o Santo Padre Pio XI “em nada muda o conceito” enunciado na Ubi Arcano Dei, na qual definira a A.C. “colaboração dos leigos no apostolado hierárquico”. De maneira que, por isso que nada se mudou na substância e nos fins da A.C. e esta foi definida pelo Santo Padre Pio XI, na encíclica Ubi Arcano “colaboração dos leigos etc.” palavra que, sem mudar o sentido, era pelo Santo Padre Pio XI substituída muitas vezes pela palavra “participação”, realmente na definição da A.C. continuam as palavras a serem usadas como sinônimas “colaboração” e “participação”. – Convém não obstante notar que o Santo Padre Pio XII, gloriosamente reinante “prefere evidentemente a palavra colaboração que é de mais fácil compreensão, e menos exposta a errôneas amplificações (mesmo artigo)”. Em outros termos, podemos recear que aqueles que só admitem a palavra “participação” como necessária e não como sinônima de “colaboração” exponham o conceito de A.C. a estas “errôneas amplificações”. – E neste ponto é só.

—0—

II

A segunda tese sustentada pelo relatório é que o meu livro contradiz a doutrina comum da filosofia, teologia e direito canônico. Não quer o relatório insistir muito nisto. Diz S. Excia. que basta que se leia “a noção que Plinio tem de mandato da pág. 28 por diante”.

Como o relatório não cita a questão ventilada por meu livro aqui, vamos para melhor perceber o valor da refutação apresentada dizer em duas palavras o de que se trata.

A questão é saber a fonte de liceidade para os leigos trabalharem-no apostolado. Pois que o pressuposto é a exclusividade de apostolado concedida à Hierarquia, de maneira que ninguém pode fazer apostolado sem seu consentimento.

Diz o meu livro que a fonte de liceidade, é precisamente este consentimento, este ato da vontade da Hierarquia que admite colaboradores no campo de apostolado que lhe pertence de maneira exclusiva. Este ato da vontade é que constitui o mandato. A maneira de exprimir este ato de vontade – que é sempre o mesmo, a saber admitir que outros trabalhem no apostolado – pode variar, pode ser um império, um consentimento explícito, ou tácito ou mesmo interpretativo.

Para exemplificar aduzo em meu livro um exemplo:

Um senhor tem direito exclusivo sobre seu terreno, mas ele sozinho não é capaz de cultivar este terreno. Resolve admitir colaboradores.

Pode mandar que seus filhos o auxiliem;

Pode permitir que seus filhos o auxiliem;

Pode aprovar o auxílio que seus filhos lhe querem prestar;

Podem os filhos, que sabem a vontade do Pai, trabalhar no terreno, apenas supondo a permissão do Pai.

Na essência, donde procede o direito destes filhos? Da vontade do Pai, que é na essência a mesma: admitir colaboradores e tais colaboradores. Não houvesse esta vontade, ninguém poderia trabalhar no terreno; havendo esta vontade, já se torna lícito o trabalho, e lícito sempre pelo mesmo motivo, porque a vontade é sempre a mesma, ainda que possa variar a maneira de ser ela expressada.

À luz deste exemplo é que se devem entender as expressões aduzidas pelo relatório:

“as quatro hipóteses “do ponto de vista moral e jurídico, apenas se diferenciam umas das outras pela maior ou menor intensidade do ato de vontade do proprietário”; “há no assunto uma simples diferença de intensidade e nada mais – diferença que não altera qualitativamente a questão” e “a natureza do vínculo moral e jurídico que os prende ao mandante é sempre a mesma”.

É evidente que a questão não precisa de ser necessariamente exemplificada pelo modo como o fez meu livro. Bem que a exemplificação tomada ao campo de exclusiva propriedade do Senhor seja mais conforme com a maneira como Jesus Cristo comparava o apostolado a um campo do Pai de famílias, quem quiser pode tomar outro exemplo. Uma coisa, porém, qualquer exemplificação é capital: deve tratar-se de relações em que uma parte tenha direitos exclusivos, como no caso que apontei em meu livro. Do contrário o exemplo não vem ao caso, não elucida coisa nenhuma, permanece à margem da questão, não tem ponto de contacto com o assunto de maneira a poder explicá-lo.

O relatório prefere outro exemplo. Infelizmente, porém, este exemplo não atendeu à condição essencial a que deveria satisfazer qualquer exemplo. De maneira que seu grande argumento – além deste exemplo não dá o relatório outro – para demonstrar que meu livro “contradiz a doutrina comum da filosofia, teologia e direito canônico” não atinge o alvo, em filosofia se diria “non est ad rem” ou então “quid inde?” Exemplifica o relatório:

“1- A mandou a B. que assassinasse a C.

2- A. aconselhou a B. que assassinasse a C.

3- A., inimigo de C. nem mandou nem aconselhou a B. o assassínio de C. mas deu o consentimento espontâneo ao assassínio “iniciativa espontânea” de B.

4- Nem mandou, nem aconselhou, nem deu consentimento anterior, mas aprovou “a posteriori” a morte de C., perpetrada por B. que desejou preparar uma “agradável surpresa” a A., “supondo com fundamento ser esta a vontade” de A.”

Baseado neste seu exemplo, e só neste seu exemplo, conclui o relatório “Se todas estas hipóteses “têm a mesma essência”, e “produzem consequências análogas”, “havendo no assunto uma simples diferença de intensidade e nada mais, diferença que “não altera qualitativamente a questão”, logo é a mesma responsabilidade, são as mesmas as consequências jurídicas, os mesmos castigos e as penas”.

“Então o mandante, o conselheiro, o que aprova antes ou depois um crime, estão todos debaixo da mesma espécie? Que Direito, que Filosofia e que Teologia são estes?”

Como dissemos, o exemplo não é o melhor. Para que comparar o trabalho na Ação Católica a um crime, e a Hierarquia, quando manda, ou aconselha, ou aprova a um fiel que trabalha na Ação Católica, a um indivíduo que manda, aconselha, aprova um crime, e por isso tem especificamente imputação voluntária diversa? Vamos ao exemplo.

Não há identidade entre a exemplificação do relatório, e o caso apontado por meu livro. A questão exigiria que no exemplo A. tivesse direito, e direito exclusivo de assassinar a C. Faltando esta condição toda a exemplificação nada demonstra para o caso. O que quer dizer que a argumentação do relatório neste ponto também de nenhuma eficácia. Antes, porém, de passarmos adiante façamos duas observações. O problema do mandato não se refere ao mandante, mas ao mandatário. O que se estuda na questão proposta por meu livro, é a liceidade não do ato da vontade de quem manda ou permite o apostolado leigo, mas dos atos de apostolado deste leigo. A pergunta enfática do relatório, portanto, não deveria ser “Então o mandante, o conselheiro, o que aprova antes ou depois um crime, estão etc.; mas sim esta “Então o que comete um crime por ser mandado, tem a mesma responsabilidade do que se fosse apenas aconselhado, ou por si só o cometesse?” isto, na hipótese de valer a exemplificação.

2ª. Além do mais, também, salva a reverência, parece-nos que o relatório não focalizou bem o ponto em litígio. Do contrário não apelaria para um caso particular da Moral, a fim de aplicá-lo em assunto totalmente diverso. Pois, de fato, a diferença entre mandante, consulente, etc. é ventilada em Teologia Moral para se estabelecer a ordem da obrigação no que respeita à justiça, pois que aí o primeiro culpado é a quem incumbe por primeiro ressarcir os danos. Quanto, porém, à especificação do ato, não consideram os autores estas circunstâncias como tais que modifiquem a espécie do ato, a não ser que influam de tal maneira que venham a destruir o voluntário. Caso isto não aconteça o ato terá a espécie que lhe determinar o objeto e o agente. Onde, pois, o objeto é idêntico, e os agentes são da mesma espécie – como nos atos de apostolado feitos por leigos – a diferença do ato não pode ser específica (S. T., 1.2, q. XVIII).

Passemos ao terceiro ponto.

—0—

III

Neste terceiro ponto pretende o relatório mostrar que meu livro “contradiz a doutrina de Pio XI e de Pio XII”. Diz ele que o havia mostrado anteriormente” no domínio da diferenciação essencial entre a A.C. e as associações”. E que agora o mostrará de outro modo.

Para tanto limita-se o relatório a transcrever frases de Sua Santidade Pio XI, que ele reputa idênticas a uma frase acoimada de herética por meu livro.

Examinemos, primeiro a minha frase no seu contexto, para lhe conhecermos bem o sentido, e depois veremos se o que o relatório afirma é exato.

Apelamos para o contexto, porque é sabido como o contexto pode modificar uma frase isolada, de maneira que o mesmo período pode ter dois sentidos diversos segundo o pensamento de quem o pronuncia, pensamento que, em documentos escritos, só o contexto pode mostrar qual seja. É sabido que entre outras condenou a Santa Sé esta frase dos Baianistas: “Liberum arbitrium sine Dei Gratiae adiutorio nomini ad peccatum valet” (D. 1027). Ora esta frase, quase “ad litteram” se encontra no livro de “Spiritu et littera” de Santo Agostinho, cap. 8 (“Neque liberum arbitrium quidquam nisi ad peccandum valet, si lateat veritatis via”). Não obstante não foi intenção de São Pio V condenar esta frase de Santo Agostinho, precisamente porque na mente do Doutor da Graça não tinha o significado que lhe davam os sequazes do professor de Louvain. Como estes se poderiam dar outros exemplos. É, pois, importante conhecer-se o contexto de uma frase para se conhecer bem seu significado. Vamos, por isso, ao contexto da frase do meu livro para ver em que sentido ele a chamou de herética. Depois verificaremos se as frases do Papa dizem precisamente aquilo que foi acoimado de heresia em meu livro.

A frase citada pelo relatório é a seguinte: “Não é pois verdade que, quando se emprega um termo análogo, falando linguagem filosófica, só se deve entender este termo no seu sentido mais exclusivo. Se tal tivesse sido a intenção de Pio XI, ele teria, aliás, afirmado que o apostolado da A.C. é uma participação integrante do da Hierarquia, ou, em outros termos, que a A.C. é elemento integrante da Hierarquia. Como esta afirmação é herética, tal não pode ter sido a sua intenção” (Grifos do relatório).

Vejamos o sentido que esta frase tem no contexto, para o qual nos chama, a conclusiva “pois” colocada no início deste período.

Mostro em meu livro que a palavra “participação” pode ter vários significados: uma coisa pode participar de oura, ou porque é uma parte dela, e tem, por isso, a mesma natureza (participação integrante) ou porque realiza em si a natureza, enunciada de modo geral pelo termo de que diz participar (participação potencial unívoca), ou porque imita a forma que de si se encontra só no termo do qual se diz participar (participação potencial análoga – a causa instrumental).

Mostro, em seguida que o apostolado dos leigos que trabalham na Ação Católica, por isso que não é feito em virtude da mesma forma que fundamenta o apostolado na Hierarquia, (pois que, nos leigos não se encontra o elemento que, por assim dizer, constitui a natureza da Hierarquia, e, por conseguinte, do apostolado próprio desta), este apostolado dos leigos só participa do apostolado hierárquico por uma participação potencial análoga.

O fundamento mais remoto a que apelo é a distinção que por direito divino existe na Igreja, entre Clérigos e leigos, dos quais estes estarão sempre na parte da Igreja que é súdita, discente, ao passo que àqueles é reservada a direção, e portanto, o apostolado como coisa própria.

Baseado nestas noções, e neste princípio, tradicional na Igreja, e que ninguém pode negar, pois faz parte do depósito da Revelação, digo que o Santo Padre não poderia afirmar que a “A.C. é elemento integrante da Hierarquia”. Leiam-se as págs. 66 e 67 de “Em Defesa da Ação Católica”, e ver-se-á que esta é a doutrina que expendo.

Que o Santo Padre não quis afirmar mais do que eu aqui estabeleço é tão óbvio, que o Cardeal Piazza, no seu artigo, reproduzido em meu livro, e no qual se baseia o relatório para dizer que S. S. Pio XII nada inovou na A.C., dá este sentido às palavras do Papa, como a coisa mais natural do mundo. Vejamos o que afirma S. Eminência:

Depois de dizer que Pio XI, “com uma variante que, bem compreendida não muda em nada o conceito (de colaboração), gostava de substituir muitas vezes a palavra “colaboração” pela de “participação” acrescenta: “é evidente que não se trata de uma participação formal no sacerdócio e no apostolado, mas sim duma participação na atividade sacerdotal e apostólica, a única possível a simples cristãos” (p. 345).

Portanto não é somente o meu livro que acha que o Santo Padre não usou a palavra “participação” no seu sentido mais rigoroso; não sou só eu que acho que o Santo Padre não podia admitir que a A.C. é elemento integrante da Hierarquia, no sentido estrito. Também o Cardeal Piazza acha que o Santo Padre usou a palavra “participação” em sentido menos estrito, e também o Cardeal Piazza o acha porque o Santo Padre não podia usá-la no sentido mais estrito, porque isto não é possível a simples fiéis.

Quando eu afirmei que o Santo Padre não poderia ter dado aquele sentido à sua frase, porque aquele sentido seria herético, não fiz senão aplicar o método de exegese comumente usado, não com textos dos Sumos Pontífices mas com a própria Sagrada Escritura, pela Teologia. Quantas e quantas vezes, a Sagrada Teologia rejeita a interpretação literal de um texto bíblico – em si, essa interpretação entretanto é a mais provável – simplesmente porque contraria aos dados gerais da doutrina católica, porque contraria a verdades filosóficas ou teológicas certas! É o caso, entre outros, da parábola do camelo e do fundo da agulha, que entendida em seu sentido literal constituiria uma apologia do comunismo, e que a Santa Igreja entende por isto em sentido figurado. É este o método de interpretação “ab absurdo”, usado correntemente em exegese, quer nas ciências divinas quer nas profanas. Em jurisprudência, por exemplo, esse método é corrente para interpretação de textos legais.

Ora, o que se pode sem irreverência fazer com a palavra de Deus, pode-se fazer com a palavra de Seu Vigário na terra.

Entretanto, é preciso acentuar ainda que eu nem sequer concedi que a interpretação mais literal do texto pontifício daria como resultado a afirmação de doutrina oposta à minha. Sustentei simplesmente que: a) o Papa não poderia ter entendido isto de outro modo; b) e que independente desse argumento “ab absurdo”, e atendido só o próprio texto, não foi assim que o Papa pensou.

Depois disto, já se vê o sentido que se deve dar às frases de Sua Santidade Pio XII coligidas por outros autores e transcritas pelo relatório, como também a razão porque o santo Padre toma o cuidado de colocar alguns incisos restritivos: “quodam modo”, “haud longius”. Tendo em vista a Tradição, o Depósito que deve ele guardar intactos, não pretende o Santo Padre afirmar que a natureza do apostolado dos leigos da A.C. é a mesma do apostolado da Hierarquia. Precisamente o que demonstra a meu ver o trabalho que escrevi, baseando-me no mesmo princípio: a separação entre Clérigos e leigos estabelecida pelo Divino Fundador da Igreja.

Examinemos, singularmente, as frases apontadas pelo relatório, proferidas pelo Santo Padre Pio XI, e que significariam a mesma coisa expressa pela frase que o meu livro chamou de herética.

“Em nossa encíclica “Ubi Arcano” declaramos que a A.C. deve ser considerada pelos pastores como uma parte necessária de seu ministério e pelos fiéis um dever de vida cristã” (grifos do relatório).

Primeiramente, esta frase não é idêntica à frase criticada por mim. Pode verificar-se isto facilmente substituindo-se a palavra A.C. por outra que convirá a esta frase do Papa e não à minha. Tomemos a palavra “Ensino do Catecismo”. Podemos dizer “o Ensino do Catecismo deve ser considerado pelos pastores como uma parte necessária de seu ministério, e pelos fiéis um dever de vida cristã”. Não se poderá dizer: “o Ensino do Catecismo é um elemento integrante da Hierarquia”.

Daqui se conclui que a frase do Santo Padre pode ter um sentido diverso do sentido que é impugnado por meu livro. E se houver razões que nos forcem a isso, devemos afirmar que a frase do Santo Padre tem precisamente um sentido diverso do sentido que em meu livro rejeito. Ora vimos que o sentido da frase de meu livro é contrário à estrutura da Igreja divinamente estabelecida, e isto, no pensamento do meu livro. Logo, a frase do Santo Padre não é a mesma expressa pelo meu livro e acoimada de herética. E… com isto me parecem refutados dois dos argumentos do relatório.

Mas examinemos mais detidamente a frase do Papa.

  1. S. afirma que a A.C. se relaciona com a Hierarquia e com os fiéis. Na relação com a Hierarquia, devem os Pastores vê-la como parte necessária de seu ministério. Na relação com os fiéis, devem estes considerá-la um dever de vida cristã. De maneira que se a “A.C. é elemento integrante da Hierarquia”, como quer o relatório, os fiéis devem considerar “um dever de vida cristã” serem elementos integrantes da Hierarquia, coisa que certamente parecerá muito contrária ao que nos legou a tradição. Não obstante é ao que nos conduziria logicamente a tese do relatório.

O estranho desta conclusão leva-nos a ver na frase do Papa o que naturalmente ela contém, isto é: a A.C. deve ser considerada pelos pastores um dos objetos a que necessariamente devem voltar as suas vistas se quiserem ser fiéis ao seu ministério, da mesma maneira que a Sagrada Eucaristia, os Sacramentos, o culto, etc.; assim como, hoje em dia, os fiéis só o serão no sentido inteiro da palavra, se colocarem a A.C. entre os deveres que lhes incumbe como fiéis. E nada mais.

Passemos a um curto exame a 3ª. frase citada pelo relatório, pois que a 2ª. repetindo a primeira, já foi implicitamente analisada.

“Estamos certos que a vossa atividade comprovada e sempre submissa às diretrizes da Igreja, o Episcopado se apressará de conceder plena e inteira aprovação com seu benévolo e eficaz auxílio, e que o Clero considerará um dever dar-vos uma fecunda assistência, pois, de fato, a A.C., como nós mesmos escrevemos em Nossa primeira Encíclica, constitui doravante parte integrante do ministério sacerdotal” (grifo do relatório).

Como se vê repete o Papa o que disse na primeira Encíclica. A frase tem, pois o mesmo sentido que há pouco estabelecemos. Salientamos, apenas, o seguinte: se se desse a esta frase o sentido que lhe dá o relatório, isto é, a “A.C. é elemento integrante da Hierarquia”, teríamos esta novidade curiosa e… tremenda: até agora um elemento que era estranho à Hierarquia, a saber, a A.C. começa a fazer parte dela, pois diz o Papa “doravante”. Em outras palavras, aquela divisão divinamente constituída por Nosso Senhor Jesus Cristo entre Clérigos e leigos recebe uma modificação, pois que a A.C. – obra de leigos – passa a fazer parte da Hierarquia, ou se quiserem, dá na mesma, passa a integrar a Hierarquia. Admitiria o relatório esta conclusão? Entretanto, logicamente é a ela que termina o arrazoado desenvolvido em sua argumentação no intuito de refutar o meu modesto livro.

Quarta frase: “Em certo sentido sua atividade vem a ser a mesma da Hierarquia, a mesma do Cristo, procurar fomentar, defender a vida sobrenatural das almas; por isto são auxílio precioso, complemento oportuno do ministério sacerdotal” (grifo do relatório).

Não se pode dizer que esta frase equivale a esta outra: “A A.C. é elemento integrante da Hierarquia”. Notemos, mais que o Santo Padre coloca o restritivo “Em certo sentido” precisamente para evitar uma identificação de natureza em ambos os trabalhos que, considerados no seu aspecto material, são os mesmos. Ora, a argumentação do meu livro, como vimos acima, só tem esta finalidade: mostrar que a natureza do apostolado da A.C. é diversa da do apostolado da Hierarquia. Concorda, pois com o Santo Padre.

A quinta frase repete o que o Santo Padre disse na “Ubi Arcano”. Já foi examinada.

Sexta frase: “Quo in genere utinam juvenas Antuerpiam culturi habeant sib persuasum, singular prorsus Dei gratia se ad eiusmodi munus vocari ac deligi, quod a sacerdotal numere haud longius abest, com Actio Catholica nihil demum sit aliud, nisi Christifidelium apostolatus, qui ducibus episcopais, adjutricem Ecclesiae operem praestat et pastorrale eius ministerium quodammodo complet” (grifo do relatório).

Novamente, esta frase equivale a esta outra: “A A.C. é elemento integrante da Hierarquia?”

Façamos as mesmas observações que apusemos à 4ª. frase. Os restritivos “haud longius” “quodammodo” têm aqui o mesmo valor, representam o mesmo cuidado do Santo Padre de não modificar a estrutura da Igreja, divinamente constituída.

Aliás, esta frase demonstra precisamente a tese que sustento em meu livro. Com efeito, nego que a Ação Católica tenha introduzido na divina estrutura da Santa Igreja qualquer alteração. Nego que a situação do leigo filiado à Ação Católica seja em qualquer coisa diversa – perante a Hierarquia – da situação do leigo que não pertence à A.C. Pelo contrário, afirmo que o apostolado desenvolvido pelo leigo na A.C. tem a mesma substância jurídica, não é outra coisa senão o apostolado comum dos fiéis sob a direção de seus legítimos Pastores. Em expressos termos, afirma-o a frase de S. S. o Papa Pio XI, citada no relatório: “cum Actio Catholica NIHIL DEMUM SIT ALIUD, NISI CHRISTISFIDELIUM APOSTOLATUS, QUI DUCIBUS EPISCOPIS, ADJUTRICEM ECCLESIAE OPERAM PRAESTAT etc.”

Seria o caso de perguntar: se Pio XI quisesse dizer explicitamente que a essência jurídica da cooperação do leigo filiado à A.C. não é diferente em nada da do leigo não filiado à A.C., que outros termos haveria de usar?

O relatório argumenta com as expressões iniciais do texto “sacerdotal munere haud longius abest” e das palavras finais “pastorale ejus ministerium quodammodo complet”. Ora essas expressões, longe de serem privativas da A.C., o Santo Padre as aplica a todos os fiéis que fazem apostolado. Di-lo este mesmo texto.

Não vemos, pois, como este texto possa demonstrar em qualquer sentido, ou sob qualquer ponto de vista, que a A.C. ocupe uma situação jurídica de qualquer maneira hierárquica, ao contrário do que sucede notoriamente aos outros fiéis.

Na sétima frase, o Papa, depois de recordar o que dissera na “Urbi Arcano” acrescenta ainda esta outra que interessa ao nosso caso: “aparet Actionem Catholicam aliud non spectari, nisi ut laici apostolatum hierarchicum quodammodo participent” (grifo do relatório).

Mesma observação feita acima. Porque este “quodammodo” se o que o Santo Padre quis afirmar, segundo a opinião expendida no relatório, foi que a A.C. é pura e simplesmente “elemento integrante da Hierarquia”?

Oitava frase: Nesta oitava frase, pretende o relatório ferir dois pontos: Primeiro mostrar com as palavras do Santo Padre que a Ação Católica é uma nova espécie de apostolado, coisa, diz ele, que no meu livro eu nego; segundo, mostrar que o Santo Padre mais uma vez afirmou que a Ação Católica é elemento integrante da Hierarquia, doutrina chamada herética no meu livro. Somos, pois, forçados a fazer aqui um parêntesis para atender à solicitação feita no relatório, e responder, antes de prosseguir na sequência do assunto que nos ocupava, à acusação formulada em primeiro lugar, a saber que o Santo Padre afirma que a A.C. é uma nova espécie de apostolado, no sentido em que meu livro impugna. Leiamos a frase do Santo Padre citada pelo relatório: “Quodsi, ut praemonuimus, Actio Catholica antiquissimis conjunta Ecclesiae temporibus dici potest ac debet, at mostra hac aetate rationem et viam sibi propriam, ad normas quide praescriptionesque a proximis Praedecessoribus Nostris, atque a Nobismetipsis datas, ut omenos norum, adapta est” (grifo do relatório).

Segundo, pois, o pensamento do Santo Padre, a mesma Ação Católica que na Igreja existia desde os mais remotos tempos, esta mesma, nas circunstâncias presentes, obteve (adepta est) noção e meios (é a melhor tradução de “rationem et viam” para favorecer o relatório) que lhes são próprios, de conformidade com as prescrições pontifícias.

Estas palavras do Sumo Pontífice significam que a Ação Católica constitui uma nova organização do apostolado que tem estrutura própria, e meios de atividade também próprios, e isto o livro não nega. Basta lerem-se as páginas 11 e seguintes de sua Introdução.

O que o livro nega é que as novas normas dadas pela Santa Sé à Ação Católica a coloquem numa situação tal diante da Hierarquia que ela deixe de figurar entre as organizações súditas, e passe a integrar a parte da Igreja à qual está reservado o governo da mesma. Neste sentido é que o livro nega que o mandato conferido à Ação Católica lhes conceda na Igreja uma situação especificamente distinta da situação que gozam as outras organizações de apostolado. Caso o relatório entenda neste sentido as palavras do Papa, incumbiria a ele demonstrar que este é pensamento do Papa, pois que só da frase citada em absoluto pode deduzir-se esta consequência. E enquanto aguardamos esta demonstração, passemos ao segundo ponto, e continuemos no assunto em que nos achávamos ao examinar esta III parte da refutação apresentada ao meu livro.

A frase alegada pelo relatório, na qual o Santo Padre teria afirmado que “A Ação Católica é elemento integrante da Hieraquia” é a seguinte: “Siquidem, jam ab initio Pontificatus, in litteris Enciclicis “Ubi Arcano”, publice ediximus ipsam non alio prorsus spectare nisi ut christifideles hierarchicum Ecclesiae apostolatum quommodo participent; quam quidem sententiam Nostra pluribus documentis subinde datis confirmatum voluimus, id, inter alia, declarantes eos videlicet, qui Actionis Catholicae incrementa provebant, “singular prorsus Dei gratia ad eiusmodi munus, vocari, quod a sacerdotal numere haud longius abest, cum Actio Catholica nihil demum sit aliud, nisi ut christificelium apostolatus, qui, ducibus episcopais, adiutricem Ecclesiae Dei operam praestat, et pastorale eius ministerium quodammodo complent” (grifo do relatório).

Como esta frase nada mais faz do que repetir outras já por nós consideradas, e anteriormente citadas pelo relatório, é fácil, pelo que dissemos antes, verificar que também aqui o relatório não encontra apoio, pois que o Santo Padre não afirma que a “A.C. é elemento integrante da Hierarquia”.

A nona e a décima frase citadas pelo relatório não apresentam nenhum elemento novo além dos textos já considerados, de maneira que não é mister as examinemos separadamente.

Depois de todas estas citações, nas quais se repetem mais ou menos um só e mesmo pensamento do Santo Padre Pio XI, não conseguiu demonstrar o relatório que este Papa pretendeu modificar profundamente a estrutura da Igreja, de maneira a colocar os leigos como parte da Hierarquia. Diz o meu livro que isto, e só isto, – quem ler o livro pode verificá-lo – o Papa não poderia fazer porque chegaria a heresia, desde que a divisão entre Clérigos e leigos na Igreja provém de instituição divina. Citemos nós agora o Santo Padre Pio XI, onde o Pontífice afirma de modo claro que a Ação Católica não pertence à Igreja doce (e onde, portanto, interpreta, no sentido do meu livro, as restrições “quodammodo” etc. dos documentos citados pelo relatório). Foi no discurso dirigido por Sua Santidade aos jornalistas católicos, em 29 de junho de 1929. Exprime o Papa o desejo de que a A.C. “não somente auxilie, de modo poderoso, a Boa Imprensa, mas, pela própria força das coisas, faça dessa uma das mais importantes funções, atividades e energias da própria A.C.” O apostolado da Imprensa, pois, no pensamento do Santo Padre, é um apostolado que de si pertence à A.C. Ora, neste mesmo discurso, afirma o Santo Padre que este apostolado pertence à Igreja discente, e não à Igreja docente. De maneira que, para evitar dúvidas declara o Papa dos dois modos, positivo e negativo, que o apostolado da Imprensa – que é tipicamente apostolado da A.C. – não pertence à Igreja docente, à Hierarquia, a não ser “quodammodo” por imitação, por participação análoga. Ouçamos: “Os jornalistas católicos são assim preciosos porta-vozes para a Igreja, para sua Hierarquia, para seu ensino: por conseguinte, os porta-vozes mais nobres, mais elevados, de quanto diz e faz a Santa Madre Igreja. Desempenhando-se desta função, a Imprensa Católica, por isso, não passa a pertencer à Igreja docente; ela continua a permanecer na Igreja discente; e nem por isto deixa de ser, em todas as direções, a mensageira da disciplina da Igreja docente, desta Igreja incumbida de ensinar às nações do mundo…” (os grifos são nossos).

Eis aí límpido o pensamento do Santo Padre, o mesmo em que procurei basear toda a minha obra.

Depois disto, nada mais nos restaria a acrescentar. Como, no entanto, procura o relatório valer-se da opinião do Pe. Tromp S.J., professor da Universidade Gregoriana de Roma, notemos que o Pe. Tromp insiste sobre a novidade da A.C. (o que o livro não nega), e diz que erram os que negam esta novidade, temendo que por ela se destrua – a estrutura tradicional da Igreja? Não, mas – a antiga e longa experiência, ainda que já provada. Como se vê a preocupação do Pe. Tromp está muito longe da questão que nos preocupa neste momento.

Diz ainda o relatório que as expressões “quodammodo” não podem significar apenas que o sacerdote, graças à instituição da A.C., está obrigado a formar apóstolos leigos, pois que esta obrigação faz parte pura e simplesmente do ministério sacerdotal, e não apenas “quodammodo”. Primeiro, o livro não explicou estas restrições da maneira como acena aqui o relatório. Depois, é certo que estas expressões significam alguma restrição. Qual seja, o relatório não no-lo diz. Talvez porque já o havia dito o livro à pág. 66 e ss.

Para finalizar, vamos argumentar com os próprios atos pastorais do Episcopado Nacional, a quem compete a organização da A.C. entre nós.

Toda a questão aqui não versa sobre se a A.C. é ou não distinta das outras associações, Mas a questão é sobre se a A.C. tem um mandato que a coloca em posição essencialmente, especificamente, diversa da que têm as outras associações com relação à Hierarquia.

Creio que o relatório concederá que todas as organizações e associações que fazem parte do quadro oficial da A.C.B. estão na mesma posição jurídica com relação à Hierarquia, pois do contrário não se explicaria a que título fazem parte do quadro oficial da A.C.B. Realmente este é o único título, pois que, tratando-se de associações entre si distintas, a razão para figurarem no quadro oficial da A.C.B. deve tomar-se da relação que têm com a Hierarquia. Pois bem, leiamos o artigo 19 dos Estatutos da A.C.B. aprovados pelo Episcopado Nacional: “Na união das organizações fundamentais e das associações confederadas consiste o quadro oficial da A.C.B.” De maneira que o quadro oficial da A.C.B. não consta apenas das organizações fundamentais da A.C. às quais viessem prestar seu auxílio as outras associações sem contudo ter a ventura de figurar no quadro oficial da A.C.B. Não, estas associações confederadas na A.C.B. entram também no quadro oficial da A.C.B. Seria isto um absurdo como seria um absurdo quem quisesse fazer uma união de seres especificamente distintos – cães e galos por exemplo – se as organizações fundamentais da A.C. tivessem um mandato especificamente distinto do mandato que têm as outras associações para fazer apostolado. Assim, pois, a razão de ser do art. 19 está precisamente nessa união. Aliás, em todos os artigos da A.C.B. não se encontra nada que faça constar ser a A.C. constituída por um mandato especificamente distinto do mandato que têm as outras associações para fazer apostolado. Muito pelo contrário, conservando embora a primazia que compete à A.C. nossos estatutos colocam sempre ao lado das associações fundamentais da A.C. as demais associações existentes no Brasil, sem julgá-las incapazes de apostolado, por deficiência de um elemento específico que seria o mandato da Hierarquia especificamente diverso. Leiam-se os arts. 2º., 13º., 14º., 15º., 18º., 19º., 20º., 23º., 26º., como já notamos acima.

Uma observação final. Diz o relatório que o meu livro não toma em conta os estatutos e regimentos internos da A.C. Convém saber que de caráter nacional existem apenas os Estatutos, dentro de cujo espírito se enquadra perfeitamente o meu livro. Regimentos internos há em algumas Dioceses, o que significa bem seu caráter local, e não nacional, muito menos universal. Assim também não há estatutos oficiais para a JEC, e os Estatutos da A.C.B. nada determinam acerca da maneira como se introduzir nos colégios a A.C.

Por tudo quanto ficou dito, parece-me que as teses que sustentei no livro “Em Defesa da Ação Católica” não apresentam a menor discrepância com a doutrina da Santa Igreja Católica, Apostólica, Romana, com a qual estão, pelo contrário, na mais íntima e perfeita consonância.

—0—

P.C.O.

 

 

Contato