Se o Estado não lutar contra o crime narcoguerrilheiro, deixar-se-á dominar por ele

El Tiempo, Bogotá, 31 de maio de 1995

Apesar do presente documento não ser da lavra do Prof. Plinio, há diversos elementos de semelhança da situação colombiana de então com o Brasil de hoje e que podem ser muito elucidativos para quem analisa o panorama nacional. Isto de um lado. De outro,  será de inegável utilidade para quando alguém tome a si a benemérita tarefa de atualizar a obra “Um homem, uma obra, uma gesta – Homenagem das TFPs a Plinio Corrêa de Oliveira” (1989). Por amor à brevidade, omitimos as numerosas notas que remetem aos documentos citados e/ou mencionados na matéria abaixo (n.d.c.).

[E X T R A T O S]

(…)

À beira do abismo, um apelo em prol do bem da Nação

O extremo aberrante a que chegou tal situação impele a Sociedade Colombiana de Defesa da Tradição, Família e Propriedade – TFP a denunciá-la publicamente, pedindo a todos os compatriotas – e em especial às autoridades – que reajam com vigor, pois o País está sendo lançado no abismo.

Como é sabido, importantes figuras norte-americanas – entre outras, a Ministra da Justiça Janet Reno; o Senador Jesse Helms, Presidente da Comissão de Relações Exteriores do Senado; o Subsecretário de Estado para Assuntos de Drogas, Robert Gelbard; o Chefe da Agência Anti-Narcóticos, Stephen Green; o ex-“czar” da luta contra as drogas, William Bennet; e o Diretor da DEA, Thomas Constantine – criticaram a tolerância do Estado colombiano em relação ao narcotráfico, pedindo vários deles, ao governo norte-americano, que exija do nosso o combate a essa atividade.

Deixando de lado as discutíveis propostas de alguns deles e as expressões descomedidas que por vezes utilizaram, compreende-se que impugnem essa tolerância, pois tal tráfico, e suas conseqüências – a criminalidade, a narcodependência e a conivência de certas autoridades, graças à intimidação e ao suborno – configuram uma das piores ameaças aos países contemporâneos.

Essas opiniões tiveram um grande impacto sobre a opinião norte-americana, mas esta em seguida se acalmou, em parte por certos ataques que o Estado colombiano desferiu contra o narcotráfico, os quais neutralizaram em algo sua imagem de negligente nessa matéria.

Não obstante, recentes investigações da Fiscalia Geral da Nação [não há instituição equivalente no Brasil. Trata-se de um órgão do Poder Judiciário, com a faculdade de investigar os delitos e acusar os presumíveis culpados perante os Juizados e Tribunais competentes] mostram que altos órgãos judiciários colombianos também propugnam um combate mais enérgico a essas cumplicidades.

Submissão dos delinqüentes ao Estado, ou deste àqueles?

Independentemente do resultado que venham a ter tais investigações, sem dúvida o Estado superou todas as suas anteriores benevolências em relação ao narcotráfico ao aplicar a “política de submissão” dos criminosos prófugos, negociando com eles as penas a que serão condenados, se se entregarem voluntariamente e ajudarem as perquirições. Tal política deu origem a tantos abusos, tão temerárias concessões e tão pobres frutos que foi questionada pela Procuradoria Geral da Nação pois ficou claro que o Estado se submetia ao crime organizado, e não o contrário.

Segundo esse organismo, “o regime processual para delitos graves, como narcotráfico, terrorismo e subversão, é mais amplo e generoso que o sistema penal aplicado aos delinqüentes comuns”, pelo que “um narcotraficante condenado a dez anos de prisão teria direito à liberdade condicional ao completar dois anos e meio de prisão, mas do delinqüente convencional (…) exigir-se-ia completar seis anos e oito meses”.

Assim, muitos narcotraficantes foram condenados a penas ínfimas, e mais de um terço deles não sofreu um só dia de prisão, sendo as sentenças, em média, inferiores às pronunciadas contra o mero porte irregular de armas em via pública.

Esses fatos chocaram a opinião colombiana, pelo que o Governo nomeou uma comissão para estudar como retificar tal política. Entretanto, até hoje – mais de quatro meses após essa comoção, e mais de dois meses depois que a referida comissão apresentou ao Presidente suas conclusões – só se corrigiram certos casos extremos.

O mal da aliança do narcotráfico com a guerrilha é muito pior que o de seus componentes

Além de conceder benefícios aos narcotraficantes, o Governo parece esquecer que muitos destes são aliados de grupos guerrilheiros e terroristas, que conflagram há décadas a Colômbia, com o apoio, ora velado, ora declarado, da Cuba castrista. Tal aliança não só contribuiu para aumentar a criminalidade, que atinge 35 mil mortes violentas por ano – o maior índice do Continente – como também deu impulso à agressão comunista, ajudando-a a vencer o permanente repúdio popular e a traumatizar ainda mais o País.

A crise colombiana teve início há mais de uma década, quando o Estado começou a tolerar a ação de grupos guerrilheiros e narcotraficantes, que cresceram, se enriqueceram, encontraram cúmplices e alcançaram grande impunidade, tendendo a unir-se entre si para sobrepor-se às autoridades e controlar a sociedade. Infelizmente, muito disso já se consumou: poucas autoridades temporais usam de seus poderes para derrotar esses grupos subversivos, os quais continuam lutando por se impor ao País.

De seu lado, as autoridades espirituais raras vezes advertem os fiéis, com a ênfase devida, contra os perigos morais decorrentes da crescente influência dessas associações delituosas, e na prática já não impugnam a cumplicidade com elas do resto da população. (…)

Em resposta ao ataque narcoguerrilheiro, concessões inauditas

Com efeito, há pouco, a obsessão por fazer concessões à aliança narcoguerrilheira levou o Governador de Guaviare a afirmar que o Estado deve transformar os guerrilheiros em “policiais da selva”, acrescentando que ele próprio já havia dado passos nesse sentido. (…)

Procedendo desse modo, o Governo abre caminho a concessões muito maiores que as feitas até agora, as quais poderão incluir a entrega de regiões inteiras à guerrilha, para que esta as submeta e explore, o que desintegraria a Colômbia em um mosaico de republiquetas anárquicas, violentas e primitivas, manipuladas por guerrilheiros e narcotraficantes.

Assim, mais de cinco anos depois de ter caído a cortina de ferro e de se ter proclamado a suposta morte do comunismo, a Colômbia vai sendo convertida em laboratório de comunistização gradual e forçada, no qual a tolerância governamental abre caminho para a agressão guerrilheira e para a corrupção do narcotráfico, que impõem à Nação um regime por ela indesejado.

Que regime? – Um caos tormentoso – parecido com o que há em muitas nações da antiga órbita soviética – criado por máfias marxistas e criminosas que lutam por se superarem no delito, mas que se aliam para debilitar as leis e subjugar as forças sadias, ameaçando-as, amedrontando-as e induzindo-as à inação.

A guerrilha comunista precisa de aliados ou de impunidade

Durante mais de 40 anos a guerrilha comunista atacou a Iberoamérica, porém fracassou, devido ao repúdio popular. Só venceu em Cuba e na Nicarágua porque – com o pretexto de unir forças contra as ditaduras que as oprimiam – apoiaram-na muitos dos que deviam opor-se ao comunismo. Entretanto, a própria evidência dos males que o marxismo produziu nesses países impediu que este repetisse alhures o mesmo esquema de conquista.

Em outras nações, o comunismo praticou massacres, mas estes não o conduziram ao Poder. Exatamente nesse ponto a Colômbia vai se tornando uma exceção: apesar de não ter havido aqui tiranias que dessem pretexto a revoltas populares, a guerrilha avança. Por quê? – Antes de tudo, pelo freqüente silêncio dos Pastores e pela virtual proteção que lhe dispensa o mundo oficial. Assim, durante mais de uma década, a Colômbia e o Peru sofreram com apatia sua própria destruição pela mão da violência marxista. Há três anos, porém, o Peru iniciou um combate sério a esse flagelo, esmagou-o em poucos meses, neutralizou seus cúmplices e recobrou a tranqüilidade, com notória satisfação das grandes maiorias. Pelo contrário, a Colômbia continuou outorgando à guerrilha uma sistemática impunidade: perdoou suas culpas, absteve-se de reprimi-la como manda a lei e exige o bem comum, prodigalizando-lhe concessões que, em vez de punir ou reprimir o delito, o estimulam.

Para alcançar a “paz”, atam-se as mãos ao Exército!

Mais concretamente, os últimos governos vieram atando as mãos às Forças Armadas, criando dificuldades para que cumpram seu dever de reprimir a guerrilha e proteger a população civil. Com isso, desgastaram o prestígio militar, pois amiúde se culpa o Exército porque, em uma década, a subversão, longe de ter sido derrotada, adquiriu mais força.

Essa condição de semimanietado que se impôs ao Exército chegou ao extremo de que, muitas vezes, bandos guerrilheiros assaltam povoados ou bloqueiam importantes estradas durante largas horas, e os destacamentos militares só chegam quando os subversivos já fugiram, após terem consumado seus delitos. Não obstante, até agora não se teve notícia de que, em tais casos, os tribunais castrenses houvessem julgado os oficiais por negligência ou omissão de seus deveres. Por quê? – Sem dúvida porque, atuando assim, seguiam ordens – sigilosas, mas taxativas – do Executivo, o qual, além do mais, adverte que a ação militar não deve ultrapassar os limites estabelecidos por sua política concessiva.

A Colômbia perde o domínio de seu território

Nessas condições, a Colômbia perde o domínio de seu território, as Forças Armadas ficam impossibilitadas de protegê-lo e privadas do apoio nacional, como se a elas pertencer, e defender a Pátria com o risco da própria vida, em vez de meritório e glorioso, fosse um estigma.

Ao mesmo tempo, cresceu a tolerância para com a guerrilha, permitiu-se-lhe ampliar sua ação e aliar-se ao narcotráfico, e, enquanto se imolam soldados no combate, sacrifica-se também, em aras a uma concórdia quimérica com a guerrilha, a ordem pública, a soberania nacional e a honra militar.

Em conseqüência, são muitos os processos movidos aos militares, sob a acusação de pretensos abusos cometidos contra guerrilheiros, como se estes fossem por princípio pacíficos e inocentes, ao passo que os soldados que defendem a Pátria seriam necessariamente inescrupulosos, violentos e sanguinários.

Como se isto fosse pouco, submete-se a ação militar à vigilância hostil de organizações pretensamente humanitárias, ligadas à esquerda internacional, e que difamam, nesse âmbito, as Forças Armadas, apresentando a guerrilha como vítima inocente, pleiteando sua impunidade, e qualificando os militares como agressores.

Trata-se o criminoso como se fosse honrado e o homem honrado como se fosse criminoso

Naturalmente, a impunidade de que gozam os delinqüentes também afeta os fazendeiros e todos quantos têm algum realce no campo, os quais vivem em constante risco de ataques, seqüestro e extorsões, enquanto o Estado se mostra indiferente, abandonando as vítimas à sua triste sorte.

Na Colômbia, as taxas de seqüestro são as mais altas do mundo – quase 1400 por ano – e em pouquíssimos casos suas vítimas são libertadas, e seus autores descobertos e julgados pelos tribunais, o que dizima a classe dirigente no campo e premeia a parte mais degradada e nociva da população. Por muitos anos, já que o Estado não impedia nem castigava esses crimes, nem reprimia o enorme tráfico de armas da guerrilha, permitiu ele, para compensar esses males, que muitos particulares possuissem e portassem armas de defesa, e constituissem, em certos casos, grupos para apoio recíproco nessa matéria.

Entretanto, o atual Governo limita o porte das mais modestas armas pelos particulares pacíficos, e coarcta a defesa coletiva, tornando-a difícil, inútil e mesmo temerária, pelas insuficientes armas que autoriza usar. Assim, o Governo age como se quisesse deixá-los sem defesa face à investida guerrilheira ou como se desejasse induzir os particulares à defesa ilegal, para em seguida reprimi-la!

 Inibem-se as atividades lícitas e, com a impunidade, fomentam-se as ilícitas

Quanto foi dito configura um grave paradoxo: ao mesmo tempo que os altos riscos inibem as legítimas atividades do campo, as ações ilícitas e clandestinas – em especial o cultivo, elaboração e comércio de drogas, o seqüestro, a guerrilha e tudo mais que lhes é conexo – gozam de virtuais garantias, seja pela tolerância oficial, seja pela riqueza que geram, seja pelos cúmplices que encontram.

Assim, o Estado, por um jogo – que dificilmente não será calculado – de ações, omissões, proibições e tolerâncias, induz muitos pequenos proprietários rurais e camponeses a entregar-se a essas atividades ilegais e imorais, em busca de rendimentos materiais que de outra maneira lhes são sonegados.

Por fim, essa situação incita muitos camponeses das zonas conflagradas a emigrar para as grandes cidades, em cujas periferias formam massas miseráveis manipuladas por agitadores, que as dominam e degradam, recrutando em seu seio os agentes da perversão moral, de uma eventual guerrilha urbana ou revolução social, bem como delinqüentes em geral e sicários para atacar a quem se oponha ao processo de decomposição. Como se não bastasse o que foi até aqui descrito, o Executivo acaba de anunciar novas concessões à guerrilha, que atiçarão, em vez de combater, o voraz incêndio que consome o País. Com efeito, que se desmilitarize um vasto enclave no lugar que a própria guerrilha escolha, que se tomem em consideração suas exigências para reformar o aparelho estatal, o mundo político e a Constituição, e que se queira transformar seus chefes em parlamentares, sem exigir deles uma postura de moderação de sua sanha genocida, implica em incrível renúncia da soberania nacional, no estímulo a que a violência continue e na criação de um vácuo que a subversão não tardará em preencher.

Se os males da Colômbia se estenderem aos outros países…

Se a Colômbia prosseguir neste caminho, será totalmente transtornada: tudo quanto é orgânico, ordenado e conforme à Moral – fruto de sua tradição cristã – será arrasado pelos agentes do caos, que a dominarão por completo; e esses males contagiarão toda a América, submergindo-a em conflitos, crises e degradações, que a tornarão uma chaga para o mundo, depois de ter sido outrora uma promessa para a Cristandade. Para que a Colômbia reaja, a TFP difunde o presente Manifesto, colocando todo o esforço e risco que isto significa aos pés da Santíssima Virgem, pedindo a Ela que proteja, ilumine e fortaleça as fibras católicas da população e derrote os agentes revolucionários, restaurando a grandeza cristã do País.

Para concluir, a TFP considera que bem merecem figurar aqui as palavras do eminente líder católico, Prof. Plinio Corrêa de Oliveria – fundador e presidente do Conselho Nacional da TFP brasileira, e autor das obras que inspiram as TFPs em sua luta nos cinco continentes – já que uma de suas obras recebeu da Sagrada Congregação dos Seminários e Universidades da Santa Sé, em carta oficial de seu Prefeito, o Emmo. Cardeal Giuseppe Pizzardo, o qualificativo, insuperavelmente grato a seu coração de católico, de ser um “eco fidelíssimo dos documentos do Supremo Magistério da Igreja” (carta de 2 de dezembro de 1964, a propósito do livro de sua autoria A liberdade da Igreja no Estado comunista).

Assim conclui o preclaro pensador seu livro Revolução e Contra-Revolução, que analisa a crise do mundo contemporâneo: “Sim, voltamos nossos olhos para a Senhora de Fátima, pedindo-Lhe quanto antes a contrição que nos obtenha os grandes perdões, a força para travarmos os grandes combates, e a abnegação para sermos desprendidos nas grandes vitórias que trarão consigo a implantação do Reino dEla. Vitórias estas que desejamos de todo coração, ainda que, para chegar até elas, a Igreja e o gênero humano tenham de passar pelos castigos apocalípticos – mas quão justiceiros, regeneradores e misericordiosos – por Ela previstos em 1917 na Cova da Iria” (op. cit., Santa Fé de Bogotá, 1992, pp. 137-138).

 

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