A TFP denuncia as CEBs. Moscou passa recibo

Catolicismo, n° 421, Janeiro de 1986

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Há pouco mais de três anos — em agosto de 1982 — a TFP lançava o livro As CEBs… das quais muito se fala, pouco se conhece — a TFP as descreve como são. Nele, o Prof. Plinio Corrêa de Oliveira delineava largamente o panorama brasileiro no qual se inscreve a atuação da CNBB, hoje ponta de lança do esquerdismo no País, para o que se serve da tentacular organização das Comunidades Eclesiais de Base — CEBs. Na segunda parte do livro, dois sócios da TFP, os Srs. Gustavo Antonio Solimeo e Luis Sérgio Solimeo, com base em opulenta documentação, revelavam ao público a intensa agitação promovida pelas CEBs no campo, na periferia das cidades e nas fábricas. Agitação que procura levar o País pela via das reformas, que têm como termo final o comunismo.

Apesar de suas seis edições e dos 72 mil exemplares vendidos em 1.950 cidades de todos os Estados e Territórios brasileiros, os meios de comunicação social ignoraram o livro. Também o Clero esquerdista “não viu” o incômodo volume de autoria de nossos colaboradores.

Curiosamente, no entanto, a partir pouco mais ou menos daquela data, as CEBs — até então assíduas freqüentadoras das páginas de revistas e jornais eclesiásticos e leigos — passaram para uma discreta penumbra… De tal forma que algum espírito superficial poderá ser tentado a pensar: “A TFP exagerava o perigo representado pelas CEBs! Elas não têm a importância que aquele livro atribuía a elas no processo de comunistização do País!”

Tal não é, porém, a opinião de Moscou: o Cremlin tem os olhos bem postos nas CEBs, e considera como uma força decisiva no processo revolucionário latino-americano esse movimento promovido, bafejado e estimulado pela CNBB.

Assim, a revista “América Latina”, publicada em espanhol pela Editorial Progresso, de Moscou (uma das editoras do governo soviético, especializada em material de propaganda), traz em seu número de abril de 1985 (o qual, compreensivelmente, só agora nos chega às mãos) interessante matéria sobre as CEBs em nosso continente. Trata-se do artigo As comunidades eclesiais de base: nova forma de protesto social dos crentes, de Valentina Andrónova, colaboradora do Instituto da América Latina da União Soviética e candidata a doutora em Ciências Históricas (revista citada, pp.4-17).

A julgar por outros artigos e livros seus, Valentina Andrónova é um dos especialistas do Cremlin encarregados de acompanhar a atuação da esquerda “católica” latino-americana. O presente artigo da escritora russa, baseado em documentação atualizada (procedente, como era de esperar, de fontes progressistas), revela uma observação atenta do panorama religioso do Continente, e um conhecimento de quem é quem nesse panorama. No que se refere ao Brasil, V. Andrónova não deixa de dar o destaque que cabe dentro do progressismo a figuras como D. Helder Câmara, D. José Maria Pires, D. Antonio Batista Fragoso, bem como à vedete mais recente, Frei Leonardo Boff…

Colocada no ângulo exatamente oposto ao dos autores do livro da TFP, a “camarada” Andrónova tem, entretanto, uma visão das CEBs que pouco difere da que eles apresentam, o que mostra a objetividade do livro de nossos colaboradores e a oportunidade de seu lançamento.

Alguns tópicos do artigo da observadora do Cremlin deixam patente essa coincidência. Basta compará-los com o que, três anos atrás, dizia o livro da TFP (Ver quadros abaixo).

Religiosidade nova, repleta de conteúdo revolucionário

  1. Andrónova começa seu artigo com a seguinte constatação: “A renovação da Igreja católica, iniciada pelo Concílio Ecumênico Vaticano Segundo (1962-1965), está tomando formas radicais na América Latina. (…) No marco das mudanças no catolicismo latinoamericano,o aparecimento das comunidades eclesiais de base (CEBs) constitui o fenômeno de maior relevância” (p. 4).

O que as CEBs trazem como elemento novo ao movimento revolucionário? Responde Valentina Andrónova: “As CEBs trazem ao movimento revolucionário seus conceitos religiosos. (…) Elas dispõem de uma religiosidade nova, repleta de conteúdo democrático e revolucionário” (p. 16). (Ver quadro 1)

Citando o documento final do 3.° Encontro Nacional das CEBs do Brasil, em João Pessoa (1978), escreve a articulista: “Ali se expressa o desejo de uma participação mais ampla dos leigos nas atividades do episcopado e maior representação destes nos conselhos pastorais e nas paróquias, da observância da igualdade entre leigos, religiosos e sacerdotes. Exigem-se também ações conjuntas dirigidas para a libertação dos pobres em lugar de ‘justificação daqueles que se contrapõem aos interesses da classe oprimida’ ” (p. 8).

Por meio da conscientização, os membros das CEBs vão se transformando: “Juntam-se para a construção de estradas e escolas ou fornecimento de água. Unindo suas forças, procuram defender suas terras contra as pretensões dos latifundiários ou lutam pela reforma agrária, exigem melhores condições de trabalho, pagamento justo, transportes para ir e vir do trabalho. Vão-se compenetrando de um sentido de coletivismo e de ajuda mútua. A velha religião, baseada na submissão e na obediência, é relegada a segundo plano. Os fiéis a substituem por uma religião ligada à sua (…) luta pela libertação” (p. 8).

Essa “conscientização” — explica a “camarada” Andrónova — é baseada no “método Paulo Freire”, que procura transformar a educação numa “compreensão crítica” (leia-se “revolucionária”) da realidade. “Os religiosos progressistas que escolheram as comunidades de base para aplicar seus esforços — prossegue a observadora do Cremlin — foram mais longe, extraindo do ideário de Freire o principal: a necessidade de desenvolver a consciência política dos crentes” (p. 6). Ela cita adiante a frase de D. Antonio Batista Fragoso, Bispo de Crateús: “As CEBs são a escola primária para a prática política” (p. 9).

O uso da Bíblia de forma manipulada — denunciado no livro As CEBs… das quais muito se fala como fundamental para operar essa “baldeação ideológica inadvertida” dos recrutados pelas CEBs — é ressaltado pela colaboradora da revista comunista: “A nova interpretação da Bíblia deu impulso ao desenvolvimento da consciência social dos crentes, para as ações dirigidas à criação de uma sociedade de irmãos e irmãs, ou seja, de uma sociedade sem classes, conforme entendem” (p. 10). E em outro lugar: “Por serem profundamente crentes, eles compreendem sua existência e seu lugar no mundo somente através de sua fé, assim como avaliam suas ações à luz de uma interpretação radical da Sagrada Escritura. Foi-lhes dado acesso à Biblia e eles se dedicaram a lê-la como reflexo vivo da história, fazendo paralelos (…) entre a própria vida e a dos pobres dos tempos bíblicos, convencendo-se de que não é a primeira vez que os ricos e poderosos privam os pobres de seus direitos” (p. 7). (Ver quadro 2)

De “ópio do povo” a propulsora do ateísmo

A utilização do marxismo pela Teologia da Libertação, que forma o substrato doutrinário das CEBs, é vista com satisfação pela “camarada” Andrónova: “No processo de estudo do sistema capitalista, muitos ideólogos do movimento das comunidades de base chegaram à conclusão de que as categorias marxistas as ajudam a compreendê-lo melhor. (…) Entende-se assim a declaração do teólogo brasileiro L. Boff de que ‘os membros das comunidades cristãs de base começaram a apropriar-se do marxismo para utilizá-lo como arma de autodefesa na luta para libertar-se do sistema capitalista’ “(p. 10).

Em outra passagem, referindo-se ao Pe. Gustavo Gutiérrez, o “pai” da Teologia da Libertação em voga nas CEBs, comenta: “Os seguidores de Gutiérrez reconhecem a importância cientifica da teoria social marxista, usando-a na crítica ao capitalismo. Atendo-se ao conceito marxista de que a religião é ‘ópio do povo’ e aplicando-o à Igreja oficial, elaboraram uma nova interpretação teológica da Sagrada Escritura” (p. 6). (Ver quadro 3).

É com satisfação que ela reconhece que no Brasil “a conferência episcopal nacional segue resolutamente um rumo de renovação” (p. 15). Renovação que vai na linha da Teologia da Libertação-CEBs: “O maior deslizamento para a esquerda — registra ela — ocorre em comunidades de base do Brasil e da América Central” (p. 10).

Sobre esta última conturbada região, Andrónova descreve o papel fundamental que as CEBs desempenharam na transformação revolucionária marxista da Nicarágua e nas guerrilhas de El Salvador. Sobre este país comenta: “Nos territórios libertados pelos guerrilheiros, as CEBs atuam como uma Igreja nova totalmente solidária com o povo em armas” (p. 13). (Ver quadro 4).

Andrónova julga o Documento de Puebla muito ambíguo, com parágrafos “repletos de frases de duplo sentido, idéias inacabadas” (p. 15). E critica a Instrução sobre alguns aspectos da Teologia da Libertação, da Sagrada Congregação da Doutrina da Fé, contra o uso do marxismo nessa teologia (p. 16).

O que dizer diante do escândalo que significa o fato de uma publicação oficialmente comunista, órgão de um instituto moscovita para o estudo de nosso Continente, mostrar-se tão entusiasmada com um movimento promovido pelo Episcopado nacional?

A denúncia documentada da TFP, há três anos, não encontrou eco junto às cúpulas eclesiásticas. E as “operações pega-fazendeiro” continuam a agitar o País. Como também as invasões rurais e urbanas, os saques a supermercados, e toda espécie de violências físicas e morais, praticadas pelos integrantes “conscientizados” das CEBs.

Será que a satisfação do Cremlin, manifestada pela “camarada” Andrónova, servirá para abrir os olhos de Bispos e Sacerdotes? Pelo menos este é mais um serviço que a TFP lhes presta, levando-lhes ao conhecimento o sensacional documento de um órgão da Academia de Ciências de Moscou. Por assim dizer, o “recibo” de Moscou às denúncias formuladas no livro da TFP.

*   *   *

Quadro 1

A “motivação religiosa” das CEBs — instrumento para a implantação do ateísmo

ESCREVEU O PROF. PLINIO Corrêa de Oliveira em 1982, no livro-denúncia sobre as CEBs:

“Dada a grande afinidade do pensamento sócio-econômico existente entre as CEBs e as correntes socialistas ou comunistas do Brasil ou de qualquer outro país, é-se levado a concluir que, grosso modo, a revolução sócio-econômica promovida por estas e a das CEBs são uma só.

“Diferencia-as apenas a natureza das respectivas motivações filosóficas e religiosas. O dirigente, militante ou recruta das CEBs deduz da Religião (reinterpretada pela Teologia da Libertação) as conclusões sócio-econômicas que o PC e o PS deduzem da irreligião. Essa revolução religiosa e a revolução atéia têm, no mais, tudo ou quase tudo para se irmanarem largamente no campo da ação.

“Entretanto, esta fundamentação religiosa da revolução confere às CEBs, no mundo de hoje, características próprias e vantagens específicas, que a revolução atéia não possui. (…) A motivação religiosa da subversão das CEBs lhes dá uma possibilidade de êxito, pelo menos a longo prazo, que Lenin não teve” (As CEBs… das quais muito se fala, pp. 82-83).

Quadro 2

Transformação das mentalidades através da reinterpretação da Bíblia

(TRECHOS DA DESCRIÇÃO do processo de “baldeação ideológica inadvertida”, por meio do qual o membro da CEB vai tendo sua mentalidade religiosa modificada, transformando-se num marxista revolucionário)

“Transformação das mentalidades pela conscientização

“Ao mesmo tempo que lhe é incutida uma religião nova, revolucionária, sua mentalidade é modificada mediante um processo de conscientização: procura-se provocar no indivíduo e no grupo a consciência das desvantagens de sua situação na sociedade e a necessidade de participar em sua alteração. (…)

“A mentalidade do membro da Comunidade de Base torna-se, assim, tensa, reivindicativa, inconformada, revoltada contra sua situação. Passa de uma `consciência ingênua’ para uma ‘consciência crítica’; ou seja: `toma consciência’ da ‘situação de opressão’ em que vive na atual sociedade de classes. (…)

‘Leitura conscientizadora’ da Bíblia

“A Bíblia vai ocupando cada vez mais papel preponderante na vida das CEBs, vindo a constituir-se no único ponto de referência, na instância última e soberana, olvidado e posto de lado o Magistério da Igreja.

“Nos `círculos bíblicos’, `cultos dominicais’, `reuniões de reflexão’ e outras, adota-se o método chamado `integração Bíblia-vida’: toma-se um texto bíblico e faz-se a comparação com a situação atual; ou o inverso: parte-se de um fato de hoje e procura-se a semelhança com algum episódio bíblico. (…) Isto conduz, naturalmente, ao mais completo livre-exame e abre caminho para todas as divagações — portanto também para todas as aberrações doutrinárias e desvios de personalidade. (…)

“A esta distorção acresce a `leitura dialética da Bíblia’: as Sagradas Escrituras devem ser lidas a partir de uma posição classista — o lugar social do pobre’, isto é, a partir da `ótica do oprimido’. (…) A missão da Igreja, como a de Moisés, é a de conscientizar o povo para que ele, uma vez despertado, lute pela sua libertação, destruindo as estruturas de pecado do regime capitalista” (As CEBs… das quais muito se fala, pp. 135-139)

Quadro 3

Teologia da Libertação – Marxismo dentro da teologia

MISTURA DE CONCEPÇÕES heréticas modernistas com as idéias força marxistas de luta de classes e de domínio da economia (modo de produção) sobre todas as demais atividades do homem, inclusive a religiosa, a Teologia da Libertação — doutrina que anima o movimento das Comunidades de Base — acaba sendo praticamente uma transposição do marxismo em termos religiosos. A coletânea de textos que se segue — extraídos de documentos ou de obras e declarações de próceres dessa corrente — apresenta diferentes aspectos dessa nova religião.

Frei Leonardo Boff, OFM: “Tenho para mim que a morte de Jesus foi humana, provocada pelos antagonismos que havia em sua época.

“O que propomos não é teologia dentro do marxismo, mas marxismo (materialismo histórico) dentro da teologia”.

Luiz Alberto Gómez de Souza: “Para a teologia da libertação não existe, atualmente, outra reflexão teórica melhor que o marxismo”.

Pe. Ronaldo Muñoz, SSCC: “Penso que como cristãos podemos aceitar, em geral, a concepção marxista de que é eticamente bom aquilo que na práxis revolucionária se vai mostrando eficaz para a causa do proletariado”.

Pe. Ernesto Cardenal (líder sandinista e atual Ministro da Cultura da Nicarágua): “Em um dos meus versos escrevi uma vez a seguinte linha: `comunismo e reino de Deus na terra significam a mesma coisa’. E com isto eu queria dizer que o comunismo e o Estado da `sociedade final comunista’ (…) que esta futura sociedade comunista será, ela mesma, o `Reino de Deus na Terra”‘.

Frei Betto e Pe. Pablo Richard: “Tanto Pablo Richard como Frei Betto — um teólogo, outro agente de pastoral — afirmaram que o socialismo `é apenas uma etapa do Reino de Deus”‘ (As CEBs… das quais muito se fala, pp.158, 147 e 162 — Nas páginas indicadas vão mencionadas as fontes de onde foram transcritos os textos aqui apresentados).

Quadro 4

As CEBs preparam uma verdadeira revolução

“É UMA VERDADEIRA Revolução (no sentido lato da palavra), com sérias possibilidades de se tornar muito grande, que as CEBs preparam. Já começam a ecoar nas profundidades de nossos sertões os brados-slogans ‘pega-fazendeiro’ (…). Está na linha de pensamento e de ação das CEBs, como na linha de seu dinamismo `místico’ exasperado, que a esses brados se sigam ou se juntem, dentro de não muito tempo, os de ‘pega-patrão’, ‘pega-patroa’, ‘pega-locador’, ‘pega-dirigente’. ‘Pega’, enfim, todo mundo que agora dorme indolente um letargo profundo, embalado alternativamente pelo desalento e pelo otimismo” (As CEBs… das quais muito se fala, p. 42).

 

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