Minha campanha eleitoral a pedido de Dom Geraldo de Proença Sigaud – A amizade desinteressada de outrora acabou

Palavrinha (breve exposição), 1º. de março de 1987

A D V E R T Ê N C I A

O presente texto é adaptação de transcrição de gravação de conferência do Prof. Plinio Corrêa de Oliveira a sócios e cooperadores da TFP, mantendo portanto o estilo verbal, e não foi revisto pelo autor.

Se o Prof. Plinio Corrêa de Oliveira estivesse entre nós, certamente pediria que se colocasse explícita menção a sua filial disposição de retificar qualquer discrepância em relação ao Magistério da Igreja. É o que fazemos aqui constar, com suas próprias palavras, como homenagem a tão belo e constante estado de espírito:

“Católico apostólico romano, o autor deste texto  se submete com filial ardor ao ensinamento tradicional da Santa Igreja. Se, no entanto,  por lapso, algo nele ocorra que não esteja conforme àquele ensinamento, desde já e categoricamente o rejeita”.

As palavras “Revolução” e “Contra-Revolução”, são aqui empregadas no sentido que lhes dá o Prof. Plínio Corrêa de Oliveira em seu livro “Revolução e Contra-Revolução“, cuja primeira edição foi publicada no Nº 100 de Catolicismo, em abril de 1959.

 

 

(Um fatinho da campanha eleitoral do Sr. no Paraná, na década de 1950)
Eu fiz aquela campanha contra a minha vontade. Porque eu não achava (…) e não era, portanto, com esses eleitores, que era uma coisa indiscutível que vencesse. Eu precisava trabalhar para vencer. Mas – aqui se punha outra coisa – é que se eu vencesse, eu teria certeza de que os meus votos seriam contados pela comissão apuradora? Não tinha a menor certeza…
Bem, mais ainda: Dom [Geraldo de Proença] Sigaud era bispo de Jacarezinho (Paraná). Naquele tempo a comunicação do norte do Estado com Curitiba, as estradas de asfalto eram incompletas, poeirentas, não eram asfaltadas etc., as viagens de automóvel faziam-se menos do que hoje etc. Psicologicamente falando, o norte do Estado estava muito mais distante de Curitiba do que fica hoje.
E o que tem mais é que Dom Sigaud não tinha amizades em Curitiba para controlarem, fazerem fiscalização. E o Grupo da TFP naquele tempo tinha 7 membros só, em São Paulo, 7 contando comigo! Mas quase todos eles tinham emprego de trabalho em São Paulo para subsistir. Não podiam durante 7 dias deixar o trabalho e controlar as eleições em Curitiba. Impossível! Resultado, não tinha controle nenhum. Eu não sabia que resultado essa eleição podia ter.
Mas Dom Sigaud fez uma insistência para aceitar, que eu vi que haveria uma diminuição da amizade que naquele tempo ele me tinha, caso eu recusasse.
Eu estava chegando da Europa e a transição entre a Europa e o Brasil não é tão pequena… Por outro lado, o norte do Paraná naqueles anos era muito menos desenvolvido do que hoje. Era um pouco sertão hem? Então, entre Paris e o sertão não é tão… psicologicamente não é tão próximo.
Mas eu julgava – e julgava bem, acho que estava certo isto – que era preciso fazer qualquer sacrifício para conservar a amizade de Dom Sigaud. E então, por causa disso, eu resolvi aceitar a campanha eleitoral. E então percorri aquela zona toda, durante uns três meses mais ou menos, de um lado para outro, incessantemente. De vez em quando, eu parava na residência de Dom Sigaud, passava um dia ou dois descansando, respondendo cartas, enfim coisas de expediente geral do Brasil. E depois voltava de novo na estória.
E vocês não têm ideia do que era a poeirada do norte do Paraná. Era uma coisa tremenda, porque não tinha estrada esfalfada, e vinham umas nuvens, colunas de poeira. Uma coisa só para lhes dar idéia de como era a vida.
Eu desci em São Paulo, no aeroporto, uma vez que eu vim a São Paulo durante a campanha, desci em São Paulo no aeroporto. E enquanto pegavam minha bagagem, eu sentei-me num engraxante que tinha lá, para engraxar meu sapato coberto de poeira. Ele espanou um pouco meu sapato com uma escovinha qualquer e sem me olhar, assim escovando – era nordestino, com a voz cantante assim de nordestino – “Patrãooooo…! O senhor está vindo do Paraná?”
Eu disse: – mas como é que você sabe?
Ele disse: – poeira assim só tem lá! E depois, vermelho como o senhor está, a poeira lhe entrou pela carne adentro…
Uma barbaridade! Bom, eu aguentei no duro.
Dois fatinhos. Acho que foi em Apucarana, eu sei que progrediu muito. Eu fui ao melhor hotel da cidade, era um hoteleco… Podia chamar o “Grande Hotel de Pulga azul”… abaixo de toda crítica. O homem [proprietário do local] me disse: “para o senhor não tenho quarto, porque todos os quartos estão tomados. Eu tenho apenas um quarto onde dormem juntos os chauffeurs de caminhão. E nesse quarto tem uma cama que ainda está vaga. Se o senhor quiser, o senhor dorme nesse quarto, nessa cama”.
E eu estava sem sono, ainda pior. Não sabia que horas eu ia dormir, cansadíssimo, sem sono. E tinha trazido um livro bonito de Paris para ler. Eu disse: eu aceito, com a condição de você me arranjar uma vela, e pôr na cabeceira. Essas camas têm assim, no próprio pau da cama, uma parte chata para pôr uma vela. Eu disse: ponha lá a vela, eu vou me deitar um pouco nessa cama e pago a noite.
Bom, cada chauffeur de caminhão ronca como se fosse motor rrroooooooommm, eles gemem…, uma coisa que eles não são é silenciosos. É uma coisa bárbara. E eu lendo ali a organização do Palais Royal em Paris, antes da Revolução Francesa…
De repente eu percebo que a vela “ pfummmmm”… Fui ver, a vela estava mal construída, com o pavio meio torto, e queimou aquela espermacete da vela, encheu todo o chão de espermacete. E a vela estava acabada, e eu tive que ficar no silêncio, ouvindo a harmonia dos roncos… É uma nas noites…
E eu pensava: “Nossa Senhora está querendo me provar bem durante esta viagem. E como tudo quanto Ela quer Ela consegue, Ela está conseguindo provar na perfeição”. Deitado lá, deixando passar o tempo. À certa altura o sono entrou e eu dormi umas horas…
Mas Nossa Senhora é assim: quando Ela prova muito, Ela ao mesmo tempo dá uma ajuda. Ela é Mãe, Ela dá uma consolação.
Eu deveria tomar uma avião, para vir para São Paulo, tinha uma coisa muito urgente para fazer em São Paulo. E o automóvel de Dom Sigaud não pode me levar, e eu então entrei em entendimento com um chauffeur de taxi para me trazer até o aeroporto de uma cidade próxima. O chauffeur disse: “não vai dar tempo, porque o avião levanta vôo às tantas horas, e o senhor não vai chegar”.
Eu disse: “você corra em toda a medida do possível, e você ganha o dinheiro que eu lhe der. Você não está interessado em tomar o avião, o interessado sou eu. De qualquer maneira você terá me levado lá. Se você não chegar, é possível que eu ainda utilize você para outro serviço, de maneira que aceite esse serviço com boa vontade, e trate de tocar”.
Quando chegamos assim à certa altura, vimos o aeroporto. Aeroporto!… Era uma pistinha, o avião ainda estava lá. Eu disse: corra, corra, toca toca! Toca!” Ele: “mais do que isso não posso tocar”. – “Toque, toque”! Ele tocou… eu entrei, estava ainda, eu bati o cabo do guarda-chuva na porta… O homem abriu e me disse: – “o que é?”
Eu disse: “Olha, tenho passagem e quero entrar”. Com surpresa para mim, o homem pegou aquela escada, colocou, eu entrei, sentei, ao lado de um japonês.
Bem, o avião começa: “bruuuuum, bruuuum”, aquela história. Afinal levanta vôo. O japonês voltou-se para mim e disse: “sim senhor, hein! O senhor tem sorte. Nós esperamos aqui duas horas para esse avião levantar vôo, e ninguém sabia por que é que o avião não saía. Foi só o senhor chegar e entrar no avião, que o avião partiu sem problema!”
Eu pensei: esse afago de Nossa Senhora vale toda essa história! Vamos para frente!
Bom, depois foram apurar os votos, naturalmente eu não fui eleito. Era fatal.
Pronto, está contado o fatinho! Bem, agora…
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[conversa com outro grupo de jovens]
Na Salve Regina e no Memorare, o que me toca mais é uma idéia que essas orações deixam bem clara, e que a graça aviva no nosso espírito, que a misericórdia de Nossa Senhora para conosco absolutamente nunca se desanima! Ainda que nós façamos a coisa mais inesperada, mais censurável, mais execranda, Ela não deixa de ser nossa Mãe. A qualquer momento que nós nos voltemos para Ela, Ela se volta para nós com uma misericórdia completa. De maneira tal que em todas as circunstâncias de nossa vida, haja o que houver, e tenha sido como for, se nós nos voltarmos para Ela, somos recebidos logo com olhar de misericórdia!
Eu devo acrescentar o seguinte: eu não conheço nada que ajude mais ao homem a ter coragem de viver do que isso!
Com o mundo como ele é hoje, o amor sobrenatural de uns para outros vai desaparecendo. E aí fora vocês não encontram amizade, não existe. Vocês sabem bem disso. Quer dizer, eles empregam a palavra “amigo”, “meu amigo”, nas cartas comerciais, “querido amigo”, mas todo mundo sabe que é uma palavra completamente vazia, não existe amigo. Ninguém mais é amigo de ninguém.
Eu me lembro de fatos que minha Mãe contava, no Brasil antigo, que ela tinha conhecido, amigos do pai dela e como eram para com o pai dela, e o pai dela como era para os amigos. É uma coisa… quer dizer, a gente não tem idéia. Isso acabou!
Eu vou contar um fato ou dois da amizade de antigamente. Acabou completamente. Ora, nós somos feitos, nossa mentalidade, nosso temperamento são feitos para nós sentirmos uma certa segurança no convívio com os outros.
Viver completamente isolado, no fundo, e cercado de feras que querem pular em cima de nós, ou querem nos abandonar desde que tenham interesse, e que só se preocupam com dinheiro, isso não é vida! E forma um ambiente que o homem não aguenta.
E eu acho que, em grande parte, a minha muito querida “enjolrada” [neologismo para a geração que ia dos 15 aos 30 anos, n.d.c.] é tão nervosa por causa disso. Porque são muito isolados e não sentem apoio, como antigamente havia apoio, por causa de uma tradição católica vaga, que ainda vivia.
Eu me lembro um caso (que) minha Mãe me contava.
O pai dela – assim ela contava, eu não conheci o pai dela, ele morreu quando eu tinha um ano. Mas enfim, ela tinha uma admiração superlativa pelo pai. Mas ela mesma contava que o pai em moço, quando era advogado bem moço, cometeu o erro de entrar na maçonaria! É a “igreja do demônio”, em Pirassununga onde ele morava… A cidadinha que estava começando, e era muito pequenininha, não tinha lugar para fazer reunião da maçonaria.
Então a maçonaria fazia reunião no mato, a mata virgem do Brasil (era) muito cerrada, como é no país de vocês todos (suponho que todos sejam hispanos), e todos têm matas muito cerradas em todos os lugares. Ali se presta para o segredo. Abrem uma clareira e fazem a reunião.
Bem, o meu avô ouviu falar que estavam, os da maçonaria, estavam brigados, estavam desgostosos com um membro da maçonara que era íntimo amigo dele. E que por causa disso tinham preparado, quando ele passasse por uma árvore no caminho, matá-lo.
Então meu avô contou para ele, terminada a reunião, contou baixinho para ele  que estava condenado à morte pela maçonaria. E ele disse: Bom, mas agora o que é que eu faço?
Meu avô disse a ele: Você está com uma capa – no Brasil antigo se usava – assim umas capas amplas, talvez nos países de vocês também, os antigos, capas enormes, grandes – uma capa ampla muito característica. Você me empresta esta capa, e eu vou nesta capa. Eu uso barba e você não usa. E eu vou na sua capa, mas com a minha barba bem à vista. De maneira que eles vão ficar na dúvida se sou ou se é você. E por causa dessa dúvida, como eles respeitam a mim, não vão me matar. E eu corro o risco… porque de repente nesse claro-obscuro da floresta eles matam. Mas ao menos eu salvo sua vida.
O outro aceitou e meu avô atravessou.
Bom, vocês sabem que hoje não tem isso. Mas não só não tem isso, não tem nada que se pareça com isso! Quer dizer, se vocês ouvirem contar que uma pessoas tal hoje, contemporânea, fez isto pela outra, vocês não acreditam, absolutamente. Só se o outro disser: “se eu escapar eu dou para você uma fortuna”. Talvez, por causa da fortuna, o sujeito resolva arriscar. Mas sem nenhuma fortuna, por amizade? Isso não sai! nem pensar!
Bem, isto [sem amizade e sem confiança] faz uma vida de inferno! Porque esses são os casos.
Meu avô tinha um amigo dele, que era um fazendeiro muito rico, e que abria fazenda etc., um homem muito perito, muito experimentado em fazendas [o primeiro Barão de Araraquara, n.d.c.]. E minha família nunca teve jeito para fazenda, estas coisas agrícolas. Eles davam bons advogados, bons oradores; bons fazendeiros, estas coisas não davam. Isso deles eu herdei: nunca daria um bom fazendeiro. E meu avô se iludiu um pouco. Ele  também comprou terras e mandou plantar uma fazenda de café.
Ele chamou esse amigo e disse: “olhe, eu quero que você venha ver minha fazenda, para você ver como eu sou um bom fazendeiro”. O amigo foi. Visitou a fazenda etc.
No fim disse: “olhe Totó (Antônio, na intimidade, no Brasil, se diz Totó), você é um fazendeiro que dá pena. Eu estive vendo sua fazenda, e fiquei com pena de você. A sua fazenda é uma porcaria! Você pensa que está plantando bem sua fazenda. Você plantou café onde não deveria…”
Parece que o café tem que ter uma certa relação com o sol, que eu não sei bem como é, tem que bater o sol  no café a uma certa hora. Ao menos no Brasil, na Colômbia não sei. Mas aqui…,
“Você não sabe nada disso Totó. Você fica lendo livro, não sabe nada disso. Eu vou propor uma coisa para você: eu vou montar esta fazenda para você. Não cobro a você nada. Simplesmente apresento as contas das despesas, você vai pagando. Ao cabo de 5 anos, sem ganhar nada, eu te dou a fazenda pronta. Eu só quero de você uma coisa: não se meta em nada!”
Meu avô concordou. Durante cinco anos ele não foi à fazenda. E não perguntou ao outro também como estava a fazenda. Ao cabo de 5 anos, o outro chegou e disse: “Totó, a sua fazenda está pronta. Você quer vir comigo visitar?”
Estava um primor de fazenda! Pelo que Mamãe contava, não constava que ele tinha recebido nem sequer um presente! Apenas um “muito obrigado”.
Vocês acham que isso acontece hoje?… Quer dizer, é não acreditar! Se um sujeito propor a nós: “não vá à sua fazenda que eu vou arranjar lá” Vai roubar lá, vai derrubar a madeira, fazer qualquer porcaria… Eu não ir à minha fazenda? Não tem dúvida, esse ladrão vai…
Acabou a amizade…
Bem, vocês dirão: “é verdade, Dr. Plínio. Mas ficou o sentimento de afeto de o esposo para com a esposa”. Por que é que divorciam? O que é que vale esse afeto se divorciam à toda hora? Não tem!
Então, a ideia de que por cima de toda miséria humana Nossa Senhora está nos olhando no Céu, à toda hora, é só pedir auxílio que Ela dá. Ela dá mais do que pedimos!
E isto foi, até hoje, o que mais me anima na devoção a Nossa Senhora!
Eu quereria que esses filhos todos aprendessem isso, praticassem isso. Devemos rezar à Nossa Senhora com confiança.
Ela está não está olhando do alto do céu desconfiada, nem menosprezando-nos, nem nada. Está  olhando com afeto, com pena, com bondade! É só pedir perdão que Ela dá; é só pedir forças que ela concede!

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