Folha de S. Paulo, 15 de dezembro de 1981
A Palavra do Leitor
A propósito da Mensagens das TFPs
Do sr. Plinio Corrêa de Oliveira:
Li no último dia 11 a correspondência de Paris, enviada pelo sr. J. B. Natali. Ocupa-se ela – com que ênfase! – da repercussão que vai tendo naquela capital a Mensagem das treze TFPs à opinião pública do Ocidente, sobre as metas e a doutrina do socialismo autogestionário francês. As primeiras publicações dessa Mensagem foram no “Washington Post” e no “Frankfurter Allgemeine Zeitung”, e não na França. No entanto, nos círculos que o sr. J. B. Natali quis ouvir, isto é, no Quai D’Orsay e o PS (Partido Socialista), já foram intensas. Surpreendentemente intensas. Não sei por que o sr. Natali imaginava que tal texto seria panfletário. Ele é sereno e sério, como tudo quanto venho escrevendo em livros e jornais. Analiso o assunto com calma e objetividade (35 notas e um quadro contendo ao todo 144 citações de documentos do PS, e doze outras notas, algumas delas com citações de textos pontifícios). E me abstenho de qualquer ataque, ou sequer insinuação, de natureza pessoal. Ainda assim, o sr. Natali julgou ver nela um caráter “panfletário”, embora “bem menos” do “que se poderia supor”.
Estou igualmente sem saber onde está em meu texto aquela “mordacidade” que, segundo ele, “fontes do governo francês julgam profundamente desonesta”. Parece que tudo isto estaria em que a Mensagem pinta a França governada pelo presidente Mitterrand “com cores de um país alinhado ao comunismo e à União Soviética”. Ora, o que afirmo e comento sobre as relações entre a doutrina socialista e a doutrina comunista, bem como sobre as relações entre o PS e o PC, é algo de muito mais filosófico, mais complexo e mais amplo, e de nenhum modo se define adequadamente pela mera e aliás elástica palavra alinhamento. Das relações diplomáticas entre o Quai D’Orsay e o Kremlin, a Mensagem nada diz. Se eu fosse agressivo, diria que o comentário da tal fonte, esta sim, é “mordaz” e “panfletário”. Não diria que é “desonesto”. Este termo insultante figura com naturalidade em um xingatório. Numa carta refletida e serena, ele não pode figurar. Pena que o tenham usado as tais “fontes”, e ainda mais assim, desacompanhado de qualquer demonstração.
No Quai D’Orsay, um porta-voz disse que… “as críticas da TFP ao governo francês são abusivas e excessivas”, informa o sr. Natali. Mas acrescentou que “contra elas a França não levantará sequer um dedo por respeitar a liberdade de expressão”. Também a isso tenho um comentário a fazer. Não é só “levantando um dedo” que se limita a liberdade de expressão. Mas também usando a língua. Quem se serve do prestígio de uma situação oficial para recusar, com um grave insulto, um diálogo de elevado nível doutrinário, proposto com dignidade e cortesia, tenta desalentar a crítica e coarcta por aí a livre expressão do pensamento.
Nessa linha, ainda foi mais longe o sr. Philippe Parrentir, do Partido Socialista. O próprio sr. J. B. Natali reconhece que ele “foi ferino em sua declaração”. A tese pouco amena do porta-voz (porta-berros) do PS é de que “os senhores da TFP são loucos delirantes”. Ele julga demonstrar isso a propósito de nossa tão amplamente argumentada Mensagem, com três razõezinhas de algibeira:
- a) Eu afirmaria que a presença de ministros comunistas no governo é bastante para provar o “alinhamento” da França socialista. Por favor, onde está isso na Mensagem?
- b) O comportamento da diplomacia francesa, “constantemente em conflito com Moscou”, provaria que tal alinhamento não existe. Mais uma vez: onde fala a Mensagem de alinhamento?
- c) Ele não vê, na França, “quem poderia dizer tais coisas, mesmo na extrema direita”. Quais coisas? O que diz a Mensagem? Ainda que na França ninguém as diga, isso de nenhum modo basta para provar que as nossas teses e os nossos argumentos são falsos. Para prová-lo, é preciso ter a coragem de analisar essas teses e esses argumentos, um a um, e não simplesmente responder com desaforos e impertinências em rápidas declarações a um correspondente de imprensa. Muito menos bastam os pequenos expedientes como o que utilizou “uma das fontes latino-americanas do serviço de relações exteriores do primeiro-ministro”: “Uma organização com essa sigla (TFP) já evoca algo que provoca nos franceses uma enorme repulsa porque lembra ‘Trabalho, Família, Pátria’, slogan de Pétain”. Antes de tudo, não há uma só TFP: há treze, como está claríssimo na Mensagem. Como se bastasse uma simples e absolutamente fortuita coincidência de siglas entre organizações tão diversas quanto a TFP e “Trabalho, Família e Pátria” para inspirar no povo francês a tal “enorme repulsa”. Temos a alegria de defender contra esse canhestro joguinho de palavras, ou de siglas, o povo francês: ele é inteligente demais para movimentos repulsivos tão primários.
O sr. J. B. Natali ainda aborda outros assuntos: preço pago pela campanha, o enorme mistério (risum teneatis) mantido por meu inteligente e valoroso amigo Caio Xavier da Silveira, diretor da TFP brasileira, presente em Paris, acerca das demais cidades onde deverá ser publicada a Mensagem etc. Evidentemente, temas colaterais feitos para acirrar a polêmica, desviando-a ao mesmo tempo do essencial. Isto é, da análise das teses e dos argumentos contidos na Mensagem. Tudo somado, as vozes indiscutivelmente autorizadas que o sr. J. B. Natali ouviu parecem indicar bem a tendência do socialismo autogestionário francês (partido e governo) de esquivar a análise da Mensagem. O que já basta para provar que ela está vitoriosa. Conclusão que o mesmo socialismo autogestionário francês só poderá invalidar, desmentindo-a pelos fatos. Ou seja, entrando com objetividade e profundidade no amplo cerne da Mensagem. Que o faça. Esperamo-lo prontos a seguir as normas do jogo: desassombro, clareza, cortesia.
Por me ter dado boa ocasião para deixar tudo isto muito claro, digo até ao sr. J. B. Natali que o fico querendo bem pela sua reportagem, ao mesmo tempo um tanto ingênua e fortemente exacerbada.